EM CASO DE DVIDA, PRESERVAR: EXPLORANDO OS VESTGIOS DA

CULTURA MATERIAL E DE ENSINO EM ESCOLAS INGLESAS

Martin Lawn & Ian Grosvenor

UM sto de escola, criado a partir de uma sala ampla com janelas em

arco gtico, existe uma faixa de soalho novo assente nas vigas do telhado.

Parece ter sido a colocado ao longo dos ltimos anos. Nesta plataforma esto uma srie
de caixas, mquinas e maletas bem arrumadas. No tm ar de ter sido para ali
empurradas ao acaso mas sim pousadas ou empilhadas cuidadosamente. como se
ainda tivessem utilidade e ali tivessem sido depositadas para mais tarde serem
recuperadas. Para aceder a este espao preciso atravessar uma escada pelo alapo que
fica na casa de banho dos rapazes, no piso trreo da escola. So precisas pelo menos
duas pessoas para conseguir o acesso: uma para segurar a escada, a outra para a subir.
No sendo fcil entrar neste espao, ainda mais difcil colocar ou retirar objetos de
dentro dele. As mquinas j no so utilizadas. A sua utilidade para professores e
diretores escolares terminou. Foram substitudas ou a sua funo cessou totalmente. Tal
como com a maquinaria domstica, de escritrio ou industrial, o seu valor de revenda
teria sido baixo e o seu custo de manuteno alto. Apesar de todas as mquinas
parecerem intatas, o seu valor como sucata teria sido quase nulo. O espao onde estas
mquinas foram deixadas foi criado por cima do que agora o gabinete do diretor da
Prince Albert Junior and Infant School, em Aston, Birmingham. Esta escola foi
construda na dcada de 1880. O espao agora ocupado pelo gabinete do diretor era
designado na planta original de Quarto dos Bebs. Algum tempo mais tarde foi-lhe
acrescentado um teto falso, de modo a dividir horizontalmente a sala ampla com janelas
em arco gtico. O espao de baixo foi subdividido para criar um gabinete e instalar as
casas de banho dos rapazes. Foi colocado um ponto de acesso para o novo espao de
cima da escola. Neste sto podem ver-se ainda as marcas da iluminao a gs original.
Estas alteraes estruturais sugerem elas prprias um conjunto de questes histricas,
mas o que dizer sobre os objetos deixados neste pequeno e organizado cemitrio de
tecnologia escolar? Porque teriam estas mquinas sido reunidas e colocadas to difcil e
cuidadosamente num espao da escola que quase inacessvel? Que mquinas vieram

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aqui parar? Quem as teria aqui colocado? Que tempo de vida teriam tido, como teriam
sido usadas e teria o seu uso terminado? Quem saberia sobre estas mquinas? Que
relaes teriam os professores com estes vestgios de culturas de ensino anteriores?
Como se relacionariam elas com a identidade profissional dos professores? Em suma,
que histrias estariam associadas a estes restos materiais?
Que tipos de mquinas aqui se encontram? Podem ser categorizadas em trs
grupos: mquinas de reproduo de texto, de som e de imagem. As mquinas de texto
incluam a mquina Banda (comprada na dcada de 1960), a mquina Gestetner
(tambm adquirida na dcada de 1960), uma mquina de escrever e uma fotocopiadora.
As mquinas de reproduo de som incluam um gira-discos, uma grande coluna de
rdio (com botes de comando) e duas colunas hi-fi Hacker. As mquinas de
reproduo de imagem/texto incluam computadores antigos, um projetor de slides, uma
Language Master (uma mquina de reconhecimento de palavras/ sons usada em
atividades de leitura) e uma cmara de vdeo de 8 mm. Havia ainda alguns projetores de
palco. A maioria destas mquinas parecem ter chegado escola no incio da dcada de
60, para algum gabinete em desenvolvimento na escola ou para acrescentar a uma
coleco de materiais didticos e recursos. Em muitos casos estas mquinas foram
substitudas diretamente por tecnologia mais recente, como as fotocopiadoras e os
computadores, mas noutros, como a cmara de vdeo e o projetor de slides, foram
completamente suplantadas enquanto tecnologia. Esta tecnologia um vestgio de
prticas passadas, um sinal de camadas sedimentadas de trabalho e de culturas de
trabalho. As mquinas poderiam guiar-nos at formas antigas de trabalhar na escola e
at ao surgimento e extino de competncias, tarefas e relaes de rotina. Estas
mquinas poderiam oferecer-nos alguma evidncia mas apenas quando mais informao
poder ser recolhida a partir delas, das pessoas que as usaram ou de documentos
escolares ainda existentes sobre elas. Sem isto a evidncia no certa porque as
questes de investigao so traioeiras. Afinal de contas, esta uma coleco de
artefactos de todo incomum nas escolas. A maioria deles teria provavelmente passado
por outras escolas. So objetos reconhecveis e cada um deles produzido em srie. No
h objetos que indiquem algum processo misterioso de produo ou que sejam
peculiarmente locais. Para os professores na sua primeira, segunda ou terceira dcada de
ensino estas mquinas podem ser vulgares, utilizadas, acessveis ou desprezadas,
felizmente perdidas, postas de lado. Elas no so invulgares em si prprias. Porque
foram colocadas to cuidadosamente neste lugar praticamente escondido, acessvel

