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Racismo: uma breve introdução
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E-book242 páginas3 horas

Racismo: uma breve introdução

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Sobre este e-book

Obra clássica que introduz uma das questões mais importantes a serem esclarecidas no contexto atual. Racismo - Uma breve introdução é um trabalho indispensável como apresentação do problema do racismo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de abr. de 2022
ISBN9786525239132
Racismo: uma breve introdução

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    Racismo - Ali Rattansi

    CAPÍTULO 1 - RAÇA E RACISMO: ALGUNS QUESTIONAMENTOS

    O termo racismo foi cunhado na década de 1930, principalmente como uma resposta ao projeto nazista de tornar a Alemanha judenrein ou livre de judeus. Os nazistas não tinham dúvidas de que os judeus eram uma raça distinta que representava uma ameaça para a raça ariana, à qual os alemães autênticos supostamente pertenciam.

    Em retrospectiva, é possível perceber que muitos dos dilemas que acompanham a proliferação da noção de racismo estavam presentes desde o início. A ideia de que os judeus eram uma raça distinta foi popularizada pela ciência racial nazista. Mas antes disso, havia pouco consenso de que os judeus formavam uma raça distinta. Isso torna inadequado descrever como racista a hostilidade de longa data contra os judeus na Europa cristã? Ou será que o racismo tem que ser visto como um fenômeno mais amplo que há muito faz parte da história humana? De fato, é parte da natureza humana – é preciso, necessariamente, definições técnicas ou cientificamente aceitas de raça para que algo seja identificado como racismo?

    Afinal, pode-se argumentar que o projeto nazista foi apenas uma etapa em uma história muito longa de antissemitismo. E que o antissemitismo é um dos mais antigos racismos, de fato o mais velho dos ódios, como tem sido chamado.

    Entretanto, as complicações surgem de imediato. O termo antissemitismo só surgiu no final dos anos 1870, quando o alemão Wilhelm Marr o utilizou para caracterizar seu movimento antijudaico, a Liga Antissemita¹, e especificamente para diferenciar seu projeto das formas mais antigas e difusas de antijudaísmo cristão, mais popularmente conhecidas como Judenhass ou ódio judaico. Seu racismo era autoconsciente e exigia que os judeus fossem definidos como uma raça distinta. E o antissemitismo tinha a vantagem de soar como um novo conceito científico distinto do simples fanatismo religioso.

    Assim, a principal afirmação de seu pequeno livro foi que traços semíticos raciais (isto é, biológicos) foram sistematicamente associados ao caráter judeu (sua cultura e comportamento). Os judeus, segundo Marr, não conseguiam evitar serem materialistas e ardilosos, e estes traços significavam um inevitável choque com a cultura racial alemã, que não podia ser outra coisa senão idealista e generosa. Marr intitulou seu panfleto A vitória dos judeus sobre os alemães², porque ele pensava que as características raciais alemãs os tornariam incapazes de resistir a ser completamente dominados pela astúcia judaica. Ele culpava sua própria perda de emprego à influência judaica.

    Como veremos, esta é uma forma específica de racismo duro ou clássico, no qual a biologia e a cultura estão entrelaçadas de tal forma que as características biológicas são inevitavelmente acompanhadas de traços culturais em populações específicas.

    Será que Marr tinha razão ao insistir em distinguir sua versão de antijudaísmo de outras formas históricas? O racismo, propriamente dito, é algo distinto do tipo de hostilidade que muitos argumentam ser uma forma universal de suspeita inicial contra qualquer estranho e daqueles que têm identidades culturais distintas? Afinal, não é raro ouvir a opinião de que os judeus têm sido particularmente propensos à vitimização por causa de suas próprias tentativas de manter uma identidade distinta e sua recusa em se assimilar (uma versão do chamado problema judaico). Um tipo de argumento que é frequentemente usado contra outras minorias étnicas em Estados-nação europeus.

    A lógica subjacente a este tipo de ponto de vista é que o racismo é simplesmente parte de um processo contínuo que inclui, em uma extremidade, identificações coletivas perfeitamente compreensíveis e benignas que são essenciais para a sobrevivência de todos os grupos culturais. No outro extremo, o Holocausto e outros genocídios devem, portanto, ser considerados como episódios infelizes, mas inevitáveis, variando de forma superficial, mas unidos por uma semelhança essencial decorrente da própria natureza dos seres humanos como seres biológicos e culturais que vivem apenas em grupos, são mantidos juntos por sentimentos comuns de identidade e, portanto, são impelidos a manter suas identidades coletivas.

