O Planeta Futebol - Luís Freitas Lobo
O Planeta Futebol - Luís Freitas Lobo
O Planeta Futebol - Luís Freitas Lobo
O Planeta do Futebol
Autor
Lus Freitas Lobo
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gratuitamente.
Lus Freitas Lobo
PLANETA
FUTEBOL
Em busca da alma, dos magos e das tcticas que fizeram histria
(As origens e o presente do futebol moderno)
ndice
Introduo
Prefcios
1. Futebol at eternidade
2. Tctica: a evoluo das espcies
3. Mundos paralelos
Danando com a bola, o futebol como ballet
A importncia de ser o centro do mundo
Mulheres de futebol
4. As ltimas fronteiras
5. A serpente e a bola
6. "Wunderteam"/a equipa Maravilha (1931-1937)
7. O Imprio do "WM" (1930-1935)
8. O despertar dos smbolos
Torino (1942-1949)
9. Hungria, as terras do Major Galopante
Puskas, o primeiro Real Madrid "galctico"
10. O estranho mundo do pressing
11. "Transies a terceira dimenso do futebol
12. Tctica e arte
De 1958 a 1970: Do 4x2x4 ao 4x3x3
O Brasil de 1982
A essncia de Pel
Santos, obra divina (Anos 60)
13. Amrica do Sul, o "Novo Mundo"
Diego e os ltimos romnticos
Andrade, a maravilha negra
Os primeiros campees. Uruguai (1930)
de Leiria ou como faria para o Celta ganhar em Saragoa. Penso nos jogadores,
suas caractersticas, na estratgia.
Em termos de periodicidade semanal, o Planeta do Futebol surgiu em 2001, nas
pginas de "A Bola". S agora, quando muitas dessas reflexes e outras ideias
que surgiram por outras pginas e jornais, ganham forma de livro, sistematizando
ideias e temas em diferentes captulos, que se pode identificar uma verdadeira
filosofia de pensamento.
Um livro para pensar futebol a partir do nico ponto que o entendo ser possvel
conceber: a emoo, cruzando o desejo de viajar no tempo e entrar num espao
sagrado onde, desde velhos tempos at ao presente, habitam grandes equipas e
jogadores. Mudam os estilos, as tcticas, a velocidade e a mobilidade, mas o ADN
do bom futebol quando um jogador tem a bola nos ps permanece.
Revisitando histrias de muitos "Magos do Futebol", descobrimos caminhos para
pensar o jogo. Arte, tctica, tcnica e pensamento. A bola, o ritmo e os espaos, a
zona e os segredos das transies, o losango e o pressing, a cultura tctica e o
perfume dos dribladores. As equipas que dominaram cada poca, de Chapman,
Meisl e Guttmann, at Capello, Benitez e Mourinho, passando por Herrera, Happel
e Sacchi. O sistema clssico, o WM, os mgicos hngaros, o nascer do 4x2x4, o
mrbido catenaccio, a revoluo do Futebol Total, as linhas do 4x4x2. Em cada
poca, cada equipa expressou as suas ideias de futebol, escritas pelas botas
divinas de poetas como Di Stefano, Cruyff, Puskas, Pel, Maradona, Zidane... at
aos mgicos do presente, Messi, Robinho, Drogba, Kak, Fabregas, Henry e o
maravilhoso mundo dos Ronaldinhos.
O futebol uma linguagem universal com vrios dialectos corporais. Existem mais
de mil maneiras de ganhar ou perder um jogo. A mais educativa aquela que
respeita o talento. A mais cruel a que ignora as boas ideias.
Claro que este no um livro para decifrar segredos do futebol. Apenas para falar
de futebol. A tcnica a palavra. A tctica um vocabulrio dinmico. As quatro
linhas so as delimitaes de cada pgina.
Prefcios
O autor deste livro pediu-me para falar de uma das minhas experincias enquanto
jogador de futebol. Como provavelmente devem saber tive a felicidade de jogar
em vrios pases, todos eles to ricos como diferentes culturalmente. E viver num
pas diferente do nosso cultura, experincia de vida, no tem preo. Poderia
aqui falar da louca paixo dos gregos pelo futebol ou da fria mentalidade alem
mas optei por escrever sobre a cultura que mais me marcou enquanto jogador de
futebol. E essa foi sem dvida o calcio italiano.
Itlia um pas latino, de mentalidade latina e, portanto, um pas de exageros,
de extremos. Viver dentro do futebol italiano perder a paz, o descanso, mas
tambm viver com entusiasmo, paixo. H presso constante sobre o jogador de
futebol, todo o mundo exige; os media, os tiffosi, a direco, o adepto famoso.
Para terem uma ideia de como por l se vive o futebol, posso dizer-vos que
quando cheguei Juve at Pavarotti falou sobre mim. Imaginem que Berlusconi foi
primeiro-ministro de Itlia durante vrios anos e mesmo assim nunca admitiu
afastar-se de presidente do seu Milan, de manter comentrios sobre os jogos e
sobre os jogadores do clube! Ora isto exemplifica bem o que fazer parte deste
mundo fantstico que o calcio. No entanto, essa exigncia que o meio coloca
nos jogadores, nos treinadores, nos directores, levou o futebol italiano para um
beco de difcil sada.
Difcil sada porque o resultado se tornou numa cultura. E essa cultura foi-se
enraizando ao extremo durante as ltimas dcadas. Os interesses econmicos em
torno do futebol "obrigaram" as equipas a ganhar e o espectculo passou para
segundo plano. Catenaccio, libero, pressing foram algumas das estratgias
encontradas pelos italianos para reforar as suas defesas. A fobia do perder ou a
fixao pelo obter resultados positivos, resultou no privilgio ao jogo defensivo e
ao contra-ataque, que so h vrios anos caractersticas da maior parte das
equipas italianas. Esta cultura est to enraizada que se chegarem ao p de um
grupo de crianas e lhes perguntarem quem so os seus dolos ou que tipo de
jogador querem ser, grande parte vai dizer que quer ser defesa como o
Cannavaro, ou stopper como Genaro Gattuso.
Esta obsesso pelo resultado traduz-se num futebol com caractersticas
dominantes de anti-jogo, contra-ataque, sistemas tcticos rgidos e
fsicos, renunciando-se ao talento dos jogadores, deixando o espectador e o
espectculo para segundo plano. O culto do fsico tambm uma consequncia
desta involuo.
Recordo-me bem que os italianos acentuavam imenso o lado fsico. Tanto que s
de pensar no incio da pr-poca eu at nem dormia tumultuado por imaginar as
cargas que ia levar! Os treinos eram bidirios, duravam uma mdia de duas horas
e meia, trs horas. Ginsio, musculao, corrida, carga e mais carga obrigam a
que os msculos trabalhem sempre acima do limite. E esta forma de trabalhar
causou-me danos srios a mdio/longo prazo. Acredito mesmo que se tivesse
jogado em Espanha ou em Inglaterra provavelmente hoje ainda jogava!
Mas o futebol italiano tambm tem o seu lado positivo e do qual sofri influncias
marcantes da minha personalidade actual. A organizao extrema, o culto do
estudo e anlise do detalhe, o cuidar do lado estratgico do jogo de uma forma
interactiva com os jogadores, so marcas na minha personalidade de treinador.
Ou seja, em Itlia sentia-me protagonista no campo, mas tambm no treino, no
balnerio e no ambiente em torno da equipa. Os prprios treinadores italianos do
abertura ao sentimento dos jogadores, permitem que haja interaco, troca de
ideias. Isso muito importante pois obriga a que todos os jogadores faam uma
constante auto/hetero avaliao. Como foi o meu desempenho? Em que posso
melhorar para que a equipa jogue melhor? Que conselhos posso dar aos meus
colegas para que o equilbrio funcional da equipa resulte numa maior qualidade de
jogo? Toda esta reflexo enriquece o futebol e aumenta o nvel de exigncia.
Tenho a esperana de um dia voltar a este futebol to apaixonante pois acredito
que posso contribuir para que o clcio se torne num espectculo mais positivo. Se
calhar estou a ser utpico mas confesso que tenho c dentro essa convico...