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ensino em escolas inglesas

apenas atravs de uma escada de mo? Para saber sobre isto teramos de encontrar o(s)
professor(es) que se dedicaram a reuni-las e a coloc-las aqui. Tambm possvel
deduzir esta informao a partir de outras afirmaes de professores. Num estudo
recente de uma escola primria dos anos 50, na mesma cidade, o diretor diz que a
maioria das cadeiras que foram entregues escola na sua abertura est ainda hoje a ser
utilizada. No caso das que se foram partindo, o diretor teria telefonado ao departamento
municipal respetivo a pedir que fornecessem novas cadeiras. Algum tempo mais tarde,
num telefonema para o diretor da escola, o diretor do departamento ter-se-ia referido a
algumas cadeiras, j sem uso no municpio, que alguns dias mais tarde poderiam ser
entregues na escola.
Por outras palavras, as escolas foram instaladas com recursos suficientes para
funcionar mas no tinham elas prprias os fundos para renovar ou substituir esses
recursos. Isto dependia das decises do municpio e seus funcionrios. Nestas
circunstncias, as escolas e os professores tinham de preservar, restaurar e trocar o
material didtico, especialmente os auxlios de reproduo encontrados no sto. Por
exemplo, um professor da escola lembra-se de a fotocopiadora chegar escola na
dcada de 70, praticamente sem aviso prvio, como parte de um negcio com um
fornecedor de escritrios, mediado pelo municpio, para que fornecesse mquinas em
segunda mo restauradas. A mesa de luz chegou escola no final da dcada de 70 como
um presente de um conselheiro escolar, a quem um professor (que tinha estado num
dos seus cursos de expresso dramtica) a tinha pedido. Foi um ato de boa vontade de
quem tinha o dinheiro para quem no o tinha. As colunas hi-fi Hacker foram oferecidas
escola pelo mesmo professor porque tinha recentemente comprado um novo par de
colunas para sua casa, tornando-se assim redundantes para a escola tinham uma
utilidade maior. O acto de guardar as mquinas era o acto de algum que, empregado
numa economia de troca e pobre em recursos, no se dispunha a deitar fora qualquer
coisa que pudesse ainda vir a ter uso na escola. Era um sinal de uma antiga mentalidade
escolar em que os professores estavam sozinhos com uma tecnologia a escola que
tinham de operar sem recursos. Todos os recursos financeiros estavam na autoridade
local e eram libertados de acordo com alteraes na regulao governamental, requisitos
legais, iniciativas ou reestruturaes locais. Muitas vezes as mudanas aconteciam na
escola e nos professores em funo das diretivas da autoridade local. Quando os bens

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chegavam no eram para ser desdenhados. Muitas das mquinas eram destinadas, claro
est, ao gabinete da escola primria que estava a mudar e a tornar-se proeminente no
trabalho da escola. A maior parte da tecnologia reunida no sto chegou escola na
dcada de 70. O subsdio calculado por capitao, a maior fatia do oramento da escola,
era para ser gasto em material didtico e recursos. A escola era grande e tinha uma
pequena margem que podia ser gasta em novas tecnologias, por um diretor entusiasta ou
por um professor convincente. Gira-discos, cmaras de vdeo, Gestetners e projetores de
slides entram nesta categoria. No provvel que tenha sido uma forte agenda de
modernizao mas antes uma srie de tentativas de melhorar o trabalho na escola, em
sintonia com a recente reduo dos custos de produo de bens eltricos, utilizveis nas
escolas e acessveis s de maior dimenso. As novas tecnologias eram vistas como um
sinal de progresso social e nas escolas como um sinal de progresso educacional. As
escolas estavam a comear a atuar como novos espaos de consumo de tecnologias mais
sofisticadas. Em meados da dcada de 70 estimou-se que existiriam nas escolas 200.000
projetores de pelcula de filme. No final da mesma dcada, a maioria das turmas estava
a utilizar a televiso educativa, no caso da primria muito provavelmente num local da
escola onde o aparelho teria sido colocado.1
Embora estas tecnologias faam todas parte de um importante desenvolvimento
na reproduo mais barata de sons, textos e imagens, o seu uso na escola no
facilmente detetado. Por exemplo, quem usaria realmente a cmara de vdeo, em que
ocasies, por quanto tempo e porqu? Tero os professores recebido formao para o
seu uso? O que ter acontecido pelcula usada? Estar guardada algures na escola? O
Language Master era um aparelho especializado que utilizava cartes com uma tira de
fita de gravao na base. Podiam fazer-se gravaes na fita para que o aparelho depois
as reproduzisse. Assim, podia-se desenhar imagens ou escrever palavras ou frases no
topo do carto e gravar um acompanhamento falado na fita que ficava por baixo. As
crianas podiam ouvir as palavras medida que as liam. O Language Master era um
dispositivo lgico, e mesmo til, mas apenas utilizvel por um aluno de cada vez, por
isso teria contribudo para a criao de uma seco de apoio e remediao numa escola
grande ou at para ajudar na gesto do trabalho de um voluntrio. O seu aparecimento
enquanto ferramenta de ensino correspondeu a alteraes na populao escolar e na
percepo dos professores quanto s necessidades dos seus alunos. A dcada de 70 viu

