Subjetividades Antigas e Modernas
Subjetividades Antigas e Modernas
Subjetividades Antigas e Modernas
SUBJETIVIDADES
ANTIGAS E MODERNAS
Gilles Deleuze
SUMRIO
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APRESENTAO
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NACIONAIS.
PODERES E SUBJETIVIDADES
EM
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CRISTIANISMO
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9. R OSRIOS
CONTEMPORNEA
10. UM
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14. GLADIADORES
ENTRE A
15. O
FALO NA
A NTIGUIDADE
FOUCAULTIANA
Marina R. Cavicchioli
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AS/OS AUTORAS/ES
E NA
M ODERNIDADE :
UMA LEITURA
APRESENTAO
MARGARETH RAGO
PEDRO PAULO FUNARI
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Apresentao
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BIBLIOGRAFIA
ARENDT, H. A condio humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitria; Rio de
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VERNANT, J P. Lindividu, la mort, lamour. Soi-mme et lautre en Grce ancienne.
I.
UL
TRAPASSAR AS
ULTRAPASSAR
FRONTEIRAS DO TEMPO
1.
ANTIGOS E MODERNOS: CIDADANIA
E PODER MDICO EM QUESTO
MARGARETH RAGO
PEDRO PAULO FUNARI
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.
Segundo a hiptese de Foucault, as formas da dominao na sociedade
burguesa atingem o prprio corpo do indivduo e, mais do isso, visam a uma
gesto da vida de toda a populao. Cada vez mais, o Estado passa a ocuparse com dimenses como a sade da populao e seu poder, reforado pela
aliana com a Medicina, atingir a todos e a todas nos nfimos recnditos da
vida pblica e privada. O poder mdico apresenta-se como a autoridade
competente para a gesto da vida e da morte, no mundo urbano-industrial:
da orientao s mes nos cuidados maternos definio das prticas sexuais
lcitas e ilcitas, da definio das identidades sexuais s teorias da
degenerescncia. Os mdicos patologizam as prticas sexuais, instituindo
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sagrada, colocou na base desses atos uma fora, ou energia (energeia) que
sempre pode descambar para o excesso. Com esta noo de aphrodisia,
estamos muito longe do tema do desejo cristo como marca indelvel da
finitude e da culpabilidade, como potncia surda e multiforme (GROS, 2005,
p.100).
Nesse contexto, como j observamos, Foucault afirma que a
alimentao era mais importante na vida de um grego do que sua vida sexual
e, alis, a questo que o preocupava no remetia aos atos que praticava nem
aos seus objetos de desejo, homem ou mulher, mas destinava-se ao domnio
do controle sobre si e do bom uso dos prazeres na construo do cidado, como
figura da temperana e capaz da vida bela (FOUCAULT, 1984). Segundo ele:
o que na ordem da conduta sexual parece, assim, constituir para os
gregos objeto da reflexo moral no portanto, exatamente o prprio
ato (...), nem mesmo o prazer (...); sobretudo a dinmica que une
os trs de maneira circular (o desejo que leva ao ato, o ato que
ligado ao prazer, e o prazer que suscita o desejo. A questo tica
colocada no : quais desejos? quais atos? quais prazeres? Mas:
com que fora se levado pelos prazeres e pelos desejos?
(FOUCAULT, 1984b, p.42)
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Concluindo
Pode-se dizer que esse leque de questes, aqui apenas enunciado,
continua a ser bastante discutido e ampliado em nossos dias, em perspectivas
crticas que contestam a necessidade desses saberes cientficos, expem
seus fundamentos morais e subjetivos e evidenciam as relaes de poder
que os atravessam. A perda da ingenuidade em relao ao progresso, ao
crescimento tecnolgico e ao avano cientfico produziu questionamentos
bastante contundentes que atingiram e desestabilizaram os regimes de
verdade construdos, ao longo do sculo XX, pela cincia especialmente a
Medicina e a Psiquiatria. As prprias noes de doena mental e de
comportamentos criminosos pervertidos foram introduzidas para justificar a
autoridade sobre loucos e criminosos, e no resultaram de critrios puramente
cientficos ou dos resultados curativos (GUTTING, 2005, p.74). Normas
pressupem o comportamento anormal, de modo que o julgamento de
anormalidade ronda a todos, a todo momento. Nesse sentido, tambm a
denncia da violncia simblica das concepes mdicas, psiquitricas e
criminolgicas, especialmente na definio e instituio normativa das
identidades sociais e sexuais foi bastante acirrada e, sem dvida alguma,
apresenta uma importante dimenso libertadora. Para isso, ser necessria
uma crtica de nossa cultura, com a discusso dos valores dominantes e dos
cdigos normativos. As relaes de poder suscitam, por si mesmas,
resistncia, luta constante, uma poltica revolucionria sempre local e
especfica. Essa luta, afinal, d visibilidade s pesadas implicaes das noes
excludentes e autoritrias de cidadania e direitos, que proliferam em nosso
imaginrio e que resultam na legitimao do lugar dos dominantes,
valorizando sua suposta necessidade de dominar os anormais e de domesticar
a loucura para garantir a ordem social. De que ordem, alis, estamos falando?
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; ZARANKIN, A. Arqueologa de la represin y la resistencia en Amrica
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2.
HISTRIA: CONSTRUO
E LIMITES DA MEMRIA SOCIAL
TNIA NAVARRO SWAIN
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Da mesma forma, Inana, deusa sumeriana, que, como vimos, foi relegada
ao papel de instigadora dos desejos masculinos, era representada de outra
maneira, mas, no discurso, enraizada na maternidade. Mesmo armadas, as
Grandes Deusas criadoras do universo no conseguiam perder o cunho de
um feminino reprodutivo. Se, por um lado,
Iconograficamente, Inana /Ishtar era usualmente representada como
uma deusa guerreira, frequentemente alada e pesadamente armada..
Era tambm com freqncia representada em uma constelao de
estrelas. O animal a ela ligado era o leo e seu smbolo uma estrela
ou um disco-estrela (2005),
por outro, como vimos, domesticada pela ordem do discurso que a define
pela sexualidade e reproduo.
Diz James, a respeito da deusa iraniana Anahita:
Como a maior parte das deusas da fertilidade, ela era representada
como uma deusa guerreira e se locomovia em um carro puxado por
4 cavalos brancos, que continha o vento, a chuva, as nuvens e o
gelo. Era, na realidade, a contrapartida iraniana da deusa sria Anat,
da deusa Inana/Isthar da Babilnia, da deusa hitita de Comana e da
deusa grega Afrodite (1988, p.105).
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Cronistas
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3.
GENEALOGIA E HISTRIA ANTIGA
GLAYDSON JOS DA SILVA
ADILTON LUS MARTINS
Histria e Origem
A TRAJETRIA do pensamento histrico ocidental comumente foi balizada
por preocupaes e reflexes em torno da idia de origem, uma origem tida
como comeo absoluto e que traz em si a histria futura e determina o curso
de todas as coisas (GRELL, 1993, p.128). Um passado original, desse modo,
comumente erigido como objeto de conhecimento e imperativo necessrio
compreenso do tempo presente, sendo, concomitantemente, o seu
conhecimento a garantia de um futuro profcuo, assentado na legitimidade
do que foi e, como corolrio, postulando o que deve ser. Dessa perspectiva,
valores, costumes, prticas e experincias que orbitam universos originais
so lidos, interpretados, imaginados e reivindicados no estabelecimento de
compreenses de questes contemporneas e na oferta de respostas ao
que, aos olhos dos agentes, se configura como problemas no presente,
fazendo do passado seu juiz e sua escola.
Essa importncia quase obsessiva conferida s origens na cultura
moderna se deve ao engendramento poltico a que se pode prestar todo
discurso original, pois est constantemente sob a sombra da legitimidade
cultural.
A Histria que busca as origens comporta-se como uma maquinaria,
cujo processo exige uma matria-prima, a origem verdadeira, a identidade
pura de um objeto a ser estudado, e a elaborao textual de um produto final,
uma conscincia de mundo, que, em geral, apresenta-se como uma
conscincia de se estar na histria, para ento efetuar um projeto ticopoltico. Esse dispositivo maqunico cria sujeitos e identidades.
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A Histria da Sexualidade
A Histria da Sexualidade um projeto de buscar os entres.
Diferente de todos aqueles que se associam a gregos e romanos e que so
capazes de simplesmente anunciar a continuao ininterrupta da a-histrica
racionalidade ocidental, Foucault retorna ao mundo clssico para dizer o
entre, que pode bem ser visto como ruptura das identidades.
Para aqueles que tanto almejam domar a Histria, criando retratos
abstratos em textos, seguindo a ordem filosfica da continuidade, do
espelhamento do passado pelo presente, Foucault devolve este animal sua
selvageria. A Histria um animal selvagem. Pode-se dizer que em Foucault
h uma defesa declarada da Histria, uma proposta de sua libertao (RAGO,
2002, p. 255-272).
Tradicionalmente, a Filosofia Antiga foi pensada como fundadora de
tudo o que ocidental, por meio de uma cronologia a qual Foucault no se
permite subsumir. A Filosofia, animal domstico e domesticador, pensa sua
origem entre o final do sculo VII a.C. e o final do sculo V a.C.; seus
problemas de ordem cosmolgica instigam o universo rural da Magna Grcia.
Eis, ento, os pr-socrticos se perguntando pelo princpio de todas as
coisas e a causa da mudana da natureza a arch.
