Nivel Narrativo

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Nvel Narrativo

Conteudista
Prof.Dra. BRUNA LONGO BIASIOLI

Sabe-se onde a narratividade se situa no percurso gerativo da


significao, pois j foi citado que as estruturas semio-narrativas correspondem
organizao do enunciado (texto, imagem ou filme) antes que seja assumida
pela enunciao; ela representa o nvel superficial das estruturas semionarrativas.
A narratividade busca analisar como os sujeitos executam as operaes
do nvel fundamental, estudando o encadeamento lgico das transformaes
manifestadas que geram sentido. Com efeito, o segundo nvel do percurso
gerativo considera que uma (...) narrativa mnima ocorre quando se tem um
estado inicial, uma transformao e um estado final (FIORIN, 1989, p. 21),
ligados por programas narrativos que articulam-se em percursos narrativos e
que compem o esquema narrativo.
O programa narrativo (PN) uma unidade elementar construda de
enunciados de estado e de fazer. O primeiro estabelece uma relao de posse
ou de privao entre um sujeito e um objeto, ou seja, uma disjuno ou
conjuno. O segundo enfatizado pela transformao de um estado para o
outro. Assim os enunciados de fazer regem os de estado que, transformados,
geram narrativas mnimas hierarquizadas no texto.
No Programa Narrativo, um enunciado de fazer rege um enunciado de
estado. Um mesmo texto pode ter vrios Programas Narrativos. Por exemplo,
no texto Histria de uma gata (BARDOTTI & BUARQUE,1977), o sujeito
gata passa por vrias transformaes e essas transformaes esto inseridas
em um Programa Narrativo. Quando o texto diz que a gata sai de casa e vai
para a rua adquirir liberdade, identificamos em seu enunciado um sujeito do
fazer (gata), uma transformao (sair de casa e ir para a rua) e um sujeito de
estado (gata, que coincide com o sujeito de fazer porque ela mesma operou
uma mudana em sua vida). Esse um dos Programas Narrativos que
compem o texto.

Barros (1988, pp. 21-22) apresenta quatro diferentes variaes dos


programas narrativos que so: (a) natureza da funo, (b) complexidade e
hierarquia de programas; (c) valor investido no objeto e (d) relao entre os
actantes narrativos e os atores que se manifestam no discurso.
A autora prope ainda uma combinao entre os itens (a) (aquisio e
privao) e (d) (transitivo e reflexivo), com objetivo de permitir a anlise em
torno do programa correlato sempre existente. De fato, se um sujeito adquire
um valor porque um outro se privou dele.
O Percurso Narrativo, por sua vez, corresponde a uma sequncia de
Programas Narrativos relacionados por pressuposies. No Percurso Narrativo,
temos o chamado Percurso do sujeito, que o encadeamento lgico de um
programa de competncia com um de perfrmance. Existem, tambm, o
percurso do destinador-manipulador e o percurso do destinador-julgador, como
expresso no quadro 2, mais adiante.
Em outras palavras, para que o sujeito entre em conjuno com o objeto
valor desejado, necessita executar dois tipos fundamentais de programa: o da
competncia e o da perfrmance. No primeiro, o sujeito que vai realizar a
transformao investido dos valores modais do querer/dever ou saber/poder.
No segundo, onde a transformao de fato acontece, h a apropriao dos
valores desejados que possam existir ou que necessitem ser produzidos.
Assim, na competncia que o sujeito se capacita para agir e na perfrmance
que ele age.
Entretanto, Greimas (1979, p.24) lembra que (...) a competncia no
sempre positiva, podendo ser insuficiente ou mesmo negativa, assim como a
perfrmance, que pode ser bem sucedida ou conduzir a um fracasso.