J. Stewart, The Making of the Primary School (Buckingham, 1986), 177.

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chegar escola uma grande quantidade de alunos para quem o ingls no era a lngua
materna (crianas que falavam urdu ou punjabi) ou que falavam uma variante de ingls
corrente. Em qualquer dos casos, estas crianas eram percebidas como sendo
linguisticamente deficientes e os professores precisaram de novas ferramentas para ir
ao encontro das suas necessidades. 2 Ter sido o Language Master uma tecnologia
aperfeioada no interior do campo educativo, transpondo uma tecnologia de outro
campo de trabalho, ou teria sido desenvolvido por uma empresa e usado em diversas
reas de atividade?

1.

Memorial silencioso a lutas passadas

H no sto um silncio profundo sobre o uso da tecnologia e a forma como as

relaes de trabalho na escola giram em seu redor e com ela se cruzam. As tecnologias
materiais no so neutras e no chegam escola livres de propsito e ideologia. O
silncio profundo no sto trata das relaes sociais de trabalho que colocam a prtica
educativa dos professores contra (na sua forma mais forte) a prtica educativa projetada
na tecnologia. A nova tecnologia era uma tecnologia de reproduo, chegando escola
como objeto de consumo ou produo de massas, com preo suficientemente baixo para
os oramentos escolares.
Um antigo manual para diretores escolares descrevia como as tecnologias
deveriam ser usadas na escola. As primeiras mquinas de reproduo eram teis
crescente diversidade do trabalho escolar:
uma classe de auxiliares muito til representada pelo copigrafo, o mimegrafo e o
hectgrafo. Para exames, testes, notas de professores, notas de turma, circulares para pais e
muitos outros propsitos so de um valor incalculvel Um multiplicador rpido poupa uma
mensalidade na grfica e oferece a ajuda necessria. Em muitas escolas esta inveno usada
diariamente, sendo treinados alunos seniores para auxiliar o professor no trabalho com ela.3

A. James, `Why language matters, Multiracial school, 5 (1977), 1-6: D. Milner, Children and Race Ten
Years On (London, 1983); M. Green and I. Grosvenor, `Making Subjects: History-Writing, Education
and ``Race Categorisation, Paedagogica Historica, New Series, XXX111/3 (1997), 883-908.
3
G. Christian, Head Teachers Manual (London, 1919), 73.

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A tecnologia vendida como uma soluo para um problema educativo. Uma vez
intrometido no trabalho dirio do professor, um aparelho to inocente como o Banda ou
o Gestetner, agora descansando calmamente no sto, complica-o e ao mesmo tempo
torna-se essencial para ele. Transforma os recursos de ensino, reduz o tempo passado
em tarefas que pode fazer mais rpido mas, por outro lado, cria novos problemas.
Comparemos a forma como o Banda e o Gestetner chegaram escola, pegando na
forma como pretendiam ser vistos, com as realidades do seu uso. Os duplicadores a
lcool foram inventados no incio da dcada de 30 nos EUA e eram usados para o
trabalho de escritrio. No havia alternativa fivel a estes duplicadores nas escolas, uma
vez que s estes permitiam a duplicao no momento (em oposio alternativa de
escritrio de impresso offset). A partir do incio da dcada de 50, foram cada vez mais
vendidos para as escolas do Reino Unido e no tiveram concorrncia at ao
aparecimento da fotocopiadora no incio na dcada de 70. Frequentemente mais em
conta do que a fotocopiadora, envolviam mais preparao e manuteno. No incio da
dcada de 50, os duplicadores a lcool Banda promoviam-se a si prprios como a
soluo tecnolgica para os problemas da escola. Calcularam o seu discurso de vendas
com cuidado, de forma a atrair compradores escolares. A marca Banda dizia-se
econmica, um mtodo perfeito de reproduo e um melhor mtodo de ensino trs
poderosos argumentos para a escola. Uma poupana seria possvel porque at as
pequenas escolas poderiam realmente poupar e aumentar a eficincia do ensino
reproduzindo as suas prprias cpias a cores de mapas, tabelas, grficos e desenhos.
Alegava que era capaz de reproduzir desenhos a cores produzidos a caneta e lpis, na
quantidade desejada de cpias limpas. De facto, conclua, pode ser operada por um
aluno.4
A marca Gestetner produziu uma verso para escolas do seu duplicador de
escritrio, porttil (embora bastante pesado) e numa tentativa de construir um novo
mercado (a companhia oferecia-se para fazer um estudo gratuito sobre o problema de
duplicao da escola e apresentar um relatrio em que o duplicador Gestetner seria
verdadeiramente adequado para a escola e seu oramento).5 Em 1957, publicaram um
anncio na revista Education, lida pelos responsveis das autoridades locais, em que
publicitavam o duplicador na base daquilo que, presumivelmente, consideravam ser os
problemas da escola. Era Simples e podia ser operado por inexperientes. Era
4
5

Education, 30 de maio (1952), publicidade.

Education, 23 de setembro (1960), publicidade.