    Além disso, a ideia de fazer com que a nação alemã fosse judenrein parece próxima do conceito que passou a ser chamado de limpeza étnica. Mas será que toda limpeza étnica é racista? Ou há algo característico nos atos racistas de ódio, expulsão e violência? Nesse caso, como poderemos diferenciar exatamente a hostilidade baseada na etnia da baseada na raça? Qual é a diferença entre um grupo étnico e uma raça? Para colocar as coisas de maneira um pouco diferente, mas fazendo a mesma observação, devemos fazer uma distinção entre etnocentrismo e racismo?

    É nítido que mesmo a mais breve investigação sobre o significado do termo racismo lança uma série de perguntas perplexas e vários termos cognatos – etnia e etnocentrismo, nação, nacionalismo e xenofobia, hostilidade a pessoas de fora e estranhos e assim por dia, muitas vezes chamada de heterofobia –, que exigem explicação.

    Para complicar ainda mais as coisas, vale a pena lembrar que historicamente existe uma ambiguidade em torno da branquitude judaica que ainda persiste até certo ponto. Como veremos, a branquitude dos judeus, especialmente nos Estados Unidos, assim como dos italianos e dos irlandeses, foi de fato alcançada gradualmente no século XX como parte de um processo social e político de inclusão. Como semitas, mas também como orientais, os judeus eram frequentemente considerados como não pertencentes às raças brancas, enquanto não era incomum no século XIX que os ingleses e americanos considerassem os irlandeses como negros e que os italianos tivessem um status ambíguo que ficava entre o branco e o negro nos EUA.

    Mas quem deve contar como negro? A história dos debates e da legislação estadunidense revela dificuldades consistentes para definir a população negra. A famosa regra de uma única gota foi adotada em muitos estados do sul do país, que implicava que qualquer ascendência negra, por mais remota que fosse, relegava o indivíduo para o lado errado da divisão branco/negro, determinando e (prejudicando) onde ele/ela poderia morar, que tipo de trabalho estaria disponível, e se o casamento ou mesmo relacionamentos poderiam ocorrer com um parceiro branco. Uma gota de sangue branco, no entanto, não tinha o mesmo peso na atribuição de status racial.

    É óbvio que a ideia de racismo está intimamente ligada ao conceito de raça, mas também deve estar nítido que quanto mais se aprofunda na história de ambas as noções, mais intrigantes elas se tornam.

    Vários fatores importantes emergem da consideração dos exemplos dos judeus e dos irlandeses, e alguns dos outros grupos que serão discutidos posteriormente. Primeiro, a ideia de raça contém tanto elementos biológicos quanto culturais, por exemplo, cor da pele, religião e comportamento. Em segundo lugar, os aspectos biológicos e culturais parecem ser combinados em proporções variáveis em todas as definições de grupo racial, dependendo do grupo e do período histórico em questão. E o status racial, como no branqueamento de judeus, irlandeses e outros, está sujeito à negociação e à transformação política.

    Inevitavelmente, portanto, o termo racismo também está sujeito a forças sociais e conflitos políticos. A ideia de raça estava em retirada na segunda metade do século XX, após a derrota do nazismo e as descobertas científicas da genética, contudo, o século XXI está vivendo tentativas (pouco convincentes) de reviver a noção. Atualmente, há uma tendência em considerar as hostilidades entre comunidades como decorrentes de questões de diferenças culturais e não raciais, exceto na mais extrema direita e entre alguns que (erroneamente) baseiam suas afirmações em pesquisas biomédicas recentes.

    Muitos comentaristas argumentam que a justificativa da hostilidade e da discriminação com bases culturais, e não na raça, é essencialmente um artifício retórico para driblar o tabu contra o racismo que tem sido gradualmente estabelecido, especialmente nas democracias liberais ocidentais. Há, eles argumentam, um novo racismo cultural que tem suplantado cada vez mais o antigo racismo biológico. A islamofobia foi identificada como uma das formas mais recentes deste novo racismo. Mas será que uma combinação de antipatia religiosa e outras antipatias culturais pode ser descrita como racista? Será que fazer isso não é tirar da ideia de racismo qualquer especificidade analítica e abrir as comportas para uma inflação conceitual que simplesmente mina a legitimidade da ideia? Estas questões são discutidas mais adiante neste livro.