Esse momento primeiro da Filosofia, esta identidade geradora psmitolgica, liga-se a outro momento, a filosofia antropolgica de Scrates, o
pai tardio de todo o pensamento verdadeiramente filosfico. Milhares de
vezes comparado a Jesus Cristo, dele se origina a preocupao com a verdade
essencial e virtuosa. Do final do sculo V a.C. ao final do sculo IV a.C.,
Scrates e Plato so os verdadeiros em meio a uma cidade inquieta pelo
poder. Denunciam o universo da retrica vazia e de aparncia dos sofistas e
proclamam a essncia almnica e imortal do homem, cujo dever o bem
poltico e moral.
A cidade de Atenas, glorificada por Pricles, ainda receberia um
estrangeiro que organizaria o saber filosfico: o ordenador e peripattico
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GRELL, C. L Histoire entre rudition et philosophie: tude sur la connaissance
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4.
HELENISMO E MODERNIDADE:
O CASO NIETZSCHE
ALEXANDRE ALVES
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A (re)descoberta da Antigidade
O classicismo alemo nas figuras de Winckelmann, Goethe, Schiller associava o estudo dos clssicos gregos luta pela cultura. Contudo, na
opinio do jovem Nietzsche, nem eles conseguiram arrombar aquela porta
encantada que conduz montanha mgica helnica (2000, p. 122). A essncia
da cultura grega, sua verdadeira natureza, devia ser procurada no mito trgico
e no fenmeno do dionisaco. No Nascimento da Tragdia, a cultura grega
pr-clssica vista por Nietzsche como uma cultura artstica em que o homem
Alexandre Alves
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se tornara uma verdadeira obra de arte (2000, p.31). Num esprito utpico,
ainda marcado pelo romantismo, ele antev o iminente renascimento da
Antigidade grega, por intermdio do qual poderia haver uma regenerao
da cultura alem.
Em O Nascimento da Tragdia e em alguns fragmentos do mesmo
perodo, Nietzsche estabelece uma analogia histrica entre Grcia antiga e
modernidade. O homem moderno estaria prximo de refazer no sentido inverso
a trajetria do homem grego; em vez de passar da cultura trgica para a
cultura racionalista alexandrina marcada pela confiana na lgica e pelo
socratismo moral -, os modernos estariam transitando dessa cultura
alexandrina e cientfica para uma cultura trgica e pessimista, atravs da qual
retornaramos essncia do mundo grego e reencontraramos a grandeza
perdida: ns revivemos analogicamente em ordem inversa, por assim dizer,
as grandes pocas principais do ser helnico, e agora, por exemplo,
parecemos retroceder da era alexandrina para o perodo da tragdia
(2000, p. 119).
Nietzsche tenta pensar, portanto, uma regenerao da civilizao
europia que teria como pilares a msica e a filosofia alems e que s poderia
ser entendida atravs dessa analogia com o devir da cultura grega. Num
curto ensaio escrito em 1872, A paixo da verdade, ele define seu conceito
de cultura como uma constelao de momentos de culminncia, de cristas
que se alinham, na histria da civilizao, formando uma corrente:
Que as grandes pocas formem uma corrente, que sua linha de
crista ligue a humanidade atravs dos milnios, que a grandeza
suprema de uma poca desaparecida seja grande tambm para mim,
e que os pressentimentos da f se preencham com o desejo de
glria, tal o pensamento fundamental da civilizao (NIETZSCHE,
1999, p. 756).
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Concluso
Em Nietzsche, a relao com os gregos permite lanar um olhar
intempestivo sobre sua prpria cultura e sua prpria poca. Olhar a si mesmo
com o olhar do outro: essa a funo que o retorno aos gregos desempenha
no seu pensamento. Trata-se de uma crtica da modernidade que recorre a
um contra-ideal compensatrio, evitando compartilhar dos mesmos valores
da cultura criticada, para consider-los de fora. A Grcia antiga serve como
alternativa ao auto-rebaixamento do homem na cultura tcnico-cientfica
moderna. Contudo, como assinala Marco Brusotti (1992, p.81), isso no
significa a pura e simples repetio do helenismo, e sim uma forma de tomar
distncia da modernidade, ganhando conscincia de sua estranheza a partir
de um modelo alternativo. Foi o fio condutor do helenismo que guiou
Nietzsche pelos labirintos da alma moderna.
ainda esta idia da Antigidade como contra-ideal (e no como mito
de origem) que guiar autores como Hannah Arendt e Michel Foucault em
sua viagem Grcia. Trata-se de realizar uma crtica dos valores modernos
utilizando elementos do mundo antigo como modelo alternativo a uma
modernidade que perdeu o rumo: o ideal da vita activa da democracia
ateniense, no caso de Hannah Arendt (2005), e a busca pelas estticas da
existncia, no caso de Foucault (2001). Mas aqui a Antigidade no nem
fonte originria, nem norma a ser imitada pelo homem moderno. No h
qualquer possibilidade de retorno e, portanto, nenhum motivo para
nostalgia, como afirmava Foucault um pouco ironicamente: Toda a
Antigidade me parece ter sido um profundo erro (1994, p. 698). O estudo
da Antigidade no d acesso a uma origem ou essncia que teria permanecido
encoberta, apenas esperando para vir tona; ele nos permite tomar distncia
de ns mesmos e repensar o nosso presente, como adverte Jean-Pierre
Vernant:
Refletindo sobre a Antiguidade, sobre ns mesmos que eu me
interrogava, nosso mundo que eu punha em questo. Se a Grcia
constitui o ponto de partida de nossa cincia, de nossa filosofia, de
nossa maneira de pensar [...] explicar historicamente o que se chama
72
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Alexandre Alves
73
II.
SUBJETIVIDADE,
PODER E GNERO
5.
DE BRUXAS E FEITICEIRAS
NORMA TELLES
O mito
Originalmente a Senhora Divina, Lilith, era uma deusa sumero-babilnia.
Como tal, personificava o que de melhor e de belo h no feminino. Mas, nas
religies centradas num deus masculino, ela passou a ser vista como figura
demonaca, terrvel e temvel.
Conta um mito, conservado na tradio esotrica judaica, no livro do
Esplendor o Sepher H-Zoar (SICUTERI,1985, p.14) - que, aps ter criado
o mundo, Deus, no stimo dia, criou o homem e chamou-o de Ado. Este
sentia-se muito s, ento Deus criou uma mulher, Lilith. No Paraso, os dois
logo comearam a brigar, porque Lilith se recusava a sempre se deitar por
baixo de Ado. Afirmava no haver razo para ser assim, pois afinal era feita
do mesmo barro que ele. Ado no cedia a suas solicitaes, ento,
desgostosa, ela decide ir embora: evoca o nome de Deus e retira-se para o
Mar Vermelho.
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De bruxas e feticeiras
Norma Telles
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O cenrio da bruxaria
Durante a Idade Mdia, existiam prticas de feiticeiros, curandeiros,
bruxas de aldeia. Tratavam das doenas naturais ou sobrenaturais, dos casos
amorosos; podiam fazer benefcios ou malefcios; conheciam as ervas e
fabricavam amuletos ou filtros de amor. No meio rural, a preparao dos
medicamentos de ervas e a prtica obstetrcia eram atividades femininas e as
mulheres que a ela se dedicavam recebiam o nome de mulheres-sbias, que
ainda hoje conservado no francs e no ingls, nos quais as parteiras so
ditas, respectivamente, sages-femmes e wise-women. Essas mulheres
utilizavam alguns preparados, que continuam fazendo parte da nossa
farmacopia, como analgsicos, digestivos e tranqilizantes; empregavam a
ergotina contra as dores do parto, a beladona e, ao que consta, a digitalis,
substncia utilizada ainda para o corao, foi descoberta por uma bruxa
inglesa (EHRENREICH, ENGLISH, 1974).
bom lembrar que, durante a Idade Mdia, embora fossem legalmente
definidas como sujeitos no completos, as mulheres desempenhavam papel
importante na administrao da empresa domstica e tinham tarefas mltiplas,
devendo estar capacitadas a tomarem conta de tudo, na ausncia do marido
(POWER,1976). Admitia-se que deveriam ter algum conhecimento de medicina
caseira. Assim, conheciam as propriedades de smplices, xaropes, extratos,
blsamos, tinturas. As mais especializadas eram, no meio rural, as curadoras.
Esses saberes, as mulheres perdero gradativamente, aps o perodo da
caa s bruxas, e suas atividades sero deslocadas para outro setor da
sociedade (TOSI,1987).
A Caa s Bruxas
No incio da modernidade, a essncia da bruxaria deixa de ser vista
como magia malvola ou benvola para se fixar no pacto com o demnio; a
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De bruxas e feticeiras
bruxaria torna-se heresia desde 1484, quando o Papa Inocncio VIII publica
uma bula fazendo esta qualificao. por volta de 1430 que se inicia uma
intensa perseguio - cujo auge ocorreu entre 1550 e 1650 -, que caracteriza
o perodo como o da caa s bruxas. Depois de meados do sculo XVII, os
processos no se extinguem por completo, mas diminuem em intensidade e
credibilidade. Julgamentos espetaculares ocorreram, grandes fogueiras
arderam, principalmente na Europa do Norte Alemanha, Polnia, Frana,
Pases Baixos , enquanto a Europa Mediterrnea presenciou espetculos
mais reduzidos, na Itlia e na pennsula Ibrica, onde a Inquisio continuou
perseguindo mais aos judeus. Na Inglaterra, onde a caa foi intensa, no se
delineou o quadro do sab caracterstico do continente.