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Robusto para o uso e desgaste da escola. Era Eficiente, produzindo cpias perfeitas.
Era Seguro, com baixos custos de avaria e era Econmico para um oramento
limitado. Era a resposta a uma procura dos administradores da rea da educao, que
queriam um duplicador que fosse ao encontro dos requisitos de hoje em dia. Embora
possam ser necessrias cpias perfeitas, nesta verso soava menos como uma
necessidade de ensino ou de recurso do que como uma necessidade administrativa. Os
compradores (as autoridades locais) viram certamente essa necessidade quando
compraram os duplicadores para as escolas. Seria interessante comparar, por exemplo, a
forma como a Gestetner vendeu os seus produtos a empresas e a escolas. As escolas
tinham mo-de-obra inexperiente e precisavam de mquinas simples. Precisavam de
mquinas robustas, baratas e eficientes para oramentos limitados. Ainda assim, a forma
como a soluo mquina era vendida no necessariamente a forma como seria operada
na prtica. Como funcionava esta soluo de escritrio nas escolas? Duplicava
eficientemente? Produzia cpias a cores fidedignas? E quem (que alma simples) a
operava? Uma ideia da labirntica e implacvel relao entre professores e duplicadores
pode ser encontrada nesta passagem de Jeff Doran, um professor da Nova Esccia:
Imagina a manh de sexta-feira: preciso de fazer noventa cpias a partir de um stencil de
duplicador a lcool at ao final do primeiro tempo. Em princpio demoro apenas dois ou trs
minutos para os fazer. H duas mquinas duplicadoras: uma numa despensa perto do gabinete e
uma no piso de cima na sala de trabalho dos professores h sempre uma fila de espera para a
fotocopiadora. por isso que eu penso usar o duplicador a lcool. Para poupar tempo. Mas no
assim to fcil. O duplicador que fica perto do gabinete mais recente, eltrico, est na
mesma sala onde o papel e o lquido duplicador esto guardados e a caminho da escadaria perto
da minha sala de aula, mas terei de ir buscar a chave secretria. Por vezes a secretria no
est no seu posto de trabalho. Outras vezes a chave da despensa est desaparecida, se algum
se esqueceu de a devolver. Ento capaz de ser mais fcil usar a mquina na sala de trabalho
que est sempre aberta. Mas a mquina na sala de trabalho mais velha, manual e muitas vezes
precisa de ser iniciada, pois muito pouco usada. Se no tiver lquido ou papel terei de
percorrer todo o caminho de volta at l abaixo despensa e acabo por ter de ir buscar a chave
de qualquer maneira. Ento poderia passar pela sala de trabalho quando entrar no edifcio, ver
se h papel e lquido para a mquina e se no houver continuo at l abaixo para ir
despensa Tenho de ir ao encontro do que preciso. Sei que provvel que no haja papel na
sala de trabalho. Posso ir busc-lo a uma resma que tenho na minha sala desde a ltima vez que
fui buscar a chave da despensa Levo este papel para a sala de trabalho. Tal como suspeitei o

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duplicador no est a ser usado. No h papel diz um dos professores. Coloco o papel no
tabuleiro, preparo o rolo e dou manivela at fazer as noventa cpias. Demora apenas alguns
minutos. A impresso roxa escura e distinta. Fiz boas cpias e tenho tempo de sobra. Tudo
porque soube ir ao encontro do que preciso.6

2.

Tecnologias vernaculares: um ofcio cheio de recursos

A relao entre os professores e a tecnologia material existe desde a formao de

instituies especializadas as escolas. Estas escolas eram implantadas j com
conjuntos de ferramentas educativas, relacionadas umas com as outras, frequentemente
atravs de um sistema elaborado pelos prprios professores. Variavam desde secretrias
especificamente concebidas, lousas, canetas e lpis, grficos e quadros at tecnologias
educativas muito particulares, como os epidiascpios e os dispositivos suos de
perfurao. Muito do material original, concebido e fornecido com a escola desde o seu
estabelecimento, pode permanecer sem nunca ser substitudo at se gastar, estragar-se
ou deixar de ter uso. A escola Prince Albert tinha desde a sua origem um palco
porttil em ferro fundido, que podia ser montado contra uma das paredes. Tinha um
arco de proscnio. Demorava pelo menos um dia para montar e a partir da dcada de 70
foi usado apenas uma vez por ano, na poca do Natal. As cadeiras e as carteiras
duravam at serem substitudas pela autoridade local. As secretrias em ferro originais
foram substitudas na dcada de 50, oitenta anos depois de as primeiras entre elas terem
sido fornecidas escola. A tecnologia reunida no sto mais recente. Frequentemente
eltrica, por vezes eletrnica, era tambm uma tecnologia de massas, muitas vezes
usada de formas diversas nos diferentes mercados industrial, comercial ou de
consumidores. O ensino era um lugar de consumo ao qual progressivamente se deu mais
ateno, medida que se ia tornando num mercado significativo de bens. Paralelamente
importao de tecnologias para dentro das escolas, existiu um outro sistema de
produo de ferramentas. Existia/existe uma tradio continuada nas escolas de os
professores fazerem os seus prprios recursos e as suas prprias ferramentas. Tais
materiais colocaram os professores como produtores em oposio a consumidores na
escola: eles fizeram objetos, escolheram os materiais e controlaram o processo de
fabrico. No so estes os materiais que podem ser vistos nas fotografias, eles no foram
reunidos e colocados no sto. H descries antigas das escolas e seus equipamentos