    Cada vez menos pessoas nas sociedades ocidentais se descrevem abertamente como racistas. No entanto, cientistas sociais, políticos, jornalistas e membros de várias comunidades costumam afirmar que essas sociedades são profundamente racistas. As agências governamentais continuam coletando estatísticas e outras evidências de discriminação racial e usam uma variedade de leis e outros instrumentos para tentar fazer cumprir códigos de conduta não discriminatórios.

    Na Grã-Bretanha, uma controvérsia considerável ocorreu em 1999, quando o inquérito de Sir William Macpherson sobre o assassinato do adolescente negro Stephen Lawrence concluiu que a Polícia Metropolitana de Londres era institucionalmente racista, trazendo, assim, mais uma definição para o domínio público.

    Essa foi apenas uma em uma série de outras investigações que documentaram a discriminação, sistemática e de longa data, contra as minorias étnicas britânicas em esferas como moradia, empregabilidade no setor privado e público, e assim por diante.

    Tomando como exemplo os estudos sobre o corpo médico britânico, em 5 de setembro de 2018 o jornal britânico Guardian publicou resultados de pesquisas segundo as quais os médicos seniores brancos ganhavam quase £5.000 a mais do que os colegas de minorias étnicas. Um estudo de 2014, intitulado The Snowy White Peaks of the NHS, realizado pela Escola de Negócios da Universidade de Middlesex, expôs a ausência de representação da minoria étnica britânica (BME) em cargos de alto nível no Serviço Nacional de Saúde (NHS). Enquanto uma revisão nacional do NHS, em 2016, relatou que proporções muito maiores de pessoal médico BME relataram casos de assédio, intimidação e abuso. Isto se segue a um estudo da Universidade de Bradford, que pesquisou oitenta fundos do NHS entre junho de 2008 e novembro de 2009 e descobriu que o corpo de funcionários BME tinha quase duas vezes mais probabilidade de enfrentar procedimentos disciplinares do que seus colegas brancos (veja o artigo da BBC News intitulado "‘Institucional racism is an issue’ in NHS, says ex-executive", 7 de novembro de 2012, embora o Departamento de Saúde tenha dito que o NHS não era institucionalmente racista). Pesquisas feitas pelo King’s Fund, o que agora é conhecida como a Race Equality Foundation, e outras organizações relacionadas, revelaram que os cidadãos britânicos negros e asiáticos recebem um tratamento pior em comparação com os brancos como pacientes do NHS, e que isto é especialmente verdadeiro no caso dos serviços de saúde mental.

    Embora essas descobertas e eventos tenham sido recebidos com descrença em alguns setores, para muitos isto não foi uma surpresa. Como noticiado no British Medical Journal (BMJ)³ em 5 de março de 1988, uma investigação da Comissão para Igualdade Racial já havia revelado que os procedimentos de admissão da altamente respeitada Escola de Medicina do Hospital St George’s de Londres, haviam involuntariamente gravado no software do computador da escola uma penalidade sistemática contra candidatos britânicos com sobrenomes não europeus, bem como contra mulheres. O relatório no BMJ aponta que o programa de computador tinha incorporado um viés que já estava no sistema, ou seja, tais práticas discriminatórias com base na origem étnica e no sexo tinham sido implementadas habitualmente pelo quadro de funcionários antes que o programa de computador fosse elaborado, numa tentativa de simplificar e acelerar os procedimentos de admissão. O BMJ argumenta, com razão, que tais atitudes não podem ser justificadas. O processo foi revisado para dar uma chance justa a todos os candidatos.

    A questão da exclusão das minorias étnicas das universidades de alto nível no Reino Unido, especialmente Oxford e Cambridge, tem ganhado destaque nos debates sobre a desigualdade racial no período desde 2010. Além disso, em 6 de julho de 2019, o jornal Guardian publicou resultados de suas solicitações de transparência de informação a 131 universidades britânicas, revelando que nos cinco anos anteriores pelo menos 996 reclamações formais sobre racismo haviam sido feitas por funcionários e estudantes. Um total de 367 foram mantidas, resultando em pelo menos 78 suspensões ou expulsões de estudantes, e 51 suspensões, demissões e pedidos de demissão por parte do quadro de funcionários. Os autores do artigo do Guardian, David Batty e Sally Weale, afirmam que havia motivos para acreditar que esses números subestimavam a presença do racismo nas universidades porque muitos estudantes e funcionários foram dissuadidos de fazer reclamações, ou foram persuadidos a retirá-las ou concordaram com uma resolução mais informal.