Para as pessoas que viveram naquele perodo, uma bruxa ou bruxo era
algum que podia, atravs de meios misteriosos, causar um bem ou um mal,
curar ou matar outra pessoa; propiciar ou destruir uma colheita ou os animais.
Maleficium era o termo tcnico. Na tradio literria, os esteretipos
distinguem a feiticeira, que aparece como produtora de ervas, feitios ou
como nicromante, da bruxa, que retratada como mulher velha, que mora
sozinha e isolada na floresta; e h tambm a figura da feiticeira urbana,
personificada na personagem Celestina, da famosa histria do mesmo nome
de Fernando Rojas, a velha alcoviteira, solteira e amarga, cuja feitiaria
amorosa tem um lado benigno e atraente. Na verdade, os termos encobrem
uma variedade de prticas, das curadoras aos adivinhos, das malficas s
dispensadoras de prodgios.
O recrudescimento das perseguies ocorre num cenrio colorido por
uma demonizao progressiva, gerada pelo medo que, segundo Delumeau
(1965), depois do ano 1000, esteve sempre presente e de modo generalizado,
devido s guerras constantes, s invases e s pestes. Por outro lado, a
supresso das relaes tradicionais, devido ao avano do capitalismo,
modificou o relacionamento entre as pessoas, o que, por sua vez, gerava
mais medo. E o medo, progressivamente, foi sendo demonizado.
Os historiadores contemporneos tem discutido exaustivamente as
causas desse fenmeno social e, afora as divergncias, o que fica claro que
o fenmeno coincide com o perodo de agitaes sociais decorrentes do
desgaste do feudalismo, com a introduo de novas formas de relao entre
as pessoas e com insurreies camponesas que acompanharam o nascimento
do capitalismo. Mudanas econmicas nos sculos XVI e XVII, perodo no
qual a inflao devorou rendas agrcolas e as dirias dos trabalhadores,
alteram profundamente a vida comunal. Em conseqncia, multiplicaram-se
as formas de comportamento individualista, que, por seu lado, geraram uma
culpa que se tornou o fator mais proeminente nas acusaes de bruxaria. A
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membro do maligno, ou porque ele lhe morde, pica e chupa o sangue. O pnis
do diabo descrito como grande, torto e glido; frio, como seu esperma. O
prazer da bruxa ento dramtico: Alexia Gragaea confessa, em 1589, que
seu amante [o diabo] tinha sempre um membro duro e em ereo, era como o
cabo de um tioeiro, mas desprovido de testculos (SICUTERI, 1985, p.132).
Anote a lio: dando vazo lascvia que a caracteriza, a mulher no tem
como usufruir sua sexualidade, o que consegue dor, sangue e
arrependimento. Nos banquetes podiam comer criancinhas ou alimentos
ftidos. O texto portugus precisa: A qual comida, disse e confessou, que
lhe fedia muito a enxofre e alcatro...
A um sinal, todas as bruxas se alinhavam, dando as mos, formando
um crculo para danar. A roda se movia em sentido anti-horrio, exaltando o
Mal e as Trevas. As danas descritas assemelhavam-se a carrossis
desenfreados. As bruxas gritavam, soltavam urros, proferiam palavras
obscenas em meio a corpos vestidos, ou despidos, seios brilhantes de
ungento e suor. E o sab prosseguia num incessante frenesi, que culminava
na Missa Negra, oficiada sobre o corpo de uma mulher nua, transformado em
altar. O encontro s findava quando o Diabo assim o ordenava.
Carlo Ginzburg, em vrios estudos, mas principalmente em seu livro
Storia Noturna, pesquisa e traa uma valiosa contribuio para a
compreenso do sab. Mostra que a representao do sab foi uma
construo erudita, que demorou quase um sculo para se completar. Uma
construo a partir de elementos populares, construo esta que, por sua
vez, acabou por influenciar a todos, o que atesta a circularidade dos nveis
de cultura. Em Os Andarilhos do Bem, trata de homens e mulheres que,
durante os sculos XVI e XVII, eram praticantes de um culto agrrio e diziamse protetores das colheitas contra os bruxos, que as queriam destruir. Na
poca em que comearam a serem perseguidos pela Inquisio, por volta de
1580, no entendiam o que diziam aqueles que os aprisionam, e vice versa.
Houve uma lenta e progressiva modificao, sob a presso inconsciente
dos inquisidores, sobre antigas crenas populares, que por fim se cristalizaram
no modelo pr-existente do sab diablico (GINZBURG, 1988, p. 48). Em
menos de um sculo, os andarilhos do bem transformaram-se em bruxos do
mal, adquiriram os traos dos odiados personagens que haviam combatido
por sculos.
Ginzburg (1989) encontra tambm evidncia da existncia, durante
milnios, em todos os cantos da Europa, de um culto exttico feminino
dominado por uma Deusa Noturna, que recebia vrias denominaes: Diana,
Erodiade, Madona Oriente - nome dado deusa da lua, venerada em Milo,
no final do sculo XIV -, Senhora do Jogo, etc. Na Siclia, aparece, na segunda
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tornar tambm um denunciante. Ele lembra que a moa era neta e filha de
huguenotes, isto protestantes, e de uma av acusada de feitiaria. Diz
mais, diz que a jovem, ao nascer, havia sido entregue pelo pai ao Diabo e,
portanto, quem com ela se casasse, morreria na noite de npcias.
Estigmatizada, a moa passa a ser cada vez mais boicotada por seus vizinhos.
Ningum mais duvida, ela uma bruxa. Iniciam-se os preparativos para seu
linchamento. No entanto, um de seus apaixonados decide arriscar, casa-se
com ela e no morre. Fica provado que Franoneto no bruxa. Tudo termina
bem. Atravs do casamento, a moa alegre que gostava de danar, por quem
todos se apaixonavam, enquadrada.
Nos sculos seguintes, atravs de muitas imagens orais ou literrias
que retratam a bruxa ou a mulher m - sua equivalente -, a alegria ser rebaixada
frivolidade. A sensibilidade alegre ser diminuda como prostituio ou
sentimentalizada e maternalizada. A vitalidade foi curvada pelo peso de
obrigaes e deveres e tudo isso gerou filhas de Lilith enraivecidas, porque
frustradas.
O mundo domesticado
Estabilizada a sociedade, anulados, na medida do possvel, os
particularismos, durante todo o sculo XVIII, pode-se constatar uma ofensiva
cultural da burguesia, que se apropria dos saberes das mulheres, dos artesos
e dos camponeses, dos saberes orais, vindos de tempos imemoriais, e que,
ao codific-los e transcrev-los, tentar formulaes precisas, mas que
alteraro e empobrecero os contedos. Esse processo de homogeneizao
cultural e a coleta sistemtica de pequenos discernimentos supriram as
novas formulaes da poca moderna e tornaram a experincia cada vez mais
mediada pelos textos, pelo literrio. O romance forneceu burguesia um
substituto e, ao mesmo tempo, uma reformulao dos ritos de iniciao - isto
, o acesso experincia em geral (GINZBURG,1986, p.182). As personagens
femininas criadas pela literatura masculina, no sculo XIX, so polarizadas
entre dois extremos, como chamou ateno Virginia Woolf: o anjo e o monstro/
bruxa, dito de outro modo, aquela que segue as artes de agradar aos homens
e vive uma vida de auto-sacrifcio e contemplao, sem uma histria prpria,
e aquela que tenta uma afirmao e monstruosa.
A ambigidade e o conflito entre o anjo e o monstro, entre o anjo e a
bruxa foram repensados por algumas escritoras. O assunto complexo e
extenso, por isso, para uma reflexo final, proponho que nos detenhamos na
re-leitura que Gilbert e Gubar (1979, p. 36-44) fazem de uma bruxa bem conhecida
de todos, a Rainha da histria de Branca de Neve.
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energia, artes e ambio, faz ecoar dentro dela. Tendo aceitado a ma, a
jovem adormece e colocada em um caixo de vidro, exposta visitao.
Torna-se a encarnao precisa do desejo patriarcal da mulher: uma esttua
muda. Branca de Neve a rainha perfeita para o patriarcado e, por isso, acaba
regurgitando a ma, quando o prncipe a beija. Sai do caixo para enquadrarse na janela do palcio, como esposa do rei. Dali pode, como antes dela sua
me, contemplar o inverno l fora, ou olhar para dentro e comear a tramar. A
bruxa, sem lugar nesse mundo, dana sobre a fogueira uma tarantela terrvel,
uma dana da morte. E Branca de Neve que a substitui, recomeando o
mesmo ciclo.
O percurso deste texto, do mito de Lilith Rainha Bruxa, nos mostra,
acredito, que preciso rever no s a documentao histrica como tambm
as representaes, as imagens que ainda hoje nos assustam, mas que
continuamos a passar para nossas filhas e filhos. Lilith continua exilada e o
ldico, a alegria, o sensual, antigamente presentes entre as donas de fora
ou as fadas, permanecem tambm no exlio. Como disse Tosi, as fogueiras
continuam a arder, em fogo lento e, sobre elas, rainhas continuam encenando
sua tarantela mortal.
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6.
