A Literatura em Dilema
A Literatura em Dilema
A Literatura em Dilema
Medida por Medida (e-galxia), e-book lanado neste ano, rene 28 textos
publicados por Pcora na coluna mensal que mantm na revista Cult, nos
quais ele avalia livros de diferentes autores e reas - incluindo a prpria
crtica literria, que tambm viveria agora, ao lado da literatura, esse
"momento dilema", como o crtico explica na entrevista a seguir.
O senhor diz no ter mais tanto prazer em ler romances quanto tem ao ler
tericos da histria ou da filosofia, por exemplo. A literatura se esgotou?
No acho que ela se esgotou, mas ela vive um momento-dilema, uma
espcie de entretempo em que ela no est bem resolvida. Por um lado, a
literatura ocupava um lugar central no mundo da cultura quando era de
alguma maneira associada construo do Estado-Nao e ao sentimento
de uma comunidade nacional. Ento, enquanto a literatura participou da
construo desse Estado-Nao, dessa comunidade imaginria das vrias
naes, do Brasil e de cada um dos pases, do sculo 19 at a dcada de 60
do 20, ela teve um lugar absolutamente central, porque era ela que discutia
De que modo?
Por exemplo: na dcada de 60, com os movimentos de defesa dos negros, e
na de 70, com a defesa da mulher. Hoje temos o que se chama de queer
literature, a literatura gay. Enfim, raa, gnero, religio. Agora, a literatura
se vincula mais a esses grupos minoritrios ou que de alguma maneira
sofrem algum tipo de resistncia, e at ento permaneciam fora do
chamado cnone, ou seja, da literatura que era ensinada na escola, e passa
a ser o objeto central da discusso, do que entra ou no entra no cnone,
do que deve ser incorporado a esse cnone ensinado na escola. Hoje h
uma disperso daquilo que permanecia em torno da questo da nao e do
cnone mais ou menos estabelecido para uma disputa em torno de outros
autores e que representam diferentes grupos sociais.
H outros motivos?
No contexto do dilema de crise de produo, a tendncia que a prpria
literatura seja, de um lado, associada a uma produo de mercado, de
valorizao muito rpida, de blockbusters, e isso no precisa de crtica, a
crtica no tem importncia alguma para essa produo. De outro lado, esse
tipo de literatura que se produz hoje - mais associado a pequenos grupos, a
setores de determinada experincia, em que a literatura serve de
testemunha de um tipo de vivncia - importante pelos direitos que elas
reivindicam e no pelo valor esttico que tm. E um crtico vai falar como
sobre isso?
algum que treinado para falar sobre qualidade esttica pode dizer sobre
isso? Ou ento, falando, por exemplo, de uma literatura da internet: boa
parte movida a textos feitos entre amigos. Um refora o outro. So
pequenos grupos que mais ou menos reforam o seu gosto, a sua vontade,
sua maneira de falar, de se expressar. Agora, o que se pode dizer sobre a
vontade do outro de se expressar? uma coisa que interessa aos amigos,
mas tem muito pouco interesse de cumprir uma exigncia esttica.
Pode-se dizer ento que hoje a crtica est mais prxima a resenhas de
divulgao do que de anlise?
Em jornal, sim. Na universidade, a crtica existe, mas mais distanciada, de
flego, que trabalha com material mais antigo. A crtica na imprensa
praticamente inexiste, mas ainda h um pequeno espao neles para
resenhas, apesar de as resenhas serem muito curtas, espaos reduzidos e
controlados por umas poucas editoras que ocupam boa parte desses
lugares.
E no Rubens Figueiredo?
O que chama a ateno nele uma coisa bem diferente. Ele se cola aos
acontecimentos. So acontecimentos que esto muito perto, quase numa
relao hiper-realista. No caso do Passageiro do Fim do Dia, uma viagem
de nibus. Ele pega o nibus em um lugar e vai at a periferia. No meio
disso, h boatos de que haveria uma confuso, uma briga, ataque a nibus,
no final da linha. Os passageiros no sabem se chegam ou no a tempo ao
seu destino. Ele investiga esse universo de classe mdia baixa ou pobre e
tem um olhar muito atento para cada coisa. Ele descreve o caminho do
nibus. Essa ateno detalhista a esse universo de uma forma no
romantizada, mas descritiva e atenta, o que acho interessante.
E do sculo 21?
Em literatura no h nada que me impressione especificamente, nenhum
autor que me chame a ateno. Uma das minhas ltimas paixes literrias
avassaladoras da dcada de 60, porque gostava muito do Pasolini (19221975). H autores que leio com ateno, mas nenhum de literatura. Li o
crtico de arte russo Boris Groys (1947-), tenho tudo dele e o acho
extraordinrio, de um pensamento muito renovador. H vrios crticos que
leio mais seguidamente como o Richard Rorty (1931-2007), um americano
que na verdade filsofo pragmtico. Gosto das reflexes, no do
pensamento geral. Acho timo o italiano Alfonso Berardinelli (1943-) e
Quando eu tive essa ideia na ps, no tive coragem de falar isso durante o
curso. Eu no consegui, porque parecia que eu estava indo por um caminho
muito fora do que todos estavam indo. Ento eu fiz tambm uma
interpretao. Tentei manter todos esses aspectos que no faziam sentido,
mas eu interpretei a ausncia de sentido, tambm joguei como
interpretao. Como eu conhecia bastante a literatura do sculo 16, eu fiz
uma interpretao a partir de um autor do sculo 16 sobre a histria daquilo
que no se pode saber. Eu senti medo na poca, uma espcie de
incapacidade de assumir aquilo que eu sentia, e fui guardando aquilo.
Nunca me conformei de no ter resolvido o problema que eu via. Um dia, no
ano passado, ao escrever a coluna da Cult, fiz uma espcie de releitura
daquele momento do curso e mostrei que aquilo que eu tinha escrito no
passado e que foi publicado era completamente equivocado; nunca foi o
que eu quis dizer e que o que eu quis dizer era outra coisa. Era que havia
necessidade de voltar prpria estrutura narrativa. Por isso que eu chamei
de "Tese Idiota", que uma tese que no procura entender propriamente,
porque ela se concentra no prprio texto. Foi um retorno ao texto 23 anos
depois.