    Nos Estados Unidos, o domínio branco generalizado das indicações ao Oscar na indústria cinematográfica despertou controvérsia como mais um indício de que existem questões em torno do racismo. Tanto Oxbridge quanto os EUA passaram por movimentos para derrubar estátuas: no primeiro, a do colonialista racista Cecil Rhodes; e no segundo, a dos generais confederados que queriam manter a escravidão como uma instituição permanente.

    Em março de 2017, o governo britânico publicou uma Auditoria da Disparidade Racial que, entre outras coisas, mostrou que a taxa de parada e revista pela polícia em 2016-17 entre os negros era de 29 para cada 1.000, enquanto a dos brancos era de 4 para cada 1.000. Por outro lado, de 2007-8 a 2015-16, a porcentagem de estudantes negros e de outras minorias étnicas entre o total de estudantes nas universidades britânicas aumentou de 17,2% para 22,9%, enquanto para os estudantes brancos o número caiu de 82,8% para 77,1%. Entretanto, esses números brutos escondem a grande disparidade entre a entrada de minorias étnicas e a entrada de brancos nas principais universidades do Reino Unido, bem como as disparidades de classe e gênero dentro de ambos os grupos, exigindo assim um exame mais diferenciado dessas estatísticas brutas: elas escondem tanto quanto revelam. Que papel o racismo desempenha na variedade de disparidades no policiamento e na educação é uma questão complexa.

    Observe que na Alemanha a repulsa contra o passado nazista significou que xenofobia (Ausländerfeindlichkeit), em vez de racismo, é o termo preferido no discurso público alemão, o que suscita ainda mais questões. Obviamente, a relação entre xenofobia e racismo requer explicação, especialmente porque a questão da imigração tem motivado o surgimento de partidos de extrema-direita em toda a Europa.

    Nos Estados Unidos, é claro, há exemplos contínuos de controvérsia sobre raça e racismo, além da questão das estátuas dos generais confederados. A eleição do presidente Trump em novembro de 2016 foi, em parte, atribuída por seus oponentes ao chamado racismo codificado contra minorias étnicas e imigrantes, especialmente de origem mexicana e muçulmana. Em julho de 2019, os tweets do presidente Trump argumentando que quatro congressistas democratas negras – três das quais haviam nascido nos EUA e uma que havia chegado como criança refugiada – deveriam voltar para casa foram condenados pela Câmara dos Representantes, controlada pelos democratas, como racistas.

    Há mais de duas décadas, dois julgamentos criminais revelaram uma população americana fortemente dividida em linhas pretas/brancas. Antes de seu julgamento e da consideração das provas pelo júri, O. J. Simpson, um conhecido esportista, era considerado culpado pelo assassinato de sua esposa branca pela maioria dos brancos, e inocente pela maioria dos afro-americanos. Ele foi absolvido. A absolvição, em um tribunal estadual, de quatro policiais brancos vistos em câmera espancando um motorista negro, Rodney King, levou a um protesto generalizado ligado a raça em Los Angeles em 1992. Um julgamento federal levou à condenação de dois dos oficiais.

    A morte mais recente de cidadãos negros americanos – como Eric Garner em 17 de julho de 2014 – pelas mãos de policiais na segunda década do século XXI provocou uma revolta generalizada, e agora deu origem a uma raiva considerável e ao desenvolvimento do movimento Black Lives Matter (BML), embora seja válido notar que os afro-americanos são muito mais propensos a atribuir as mortes ao racismo do que os americanos brancos.

    O movimento Black Lives Matter também esteve envolvido na divulgação do fato de que um em cada nove homens afro-americanos entre vinte e trinta e quatro anos de idade está na prisão, e na verdade é mais provável que esteja encarcerado do que indo para a faculdade. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos confirmou em 2014 que a maioria dos prisioneiros masculinos entre trinta e trinta e nove anos de idade são negros, com os hispânicos representando 2% e os brancos 1% do total. A probabilidade de

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