UM MITO GREGO EM PARAGENS
NACIONAIS. PODERES E SUBJETIVIDADES
EM MEDIA DE EURPEDES
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O desvelar do desagravo
Mergulhada no infortnio, embora aparentemente conformada diante
dos desgnios que o destino lhe reservara, Media coloca em curso o seu
plano de vingana. Muito sagaz, ela procura reconquistar a confiana de
todos, mostrando-se resignada diante do sucedido e convence Jaso a
receber os filhos na festa do enlace matrimonial, carregados de mimos
destinados jovem esposa. No original, ela a presenteia com um vu fino e
um diadema de ouro cinzelado. Na verso brasileira, envia doces para a
noiva e para o pai dela.
Realizado o casamento, os noivos deixam a igreja da comunidade
sob o badalar dos sinos e uma chuva de ptalas de flores. Quando a cena se
reporta festa, Creusa recebe dos filhos de Jaso a encomenda de Media.
Prova os doces e comea a passar mal (close). Em seguida, seu pai tambm
d sinais de envenenamento (plano mdio). No quarto e ltimo bloco, o
infortnio anunciado pelos quatro ventos:
Veneno, veneno [...] Santana e a noiva foram envenenados no
meio da festa, no meio da festa de casamento. No meio de uma
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Consideraes finais
A excelncia da dramaturgia de Vianinha deve ser reconhecida medida
que ele se disps a dar prosseguimento defesa da cultura nacional e ao
desejo de transformar a sociedade brasileira atravs de uma arte comprometida
socialmente, mesmo no perodo mais contumaz da censura. Na sua trajetria,
abreviada com a morte precoce em 1974, adotou posturas polticas
inovadoras, questionou as acepes que apreendiam a produo televisiva
como um meio incapaz de promover o estranhamento e a crtica. E, sem
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lembra Guacira Louro (2004, p. 76), que seria um grande equvoco conjeturar
que a materialidade da forma e do corpo implica o reconhecimento de
subjetividades sexuais e identidades de gnero, em quaisquer temporalidades,
culturas e sociedades. A fora e a determinao do perfil expresso nos
personagens destacados nesse clssico da literatura universal no se
restringem s dimenses ou s diferenas biolgicas, mas se inscrevem nos
padres de comportamento culturalmente construdos, desnudados em suas
incongruncias e suscetibilidades.
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105
7.
SOMOS TO ANTIGOS QUANTO MODERNOS?
SEXUALIDADE E GNERO NA ANTIGUIDADE
E NA MODERNIDADE
LOURDES FEITOSA
MARGARETH RAGO
Deleuze
Os sentidos da sexualidade
Com a separao entre sexo e gnero, a prpria noo de sexualidade
repensada. Percebe-se a importncia de considerarem-se os diferentes
sentidos que poderia ter adquirido em tempos e espaos diversos, segundo
suas tradies, seus costumes e seus valores. Torna-se possvel recuperaremse de um enorme ostracismo acadmico, obras literrias, inscries e imagens
com conotaes sexuais de outras sociedades, o que exige vencer
preconceitos. Nas dcadas de 1980 e 1990, estudiosos europeus
preocupavam-se em salientar a seriedade de seus estudos em temas
pornogrficos, no apenas do Mundo Antigo (CARTELLE, 1981, p. 93;
DAVINO, 1993, p.9), e at 1992, na Biblioteca Nacional francesa, as consultas
Collection de lEnfer (Coleo do Inferno) s eram permitidas depois do
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Perspectivas na atualidade
Se os conceitos de que dispomos para interpretar nosso prprio mundo
parecem cada vez mais inoperantes para dar conta de realidades histricas
passadas, o que dizer de nossa prpria atualidade, quando vivemos a crtica
da Modernidade na teoria e na prtica? Aqui, podemos dizer que urge a
criao de novos conceitos e vocbulos para dar conta da multiplicidade de
atitudes, prticas e experincias existentes.
Em relao s mulheres, se percebemos que esto cada vez mais
independentes, se surpreendem com a criao de novos padres
comportamentais e corporais, no h como negar que a ditadura do corpo e
da beleza se fortalece. Os debates sobre os casos de anorexia, a bulimia e
117
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ROBERTA ALEXANDRINA
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Algumas Consideraes
O discurso da Igreja catlica frente ordenao feminina o ponto de
partida na anlise desses enfrentamentos, que, pelo que percebemos, so
to antigos quanto atuais. Tanto o grupo dos favorveis quanto o dos
desfavorveis, na atualidade, concentram-se em posicionar seus discursos,
apoiando-se em textos oficiais como legitimao de suas verdades e de suas
histrias. A apropriao do passado, por ambos os grupos, lhes d fora e
poder para os embates, em que o domnio da memria e suas correntes
reconstrues e anulaes se ligam e tomam forma para atender a anseios
presentes.
Os usos do passado nos posicionam diante de um presente em que
no podemos entender a histria como algo homogneo, mas como algo
constitudo de cadeias e imbricaes. De certa forma, seria de fato o ofcio do
historiador entender a histria como uma srie de embates, construes e
desconstrues, sem uma linha de continuidade e harmonia. A observao
de Michel Foucault apropriada para essa questo:
Mostrar s pessoas que um bom nmero das coisas que fazem
parte de sua paisagem familiar que elas consideram universais
so o produto de certas transformaes histricas bem precisas.
Todas as minhas anlises [...] acentuam o carter arbitrrio das
instituies e nos mostram de que espao de liberdade ainda
dispomos, quais so as mudanas que podem ainda se efetuar
(2006, p.295-296).
134
Mc
Mt
Rm
Evangelho de Marcos
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Epstola aos Romanos
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136
III.
TRANSGRESSES
E AR
TES DE VIVER
ARTES
9.
ROSRIOS E VIBRADORES: INTERFERNCIAS
FEMINISTAS NA ARTE CONTEMPORNEA
LUANA SATURNINO TVARDOVSKAS
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Imagens do falo
Em Fbrica Fallus (1992-2004), a artista forma uma srie de objetos a
partir da composio de vibradores comprados em sex shops com objetos
variados, como medalhas religiosas, pompons, pequenos espelhos, etc. Os
pnis de plstico, eretos e vigorosos so conjugados com elementos infantis,
religiosos e femininos, adquirindo faces bem humoradas, como bispos,
palhaos, amantes etc.
Ela retira esses objetos de estimulao sexual das prateleiras das lojas,
expondo segredos e desejos a eles relacionados e os transforma em imagens
simultaneamente flicas e femininas, pornogrficas e infantis, sagradas e
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Sagrado e profano
Mrcia X. tambm explicitou o estatuto do corpo carregado por sentidos
morais e religiosos, atravs da performance Desenhando com Teros,
polmica obra que causou reaes de indignao por parte da comunidade
artstica por ter sido censurada pelo Centro Cultural Banco do Brasil/SP, em
2006 (Figura 8). Nesta performance, a artista preenche uma sala de vinte
metros quadrado, com desenhos de pnis feitos com rosrios, que
posteriormente mantm-se em exposio. O trabalho se estende lentamente,
at que toda a superfcie esteja preenchida com imagens (simplificadas,
estilizadas, icnicas) do rgo sexual masculino. Segundo Ricardo Basbaum,
a artista parece arrancar de um dos smbolos religiosos algo que est ali
inscrito (o perigo da carne) e que os imperativos morais da religio preferem
ocultar, privilegiando o esprito desencarnado (BASBAUM, 2003, web).
A relao traada entre religiosidade e sexualidade imediata e se
torna cada vez mais importante, perante o incremento da represso ao uso de
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150
151
BIBLIOGRAFIA
BASBAUM, R. X: Percursos de algum alm de equaes. Revista Concinittas,
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Sites
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153
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155
156
10.
UM BEIJO PRESO NA GARGANTA:
CONTRACULTURA E ESTTICAS DA EXISTNCIA
NA CANO BRASILEIRA DOS ANOS 1960 E 70
ANA CAROLINA A. T. MURGEL
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E Paulo Leminski:
en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas
(LEMINSKI apud HOLLANDA, 1982, p. 18)
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164
Outros homens/ Como beijo o meu pai) (GIL,1975), Perigosa (Sei que eu
sou bonita e gostosa / E sei que voc me olha e me quer/ Eu sou uma fera de
pele macia/ Cuidado garoto, eu sou perigosa/ Eu tenho um veneno no doce
da boca/ Eu tenho um demnio guardado no peito/ Eu tenho uma faca no
brilho dos olhos/ Eu tenho uma louca dentro de mim)(LEE, CARVALHO,
MOTTA, 1979), ou em Sandra (Amarrado na torre d pra ir pro mundo
inteiro/ E onde quer que eu v no mundo, vejo a minha torre/ s balanar/
Que a corda me leva de volta pra ela:/ Oh, Sandra) (GIL,1977).