A. R. Neilsen (ed.), Daily Meaning: Counter Narratives of Teachers Work (Mill Bay BC, 1999), 20-1.

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que as descrevem como recetoras de materiais locais e nacionais e como criadoras de

ferramentas e sistemas. O Teachers Monthly, do final do sculo dezanove, publicou um
livro com o ttulo Teaching Wrinkles (sendo uma Wrinkle uma sugesto ou uma ideia
para poupar tempo). Era descrito na pgina da frente como uma coleco de
dispositivos recolhidos por todo o pas para auxiliar o Professor no seu trabalho. Estes
dispositivos eram sugestes de professores baseadas nas suas prticas e enviadas para
a revista. Foram organizadas em funo da disciplina do currculo (Gramtica do Ingls,
Aritmtica, etc.) e envolviam a criao de materiais pelos professores a partir de
madeira, caixas de areia, jornal, argila e gesso. Criaram-se processos de produo
elaborados e de trabalho intensivo para, por exemplo, ensinar formas e cores:

Primeiro pegava em oito ou nove pedaos de papel de lustro de cores diferentes [cores
primrias e secundrias]. Depois pegava numa folha de papel pardo e colava vermelho de um
lado e verde no outro; no seguinte amarelo e azul, etc., at todas as minhas cores terem
acabado. Quando estava tudo bem seco, desenhava as vrias formas quadrado, crculo, etc.
a partir de uns moldes de madeira que tnhamos na escola, acho que a maioria das escolas os
tem. Depois recortava-os e ficava com suficientes para dar um a cada criana, o que lhes dava
imenso prazer e tornava a lio mais fcil, pois as crianas gostam de tocar e de ver por elas
prprias.7

Wrinkles inclua fazer giz colorido (utilizando tinta e giz), fazer livros de recortes
[colando fotografias de vrios pases a estudar], fazer uma cola de longa durao (para
etiquetar garrafas, remendar documentos, etc.), revestir quadros e construir um aparelho
para fazer grficos ou cpias. Assim, o ato de ensinar podia envolver produo:
mergulhe duas onas de cola em quatro onas fluidas de gua fria at absorver, derreta numa
panela e adicione oito onas fluidas de glicerina comum, seis gotas de acido carblico e tanta
greda branca quanto seja necessrio para que a soluo fique leitosa. Mexa bem, verta num
tabuleiro metlico raso, pouse-o perfeitamente nivelado e deixe-o a repousar por doze horas.8

O que um professor? Uma pessoa que constri ferramentas para o seu trabalho
enquanto trabalha. Uma consequncia desta perspetiva que os professores esto a

7
8

Ibid., 39.
Ibid., 48.

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trabalhar quando no esto na presena das crianas. Eles tm de construir a tecnologia

da sala de aula antes de a poderem operar. A par da criao fsica de artefactos e
recursos didticos, haveria tambm um igual nmero de dispositivos para gerir as classe
e as rotinas. No entanto, a questo aqui que os professores criavam as suas prprias
ferramentas tanto quanto as usavam. Por vezes eles criavam sistemas em que estas
ferramentas, produzidas quer comercialmente quer ao nvel da escola, eram usadas. Por
exemplo, uma limpeza de lousas envolvia esponjas, uma rgua graduada, um lata rasa,
um armrio e uma srie de movimentos da parte do professor e da criana. Um sistema
simples criado para um propsito crtico, tinha de manter a disciplina, estabelecer a
rotina e ser eficaz. Um estudo histrico de uma outra escola primria no incio da
dcada de 80 prolonga esta ligao com a tradio Remediar e Remendar no ofcio de
ensinar. Nas dcadas de 50 e 60 esta escola teve diretores que resistiram entrada dos
rdios na escola (at ao incio da dcada de 60), dos gravadores de cassetes (at ao
incio da dcada de 70) e das televises at ao incio da dcada de 80. Isto no se
relacionava com questes de custo mas sim com um medo de que os professores no
ensinariam com eles mas sim os usariam para um momento de descanso.9 No entanto,
por essa altura os professores eram muito engenhosos a produzir as suas prprias
ferramentas:
ele tinha feito uma srie de instrumentos [musicais] caseiros. Isto implicava usar bides de
leo e latas de caf e esticar sobre eles folhas de borracha para fazer tambores. (Mr A, dcada
de 50)
comemos por usar todo o tipo de coisas diferentes [na nova sala das artes]: tampas de
garrafas de leite, pregos e parafusos. (Mr A, final da dcada de 50)
quando fui l a primeira vez [em 1944/45] no havia nada. Pintvamos papel de jornal com
tinta para teto para criar uma superfcie do tipo do papel para arte Fazamos pasta de gua e
farinha e fervamos a mistura porque, est a ver, no havia pasta solvel naquele tempo. (Mrs
A, final da dcada de 50)
Mr costumava fazer brinquedos de madeira. Tinha uma variedade de planos [desenhos] para
fazer brinquedos a partir de sobras de madeira e rolos de algodo. (Mrs A, final da dcada de
50)
Havia uma moda de fazer dispositivos e pequenas fichas est a ver, circuitos que usam
eletricidade. (Mrs C, dcada de 70)10

L. Wise, `Curriculum change in the primary school an oral history, BEd dissertation, University of
Birmingham, Westhill, 1982, 4.
10
Ibid., 31, 33, 34, 40.