Uma vez postos em seqncia de pressuposio lgica, os programas


narrativos compem o percurso narrativo que, por sua vez composto pelo
percurso do sujeito, do destinador-manipulador e do destinador-julgador.
O percurso do sujeito constitudo, como j citado, pelo encadeamento
de um programa de competncia com um programa de perfrmance, onde so
desempenhados vrios papis actanciais assumidos no programa narrativo,
que so definidos pela variedade de estados narrativos cumprido pelo actante,
o que realiza ou sofre o ato.
O fazer do sujeito exige competncias modais que transformam o
querer, o dever, o poder e o saber em fazer definindo-lhe semioticamente suas
existncia de trs modos diferentes: o virtual (pelo querer ou dever-fazer), o
atual (poder e saber-fazer) e o realizado (pelo fazer e pela transformao).
Assim, o percurso do sujeito se estabelece pela aquisio da competncia
necessria para realizar a ao, bem como pela perfrmance de sua
existncia.
O percurso do destinador-manipulador estabelecido de modo a levar o
sujeito a realizar o fazer desejado pelo primeiro. Para que isso acontea,
necessita que o sujeito creia em sua competncia para se deixar manipular, e
passe a dotar-se dos valores modais do querer-fazer, do dever-fazer, do saberfazer e do poder-fazer. O destinador-manipulador prope um contrato e
persuade o destinatrio que, por sua vez, ao interpret-lo, aceita-o ou recusao.
Conforme j vimos no mdulo anterior, a manipulao se d
basicamente por meio da tentao, da intimidao, da provocao e da
seduo. Barros (1988, p. 33) prope que os tipos de manipulao sejam
organizados sob o critrio da competncia do destinador-manipulador e sob o
da alterao modal operada pela competncia do destinatrio, que so assim
representados:
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Para se deixar manipular, o destinatrio reconhece o destinador como


competente, passando o primeiro a crer nos valores oferecidos pelo segundo.
De fato, o percurso da manipulao o lugar da aceitao e do
estabelecimento de acordos e contratos. A semitica entende por contrato uma
troca de dois objetos-valor que, para se constiturem, necessitam ser
previamente estabelecidos e, ao realizar-se, modifica o estatuto dos sujeitos.
O percurso do destinador-julgador o lugar do reconhecimento do
sujeito que efetuou a transformao, ou seja, aps cumprir sua parte no
contrato, ele recebe sua recompensa que pode ser positiva (prmio) ou
negativa (castigo). Esta fase denominada sano, que pode ser cognitiva ou
interpretativa (ganho imaterial) e pragmtica (ganho material). Ao julgar, o
destinador efetua uma interpretao veridictria dos estados resultantes do
fazer do sujeito, que pode ser verdadeiro (que parece e ), falso (que no
parece e no ), mentiroso (que parece, mas no ) ou secreto (que no
parece, mas ) e assim comprovar se foi cumprido ou no o contrato, assumida
a manipulao. Nas palavras de Barros (1988, pp. 33 e 34).

(...) o destinador-julgador verifica a conformidade ou no


da conduta do sujeito com o sistema de valores que
representa e com os valores do contrato inicial
estabelecido com o destinador-manipulador. Cabe ao
destinador-manipulador comprovar se o sujeito cumpriu o
compromisso assumido na manipulao.
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A semntica do nvel narrativo ocupa-se, portanto, dos valores inscritos


nos objetos. Em uma narrativa, aparecem dois objetos: os objetos modais
(elementos necessrios perfrmance) e os objetos de valor (com os quais se
entra em conjuno ou disjuno durante a perfrmance principal). Objetos
valor e modal so posies na sequncia narrativa. O objeto modal aquele
necessrio para se obter outro objeto. O objeto valor aquele cuja obteno
o fim ltimo do sujeito (FIORIN, 1989, p. 29).
Uma vez organizado linearmente o percurso do destinador-manipulador
do sujeito e o do destinador-julgador, tem-se o esquema narrativo cannico
que, ao reunir os trs percursos, permite o encadeamento organizado da
narrativa, deixando emergir o sentido, a interpretao, de fato, do texto. Assim,
entende-se que o esquema narrativo a reunio dedutiva e analtica que,
posta em cadeia, em implicaes lgicas, narrativiza a significao.
O nvel superficial das estruturas semio-narrativas possibilita analisar a
ordenao do texto, sua sequncia, sua dinmica, uma vez que resgata as
relaes de estados e transformaes, aquisies e privaes, bem como o
estabelecimento e as rupturas de contratos que colocam o objeto-valor em
circulao. A narratividade , portanto, o estudo da ao dos enunciados que
revelam a motivao e a ideologia mostradas no nvel fundamental.
Como j vimos, a semitica se ocupa em descrever o sentido dos mais
variados tipos de texto. O nvel fundamental trabalha com as oposies de
base, enquanto o nvel narrativo trabalha, entre outros elementos, com a
manipulao, ou seja, estratgias para fazer o leitor/consumidor, ou seja, o
receptor do texto, ser persuadido a fazer o que se espera que ele faa.
Vamos ver alguns exemplos de manipulao:

1. Campanhas

Veja esta campanha antitabagismo:

Figura 1: Campanha antitabagismo (retirada de fcv.org.br. Acesso em


17/07/14)

A campanha acima manipula o leitor por meio da intimidao, isto , com


um discurso ameaador, a mensagem provoca medo no fumante. Espera-se
que este, manipulado pelo medo, deixe de fumar, ou seja, seja persuadido a
fazer aquilo que o enunciador solicita.
A campanha espera que o receptor atue na instncia do dever-fazer, ou
seja, na obrigao (dever) de parar de fumar (fazer).
Agora analisemos a campanha abaixo, a favor da doao de rgos:

Figura 2: Doao de rgos (retirada de xpromocoes.com. Acesso em


19/07/14)

Temos, aqui, um exemplo de manipulao pela seduo. O emissor do


texto utiliza recursos para atingir seu receptor no emocional, provocando
sentimentos como compaixo.
A imagem de uma criana, juntamente com os dizeres que demonstram
sua gratido quele que lhe doou o corao, fazem com que o receptor do
texto aja por compaixo, solidariedade.
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2. Propaganda

Vamos ver esta propaganda do desodorante masculino Axe:

Figura2: Desodorante Axe (retirada de sindromme.blogspot.br


Acesso em 17/07/14)

Aqui vemos um claro exemplo de tentao. O anncio prope ao


consumidor que, se ele usar o desodorante Axe, ter em troca vrias mulheres
ao seu redor. O apelo da imagem, aliada aos dizeres Acumule mulheres,
deixam ntida a atmosfera de seduo que quer envolver o enunciatrio, o qual,
num processo inconsciente, compra o produto, isto , faz aquilo que dele
esperado.
Agindo no querer-fazer, o consumidor sente desejo de comprar o
produto a fim de que receba o prmio, que so as mulheres.

3. Sermo religioso

Vamos analisar este trecho de um sermo religioso, proferido pelo


pregador Neumoel Stina, intitulado O dzimo uma questo de f e
obedincia, retirado do site www.sermoes.com.br (acesso em 17/07/2014):

(...) Quando Deus reclama para si o dzimo, Ele no apela a nossa


gratido ou generosidade. Deus no precisa de nossos atos. Embora a
gratido deva constituir parte de nossas expresses dirigidas a Deus, devemos
dizimar porque Deus nos ordenou faz-lo. O dzimo pertence a Ele.
Da surge ento outra pergunta. Qual a finalidade essencial do Dzimo?
A Bblia responde: Trazei todos os dzimos casa do tesouro, para que
haja mantimento na minha casa, e provai-me nisto, diz o Senhor dos Exrcitos,
se eu no vos abrir as janelas do cu, e no derramar sobre vs bnos sem
medida. Malaquias 3:10.
Os dzimos tm a finalidade essencial de sustentar a obra da Igreja que
casa do Deus vivo. Em outras palavras para que a Igreja de Deus disponha
de fundos suficientes para a manuteno de seu ministrio e para levar avante
a pregao do evangelho.
O dzimo sagrado, ento s deve ser utilizado para fins sagrados.
Deus promete bnos a todos aqueles que forem fiis a Ele. No verso
12 do captulo 3 do livro de Malaquias ns lemos: Todas as naes vos
chamaro felizes, porque vs sereis uma terra deleitosa, diz o Senhor dos
Exrcitos.

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Essa uma grande promessa. Se formos fiis e obedientes, Deus


cumprir o que prometeu. Ns como indivduos, e a Igreja como um povo,
seremos reconhecidos como as propriedades abenoadas de Deus em meio a
todas as gentes.
Todos nos chamaro de bem-aventurados, ou seja, todos nos
reconhecero como povo feliz. Que linda promessa.

Vemos, neste excerto, que o pregador age pela tentao, ou seja, com o
objetivo de fazer com que os fieis queiram fazer (dar o dzimo), a fim de
receberem o que lhes prometido. Seu intuito persuadir os ouvintes a darem
o dzimo; para isso, ento, ele utiliza argumentos que provem que todo aquele
que o fizer receber bnos, felicidade, paz, etc.
A modalizao do sujeito
O termo modalizao designa a modificao da relao do sujeito com
os valores (modalizao do ser) ou que qualifica a relao do sujeito com o seu
fazer (modalizao do fazer).
S capaz de realizar uma ao o sujeito que quer e/ou deve, sabe e
pode faz-la. a isso que se d o nome de competncia modal do sujeito.
Essas instncias (querer, dever, poder e saber) so separadas em dois tipos
de modalizao, como j citado: a do fazer e a do ser. A modalizao do fazer
responsvel pela competncia modal do sujeito do fazer, por sua qualificao
para a ao. Na organizao modal da competncia do sujeito, combinam-se
dois tipos de modalidades: as virtualizantes, que instauram o sujeito (deverfazer, querer-fazer) e as atualizantes, que qualificam o sujeito para a ao
(saber-fazer, poder-fazer). H, ainda, a modalidade da realizao, atribuda ao
sujeito que realiza, de fato, a ao. Ao reconhecer isso, a Semitica comea a