As drogas e a loucura, a dissoluo do eu, a esttica, a gria e os
conflitos que caracterizaram essa gerao tambm tema de muitos poemas
e canes, como Vapor barato (Oh, sim, eu estou to cansado/ Mas no
pra dizer/ Que eu no acredito mais em voc/ Com minhas calas vermelhas/
Meu casaco de general/ Cheio de anis/ Vou descendo por todas as ruas/ E
vou tomar aquele velho navio/ Eu no preciso de muito dinheiro/ (Graas a
Deus))(MACAL, SALOMO, 1971), Balada do louco (Dizem que sou
louco/ Por pensar assim/ Se eu sou muito louco/ Por eu ser feliz/ Mais louco
quem me diz/ Que no feliz, no feliz (...)/ Eu juro que melhor/ No ser
um normal/ Se eu posso pensar/ Que Deus sou eu) (BAPTISTA, LEE, DIAS,
1970) Ando meio desligado (Ando meio desligado/ Eu nem sinto meus
ps no cho); Olho de lince (Quem fala que sou esquisito hermtico/
porque no dou sopa estou sempre eltrico/ Nada que se aproxima nada me
estranho/ Fulano sicrano e beltrano/ Seja pedra seja planta seja bicho seja
humano/ Quando quero saber o que ocorre a minha volta/ Ligo a tomada
abro a janela escancaro a porta/ Experimento tudo nunca me iludo)
(MACAL, SALOMO, 2005) e Movimento dos barcos ( impossvel
levar um barco sem temporais/ E suportar a vida como um momento alm do
cais/ Que passa ao largo do nosso corpo/ No quero ficar dando adeus/ As
coisas passando, eu quero/ passar com elas, eu quero/ E no deixar nada
mais/ Do que as cinzas de um cigarro/ E a marca de um abrao no seu corpo/
No, no sou eu quem vai ficar no porto/ Chorando, no/ Lamentando o
eterno movimento/ Movimento dos barcos, movimento) (MACAL,
CAPINAN, 1972).
Em Cidado-cidad, Jorge Mautner questionava no s os poderes
e as patrulhas ideolgicas como tambm a inveno da raa e do determinismo
sexual: Acho que se deve ser diferente/ E no como toda a gente/ Mas
igualmente ser gente/ Como toda essa gente/ Deste pas continente, e de
todo o planeta (...) [parte falada]: E vieram pelos espaos os anjos do
senhor. E desceram como pra-quedas azuis e transparentes no meio do
campo de batalha que era televisionado vinte e cinco horas por dia, via
satlite, a cores. E no meio dos horrores tocaram suas trombetas e derrubaram
a muralha de Jeric. Quem, quem, quem a no ser o som poderia derrubar a
165
muralha dos dios, dos preconceitos, das intolerncias, das tiranias, das
ditaduras, dos totalitarismos, das patrulhas ideolgicas e do nazismo
universal?/ Acho que todo cidado ou cidad/ Deve ter possibilidades de
felicidades/ Do tamanho de um super Maracan/ E deve e pode ser azul,
negro ou cinza/ Sorridente ou ranzinza/ Verde, amarelo e da cor vermelha/
Deve-se somente ser e no temer viver/ Com o que der e vier na nossa telha/
Vivamos em paz/ Porque tanto faz/ Gostar de coelho/ Ou de coelha
(JACOBINA, MAUTNER, 1981).
J os questionamentos e as novas posturas feministas aparecem
principalmente nas compositoras e poetas. Dentre as canes, destacamos:
Cor-de-rosa choque (Sexo frgil no foge luta/ E nem s de cama vive a
mulher) (CARVALHO, LEE, 1982), Elvira Pag (Todos os homens desse
nosso planeta/ Pensam que mulher tal e qual um capeta/ Conta a histria
que Eva inventou a ma/ Moa bonita, s de boca fechada,/ Menina feia,
um travesseiro na cara,/ Dona de casa s bom no caf da manh)
(CARVALHO, LEE, 1982); Essa mulher (Essa menina, essa mulher, essa
senhora/ Em quem esbarro a toda hora no espelho casual/ feita de sombra
e tanta luz/ De tanta lama e tanta cruz que acha tudo natural) (JOYCE,
TERRA, 1979). Na poesia, como exemplos, Ledusha em De leve: feminista
sbado domingo segunda tera quarta quinta e na sexta/ lobiswoman) (1984)
e Alice Ruiz: s vezes/ vem a certeza/ a vida agora/ j foi vivida/ era uma vez/
uma menina/ descobrindo a rotina.
Na primeira citao deste texto, Foucault mostrava uma expectativa
sobre os caminhos abertos pela quebra dos cdigos morais, a expectativa de
que a vida pudesse novamente ser construda como obra de arte. Se muitas
das nossas desiluses polticas na contemporaneidade foram plantadas naqueles
anos, se, como disse Cazuza, uma parte dos nossos heris morreu de
overdose, tambm ficou uma parte dos libertrios e sonhadores, que continuam
plantando sonhos para as e nas novas geraes, como sugere Alice Ruiz:
Tem os que passam
E tudo se passa
Com passos j passados
Tem os que partem
Da pedra ao vidro
Deixam tudo partido
E tem, ainda bem
Os que deixam
A vaga impresso
De ter ficado (RUIZ, 1988, p. 16)
166
Eu no peo desculpa
Durante uma apresentao em um simpsio de historiadores, falando
sobre as referncias dos anos loucos no trabalho de Alice Ruiz, um rapaz
levantou a seguinte questo: Voc mostrou somente o lado bom da
contracultura, mas no falou sobre o que de nefasto ela trouxe para os dias
de hoje. O que voc teria a comentar sobre isso? Outro rapaz comentou:
Essa gerao idiota s trouxe problemas.
O impacto dessas colocaes me levou a comentar e pensar a gerao
dos anos 1960 em sua multiplicidade e a questo da culpa, levantada por
esses dois comentrios. No tive como proposta uma volta ao passado
para glorificar ou mitificar aquela gerao, mas entender as construes
subjetivas da poeta eu procuro e trabalho com subjetividades, e no
identidades. Foi por isso que os dois comentrios me surpreenderam. Porque
o que estava implcito nas duas colocaes era uma culpa coletiva, colocada
em termos geracionais, baseada claramente em uma lgica identitria.
Mas, afinal, a construo da subjetividade no poderia servir para a
criao de uma identidade? No creio. Onde a identidade estanca, a
subjetividade transforma esta ltima o fruto de mltiplas relaes,
experincias e escolhas ticas. A subjetividade pressupe a descontinuidade.
A identidade, por outro lado, a sujeio cristalizada e pressupe a
continuidade, a imutabilidade. No possvel pensarmos os indivduos como
imutveis, descartando ou minimizando suas experincias.
Mais do que pensar meu tema especfico, as colocaes dos dois rapazes
levaram-me a problematizar algumas questes colocadas por Hannah Arendt,
em Responsabilidade pessoal sob a ditadura (2004). A primeira questo a
ser considerada, colocada pela autora, que no existem coisas como a
culpa coletiva ou a inocncia coletiva. A culpa e a inocncia s fazem sentido
se aplicadas aos indivduos (ARENDT, 2004, p.91). Arendt mostra como,
em relao Alemanha nazista, os que se sentiram culpados no foram os
que de fato apoiavam as atrocidades, mas os funcionrios que cumpriam as
ordens, ou seja, os dentes da engrenagem totalitria. A culpa coletiva,
nesse sentido, s serviu para ocultar aqueles que de fato tinham cometido as
atrocidades.
Segundo seu argumento, agiram melhor aqueles que no fizeram nada,
ou os que, pelo senso comum, seriam irresponsveis do ponto de vista
moral, j que no cumpriram as ordens. Os que continuaram em seus empregos
estavam optando pelo mal menor. Para Arendt, o que difere aqueles irresponsveis
dos que buscaram o mal menor que os primeiros preferiram no fazer nada
para no ter que conviver com a prpria culpa uma opo tica.
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Alegria, alegria (Caetano Veloso). Caetano Veloso no LP Caetano Veloso (Philips/
1967).
Ando meio desligado (Arnaldo Baptista, Rita Lee e Srgio Dias). Mutantes no LP
A Divina Comdia ou Ando Meio Desligado (Polydor/1970).
Ave Lcifer (Arnaldo Dias Baptista, Rita Lee Jones e lcio Decrio). Mutantes no
LP A Divina Comdia ou Ando Meio Desligado (Polydor/1970).
172
173
Pra no dizer que no falei das flores (Geraldo Vandr). Geraldo Vandr no Compacto
Simples SMCS-209 (Som Maior/1968).
Sandra (Gilberto Gil). Gilberto Gil no LP Refavela (Philips/1977).
Vapor barato (Jards Macal e Waly Salomo). Gal Costa no LP FA-TAL Gal a
Todo Vapor (Philips/1971).
Verdura (Paulo Leminski). Caetano Veloso no LP Outras Palavras (Polygram/
1981).
11.
DA ARTE DA AMIZADE
ENTRE ANTIGOS E MODERNOS
MARILDA IONTA
NATLIA FERREIRA CAMPOS
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amigo de Llio, e gira em torno da noo de que nada melhor que a amizade.
Em suas palavras: De minha parte, tudo o que posso fazer vos incitar a
preferir a amizade a todos os bens desta terra; com efeito, nada se harmoniza
melhor com a natureza, nada esposa melhor os momentos, positivos ou
negativos da existncia. (CCERO, 1997, p.83)
Com Llio ou a Amizade, Ccero esquadrinha a amizade, tece seu culto
s amizades duais e, alm disso, inaugura as narrativas epitafiais, do luto
pela perda do amigo que ser transcendentalizada em Santo Agostinho e
depois em Montaigne. A idealizao da amizade dual nesse tipo de narrativa
ir aprofundar ainda mais o abismo existente entre os discursos da amizade
e a sua prtica, ou seja, a lgica do epitfio intensifica seu carter idealizado.
Ela s acontece raramente, desinteressada e realiza-se entre homens bons.
Vale dizer que, para Ccero, as pessoas de bem no so os sbios, os amigos
do conhecimento, mas os homens que possuem experincias prticas de
poltica vinculadas responsabilidade com o Estado.