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ensino em escolas inglesas

Esta cultura de trabalho, em que se usavam materiais para criar ferramentas para a
tarefa, no estava em contradio com a compra de equipamentos e de tecnologias
educativas modernas mas era o reflexo de outra cultura. Ela sobreviveu sem poder de
compra significativo, encontrou solues que no implicavam gastos e conservou e
reutilizou todo o tipo de materiais encontrados. Era uma economia de troca, uma
abordagem pedido e emprestado e, sobretudo, simbolizava uma cultura apelidada em
algumas regies de remediar e remendar. Os professores espelhavam uma poca em
que as pessoas resolviam os seus problemas de trabalho construindo as suas prprias
solues uma abordagem de ofcio e tambm uma economia escolar que no tinha
recursos financeiros prprios significativos. Quando as duas culturas se encontraram
equipamento artesanal e de troca e importado emergiu um leque variado de
possibilidades. Os professores criaram sistemas para integrar as ferramentas. A nova
matemtica da dcada de 60, apesar de usar esquemas de trabalho, estava dependente
da criao por parte dos professores de experincias prticas para os alunos, usando
fichas ou dispositivos. As fichas de trabalho so uma inveno tecnolgica simples que
parece estar enraizada na resposta artesanal do professor aos recursos e competncias
disponveis. Para construir a nova pedagogia da aula em grupos, foram canibalizados
livros antigos:
Bem, desfaz mais um livro e transforma-o em fichas [disse o diretor] ento hoje em dia o
que acontece. Do-nos dois livros e dizem-nos para construirmos um conjunto de fichas. (Mrs
C, dcada de 80)11

Outras vezes, era a prpria experincia do trabalho prtico do professor, em termos de

gesto da turma e suas atividades, que fazia com que um novo equipamento se tornasse
obsoleto. Na dcada de 60, um dispositivo denominado Talking Page, uma aplicao
precoce da aprendizagem programada, foi devolvido porque os professores sentiram que
no podiam deixar as crianas sem superviso enquanto estava a ser usado12. No final
da dcada de 70 foi usado um Listening Laboratory:

11
12

Ibid., 18.
Ibid., 54.

Educao e Patrimnio Cultural: Escolas, Objetos e Prticas

Ele veio e foi. A desvantagem era que as crianas estavam sentadas com auscultadores e tu
no sabias se estavam ou no a ouvir porque, de qualquer maneira, no estavas com elas,
estavas a fazer outra coisa qualquer. Mas na prtica quase todas estas coisas no so to
maravilhosas como as pessoas sugerem. H tantas coisas que tens que ter em conta que no as
podes usar exatamente da mesma maneira que essas pessoas as pensaram usar. (Mrs C, dcada
de 70)13

3.

Tecnologias modestas

Tambm esto desaparecidas do sto as tecnologias ubquas do ensino. Essas

so a prpria essncia do trabalho escolar. Objetos que circulam constantemente e que
so demasiado comuns para serem mencionados: lpis, tesouras, cadernos, rguas,
compassos, borrachas, afias, livros escolares, tinteiros e canetas de feltro. Quem os
armazenaria no sto e para que imaginado futuro uso? No entanto eles existem
enquanto mago do trabalho escolar, tecnologias chave de reproduo que novas
mquinas vieram suplantar. Consumidos pela escola em grandes quantidades, eles
tambm constituam itens que o oramento escolar podia suportar. No entanto o lpis,
crucial para desenhar e escrever, apenas se tornou central no trabalho escolar na
viragem do sculo, quando o seu preo foi reduzido pela produo americana em grande
escala. Um livro sobre o ensino na sala de aula, editado em 1895, recomendava papel e
lpis de grafite para os alunos que estavam a aprender a ler, superiores lousa e ao lpis
de lousa, apesar de o papel ser caro. O argumento ia no sentido da disciplina, menos
erros e mais qualidade com a substituio da lousa por papel a escrita ganharia
qualidade, apesar de perder um pouco em quantidade.14 O lpis, tal como o lpis de
lousa, estava envolvido na imitao do trabalho do professor no quadro mas tambm
permitia o uso de cadernos em integrao com as atividades do quadro. Combinando o
quadro, o lpis e o caderno num mtodo eficiente de ensino, em particular do ensino da
escrita, criou-se um dispositivo ou um sistema de tecnologias relacionadas que
permanece imutvel desde ento. Mas os lpis no so uma tecnologia simples. Para
alcanar uma ponta de lpis que funciona no papel, tiveram de ser resolvidos grandes
problemas de produo. Transformar aquela substncia relativamente escassa,
quebradia e suja numa ferramenta segura, forte, reutilizvel e barata para ser usada
nas escolas colocou problemas complexos de engenharia, de matria-prima e de
13
14

Ibid., 18.
J. Gunn, Class Teaching and Management (Edinburgh, 1985).