Por fim importa ressalvar o contributo que este livro e o seu autor trazem ao
futebol portugus. O Lus um amigo "do futebol" mas , fundamentalmente, uma
pessoa que nos ltimos anos tem acrescentado muito ao dito futebol falado e
escrito. Marcou um ponto de viragem no fazer jornalismo futebolstico, tornou-o
muito mais especializado, muito mais de encontro ao pormenor, procurando o
depois recuara para defesa, tornando-se o grande chefe da dupla defensiva num
tempo em que mandava o 2x3x5, a estrutura que marca o incio tctico da
disposio dos jogadores em campo.
Era a idade da inocncia. Cales pelos joelhos, brilhantina no cabelo, atilhos nas
golas das camisolas e botas que eram umas travessas. Tudo a preto-e-branco. Os
jogadores eram cavalheiros. Portavam-se como tal. Aparentavam como tal. Falta
uma mquina do tempo para nos transportar at esses tempos remotos, mas
ouvimos falar tanto deles que quase a mesma coisa. E as fotos desses tempos
no deixam mentir. Em mais nenhum local, como nas profundezas do ftbol
argentino, na Amrica do Sul, ou nos bas de memrias do football ingls, na
Europa, se abrigam tantos mgicos esconderijos de lendas.
Visitando o museu do Chelsea, descobre-se, a certo ponto, velhas fotos de 1905.
s portas do Estdio, aparentando ento ser todo erguido com pregos e martelos
a bater na madeira, a multido move-se como formigas em direco a um buraco.
O grande jogo estava para comear. Na foto da equipa, no centro dos onze
gentlemen, um gigante guarda-redes, inverosmilmente gordo, quase mais largo
que alto: Willie Foulke. Pesava 168kg. Media 1,98m.
Nascido em Sheffield, onde jogou vrios anos e se fez famoso - alinhou na
seleco inglesa em 1897 - chegou ao Chelsea j no incio do sculo seguinte.
Continuava, porm, imponente. No s pela sua monstruosidade fsica, temida
num tempo em que as cargas aos guarda-redes e deles aos avanados eram
permitidas, mas tambm pela sua agilidade entre os postes! Bill Fatty (gordo)
Foulke foi um dos maiores guarda-redes de fins do Sc. XIX. Conta-se que uma
vez, num desses choques, agarrou pelo pescoo dois adversrios e atirou-os para
o fundo das redes. Noutra ocasio, ao defender uma bola para canto, obrigou a
que o jogo ficasse interrompido longo tempo, aps partir com um soco a barra da
baliza. Histrias entre o real e o imaginrio mas que no custam a acreditar
revendo a sua gigantesca figura. Foulke morreria novo, com apenas 40 anos,
vtima de pneumonia.
No mesmo espao, quando olhamos as fotos de Peter Cech, mais de cem anos
depois, inevitvel pensar se existe ainda algum ponto de contacto entre dois
tempos to distantes. Gosto de pensar que sim. E penso que o futebol s faz
sentido dessa forma, procurando relaes entre as suas diferentes pocas, suas
personagens, equipas, treinadores, adeptos, apanha-bolas e vendedores de
gelados. Em qualquer era moraram sempre grandes jogadores. Podemos
conhecer os antigos, podemos conhecer os clssicos, podemos conhecer os
homens do Sc. XIX e at os que marcaram o Sc. XX. Difcil, mais difcil,
conhecer os contemporneos. So muitos e o tempo ainda no revelou a sua
antologia. No futebol, cada um tem a sua prpria filosofia para interpretar o jogo.
Fora, tcnica, jeito e msculo. Criar um modelo de jogo e definir um sistema
tctico , em suma, decidir como distribuir a inteligncia pelos jogadores no
relvado.
Ao longo dos tempos, o futebol mudou muito, adquiriu novas formas tcticas e
estilos, mas em todas as pocas a inteligncia foi o ponto de partida para entender
o seu sentido colectivo ao qual at as grandes individualidades se devem
submeter. nessa perspectiva que faz tanto sentido falar hoje em "princpios de
jogo". Como o prprio nome indica, eles so um "princpio", um ponto de partida
cnticos que envolviam aquela equipa enquanto jogava expressavam bem a sua,
ao mesmo tempo, veia pica e potica: "Sale el sol, sale la luna, centra Muoz, gol
de Labruna". Formavam um grupo divinal que jogava de memria e com os olhos
fechados. Moreno e Losteau, por exemplo, comunicavam um com o outro em
campo atravs de assobios, que era um cdigo para saber quando passar ou
trocar a bola. El Charro Moreno, que Di Stefano destaca como a pea principal da
mquina, era completo, sabia sempre quando fintar ou passar. Os adeptos
adoravam-no, apesar da sua vida bomia. Todos sabiam que aos sbados ele
ficava a p at de madrugada. Era visto a danar pelos bares, a fumar e a jogar
cartas, at que, muitas vezes com o dia a nascer, olhava para as horas e dizia que
tinha de se ir preparar para jogar tarde. Comia ento uma sopa de galinha bem
quente, vestia a camisola, entrava em campo e jogava divinamente.
O futebol mudou muito nos ltimos anos mas o que continua a definir a qualidade
de uma equipa a sua relao com a bola. Os bons jogadores tambm. A
dinmica dos jogadores em campo hoje, no entanto, muito diferente. O tempo
para pensar diminuiu. As posies continuam semelhantes, mas a ocupao dos
espaos mudou. O segredo, portanto, para as grandes equipas e jogadores do
presente dar tanta importncia aos espaos como bola.
O jogador conhece mais relva do que no passado. E tambm mais adversrios ao
longo dos noventa minutos. O velho papel de organizador de jogo diluu-se. Ou
melhor, ele muda conforme a bola. Esqueam os ancestrais maestros que quase
jogavam de mos nos bolsos e treinavam sentados em cima da bola, apenas
medindo, com o olhar, os passes que iriam fazer no dia do jogo. Hoje, quem tem a
bola quem tem de organizar jogo. Cada passe uma etapa dessa organizao
colectiva. Quanto mais jogadores uma equipa tiver com essa conscincia mais
forte ela se torna. Mas claro que, em cada equipa, continuam a existir as
referncias supremas na construo. A diferena que esse jogador hoje
obrigado, para ser um supremo organizador, a ter uma amplitude perifrica de jogo
muito maior. Conhecer o campo em toda a largura, correr mais, invadir e controlar
outros espaos.
Tambm existe, no entanto, quem exagere nessa ambio de relao perfeita com
a bola. Hoje, como antigamente. Nesse estilo, fica imortalizada a imagem e fama
de Domingos da Guia, patro da defesa brasileira nos anos 30, dos primeiros a
querer "levar a bola para casa" mesmo jogando como defesa-central. Tinha,
porm, um forte argumento para o fazer. Dizia que a demorava em soltar porque a
amava tanto que custava muito ter de a ver partir dos seus ps. Parava a bola no
peito, matava na coxa e colocava-a por cima da cabea dos avanados
adversrios indo busc-la mais frente. Eram as chamadas Domingadas. Um
caso de amizade sincera, expressa numa declarao emocionada, aps terminar
a carreira: "Est aqui, a bola, que me ajudou muito. Ela e as irms dela. So uma
famlia a quem tenho uma gratido enorme. Na minha passagem pela terra, ela foi
a principal. Porque sem ela, ningum joga. Eu comecei numa fbrica de Bangu.
Trabalhando, trabalhando, at que encontrei esta minha amiga. E estive sempre
muito feliz com ela a meu lado. Graas a ela, conheo o mundo inteiro, viajei
muito, tive muitas mulheres. As mulheres tambm so uma coisa gostosa, no?
O italiano Bagni que compartilhou com Maradona os melhores anos da vida do
Npoles, conta que muitas vezes lhe intrigava o facto de, acabado o treino, e
da viso de um grande jogo da Liga inglesa. Sucedeu-me pensar nisto quando via,
num dos muitos sbados tarde de futebol, o Fulham-Tottenham. Futebol aberto,
duas equipas em velocidade, a atacar e o pblico nas bancadas em delrio. O
Tottenham chega a 2-0. O Fulham reduz, mas os spurs voltam a marcar, 1-3! O
jogo cansa s de ver. Nesta altura, fico ansioso para ver os grandes planos dos
treinadores e tentar decifrar as suas ideias nesse momento. O jogo continua igual
como o pblico, o povo, queria que ele fosse. As equipas deixam-se levar pelo
ambiente eufrico. Penso ento: isto, assim, ainda acaba 1-5 ou.. .3-3. Acabou 33. Ou seja, em nenhum momento o Tottenham acalmou e geriu a vantagem. Nem
mostrou, alis, inteno de o fazer. Diro que isto que espectculo e que
assim que deviam ser todos os jogos. Para o espectador imparcial e romntico,
at concordo. Mas, analisando o jogo pelas exigncias do futebol de top, onde
obrigatrio controlo emocional, tudo aquilo foge de como, em muitas fases dos 90
minutos, o jogo deve ser pensado.