A chave de leitura para a teoria da amizade ciceroniana encontra-se na
noo de concrdia, consenso e acordo, termos que j evocam a relao
entre amizade e poltica. Para o senador republicano, a amizade no seno
uma unanimidade em todas as coisas, divinas e humanas, acompanhada de
afeto e de benevolncia: pergunto-me se ela no seria, excetuada a sabedoria,
o que o homem recebeu de melhor dos deuses imortais (CCERO,1997, p.
85-6). Dessa forma, a amizade consentimento, concrdia e boa-f, est
acima dos interesses econmicos. Ela faz com que sintamos e queiramos as
mesmas coisas, em especial, o bem da cidade e a paz. Este parece ser o
sentimento poltico da amizade em Ccero, que vivia, como foi dito, em clima
de conspiraes polticas. Amizade pacificao, possui diversas funes,
realiza-se entre poucos e coisa de homens virtuosos.
Na interpretao de Ortega (2002), a philia grega, vnculo por excelncia
coextensivo da cidadania e, por conseguinte, da poltica na Grcia,
substituda na sociedade romana pela concrdia, que se converte na relao
poltica bsica dos romanos. Sem concrdia, a amizade s pode existir como
um afastamento da poltica.
Distanciamento da poltica e esgotamento do amor pela cidade
mobilizaram os epicuristas a formar a sua prpria sociedade de amigos. Para
Epicuro (342-341 a.C.), no h pacificao na amizade. Da mesma maneira, o
desencanto com a poltica equacionada por amigos e os perigos dos
aduladores fizeram o estoicismo grego e, depois, o heterodoxo estoicismo
romano tomarem a parrhesa na amizade, o falar livremente, como um de
seus elementos capitais para restaurao da virtude. Epicuristas e esticos
ressignificam o carter universal que Aristteles atribui amizade e fazem
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sociais. Vale dizer que os gregos no foram autores apenas dos grandes
discursos sobre a amizade, eles tambm nos legaram como herana a idia de
que possvel conduzir-se na vida de maneira singular, ou seja, de que
existem variantes entre o cdigo moral, o comportamento moral e a maneira
como necessrio conduzir-se. Os gregos tambm inventaram as artes da
existncia.
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189
12.
EM BUSCA DA BELEZA NO VIVER: DILOGOS
POSSVEIS ENTRE A ANTIGUIDADE E O
ANARQUISMO CONTEMPORNEO
MARIA CLARA PIVATO BIAJOLI
PRISCILA PIAZENTINI VIEIRA
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dessa forma que ele aponta para uma possibilidade de uso de seus
conceitos: para mudar nosso olhar na releitura das nossas experincias
histricas e no contato com os documentos. Novos temas, novas questes,
reas, relaes, foram construdas dessa forma. O regime das verdades
histricas viveu, assim, seus ltimos dias.
No trecho citado acima, o filsofo inclui, entre outros, o pensamento
anarquista do sculo XIX no rol de tentativas de construo de uma tica do
eu. Abordaremos, de uma forma mais detalhada, as caractersticas desse
pensamento, em especial do anarquismo espanhol, que podem nos esclarecer
as razes pelas quais Foucault escolheu inclu-lo nessa lista.
Podemos, assim, tomar as idias de cuidado de si e estticas da
existncia e procurar refletir sobre quais as formas que os anarquistas
utilizaram para tornar suas vidas belas, ou seja, coerentes com sua tica,
em determinados momentos histricos. Trata-se de uma reflexo realizada
por muitos intelectuais que acreditam encontrar, nos libertrios, exerccios
de construo de si muito interessantes. Segundo Edson Passetti, os
anarquistas foram decisivos fazendo vibrar suas vidas, muitas vezes quase
contra todos, para expressar suas possibilidades de existncia (2003, p.12).
Em primeiro lugar, devemos lembrar que o movimento anarquista, suas
idias e prticas so baseados em uma crtica do poder, no s daquele
existente na relao do Estado com os cidados, mas principalmente dos
pequenos poderes presentes nas relaes cotidianas e nos cdigos
burgueses entre professor-aluno, mdico-paciente, pai-filho, homem-mulher,
etc. Esse pensamento prope, ento, a destruio dessas relaes para dar
espao a novas formas mais livres, ticas. Diferenciando-se do marxismo e
seu projeto utpico para o futuro, o anarquismo sempre foi pautado pelo
tempo de agora, procurando uma forma de existncia, no presente, que exija
de seus militantes uma vida coerente com os valores desse pensamento.
Assim, ao invs de um projeto utpico para o futuro, o anarquismo
vive o presente. Poderamos talvez utilizar um outro conceito de Foucault
para caracterizar esse posicionamento, o de heterotopias.
Para o filsofo, as utopias so posicionamentos que no possuem um
lugar real, mas que, ao mesmo tempo, mantm com o espao real da sociedade
uma relao de analogia direta ou inversa. Sobre isso, ele pontua: a prpria
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espanhol que alcanaria a imagem de mrtir e heri da Revoluo de 19361939 seria Buenaventura Durruti.
Quando fazia parte, na dcada de 1920, de um grupo anarquista chamado
Os Solidrios, Durruti e seus companheiros realizavam muitos assaltos.
Com esse dinheiro, compravam armas para os operrios, ajudavam as famlias
dos amigos militantes presos e doavam todo o resto para a causa. No
ficavam com absolutamente nada para si, sobreviviam do seu prprio trabalho
Durruti era mecnico de trens. Com o tempo, ele ficou muito conhecido por
sua militncia, tornando-se persona non grata em muitas cidades e pases.
Mas sua me, apesar de tudo, nunca acreditou que seu filho roubasse:
Bem, neste caso, eu acho que j no entendo mais o mundo. Nos
jornais sempre dizem que Durruti fez isto ou aquilo, que estava
aqui ou ali, mas toda vez que ele retorna para casa est vestido em
trapos. Vejam s o estado dele! O que passa pela cabea desses
jornalistas? Eles esto precisando de um bode expiatrio. (...) Toda
vez que ele volta para casa eu tenho que costurar seus trapos, e nos
jornais escrevem que ele tem pilhas de dinheiro (MONROY apud
ENZENSBERGER, 1987, p.54-55).
203
e impuras. Dessa forma, levantou mais uma questo a ser trabalhada pela
revoluo social que se constitua na Espanha e incentivou suas afiliadas a
aderirem a novas formas de construo de si e a agirem de acordo com elas.
Por exemplo, Luca Sanchez Saornil, uma das fundadoras do grupo,
reflete sobre a escolha do nome do grupo e de sua revista:
No ms de maio de 1936, nascia a revista Mujeres Libres. No era
uma mera casualidade a coincidncia destas duas palavras. Tnhamos
a inteno de dar ao substantivo mulheres todo um contedo que
reiteradamente a ele se havia negado, e ao associ-lo ao adjetivo
livres, alm de nos definir totalmente independentes de toda seita
ou grupo poltico, buscvamos a reivindicao de um conceito mulher livre - que at o momento havia sido preenchido de
interpretaes equvocas e que rebaixavam a condio da mulher
ao mesmo tempo em que prostituam o conceito de liberdade, como
se ambos os termos fossem incompatveis (SAORNIL, 1937).
204
Consideraes Finais
Ao terminar essa breve reflexo sobre o anarquismo espanhol, podemos
afirmar que so os conceitos foucaultianos que nos permitem enxergar
diferentes aspectos desse movimento, em pesquisas que, por irem alm da
dicotomia envelhecida de operrios versus patres, oprimidos versus
opressores, so muito enriquecedoras.
Objetivamos mostrar, assim, uma possvel relao do trabalho de
Foucault sobre as sociedades antigas com o trabalho dos historiadores de
histria contempornea. Assim, queremos afirmar que a relao Antiguidade/
Modernidade pode ser muito mais estreita do que se pensa e apresentar-se
de formas diferentes tambm. No se trata de falar em sociedades
absolutamente diferentes, mas no mais possvel estabelecer a velha linha
de continuidade.
205
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206
IV
IV..
CORPO
CORPO,, SEXUALIDADE
E IMAGINRIO
13.
UMA LONGA CONTROVRSIA
NA MODERNIDADE: GNERO E MEDICINA
ELISABETH JULISKA RAGO
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Muitas so as interdies
A entrada histrica das mulheres na Medicina foi um processo lento e
difcil e suscitou muita controvrsia, na medida em que representou aos
olhos das sociedades em que o fenmeno ocorreu, transgresso de normas
sociais, institucionais e culturais. Como se sabe, as mulheres no tinham
acesso ao ensino superior antes da segunda metade do sculo XIX, em
vrios pases. Apesar de o ingresso das mulheres na Medicina moderna
fazer parte de um movimento de dimenses internacionais, as aes das
envolvidas nessa luta no foram de modo algum unvocas. Ao contrrio,
variaram de acordo com o pas e com o grau de desenvolvimento econmico,
poltico, social e cultural.