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realizar uma tipologia muito mais especfica dos sujeitos. possvel haver
sujeitos coagidos, que devem, mas no querem realizar uma ao; sujeitos que
vo contra o sistema (heris que agem sozinhos), que querem, mas no
devem; sujeitos impotentes, que querem e/ou devem, mas no podem e assim
por diante.
Nessa fase, o estudo das modalizaes est ainda muito ligado ao,
pois o que se investiga so as condies necessrias para sua realizao. No
entanto, isso representou um salto muito grande, pois, se se pensar no
apenas no sujeito que tem sua competncia modal alterada, mas naquele que
realiza essa alterao, passa-se do estudo da ao ao da manipulao, ou
seja, do fazer ao do fazer-fazer. Assim, no se procura mais apenas explicar as
relaes entre sujeito e objeto, mas entre sujeitos, o que leva a uma concepo
de narrativa como uma sucesso de estabelecimentos e rupturas de contratos
(BARROS, 1988, p. 86).
O outro tipo de modalizao a modalizao do ser, que atribui
existncia modal ao sujeito de estado. Segundo Barros (1989, p. 45):

Dois ngulos devem ser examinados, na modalizao do


ser: o da modalizao veridictria, que determina a
relao do sujeito com o objeto, dizendo-a verdadeira ou
falsa, mentirosa ou secreta, e o da modalizao pelo
querer, dever, poder e saber, que incide especificamente
sobre os valores investidos nos objetos.

No caso acima, a modalizao recai sobre o objeto; h, no entanto, a


modalizao que incide sobre a relao de conjuno ou de disjuno que liga
sujeito e objeto. Trata-se de modalidades veridictrias e epistmicas. As
veridictrias articulam-se como estrutura modal em ser x parecer e aplicam-se
funo-juno. Mostra-se que um enunciado ou parece ser. No entanto,
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essa modalizao no diz respeito a nenhuma relao referencial, mas a algo


criado pelo texto. Ser o estatuto veridictrio exposto pela prpria narrativa ou,
em outros termos, pelo narrador; parecer o estatuto veridictrio atribudo a
um estado por uma personagem.
As modalidades veridictrias permitem estabelecer o estatuto veridictrio
dos estados: verdade, falsidade, mentira, segredo. Os enunciados modalizados
veridictoriamente

podem

ser

sobredeterminados

pelas

modalidades

epistmicas do crer: um sujeito cr que um estado parece verdadeiro ou


verdadeiro, etc. A modalizao epistmica resulta de uma interpretao, em
que um sujeito atribui um estatuto veridictrio a um dado enunciado. Nela, o
sujeito compara o que lhe foi apresentado pelo manipulador com aquilo que
sabe ou aquilo em que cr. O estatuto veridictrio de um enunciado dado por
um julgamento epistmico, em que o crer precede o saber, o que implica
reconhecer o carter ideolgico da operao de interpretao.
O estudo da modalizao do ser permite estabelecer tipologias de
culturas (por exemplo, h culturas que valorizam mais o querer ao dever e
outras que fazem o contrrio), dar representaes mais adequadas da
aplicao dos cdigos sociais de carter normativo, como regras gramaticais,
regras de polidez, etc. (nelas, combinam-se dever e saber: o excesso de zelo
no cdigo de polidez aproxima-se da hipercorreo em gramtica, quando a
um dever-fazer no corresponde um saber-fazer, mas um no saber fazer)
(GREIMAS, 1983, pp. 88-90).

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Referncias Bibliogrficas

BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria do discurso: Fundamentos


semiticos. So Paulo: Atual, 1988.

FIORIN, Jos Luiz de. Elementos de anlise do discurso. So Paulo:


Contexto/EDUSP, 1989. (Repensando a Lngua Portuguesa).

GREIMAS, Algirdas Julien. Dicionrio de Semitica. Paris : Du Seil, 1979.

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