O futebol abriga todos aqueles elementos referidos, mas, no incio, sendo um jogo
colectivo, a base a tctica. Pensar o jogo como equipa. A tcnica importante,
claro, mas no existe no vazio. S faz sentido se inserida na ideia tctica
colectiva, a essncia do jogo de equipa. A emoo faz parte de todo este
processo, mas no pode ser o seu gestor e catalizador. fundamental para
motivar a equipa, mas, depois, o treinador tem de a filtrar para que se transforme
num factor do processo tctico e tcnico unificador.
Volto a pensar na questo em outros jogos. Vejo o Milan-Fiorentina e, sem as
correrias britnicas, vejo um bom jogo, pensado tctica e tecnicamente. E com
emoo. A pensar o jogo, dois mdios-centro. E como
o futebol, e suas
equipas, diferente quando existem dois bons mdios--centro frente-a-frente. No
caso, Pirlo e Liverani. O jogo sai pensado e, com dois grandes treinadores no
banco, Ancelotti e Prandelli, sai ao mesmo tempo emocional. Repare-se como o
Chelsea sem Lampard ou Makelele at fica mais empolgante para o adepto
imparcial, mas, simultaneamente, menos cerebral para gerir tacticamente o jogo e
control-lo emocionalmente. Mais perto de o perder, portanto. Por tudo isto, a
pergunta que muitos gostam de transformar em debate, faz pouco sentido. O
futebol tudo aquilo. Mas sem tctica, perde a sua essncia de jogo colectivo.
Fica sem o pensamento.
Com a bola nos ps, o jogador livre para criar, mas deve entender que essa
liberdade termina quando choca com a ordem colectiva e o modelo de jogo
subjacente. A capacidade do treinador - e dos seus jogadores- entenderem e
interpretarem estes conceitos que marcam a diferena entre as grandes equipas
da actualidade, como o Barcelona muitas vezes to bem explicou nas ltimas
pocas. Mesmo o gesto mais mirabolante de Messi produz jogo, pois tem em
mente um princpio colectivo.
Cristiano Ronaldo, por exemplo, muito mais jogador de equipa no Manchester do
que na seleco portuguesa. Uma prova, afinal, para dizer que mais do que na
tcnica ou na tctica, o bom futebol, hoje como nos anos 50, comea na
inteligncia tctico-tcnica (por esta ordem) individual e colectiva.
2. Tctica: a evoluo das espcies
sessenta anos. Hoje, como nesses tempos, so "novos pensamentos" que ajudam
a entender o jogo. Em 1949 como em 2007. As "novas" terminologias de mestre
Cndido serviram, sobretudo, para melhor sistematizar o conhecimento sobre o
jogo e, com isso, criar uma filosofia prpria de interpretao.
O futebol um ecossistema onde cabem todos. Por isso, Capello diz que o melhor
treinador do mundo "o maior dos ladres. E explica: "Porque esfora-se sempre
em aumentar os conhecimentos. Vejo jogos ou treinos e procuro sempre roubar
qualquer coisa. Quando era jogador, roubei e aprendi com todos os treinadores.
Roubei a Herrera a ideia de intensidade do treino, e com Liedholm aprendi que
nunca se sabe tudo sobre tcnica. contactando com estes homens,
directamente ou pelos seus escritos, que se aprende a pensar futebol. Ou seja, no
fundo, os que, enquanto jogadores, tiveram conscincia disso, acabaram,
indirectamente, tambm por se licenciarem, na Universidade da relva e do
balnerio. Ter sido jogador importante, mas s como base para construir o
conhecimento. No livro Futebol Total (1975), Kovacs dizia que, no incio,
perguntava se era necessrio aprender pedagogia, fisiologia, biologia, etc, quando
tudo no passava de dar pontaps numa bola. O tempo iria o esclarecer: "Hoje
afirmo que o que faz o treinador moderno e lhe permite julgar os diversos aspectos
do futebol, o valor e fora da sua bagagem e no a qualidade do jogador que
foi".
Ao longo dos tempos, o futebol conheceu diferentes tendncias tcticas e
diferentes ciclos de poder estilsticos. No contexto europeu, a evoluo histrica
reflectiu um secular choque filosfico e at morfolgico (joga-se como se vive)
entre o latino "futebol da tcnica" e o anglo-saxnico "futebol da fora". Um
choque de estilos hoje esbatido em nome da discutida "globalizao".
Todas estas nuances de movimentao que falmos espelham, afinal, "princpios
de jogo":
1. "Dribling and passing game" (1872); o jogo do drible e do passe: "princpio de
jogar" atravs de dribles e passes.
2. A "Pirmide clssica": (1930) os onze jogadores devem estar em permanente
movimento para impedir o adversrio de adivinhar as suas intenes. (2x3x5)
3.WM (1934) recuo de dois dos cinco jogadores do ataque, que assim passavam a
ocupar postos que seriam designados por interiores. Ao mesmo tempo, com o
recuo de um mdio centro para o meio da defesa, criando o stopper, enquanto os
dois mdios ala flectiam no terreno, ficava desenhado um quadrado a meiocampo. Nasce a partir da alterao da lei do fora-de-jogo.
4. A dinmica da tctica (1954) Apresentado ao mundo pela Hungria frente
Inglaterra. Um falso ponta de lana recua no terreno, dando passos atrs no
campo, obrigava o seu marcador a subir para o acompanhar. Era ento nesse
momento que metia a bola nos espaos vazios, nas costas da defesa inglesa, com
esse movimento colocada fora do seu posicionamento habitual, onde, aps
velozes diagonais, surgiam em velocidade os extremos fugindo s marcaes e
entrando no espao vazio criado na zona central da defesa motivada pelo facto do
central ingls ter acompanhado o falso ponta de lana hngaro. Em termos de
desenho passa-se do WM para um "MM". Era o nascer do 4x2x4, o mesmo
esquema utilizado quatro anos mais tarde pelo Brasil no Mundial-58, embora com
particulares nuances estratgicas
lana recuado. Era um movimento geomtrico desenhado pela bola, variando todo
o jogo da equipa em torno dessa diagonal feita de forma a rasgar meio-campo e
defesas contrrias, atravs de uma ou duas sucessivas linhas de passe, efectuada
entre trs jogadores: Bigode, Zizinho e Ademir.
Em campo, podia-se observar uma disposio que proporcionava o lanamento de
ataques, partindo do defesa-esquerdo e terminando no extremo-direito, com o
natural avano do interior-esquerdo. No caso da jogada partir do outro flanco, o
esquerdo, dava-se naturalmente o inverso da deslocao dos jogadores. Era
como um sentido de passagem obrigatria no jogo. S mais tarde, porm, quando
os jornais comearam a publicar desenhos da distribuio dos jogadores em
campo que as pessoas passaram a entender melhor este esquema. Ademir e
Zizinho estavam apontados em campo para a meia direita, mas depois moviam-se
e Ademir fixava-se como avanado centro, enquanto Zizinho ficava como meioarmador. Como defesa-esquerdo, numa linha de "3", ficava Bigode. No era,
portanto, bem um sistema, mas antes uma estratgia de movimentao da bola e
dos jogadores em campo. Hoje, obra de um jogador sozinho.
3. Mundos paralelos
Danando com a bola, o futebol como ballet.
O futebol uma linguagem universal com vrios dialectos corporais. Cesc
Fabregas e Tmara Rojo vivem os dois em Londres. Espanhis famosos na
capital da Velha Albion. Ele futebolista do Arsenal. Ela primeira bailarina do
Royai Ballet. Pode parecer que vivem em mundos muito distantes. Futebol e
dana. Mas estaro estes dois universos assim to separados? O que faz do
futebol uma linguagem universal a expresso
corporal dos seus intrpretes. Cada qual com o seu estilo. Quando Cristiano
Ronaldo arranca desde a sua rea at adversria, a sua cumplicidade em
velocidade com a bola, combina dana, fora, alma, tcnica e instinto. Fabregas,
mais cerebral, em vez da velocidade pura, esquiva-se ao choque. Dana mais
com o pensamento do que com o instinto. Nunca tinha visto um espectculo de
ballet na sua vida. Tmara tambm nunca vira um treino de futebol. Quando o
fazem, conhecendo balnerios e diferentes equipamentos, entendem como so
mundos que se tocam.