Em Sympathy and Science: women physicians in American Medicine,
Morantz-Sanches relata que o ingresso na profisso mdica teria sido
conseqncia de mudanas significativas nos planos econmico e social no
final do sculo XVIII e incio do sculo XIX, que resultaram na transformao
da vida familiar e dos papis atribudos aos gneros. Sua pesquisa revelou
que as norte-americanas se moviam com facilidade entre as responsabilidades
familiares e as novas formas de participao na vida pblica. Segundo a
historiadora, muitas vezes, as mdicas justificavam sua escolha pela medicina,
reapropriando-se do discurso vitoriano das esferas separadas em seu prprio
benefcio: as mulheres seriam mais pacientes e mais dedicadas e de moral
mais elevada que os homens. O estudo aponta para a multiplicidade de
escolhas individuais feitas pelas mulheres mdicas, ou seja, muitas delas
foram sufragistas, vrias se envolveram com movimentos reformistas, outras
tiveram como preocupao humanizar a profisso, enquanto algumas queriam
apenas ter uma vida decente e exercer uma profisso mais interessante do
que o magistrio. Por tudo isso,
216
O caso brasileiro
Nas dcadas finais do sculo XIX, o Brasil passou por significativas
transformaes, com o processo de urbanizao, a emergncia das fbricas,
a chegada de imigrantes europeus, o aumento populacional. No plano das
idias, a onda liberalizante vinda da Europa e dos Estados Unidos, teorias e
idias inspiradas no liberalismo e no cientificismo influenciavam a inteligncia
brasileira.
Os esforos feitos pelas estudantes que desejavam ingressar numa
faculdade de medicina, naquele perodo, encontraram respaldo nestas
transformaes, medida que o debate sobre os papis femininos ganhava,
nesse contexto, uma nova dimenso. Entretanto, no possvel analisar as
mudanas que envolveram o desenvolvimento intelectual das mulheres como
um mero efeito da modernizao. Isto porque, como explica Michelle Perrot,
nenhum processo histrico age por si mesmo (PERROT, 1997, p. 93). As
mulheres participaram de complexas redes nas quais desempenharam um
papel fundamental como agentes de transformao.
O mundo da medicina no Brasil, por ser rigorosamente masculino, na
virada do sculo XIX, obrigava as estudantes a enfrentarem muitos
constrangimentos. Rita Lobato Velho Lopes, a primeira mdica formada por
uma faculdade brasileira, a da Bahia, em 1887, assistia s aulas acompanhada
pelo pai, sentando-se numa cadeira separada dos colegas todos homens
(SILVA, 1954, p.137). Na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a
congregao adotava o mesmo procedimento em relao s moas. Ermelinda
Lopes de Vasconcelos, que defendeu uma tese sobre Meningite na Infncia
e seu diagnstico, em 1888 (1954, p. 55), assistia s aulas sempre
acompanhada pela me, que faleceu pouco antes da formatura da filha.
Por estranho que possa parecer, aquelas que investiram na profisso
de mdicas, desde o final do sculo XIX, foram muito pressionadas no
apenas pelos homens, mas tambm por outras mulheres, s vezes por
familiares, que entendiam ser a medicina uma profisso masculina, no
adequada a uma boa moa de famlia.
No imaginrio do sculo XIX e do comeo do sculo XX, o gnero
feminino estava merc de seu aparelho reprodutivo que, segundo se
acreditava, tornava seu comportamento errtico e imprevisvel. Na Bahia,
217
218
219
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221
BIBLIOGRAFIA
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MCMXXIII.
222
14.
GLADIADORES EM MOVIMENTO:
IMAGENS DO CORPO E FORMAS
DE IDENTIDADES ENTRE OS ROMANOS
RENATA SENNA GARRAFFONI
Introduo
Martin Bernal (1987, 2005), em seus estudos publicados nos anos de
1980, apresenta uma crtica maneira como a Histria Antiga estava sendo
escrita at ento. A partir do ponto de vista da Cincia Poltica, Bernal afirma
que as relaes entre o mundo antigo e a poltica moderna eram mais estreitas
do que se pensava. Sua abordagem no campo terico abriu a possibilidade
de refletir sobre como modelos interpretativos que tratavam do mundo grecoromano estavam embebidos dos valores colonialistas e imperialistas do final
do sculo XIX e incio do XX, iniciando um processo irreversvel de crticas
aos conceitos utilizados por especialistas e s categorias documentais
empregadas para o estudo do passado antigo.
Enfatizando a importncia do contexto poltico-social no momento da
produo do conceito, Bernal destacou a necessidade de reverem-se as
imagens que foram construdas da Grcia, as quais foram inspiradas em
ideais de superioridade racial e domnio, vigentes no perodo moderno. Tais
pressupostos teriam sido transportados para o passado antigo e os modelos
interpretativos criados para a compreenso da Grcia antiga estavam eivados
de valores como superioridade cultural diante de outros povos do perodo,
silenciando a pluralidade desta cultura e produzindo um ideal homogneo
dos elementos que formariam a cultura ocidental.
Retomar este argumento de Bernal aqui me pareceu interessante para a
reflexo que gostaria de propor nas pginas a seguir. Tais reflexes, fruto de
pesquisas realizadas durante minha estada na Unicamp e ressignificadas a
partir das discusses com os membros do grupo de pesquisa Gnero,
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Gladiadores em movimento
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226
Gladiadores em movimento
227
Arqueologia e Histria
A Arqueologia, em seu momento de criao no sculo XIX, tinha como
principal objeto de estudo os artefatos, isto , objetos produzidos pelos
homens que constituam, nas palavras de Funari, os fatos arqueolgicos
reconstituveis pela escavao (1988). Nesse sentido, em um perodo em
que estruturas cronolgicas e espaciais estavam sendo organizadas no
campo historiogrfico, tambm foram desenvolvidas metodologias para o
trabalho da cultura material. De acordo com Sin Jones (1997), essa
metodologia consistia em traar as origens dos povos europeus, ou seja,
partia-se do conhecido (Alemanha, Inglaterra, Frana do sculo XIX) e
recuava-se no tempo com a finalidade de encontrar os primeiros registros
arqueolgicos dessas naes.
nesse contexto que Gustav Kossina cria, na Alemanha, um mtodo
de pesquisa no qual uma rea de cultura arqueolgica coincide, sempre, com
grupos de pessoas que podem ser reconhecidos. Esses pressupostos da
arqueologia de assentamento constituram a base do modelo desenvolvido,
posteriormente, por Childe e conhecido como arqueologia histricocultural. Embora Childe tenha recusado a interpretao que estabelecia a
idia da superioridade alem, a relao direta um povo, uma lngua, uma
cultura, elaborada a partir da cultura material encontrada nos stios, mantevese produzindo uma concepo de identidade especfica e quase eterna dos
povos estudados (FUNARI, 1999a, 1999b).
Tendo por base estas breves consideraes sobre o momento da
constituio da Arqueologia e os primeiros modelos interpretativos que foram
desenvolvidos, possvel afirmar que o estudo da cultura material se
228
Gladiadores em movimento
229
Gladiadores na arena
O momento da luta na arena era o pice da carreira do gladiador. Durante
o incio do Principado, os homens e eventualmente as mulheres que a lutavam
no eram somente escravos e prisioneiros de guerra como em pocas
anteriores; muitos poderiam ser cidados que trocavam, por um perodo, a
sua liberdade pela atuao nas arenas. Essa diversificao na categoria
jurdica do gladiador indica, segundo alguns estudiosos, a profissionalizao
desse fenmeno romano. Embora desempenhassem uma srie de atividades
em seu cotidiano, em especial, os treinos nas escolas especializadas, o
momento da luta chama a ateno, pois permite uma anlise que perpassa
temas como identidade ou sexualidade, deslocando a perspectiva de anlise
do mbito poltico, que tradicionalmente predominou nos estudos sobre os
combates, para um outro aspecto, o cultural. Esse movimento interessante
uma vez que, para alm de apontar para uma explicao geral sobre os
espetculos e a formao de uma identidade romana nica, o estudo desse
momento fugaz permite o repensar das categorias analticas empregadas
pelos estudiosos modernos para o cotidiano desses populares romanos.
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Gladiadores em movimento
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232
Gladiadores em movimento
precisos tambm lembravam aos presentes o tnue fio que divide a vida e a
morte, alm de estabelecerem possveis relaes com as foras da Natureza
(representadas em ambientes terrestres e martimos) ou divindades protetoras
de diferentes origens.
Nesse sentido, a luta no centro do anfiteatro pompeiano pode ser
entendida no mbito da diversidade, pois os smbolos das vestes poderiam
produzir distintos significados, entre os prprios gladiadores de diferentes
origens tnicas e sociais e os gladiadores e o pblico. O exemplo de Pompia
interessante, na medida em que permite supor relaes no interior da arena
e entre a arena e a arquibancada de maneira mais dinmica e mltipla,
possibilitando repensar modelos tericos que consideram a arena somente
como um locus de imposio de poder, onde brbaros (gladiadores) e
civilizados (romanos da arquibancada) se encontravam.
Consideraes finais
O dilogo da Histria com a Arqueologia, livre da tarefa de comprovar
as fontes escritas, tem se mostrado um caminho profcuo para a construo
de modelos interpretativos menos normativos e mais fluidos. Esta relao
pode proporcionar uma melhor compreenso das identidades em jogo no
momento dos espetculos romanos, bem como ajuda a repensar as categorias
de anlise para que no se reduzam os sujeitos histricos que os
protagonizavam a oprimidos ou vtimas de um hbito sangrento.