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ensino em escolas inglesas

marketing aos produtores.15 Pela dcada de 1910, nos EUA, mais de vinte milhes de
lpis tinham sido vendidos por ano, principalmente a crianas que frequentavam a
escola.16 A infraestrutura necessria s escolas como diriam os engenheiros para que
esta pudesse funcionar inclua papel, afias, borrachas e secretrias de superfcie lisa.
Tendo alcanado um bom design e sendo combinado com uma infraestrutura eficaz, o
lpis tornou-se numa tecnologia quase invisvel. Certamente j no era visto como
tecnologia de ponta na duplicao ou na reproduo e no seria indicado para ser
armazenado no sto.

4.

Rumo a algumas concluses sobre novas formas de ver os

professores
Se Connell est correto os professores so trabalhadores, ensinar um
trabalho e a escola um local de trabalho 17 ento podem levantar-se algumas
questes importantes sobre a cultura de trabalho e as relaes que envolvem a produo
e o consumo de tecnologias. Na investigao atual em educao, tanto sociolgica como
histrica, existe um foco contnuo mas limitado no ensino enquanto trabalho e em
particular quanto s culturas ocupacionais e do local de trabalho. Este artigo apresenta
um acrscimo a esta literatura em crescimento, ao considerar como os professores
interagem com a cultura material de ensino. Ele surge a partir de uma srie de
seminrios internacionais sobre Silncios e Imagens da Sala de Aula, envolvendo
historiadores do Norte da Europa e da Amrica do Norte, que se tm vindo a encontrar
ao longo dos ltimos anos em Birmingham, Toronto e Roterdo. Estes seminrios tmse debruado sobre a pergunta no expressa, a construo de factos histricos e os
silncios em torno dos elementos significativos da histria da educao urbana. Apesar
de os seminrios terem comeado com a ideia de sala de aula, os encontros tm
funcionado como um espao em que se exploram questes relacionadas com as
categorias, as reas tradicionais de pesquisa e as representaes na educao urbana,

15

H. Petroski, The Pencil (New York, 1997), 196.

S. Heller and S. Guarnaccia, School Days (New York, 1992).
17
R. W. Connell, Teachers Work (Sydney, 1985), 69
16

Educao e Patrimnio Cultural: Escolas, Objetos e Prticas

assim como com a sua metodologia.18 Isto tem tambm representado, em parte, uma
explorao contnua das ideias do filsofo e crtico de Weimar Walter Benjamin, com o
intuito de desenvolver novas formas de ver os alunos e os professores.19
Benjamin estava fascinado pela experincia urbana de viver na metrpole
moderna. Nas suas paisagens urbanas (Npoles, Moscovo, Berlim e Paris) ele explorou
o problema de como representar a experincia urbana. Os espaos, os edifcios e os
monumentos da metrpole moderna onde se enquadrava a atividade social tambm
forneciam superfcies onde se podiam encontrar, ler e decifrar vestgios da sociedade
humana. Viver significava deixar vestgios

20

e Benjamin, segundo o seu

contemporneo Ernst Bloch, estava possudo por uma:

singular contemplao do detalhe significativo, do que permanece arredado, dos elementos
vivos que, no pensamento como no mundo, surgem a partir da, das coisas particulares que se
insinuam de forma invulgar e no esquemtica, coisas que no se encaixam no que habitual e
por isso merecem particular e incisiva ateno.21

O empreendimento crtico de Benjamin nas paisagens urbanas era o de tornar visvel

o invisvel, gravar os vestgios deixados para trs pelos habitantes da cidade
moderna. Ao representar a experincia moderna nas suas paisagens urbanas, Benjamin
rejeitava as estruturas convencionais da narrativa para as substituir por uma forma e
um estilo literrios descontnuos, fragmentados que captava a fragmentao e a fluidez
que eram a essncia da experincia da modernidade.22 Benjamin procurou apresentar as
suas ideias com textos em que forma e contedo coalesciam, em que a experincia de
viver na cidade estava embutida na estrutura do texto e na metodologia de apresentao
e em que a apresentao direta obliteraria todos os vestgios do autor:

Mtodo deste projeto: montagem literria. No tenho nada para dizer, apenas para mostrar. No
roubarei nada de valor, nem me apropriarei de qualquer fraseado habilidoso. Apenas o trivial, o
lixo que eu no quero inventariar mas simplesmente permitir que lhe seja reconhecido o seu
valor da nica forma possvel: sendo posto a uso.23

18

I. Grosvenor, M. Lawn and K. Rousmaniere (eds), Silences and Images: The Social History of the
Classroom (New York, 1999).
19
I. Grosvenor, M. Lawn and K. Rousmaniere, `Imaging past schooling: the necessity for montage,
Education/Culture/Pedagogy, February (2000).
20
W. Benjamin, Charles Baudelaire: A Lyric Poet in the Era of High Capitalism (London, 1983), 169.
21
G. Smith (ed.), Walter Benjamin: Philosophy, Aesthetics, History (Chicago, 1989), 340.
22
G. Gilloch, Myth and the Metropolis. Walter Benjamin and the City (Cambridge, 1997), 18.
23
Walter Benjamin citado em S. Buck-Morss, The Dialectics of Seeing. Walter Benjamin and the Arcades
Project (Cambridge, MA, 1991) edio de bolso, 73.