Os dois, Fabregas, futebolista, Tmara, bailarina, baseiam todo o seu trabalho no
mesmo instrumento corporal, os ps. O futebolista com "chuteiras". A bailarina
clssica com umas sapatilhas prprias. Em ambos os casos, desenhadas em
modelos personalizados para os seus ps. Tmara treina nove horas por dia.
Fabregas, menos, hora e meia. Diferente, o tratamento das leses. Para uma
bailarina partir o metatarso, no nada. Para um futebolista afasta-o por meses.
Rooney ia perdendo o Mundial por causa disso. Nessa altura, nos vestirios do
Royai Ballet, conta Tmara que as bailarinas riam-se da gravidade dessa leso.
Toda esta histria faz-me viajar ainda mais pelas belezas secretas do futebol.
Mozart, Simply Read ou Pixies. Cada jogador ter a sua banda sonora. A est a
dana. Com a bola. O maior elogio que vi fazerem a Cruyff foi quando o definiram
experincia de jogo. Sinhores mais vlios ajudar ele, bem d clube. No fazerem
malandragem. Brincadeira custar dez-per-cente para sinhores." Falava assim
mesmo, num portugus desengonado mas engraado, de quem tinha vindo de
longe. Depois chama Peyroteo parte: "Sinhor Fernando, no prtubar com jogo.
No ter importncia jogar mal. Dificuldades a campo para emendar no treining. Eu
ver uns, sinhor sentir outros e tera-feira corrigir dez, cinquenta vezes e tudo ficar
bem. Defesas irem dizer coisas muito feitas, jogar com algodn nos ouvidos, no
engolir isca. No esquecer principal de avanado-centro: rematar, rematar. Bola
junto d poste, longe de guarda-redes, como fazer no treinin!.
Os tempos hoje so outros, mas, vendo bem, a essncia do jogo permanece a
mesma. O treinador falar de forma diferente com o seu ponta-de-lana, mas os
passes, o controlo emocional, o treino e os remates continuam l. Michael Jordan
diz que o melhor treinador que teve na carreira foi Deam Smith, ainda na
Universidade, porque lhe ensinou a importncia do bsico. Ou seja, ensinou-o a
descobrir os fundamentos do jogo. No futebol igual. Em 1937 como em 2007, a
grande preocupao de um treinador deve ser que essas bases, individuais e
colectivas, nunca se percam.
Para mim, o futebol superior parte de um conhecimento real do jogo. Os
bons jogadores e treinadores percebem esta ideia. Trabalhar a tcnica desde as
bases. Controle, passe, remate, desmarcaes. No fundo, um
jogador sente-se melhor numa equipa que lhe permite____jogar, do que
noutra que tem ponto de partida nas amarras e na disciplina tctica prisioneira.
Tctica e disciplina so duas palavras que no combinam. Devia dizer-se antes
inteligncia tctica. Todos os jogadores, nesse sentido, so livres para, conduzidos
pela inteligncia, poder tocar a bola, mudar de flanco, fazer tabelas, inventar
jogadas e combinaes. Existe um conceito bsico no qual se determina que
quem deve correr quem no tem a bola. Assim, o seu portador nesse momento,
olha em seu redor e descobre sempre trs ou quatro opes de linhas de passe.
Como o Brasil de 82. Como o melhor Arsenal de Wenger. Ter a bola e toc-la com
preciso e mobilidade. Dizem que no tm extremos e por isso ocupam mal os
flancos. Pura iluso. Como conhecem e dominam to bem a essncia do jogo,
ocupam as faixas alternadamente. L est, a inteligncia tctica outra vez. Se,
depois, adicionar a estes princpios dois bons laterais, o bom futebol est
desenhado.
Os mdios so fundamentais nesta filosofia. Alargar e encurtar o campo (isto , a
distncia entre a linha mais recuada e a adiantada) quando mais oportuno.
Recordo-me daquele maravilhoso Real Madrid dos anos 80. O da Quinta dei
Buitre. Sanchiz, Michel, Martin Vasquez e Butragueno. Depois juntaram-lhe a
Quinta dos Machos, leia-se Gordillo, Maceda, Valdano e 40 golos de Hugo
Sanchez. Como jogavam. Como fintava El Buitre. Foi o nico jogador na vida que
vi fintar parado. Arrancava com a bola e travava. Voltava a arrancar e voltava a
travar. Chegava a faz-lo dentro da rea. Nessa altura fica quase esttico frente
ao defesa que o marcava. Braos em baixo, bola a seus ps. Esttico. Tudo
suspenso no Estdio. De repente, finta seca, para um lado ou para outro, espao
descoberto, remate, passe ou golo. Eram jogadores que gostavam de futebol. De
ver e jogar. Cruzando os conceitos do passe e do golo. Por esta ordem. A
essncia do jogo est no passe, no no remate. Passes matemticos. Se forem
decidido a incutir maior disciplina na equipa que, dizia, "driblava demais". Para tal
colocou no relvado uma cadeira assinalando o lugar onde se devia
obrigatoriamente centrar. Estavam todos os jogadores a cumprir o pedido quando
chegou a vez de Garrincha e logo toda a lgica foi quebrada. Na hora em que
chegou perto do objecto, Garrincha driblou a cadeira e tudo, centrou com a perna
torta e colocou a bola na cabea do avanado. Moral da histria: apesar da tctica
ser a personalidade da equipa e definir o seu estilo de jogo, ser sempre o gnio
do jogador a resolver os jogos. Nenhuma vive, porm, sem a outra, dentro do
relvado e de um jogo colectivo como o futebol.
O futebol evoluiu, certo, mas no ao ponto de se renunciar magia dos
dribladores para lhe introduzir o trao de imprevisibilidade, capaz de levantar o
Estdio e desembrulhar o jogo mais fechado. O problema que o dramtico
futebol actual j no os entende, pois, num tempo em que todos jogam com o
corao nas mos e, usando um termo indispensvel a qualquer equipa, em
pressing, eles permanecem relaxados, tranquilos, driblando com a mesma
naturalidade como respiram. E, depois, regressam para trs a passo.
Mitos foram Di Stefano, Pel, Cruyff e Maradona. Craques foram Eusbio,
Charlton, Platini, Zidane e Romrio. No presente, Ronaldinho vira sozinho jogos
de pernas para o ar, mas, em campo, ele muito mais do que um rebelde
individualista, pois o seu talento tem subjacente uma ordem tctica nas suas
costas. Ele consegue desequilibrar, porque, atrs de si, tem relgios de cuco
(Marquez, Deco ou Xavi) que fazem os pilares
- entenda-se segurana- da equipa. Da mesma forma que Zidane era muito
melhor jogador quando tinha Makelele atrs de si, Ronaldinho ou Messi podem
soltar esse talento com outra liberdade responsvel, porque tm nas costas
aquele trio tctico. No jogo de iluses tctico-posicionais, o facto destes talentos
jogarem nos flancos trocados, o destro na esquerda, e o canhoto na direita,
aumenta o trao de imprevisibilidade. Causa, tambm, maiores dificuldades aos
seus marcadores mais directos
- o lateral e o mdio interior do flanco respectivo - pois quando avanam com a
bola dominada, em drible ou comeando a flectir, puxam a bola para dentro, onde
est o seu p favorito, e obrigam os marcadores a fazerem a cobertura, ou tentar
o corte, com o seu pior p, numa posio contra-natura.
O futebol entrou numa era em que o seu factor de evoluo primordial passa,
essencialmente, pela interligao de vrias noes conjuntas do jogo. Quer a nvel
da posse e do passe, quer a nvel do tempo e do espao. Com ou sem bola.
Mesmo assim, difcil filosofar sobre o significado da frase jogar bem futebol.
Todos ns, amantes do belo futebol, partilhamos recordaes emocionadas sobre
grandes equipas e seus jogadores. Jogos e lances inesquecveis, apenas porque
realizaram os nossos sonhos de futebol, a iluso de ganhar e jogar bem. Mas,
afinal, como se poder explicar, em tese, e tendo em conta a evoluo dos
tempos, esse conceito sagrado de jogar bem?