Em outras palavras, a interdisciplinaridade permite um questionamento
de modelos homogeneizadores e essencialistas de cultura ainda muito
recorrentes nas interpretaes sobre o mundo romano. Diante disso,
possvel afirmar que os vestgios materiais, para alm de classificar culturas
ou justificar a dominao de um povo sobre outro, expressam mltiplos
aspectos da sociedade estudada e as complexas teias de relaes
estabelecidas entre os homens. Assim, esta linha de pensamento, embebida
nos pressupostos tericos discutidos anteriormente, apresenta a cultura
material como fonte importante para expressar aspectos s vezes invisveis
nos documentos escritos. Uma anlise de vestgios materiais, a partir da
perspectiva contextual que enfatiza o pluralismo, a alteridade e historiciza
tanto a disciplina como o objeto, combinada com a perspectiva histrica,
ajuda a enriquecer o conhecimento sobre o passado, pois abre novos
caminhos interpretativos, evitando, portanto, o conhecimento de temas
somente a partir de escritos eruditos.
233
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Gladiadores em movimento
235
236
Gladiadores em movimento
Figura 5 proteo de
brao, in: LA REGINA,
2001: 384
Figura 6 Protees de pernas,
in: LA REGINA, 2001: 386
15.
O FALO NA ANTIGUIDADE E NA MODERNIDADE:
UMA LEITURA FOUCAULTIANA
MARINA REGIS CAVICCHIOLI
Introduo
MICHEL FOUCAULT, em uma entrevista concedida na poca em que
escrevia O cuidado de si, afirmou: estou muito mais interessado nos
problemas sobre as tcnicas de si...do que em sexo o sexo enfadonho
(RABINOW, 1998, p. 253). Essa inquietao foucaultiana permeia minha
experincia com o estudo das sexualidades antiga e moderna e um tema, em
particular: o falo. O falo tornou-se, no mundo moderno, sinnimo de poder
masculino e elemento central dos discursos psicanalticos e das formaes
das identidades sexuais contemporneas. Como conseqncia destas
identidades, recuperado como imagem ertica ou jocosa. Como parte de
um discurso sobre o poder masculino, assistimos difuso de termos e
conceitos contemporneos como falo, falocentrismo, sociedade falocntrica
e tantos outros. De um modo geral, esses conceitos vieram como crticas a
um mundo misgino e masculinista e foram, dessa forma, fundamentais para
uma reflexo sobre as relaes de gnero. Por outro lado, havia aqueles que,
238
Representaes flicas
O falo foi muito representado no mundo romano. Podemos encontrar
uma grande quantidade de suas imagens em lamparinas, tigelas, sinos,
mscaras, jias, muros e paredes nas mais diversas localidades. Temos
como exemplo vasos da Bretanha Romana e da Glia meridional (FUNARI,
2003, p. 321), cravo de bronze de Uley na Inglaterra (JOHNS, 1990, p.66),
muros em Leptis Magna na Lbia (JOHNS, 1990, p. 19), adorno de casas de
banho em vrias regies, como os stios de acampamentos militares 0do
norte (JOHNS, 1990, p. 64). Nos museus dos stios arqueolgicos de Segobriga
e Empurias, na Espanha, assim como Conimbriga em Portugal, esto expostos
diferentes tipos de objetos flicos. Mas sobretudo na cultura material
oriunda da regio de Pompia que encontramos o maior nmero de exemplares,
preservados pelas lavas e cinzas do Vulco Vesvio, de forma quase intacta,
at as primeiras escavaes no sculo XVIII.
Ainda que a maior parte dos artefatos tenha vindo de Pompia, peas
arqueolgicas provenientes de muitas outras reas, at mesmo das mais
distantes provncias do Imprio, parecem atestar que o falo era um smbolo
familiar no cotidiano romano em geral (JOHNS, 1990, p. 64). A existncia
desse legado material de origem diversa no significa, uma vez que nenhuma
sociedade uniforme, que esse smbolo fosse apreendido por todos da
mesma forma, como discutiremos posteriormente. Objetos em forma de falo
tambm eram presentes no cotidiano egpcio, grego e etrusco, povos que
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240
Falo e erotismo
bem verdade, como j dissemos, que existem representaes
contemporneas chamadas de flicas, geralmente representando o pnis,
que no se caracterizam apenas como smbolo de poder masculino Todavia
estas pertencem ao universo do privado, do ertico, do pornogrfico ou do
jocoso. Dessa forma, desenhos encontrados em banheiros pblicos,
vibradores em sex shops, grafites em carteiras de colgio, em um primeiro
momento, no podem ser associados com aquelas iconografias antigas, cujos
significados e locais de representaes eram distintos. Muitos dos objetos
flicos do mundo romano, alm de sua imagem, tinham uma funcionalidade
241
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243
Objetos apotropaicos
A crena nesse poder apotropaico traduzia-se na confeco de objetos
de uso cotidiano com a forma de falo, ou com representaes flicas, para
que pudessem trazer sorte, abundncia e proteger do mau agouro.
(CANTARELLA, 1999, p. 67; FUNARI, 2003, p 319). Dentre estes, destacamos
os amuletos de proteo, tais como pingentes, a serem utilizados ao redor do
pescoo, como hoje se faz com a cruz crist. Produzidos em materiais como
bronze ou ossos, alguns, de valor monetrio certamente maior e menos
acessveis, eram feitos em ouro ou coral. Havia, tambm, uma srie de anis
em ouro com falos, alguns, inclusive, muito pequenos. Uma das interpretaes
possveis que poderiam ser destinados a crianas bem pequenas, para
serem usados como anis ou pendentes - uma vez que elas eram bastante
vulnerveis a doenas e acidentes e, portanto, seria prudente proteg-las
(JOHNS, 1990, p. 63).
Os falos, tambm com esta funo apotropaica, eram representados em
locais pblicos e de grande circulao, com certo perigo potencial (JOHNS,
1990, p. 64), como esquinas, pontes, soleiras das portas das casas, entradas
e muros das cidades (fig.1).
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245
246
Concluses
O estudo de caso apresentado demonstra que, entre a Antiguidade e a
Modernidade, o significante falo adquiriu diferentes valores simblicos. O
falo na Antiguidade era valorizado na medida em que representava a fertilidade
e, portanto, s teria seu poder no ato sexual, de forma que no era o homem
que estava sendo valorizado, mas a relao sexual implcita no falo. De outra
forma ele lido na modernidade: passa a ser smbolo do poder masculino e
de virilidade masculina. Tal poder foi dissociado do ato sexual procriador, em
um mundo em que a sexualidade foi, do ponto de vista cultural, dissociada
da fertilidade. bem verdade que, na atualidade, vivemos a crise da
sexualidade procriadora, pois, cada vez menos, dependemos do ato sexual
entre duas pessoas para a fertilizao, j que ele foi substitudo clinicamente
por inseminaes artificiais e bebs de proveta - sem contar as pesquisas em
curso sobre clonagens. Isso, se por um lado isto foi libertador para algumas
mulheres que podem optar pela maternidade sem a presena de um homem
durante o ato sexual, por outro, banaliza o sexo como fator gerador.
Dessa forma, percebemos que o vnculo entre sexualidade e algo
extremamente positivo, a vida, teve seus sentidos atenuados modernamente.
Seguramente no foram as novas tcnicas que desvincularam o sexo da
vida; mais do que como resultado da evoluo natural da medicina, estas
surgiram como reflexo de uma mudana cultural muito anterior. Bordo
acredita que, nas tradies antigas, os ciclos biolgicos de morte e gerao
eram vistos como uma forma de imortalidade, um processo no qual o corpo
sexual e reprodutivo cumpria um papel essencial. Nas novas tradies, a
247
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AS/OS AUTORAS/ES
252
IONTA, Marilda - Doutora em Histria Cultural pelo Programa de PsGraduao em Histria do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); professora na Universidade
Federal de Viosa e pesquisadora na rea de Histria, Cultura e Gnero.
MARTINS, Adilton Lus - Doutorando em Histria Cultural no Programa de
Ps-Graduao em Histria do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). (Bolsista CNPQ).
MURGEL, Ana Carolina Arruda de Toledo - Doutoranda em Histria Cultural
no Programa de Ps-Graduao em Histria do Instituto de Filosofia e
Cincias Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
(Bolsista FAPESP).
PELEGRINI, Sandra C. A. - Doutora em Histria pela Universidade de So
Paulo; ps-doutora pelo NEE/UNICAMP; docente do Departamento de
Histria da Universidade Estadual de Maring.
RAGO, Elisabeth Juliska - Doutora em Cincias Sociais pela Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP). Professora da FEA-PUC-SP.
RAGO, Margareth Professora titular do Departamento de Histria do
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP.
SILVA, Glaydson Jos da - Ps-doutorando do Departamento de Histria da
UNICAMP (Bolsista FAPESP). Diretor associado do Centro do Pensamento
Antigo, Clssico, Helenstico e de sua Posteridade Histrica (UNICAMP).
SILVA, Roberta Alexandrina da Doutoranda em Histria Cultural no
Programa de Ps-Graduao em Histria do Instituto de Filosofia e Cincias
Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Bolsista
FAPESP.
SWAIN, Tnia Navarro Doutora pela Universit de Paris III, Sorbonne.
Ps- doutorado: Professora convidada pela Universit de Montreal, e pela
Universit du Qubec Montreal, Canad. Professora da Universidade de
Brasilia. Editora da revista Labrys, tudes fministes/estudos feministas.
http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys1_2/irigaray1.html
As/os autoras/es
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TVARDOVSKAS, Luana Saturnino Mestranda do Programa de Psgraduao em Histria do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). (Bolsista CNPQ).
VIEIRA, Priscila Piazentini - Mestre em Histria Cultural pelo Programa