Em caso de dvida, preservar: explorando os vestgios da cultura material e de

ensino em escolas inglesas

Os vestgios insignificncias dirias da experincia moderna tanto visuais como

literrios, eram reunidos e postos a uso em montagens para trazer elementos do
passado, os restos da histria, at ao presente. Benjamin usava a montagem como um
mecanismo que ligava pessoas e experincias, momentos e descontinuidades associadas
com a fragmentao da experincia urbana. No entanto, os restos da histria, o mosaico
de vestgios, eram apenas metade do texto. O leitor da gerao de Benjamim teria de
providenciar a outra metade da fotografia a partir das imagens fugazes da sua prpria
experincia vivida.24
Os professores partilham a sua vida de trabalho com objetos. Estes ajudam-nos a
definir a sua identidade de trabalho. Os objetos/mquinas conscientemente reunidos no
sto

da

Prcipe

Albert

School

constituem

vestgios,

um

arquivo

de

tecnologia/pedagogia do passado. Capturados numa fotografia, estes objetos

representam uma montagem da cultura material do ensino/do trabalho e, quando
apresentados a professores, conectavam-se claramente com imagens fugazes da sua
experincia vivida. Noutras palavras, estes vestgios permitiram aos professores
contar as suas vidas, refletir sobre o impacto da cultura material nas suas vidas de
trabalho.
Os objetos histricos tm o potencial de provocar relatos indiretos de
experincia pessoal, so desencadeadores de memria. Contar histrias sobre objetos
pode permitir ao professor explicar a um leigo a natureza da sua cultura de trabalho,
relacionar acontecimentos de ontem e de hoje e localizar-se a si prprio na histria. As
histrias sobre objetos podem fornecer aos historiadores episdios de experincia
fragmentados que podem ser adicionados a material gerado por abordagens
metodolgicas mais tradicionais na construo de relatos do trabalho dos professores.
Tais narrativas derivadas de objetos, como as histrias de vida em geral, so construdas
para o ouvinte: h acontecimentos, imagens e sentimentos relacionados com os
acontecimentos e o contexto onde esses acontecimentos so narrados.25 No processo de

24

Ibid., 292.
E. M. Bruner, `The opening up of anthropology, in E. M. Bruner (ed.), Text, Play Story: The
Construction and Reconstruction of Self and Society (Prospect Heights, 1984); P. Bourdieu, `Lillusion
biographique, Acts de la recherche dans les sciences sociales, 62/63 (1986), 69-72.
25

Educao e Patrimnio Cultural: Escolas, Objetos e Prticas

conversar sobre objetos, de recordar e referir acontecimentos relacionados com esses

objetos, no pode ser ignorada a relao entre experincia e representao:
pois enquanto o objeto um corpo material resistente, tambm, simultaneamente, uma
realidade mental que eu domino, uma coisa cujo significado governado apenas por mim
prprio todos os objetos possudos se submetem mesma operao abstrata e participam
numa relao mtua, no sentido em que cada um deles se remete ao sujeito. assim que eles se
constituem a si prprios num sistema, com base no qual o sujeito procura construir o seu
mundo, o seu microcosmos pessoal. 26

Assim, as narrativas obtidas atravs do meio indireto dos objetos podem constituir-se
tambm num mtodo de descoberta autobiogrfica.
Este artigo explorou, em parte, como podem os restos da histria ser usados para
trazer o passado at ao presente e assim gerar novos insights sobre as vidas, as prticas e
as culturas dos professores no passado. Neste sentido, representa um acrscimo para a
literatura histrica sobre o trabalho dos professores, mas foi tambm concebido como
um exerccio de pesquisa sobre cultura material.27 Tm sido usadas ideias da filosofia,
da antropologia e da sociologia para interrogar os objetos do passado de forma a
expandir as possibilidades de pesquisa em histria da educao. Esta abordagem
metodolgica sugere dois pensamentos finais: permitindo que ao trivial, ao lixo seja
reconhecido o seu valor, o que dizer sobre os objetos remediar e remendar que no
tm lugar num arquivo de escola? Esses materiais definem tanto a identidade dos
professores como os objetos/mquinas do passado que nesse arquivo permanecem. Ao
reconstruir culturas de trabalho, os historiadores devem lembrar-se que o que se perdeu
to importante como o que est guardado. Uma outra questo sobre o contedo do
sto pode ser acrescentada nossa lista: quem saberia que estas mquinas ali estavam
se os dois professores que as guardaram tivessem deixado a escola por promoo ou
aposentao? Seriam descobertas em algum momento no futuro e por outros professores
que se questionariam: o que so, quem as colocou aqui e porqu? Transmitido por
professores atravs de dcadas de ensino estatal, faria ainda sentido o velho lema: Em
caso de dvida, preservar?28
26

J. Baudrillard, `The system of collecting, in J. Elsner and R. Cardinal (eds), The Cultures of Collecting
(London, 1994), 7.
27
T. Schlereth, Cultural History & Material Culture. Everyday Life, Landscapes and Museums
(Charlottesville, 1992), 18.
28
Christian, op. cit. (1919), 71.