Menotti, mais do que um simples treinador, algum que desde h muito passeia
pelo mundo vendendo uma ideia de futebol belo e ofensivo, pois, como gosta de
dizer, "atravs da forma de jogar das minhas equipas, eu falo da sociedade em
que gostaria de viver". Por isso, todos se assustaram quando o ouviram dizer que
Makelele entendia muito melhor do que Ronaldo o conceito de jogar bem futebol.
No fundo, a questo lanada por Menotti girava em torno do futebol enquanto jogo
colectivo. Nesse conceito de jogar bem, cabe o controle do tempo e do espao,
saber quando jogar curto ou longo, arrancar ou parar, recuar ou avanar, apoiar a
recuperao de bola, marcar e desmarcar-se. Ou seja, resolver o maior nmero de
aces no menor tempo possvel. Por esse prisma, no h dvida, Makelele joga
mais do que Ronaldo. A diferena est em que Makelele aquilo e ponto final,
enquanto Ronaldo pode ser todas as coisas diferentes, explosivas e imprevistas,
em cada jogo. A evoluo estilstica do futebol brasileiro prova, para o bem e para
o mal, esse conceito utilitrio de jogar bem, no qual a preparao atltica e as
novas bases tcticas geraram um novo jogador. Sempre tecnicista, mas mais
tctico, estilo Dunga, Zinho ou Mauro Silva, campees do mundo em 94. Esse
onze no entraria, porm, na nossa memria emotiva.
Em tese, podem-se destacar cinco princpios que definem uma equipa que joga
bem futebol: Primeiro: a relao com a bola independentemente da sua utilizao.
Vendo a forma como ela tratada, com tcnica e doura, v-se a sua categoria.
Segundo: a quantidade de oportunidades de golo criadas atravs de jogadas
elaboradas e no por erros do adversrio ou bolas bombeadas. Terceiro: o
controle do ritmo de jogo. Saber quando deve acelerar ou reduzir o ritmo, jogando
em ataque organizado ou em contra ataque. Quarto: como defende. S a
marcao zona, onde todos dobram todos, consagra a solidariedade
indispensvel ao esprito de equipa. A marcao individual apenas visa anular o
adversrio. Quinto: E o mais importante: a relao entre a ordem e o talento. Em
teoria, a ordem colectiva serve para empatar um jogo. O talento individual serve
para o ganhar.
O toque, conceito que, num impulso revivalista, ressurgiu nos dias de hoje. A sua
origem mora na Amrica do Sul e, no fundo, mais do que definir, numa palavra, um
gesto tcnico que na dinmica do colectivo se traduziria num estilo de jogo, antes
descrevia a superioridade tcnica e moral de uma elite de jogadores que, com
grande viso de jogo, trocavam a bola, tocando, tocando...
Penso nisso quando passeio na tribuna do Estdio em Nuremberga. O tempo
passa lentamente enquanto espero pelo incio de mais um jogo do Mundial 2006.
Calor sufocante. Meninas simpticas em traje azul claro conferem as cores das
pulseiras VIP. Foi ento que, quase annimo para maioria dos presentes, sobe as
escadas, com credencial de imprensa, um homem que, embora h alguns anos
afastado dos grandes palcos, solta, no meu imaginrio, um intenso aroma a bom
futebol: Pacho Maturana, um treinador colombiano que foi autor de um dos
projectos futebolsticos mais atraentes dos anos 90. O Toque. Estilo rendilhado
que fazia a equipa avanar em campo em toques curtos e apoiados, como que
zurzindo uma teia que envolvia o adversrio. A Colmbia de Pacho Maturana era
um poema. Quando me cruzei com ele, ainda tinha essa imagem na mente. Est
bem mais velho. Parece cansado. Imaginava-o ainda com o vigor dos anos 90,
mas o tempo passa. Os seus ideais tambm entristeceram. J no acredita no
toque como ideal revolucionrio. Caiu no mundo real e tornou-se mais um,
digamos, treinador do regime. Insiste, no entanto, em dizer que continua com a
mesma filosofia. O problema foi que "quando tinha todas as respostas, mudaramme as perguntas!".
Chamaram o Toque a esse estilo, mas, no fundo, tal traduz-se, muito
o avanado centro.
Em termos de estilo de jogo, o WM assenta em longas linhas rectas. Faz
desaparecer a figura organizacional do mdio-centro para distribuir essa misso
por cinco elementos em vez de apenas um (os do quadrado magico, mdios de
ataque e interiores, e, tambm, ainda o antigo mdio-centro em certos momentos
do jogo). A criao e aproveitamento dos espaos so a essncia do sistema. As
posies dos jogadores em campo ganham maior importncia porque delas
podem nascer e partir mais e variados ngulos de criao de jogo. Aumentam
espaos vazios entre os jogadores e cria-se a noo de passe e desmarcao.
"Existe uma ideia base. Quanto mais depressa chegar baliza adversria menos
obstculos uma equipa ir encontrar. No existe mais o espao para toques que
so apenas para a bancada. Quero o melhor futebol possvel, mas no pretendo
que os alas insistam no hbito de ir linha final cruzar. Em vez disso, quero que
os alas ultrapassem o defesa por dentro e arranquem para o golo eles prprios.
Os meus jogadores no so escravos do sistema, mas, no global, tm de seguir
os princpios fundamentais da ideologia de jogo da equipa.", escrevia Chapman no
incio dos anos 30, ento em colunas de tctica ofootball como colaborador do
Sunday Express.
A diversidade de movimentos dos jogadores que compunham o quadrado mgico
do meio-campo s era possvel, no entanto, porque os membros da defesa
ficavam sempre fixos atrs, como verdadeiros escravos da marcao. Esta foi
outra grande consequncia do WM: a criao das marcaes individuais cerradas,
em contraste com o anterior sistema de marcao por zonas que tinha inspirado a
pirmide que o antecedeu. O jogo transforma-se numa sucesso de "jogos de
pares" homem-a-homem. Mas, repare-se, era, numa poca como noutra, uma
opo natural, mais resultado da inferioridade ou igualdade numrica a defender
do que de um pensamento estratgico defensivo muito elaborado. fcil ver que
no sistema clssico de 2x3x5 nem podia ser de outra forma, devido densidade
provocada pela aglomerao dos cinco avanados contra dois defesas, s
reforados, a defender pelo recuo dos trs mdios. No WM, com Chapman, pela
primeira vez na histria do futebol havia equilbrio entre o nmero de defesas e
avanados. Por isso, a marcao ao homem. Enquanto os nossos mdios se
colocam ao lado dos interiores adversrios, os nossos interiores so perseguidos
pelos mdios contrrios. Os nossos avanados so vigiados pelo trio defensor
adversrio e os avanados destes so marcados em cima pelos nossos trs
defensores.
Para Chapman eram claras as bases para construir uma grande equipa de futebol:
"No futebol existem quatro jogadores chave: os dois alas e
os avanados interiores. Se tivermos um bom guarda-redes e um bom stopper,
tudo o que necessrio so dois bons extremos e um grande avanado centro. O
resto indiferente". (1931).
Funes especificas dos avanados em W: os interiores so criadores de
movimentos de ataque e preparadores, atravs do passe, dos remates a serem
efectuados pelo avanado centro, essencialmente rematador. Os extremos,
condutores de ataques e rematadores. Com esta ideologia, os jogadores que
passam a ser a suprema referncia de organizao so os interiores e no o
mdio-centro. Por isso, seriam chamados, mais tarde, na terminologia peninsular,
o funeral colectivo dos mticos jogadores fica para a eternidade como a maior
manifestao de dor e sofrimento que alguma vez viveu o futebol mundial. Na
memria de quem ama o futebol, sero eternamente campees.
9. Hungria, as terras do Major Galopante
Chamaram-lhe nAranyacspat -equipa de ouro, em hngaro. A sua construo, vida
e obra, mudando a face tctica do futebol para sempre, das mais apaixonantes
pginas da histria do futebol mundial. Criada pela poltica e pela fora das armas,
acabaria por conhecer o seu fim, alguns anos depois, atravs dos mesmos meios.
Em campo, uma equipa "extraterrestre", com jogadores que entendiam o futebol
como mais ningum no mundo naquela poca. O pssaro louco Kocsis, o
fantasma Hidegkuti, o veloz Czibor, o intelectual Zalearas, a batuta de Boszik, o
elstico Grocis e, claro, o Major Galopante, Puskas, mais do que um jogador de
futebol, uma parbola da vida nos relvados e fora deles. Se recuarmos cerca de
meio-sculo na histria do futebol mundial, vamos encontrar uma correlao de
poderes e estilos que colocava em confronto quatro escolas e filosofias bem
definidas: o futebol latino, escola de virtudes tcnicas; o futebol sul americano,
paraso de magos, mas, num tempo em que as fronteiras ainda eram o que eram,
distante dos olhos europeus; o futebol ingls, rude e tradicional, com lanamentos
longos e correrias; e o futebol centro-europeu, misto de frieza de Leste com
bordado de tcnica, onde crescera o estilo rendilhado e, ao mesmo tempo,
atltico, da ustria, Checoslovquia e Hungria. Integrado no cenrio centro
europeu, bero da Wunderteam austraca de Meisl, os hngaros cultivavam um
requintado estilo de futebol que se equilibrava, de forma quase sobrenatural, entre
a fora e a tcnica. Depois de terem chegado final do Mundial-38, com uma
equipa construda em torno de Sarosi e do interior esquerdo Szengeller, a Magyar
Laddarugok Szovetsge, a Federao Hngara de Futebol, ambicionava
reconstruir um onze capaz de assombrar o mundo. O inspirador que ajudaria
construo dos pilares ideolgicos seria o mesmo que estivera ao lado de Meisl na
fundao do estilo da Wunderteam austraca dos anos 30, Jimmy Hogan. Desta
vez, o seu companheiro de " trincheira" para nova revoluo futebolstica seria um
treinador, menos visionrio, mas igualmente sbio a pensar o jogo. Gustav Sebes.
Dizia que, para ele, o futebol era uma questo existencial. Desportiva e at
poltica. Costumava dizer que qualquer jogo internacional era como um confronto
entre o capitalismo e o socialismo. Que esse desafio acontecia num relvado de
futebol, como em qualquer outro sector da sociedade.
A primeira apario deste onze de ouro magiar deu-se com a vitria nos Jogos
Olmpicos de 1952, em Helsnquia, mas a sua consagrao eterna na histria do
futebol mundial, sucederia a 25 de Novembro de 1953, data em que se
deslocaram a Londres para defrontar a Inglaterra num jogo particular.
Tacticamente astuto, Sebes sabia que ia defrontar o famoso WM, rgido, com as
suas implacveis marcaes individuais e um poder fsico inesgotvel, tradio do
clssico futebol ingls, adepto do choque, perseguindo os adversrios at os fazer
desaparecer por qualquer buraco na relva. Sabia, tambm, das conversas com
Hogan, que fora nesses factores que apesar da maior qualidade individual e
colectiva com a bola, a bela ustria de Meisl, filha da mesma escola centro-
europeia, perdera em Londres o nico jogo da sua vida durante os idos anos 30.
J tinham passado duas dcadas, mas pouco mudara em termos globais na
abordagem do jogo. O WM derrubara o sistema clssico, mas a viso tctica do
jogo continuava demasiado posicional, rgida mesmo.
Semanas antes do dia do jogo, Sebes desloca-se a Londres para assistir a um
jogo entre a Inglaterra e uma seleco do resto do mundo. Amigo de Stanley
Rous, presidente da Federao Inglesa, de quem recebera pessoalmente o
convite para visitar Inglaterra, Sebes desceu ao relvado pouco antes do incio do
jogo e reparou que a bola nunca saltava mais de um metro. Ficou curioso e na
manh seguinte regressou ao Estdio. Calou umas chuteiras e, de fato e gravata,
correu com a bola no relvado, fez uns remates e observou os ressaltos que ela
fazia. Mediu a largura e o comprimento do campo, perante o olhar espantado dos
tratadores de relva e, antes de partir de regresso a Budapeste, pediu ao amigo
Stanley Rous que lhe oferecesse trs bolas de marca inglesa. Regressado
Hungria, alargou o campo de treinos para 110 por 70 e, trs vezes por semana, os
jogadores treinavam com as bolas inglesas, simulando situaes de jogo, um
exerccio que nessa altura ainda era muito pouco vulgar na maioria dos pases.
Quando meses depois a seleco magiar entrou no Wembley j nada lhe era
estranho. Sebes tinha reproduzido, num simples campo de treinos de Budapeste,
todos os importantes pormenores do fantstico cenrio ingls.
Sebes vivia preso a pequenos detalhes. Todos eram decisivos para o jogo. Pela
primeira vez os nmeros nas camisolas - at h poucos anos uma referncia da
posio que os jogadores ocupam em campo- foram utilizados para confundir os
adversrios.
Nessa tarde, os britnicos, no relvado e na bancada, no entendiam onde
jogavam os magiares, com, por exemplo, o n 9 a surgir na defesa e o n 3
presente no ataque. Bastaria, depois, mexer uma ou duas peas em campo, a
dinmica da tctica, para o rgido WM se desmoronar como um castelo de cartas.
Ao entrar em campo, at parecia que os hngaros iam jogar no mesmo sistema.
Quando se comearam a mover, no entanto, viu-se que no. Sabendo que os
ingleses iriam jogar em marcaes individuais, o grande segredo tctico esteve
nos recuos estratgicos do falso avanado-centro (Hidegkuti) e dos extremos que
se colocavam sempre bem abertos sobre os flancos. Nesses movimentos eram
acompanhados pelos seus marcadores. Mal Hidegkuti recuava e o "stopper"
Johnston que jogava em cima dele era obrigado a subir trs-quatro passos no
terreno. Era ento nesse momento que, transformado em segundo avanado,
fazia o passe para os espaos vazios, nas costas da defesa inglesa, com esse
movimento colocado fora do seu posicionamento habitual, onde, aps velozes
diagonais, surgiam a voar baixinho, nas costas desprotegidas dos defesas
ingleses que tinham subido para marcar individualmente, os extremos (Budai e
Czibor) ou os interiores (Puskas e Kocsis) j isolados diante do guarda-redes
ingls Merrick. No meio-campo, atrasava um dos mdios, enquanto que outro
mantinha-se adiantado. Ou seja, a defender mantinha-se a formao em "M". A
atacar, porm, bastou recuar o avanado-centro, e o "W" tambm passou a ser um
"M".
Sob a sumptuosa relva de Wembley, diante do nariz dos altivos ingleses, um grupo
de onze hngaros reduziria a cinzas o velho WM orgulhosamente criado e jogado
Assim foi.
Treinou muito, perdeu algum peso, e, quando chegou a Madrid, encontrou j uma
grande equipa. Uma espcie de verso antiga da era galctica que nos tempos
modernos voltou a invadir a casa merengue. E a vocao multinacional do Real
Madrid, onde, ao longo dos tempos, chegaram jogadores e treinadores de todo o
mundo. Entre hngaros, jugoslavos, argentinos e franceses, cada um deles deixou
algo de si e do seu futebol, gerando um estilo que, embora temvel, carecia de
homogeneidade tctica e estilstica.
O primeiro a chegar foi Di Stefano. A histria da sua contratao nascera em 1953.
Mais ou menos por essa altura, o Real Madrid comemorava o seu cinquentenrio.
Para tal, organizou-se um torneio internacional convidando o Milionrios de
Bogot, dono de uma equipa fantstica, o Bailado Azul, onde jogava um jovem
lourinho ento pouco conhecido na Europa. Foi ento que, frente ao Real e
perante o pblico madrileno, os Milionrios deram um festival de futebol. Di
Stefano esteve endiabrado: fez dois golos e comandou toda a equipa. Um maestro
com uma varinha mgica, cada vez que tocava na bola tudo sua volta ficava
suspenso, hipnotizado pela sua tcnica, velocidade e viso de jogo. Nunca na
Europa tinha sido visto algo igual. Na tribuna, deslumbrado, Santiago Bernabu
no hesitou: Quiero el rubio! Quiero que me fichen el rubio!. O verdadeiro
"maestro", capaz de, na mesma equipa, ser, ao mesmo tempo, o melhor defesa, o
melhor mdio e o melhor avanado.
Conduzidos pelo glamour tcnico, de requinte quase real do mago gauls Kopa,
que se revelara pela seleco francesa e pelo Stade Reims, Madrid descobriria os
encantos do belo football. Num tempo em que o perfume dos dubladores ainda
encantava o mundo do futebol, o seu talento tcnico seduzia qualquer bola, em
qualquer relvado do mundo. No flanco direito, Gento, o supersnico extremo
branco a quem um jornalista sul-americano jura ter contado seis pernas e quatro
braos.
Juntos, Di Stefano, Puskas, Kopa e Gento iriam provocar um furaco em todo o
futebol espanhol e europeu, dando ao Real, cada qual na sua poca, cinco Taas
dos Campees Europeus consecutivas, de 1956 a 1960, a ltima demolindo o
campeo alemo Eintracht Frankfurt, em Glasgow, por 7-3!
Na evoluo do estilo de jogo de Puskas da Hungria e do Honved para a Espanha
e o Real Madrid, est, para alm das suas evidentes alteraes morfolgicas e
avanar da idade, a ilustrao de como o contra-ataque passara a ter, a partir dos
anos 60, um papel dominante na estratgia das equipas em campo.
Na Hungria, Puskas, embora com viso ofensiva e goleadora, era estruturalmente
um homem do meio-campo, ou, numa definio mais precisa, um jogador que
actuava nessas reas, ficando depois Kocsis mais perto da rea, como avanado
puro. Era um organizador com preciso de passe, rente relva ou pelo ar,
aproveitando as desmarcaes dos companheiros e o jogo areo fabuloso de
Kocsis.
Alguns anos mais tarde, no Real Madrid, vamos descobrir um Puskas diferente.
Pode parecer estranho, mas agora sim, aproximava-se mais no estilo de jogar
denominao de Major Galopante, fintando em espaos curtos, escondendo-se
das marcaes. Mais frio e simplista a executar. Apesar de mais pesado, a
velocidade at parecia ter aumentado nos espaos mais longos.Tudo isto era,
jogadores. Pode, por exemplo, at ser mais ofensiva uma equipa a jogar, no papel,
em 4x5x1, do que uma a jogar em 4x3x3. Basta, no primeiro caso, pedir que os
mdios ala se adiantem para dar profundidade pelas faixas, ao mesmo tempo que
o mdio enganche mais ofensivo se solta e aproxima nas costas do ponta-delana, para esse 4x5x 1, ser mais ofensivo do que um 4x3x3 em que o treinador
pede aos extremos para recuarem no apoio ao meio-campo, para fechar na
marcao, enquanto o mdio centro ofensivo tem como principal misso encostar
no pivot-defensivo adversrio e impedi-lo de sair a jogar.
Em tese, distinguem-se quatro grandes momentos no jogo (ataque, defesa e
respectivas transies), mas nos segundos que medeiam entre eles, os
chamados momentos de fronteira, que pode estar a chave. Ou seja, definido o
posicionamento em presso dos jogadores em funo do adversrio, a questo
reside em saber at que ponto fica depois condicionada a transio ofensiva. Isto
porque, a estratgia at pode impedir o adversrio de sair a jogar, mas tambm
pode, depois, impedir a prpria equipa de lanar o ataque, devido ao
desposicionamento em que os jogadores encarregues de fazer esse pressing /
recuperao ficaram.
O grande problema reside, portanto, na posio em que os jogadores ficam aps a
recuperao. Quanto menos se desviarem das suas posies naturais, mais eficaz
ser a transio ofensiva. A recuperao s faz sentido se, resgatada a bola, a
equipa for capaz de lhe dar uma dinmica ofensiva de movimentos imediata.
Pensem num confronto 4x3x3 contra 4x4x2. Quando o treinador pede, por
exemplo, a um extremo para sem bola flectir em presso sobre o pivot-defensivo
adversrio, pode realmente travar a sada de bola do adversrio, mas tal nuance
desposiciona todo o ataque aps recuperar a posse (fica ento o ponta-de-lana
mais descado na ala, o extremo no centro e o outro extremo entre zonas
interiores e a faixa).
A dinmica ofensiva no pode ficar to condicionada pela estratgia de
recuperao. Ou seja, ambas nunca podem dissociar-se uma da outra. Assim, a
presso sobre o pivot-defensivo passa a ser feita, primeiro, pelo recuo do pontade-lana, e, depois, saltada essa primeira zona de presso, pela subida de um
mdio interior marcando zona o jogador adversrio que tente ento fazer a
transio ofensiva. Desta forma, aps a recuperao, os jogadores permanecem
todos correctamente posicionados para lanar o ataque (extremos abertos nas
faixas, ponta-de-lana no centro e os mdios de transio subidos, dominando
zonas interiores, com os laterais a apoiar conforme o lado em que casse a bola).
Esqueam portanto o debate futebol ofensivo-futebol defensivo, quase como
querendo demonstrar a superioridade moral de um sobre o outro. A chave est, no
fundo, em regressar s razes do conceito de Arkadiev. O que existe "futebol
harmonioso". Fim de discusso. Desta forma, tendo em conta noes como
pressing, velocidade e tctica, deixa de fazer sentido falar em fase atacante e fase
defensiva como compartimentos estanques na dinmica de jogo de uma equipa de
futebol que quer ser de top. Ambas esto relacionadas e a coeso do bloco
depende, exactamente, dessa noo conjunta, cuja consagrao mxima emerge
na eficcia e velocidade das transies. A recuperao da bola, por exemplo, mais
do que uma aco defensiva, o incio da aco ofensiva. A eficcia de ambas
est de tal forma relacionada ao ponto de serem uma s na dinmica de jogo,
em 62, apenas existiria uma diferena. Bastou, no entanto, mexer apenas uma
pea do xadrez tctico para o sistema e a dinmica do sistema mudarem. O
jogador chave voltou a ser Zagallo que ao recuar no terreno faria o sistema evoluir
(ou regredir) do 4x2x4 para o 4x3x3. No fundo, Zagallo apenas passaria a ter
como ponto de partida posicional um lugar na ala do meio-campo, de novo sobre a
esquerda, espao que em 58 s ocupava na dinmica da transio ofensiva,
quando
a equipa perdia a bola. Ou seja, passou-se de um posicionamento que resultava
da movimentao inerente a um princpio de jogo, para um posicionamento de
referncia que visava equilibrar melhor as trs linhas no seu conjunto. No foi
assim por acaso que, graas sua aco em 58 e 62, Zagallo ficaria para a
eternidade conhecido como "a formiguinha de ouro". Tratou-se, portanto, de um
"recuo inteligente" que espelhava a cada vez maior dimenso tctica da
abordagem do jogo.
Apesar da enorme categoria tcnica individual dos seus intrpretes, havia muito
de mecnico em tudo isto. Basta ver poucos minutos da Final de 58 para se
identificarem todos estes "princpios de jogo", os tais movimentos
comportamentais que orientam o jogador em campo, determinando as
movimentaes dos jogadores.
A questo reside, assim, em saber se eles se transformam no num "princpio",
mas antes quase num "fim" em si mesmo do "jogar" da equipa. Isto , deixarem de
ser princpios, espcie de estrada conceptual onde iriam caminhar as dinmicas e
sub-dinmicas do sistema, para se tornarem num conjunto de comportamentos
mecnicos controladores dos movimentos dessas equipas. Dessa forma, os
jogadores perdem liberdade para agir e ficam aprisionados a um modelo
comportamental rgido, sendo ento fcil de identificar pelos seus adversrios e,
consequentemente, passvel de mais fcil anulao, pois falta-lhe o trao de
imprevisibilidade inerente sua definio de "princpio". Ora o que se pretende
exactamente o contrrio. Isto , conseguir, em campo, uma interligao dinmica
entre a ordem e o talento individual, balizada pelo modelo e pelos seus princpios
de jogo no mecanizados. para isso que servem os "princpios de jogo", pontos
de partida comportamentais para uma certa ideia de "jogar", integrando ordem e
talento individual. Deve-se procurar uma, direi, "mecanizao no mecanizada e
no uma mera "mecanizao mecanizada pura". A inteligncia , por isso, o
grande princpio da movimentao no futebol. O jogador livre para agir, mas no
pode agir livremente. A sua liberdade acaba quando choca com a ordem colectiva
superior que rege o "jogar colectivo". Os princpios de jogo so, assim, as balizas
e os limites dessa liberdade. Se no forem mecnicos, standardizados e
permanentemente repetidos eles do critrio liberdade e ao talento individual
que, de outra forma, estaria desenquadrado, no teria ordem e sairia fora do
conceito colectivo do "jogar", tornando-se incuo e at subversivo em relao aos
tais princpios de jogo.
O Brasil de 70, embora esquematizado em 4x3x3, tem, em alguns momentos,
"princpios de jogo" semelhantes aos de 58. O "jogar" , no entanto, muito
diferente.
Como ponto de partida, frente da clssica defesa a "4", coloca dois volantescabeas de rea: Gerson e Clodoaldo. Destes, o farol da equipa que gere todas as
sadas para o ataque, Gerson. Conduz a bola com tranquilidade, invade o meiocampo adversrio e nesse momento espera pelo desenhar de linhas de passe.
Uma dessas linhas tipo surge quando os extremos Rivelino ou Jairzinho, com
espao abrem por "fora", ou quando marcados, flectem em diagonal. Neste
aspecto, a dinmica deste princpio difere de 58, onde Zagallo ou Garrincha nunca
procuravam movimentos interiores, apenas jogando encostados linha. Essa
combinao ordem-liberdade individual est hoje mais activada. Nas equipas do
passado, existia maior mecanizao dessas referncias. A ideia de jogo do
treinador transformava-se num dogma que raramente admitia desvios.
Zagallo, por exemplo, fazia no Mundial 58 a mesma coisa do primeiro ao ltimo
minuto. A propsito, ele conta que, nos treinos, o tcnico Fleitas Solis, ento no
Botafogo, apitava sempre falta quando ele fazia mais um drible. No fundo, esse
drible a mais podia subverter o princpio de jogo. Em 70, Garrincha ou Rivelino
sabiam, ora dar profundidade pela faixa como verdadeiros extremos, ora flectir em
diagonal procurando desiquilbrios interiores de penetrao. Isto , refernciasbase e liberdade para as interpretar sem subverter os princpios.
H, em tudo isto, um contedo tctico subjacente, sempre dinmico e que traduz a
organizao de jogo em movimento. Aqui est, portanto, uma evoluo do tal
conceito ordem-talento individual balizado pela liberdade de interpretao dos
princpios sem que com isso comprometa a ordem. Tanto Rivelino como Jairzinho
sabiam quando podiam sair do corredor sem desequilibrar - ou desordenar - a
equipa, tendo tambm os laterais (Carlos Alberto-Everaldo) um papel muito
importante nessa dinmica conjunta do onze, ora quando subiam em apoio, ora
quando fechavam atrs o corredor. Outro movimento tpico (entenda-se princpio
de jogo) da equipa, resultava dos recuos de Pel para receber a bola -que ento
estava quase sempre nos ps de Gerson - arrastando marcaes. E este conceito
"arrastar marcaes" faz todo o sentido ser aplicado aqui, pois a Itlia, na final,
apostou claramente numa marcao ao homem. Perante equipas com esta
postura, a mobilidade no standardizada dos jogadores crucial para iludir esse
"jogo de pares". Dentro da mesma dinmica de princpios, Tosto, o ponta de
lana, tambm saa muitas vezes da sua zona de referncia, entre os centrais
adversrios, para receber a bola e iniciar jogadas de triangulao com Pel ou
com os extremos que entravam em diagonal.
No fundo, estamos aqui perante um conceito ou variao moderna da ordem. A
chamada "desorganizao organizada", que, quatro anos mais tarde, a Holanda
transformaria verdadeiramente num modelo e numa filosofia de jogo.
Zagalo defende que, em campo, o sistema de jogo estava sempre a mudar. Mais
do que um 4x4x2 ou de 4x3x3, ele fala num 4x5x1. Hoje, revendo todos aqueles
jogos, h quem fale num 4x6x0. Quando a equipa atacava, s ficavam atrs o
Everaldo que, embora lateral, devia flectir para marcar o ponta de lana adversrio
e dobrar os defesas centrais Brito e Piazza, num esquema que utilizava sempre a
marcao zona. No existiam marcaes individuais.
Vendo jogar este mtico Brasil de 70, podem-se detectar alguns movimentos
tcticos preferenciais que at hoje so a base do seu futebol: Na baliza, Flix, o
guarda-redes, tratado como o Gato Flix, clebre figura de desenhos animados da
poca, ficou conhecido pela forma como repunha, com as mos, a bola em jogo
nos laterais, sobretudo na direita em Carlos Alberto, incutindo na equipa, desde o
incio da jogada, uma toada de jogo pausada e pensada. Nunca repunha a bola
com um pontap areo para o meio-campo adversrio. Na defesa, a principal
misso dos centrais, os zagueiros Piazza e Brito, era descobrirem algum nas
alas para de imediato entregarem a bola lateralizando o jogo. Isso obrigava, desde
logo, o adversrio a esticar-se para defender, criando mais espaos de
penetrao, comeando, desde trs, a abrir-se a frente de ataque. Na cabea da
rea, plantado na meia lua, Gerson, pautava o ritmo. Com espao para manobrar,
recebia a bola das laterais e executava, muitas vezes, com tempo, um preciso
passe em profundidade. A seu lado, Clodoaldo guardava melhor a bola, fintava e
girava com ela. Em traos gerais, com Clodoaldo a progresso era feita atravs do
passe curto; com Gerson era atravs do passe longo. Os mdios ofensivos,
Rivelino, na esquerda, e Jairzinho, sobre a direita, combinao em passes de
meia distncia, alternando a conservao da bola com a progresso, mas sempre
tocando, tocando... Na frente, Tosto ficava sempre mais adiantado espera da
companhia de Pel que surgia em qualquer lugar, a qualquer hora do dia ou da
noite.
O Brasil de 82
Falco, Cerezo, Scrates e Zico. Ouvir estes quatro nomes tem um efeito
hipnotizante em muitos sonhadores de futebol. Eles so o corao, alma e
essncia de uma equipa brasileira que ainda hoje nos faz ficar com um sorriso
tonto ao falar ou lembrar-se dela. Para muitos estudiosos foi mesmo a melhor
seleco brasileira de todos os tempos. O ano da apario foi 1982. No Mundial
de Espanha, o ltimo a ficar na nossa memria como referncia de qualidade
indiscutvel, cruzando emoo com bom futebol.
Ver aquela equipa a jogar era ver um festival de passe e tcnica. De um lado ao
outro do campo, a bola vagueava alegremente de p para p. Nas tribunas, os
adeptos cantavam e danavam. Futebol e samba. Com e sem bola. Batucada de
futebol divino. Cada golo era uma justa recompensa. Cerezo, o homem de
borracha, no meio, foi o primeiro trinco ofensivo que o futebol alguma vez vira. Em
seu redor, Scrates e seus toques de calcanhar, Zico e suas maravilhas, com
olhos por todo o corpo, e Falco, arteso imponente do passe e arranque. No
existiam posies fixas mas eles surgiam em todas as partes. Quando parecia a
jogada ir desenvolver-se por um lado, de repente, um-dois-trs toques e a bola j
estava no outro lado, confundido os adversrios que, a certo ponto, j nem sabiam
se deveriam deitar as mos cabea ou aplaudir. Quando tudo parecia
estabilizado, eis que surgia Jnior no ataque vindo desde o lado esquerdo da
defesa. Fazia uma tabela e aparecia na rea. Do outro lado, Leandro tambm se
disfarava de extremo, com Eder sempre preparado para soltar o seu pontap
canho. Entretanto, a bola divertia-se.
Tudo isto foi a mais bela mensagem de bom futebol que eu vi em toda a minha
vida. No acredito que volte a ver, e sentir, coisa semelhante. Nem que viva mais
mil anos. Para tornar tudo isto mais belo e romntico, no fim, perderam.
A derrota sucedeu contra uma Itlia cnica que soltava um intenso cheiro a enxofre
quando jogava. A maior parte desse aroma satnico saa do corpo de Rossi.
Sabem o que tenho mais presente desse jogo que segui com o corao to
apertado com medo de nunca mais os voltar a ver? Foi como os brasileiros saram
do campo. Estava eu meio estendido no sof, ainda incrdulo com a derrota,
enquanto Eder, Paulo Isidoro ou Leandro saam de cabea erguida, tocando as
mos, com passo decidido. Dizem, porm, que nessa tarde em que o sonho
chocou com a realidade, Scrates no gostou de ver ao entrar no balnerio os
seus colegas de cabea baixa: "O que se passa? Eles ganharam, e depois?
Demos-lhes um baile de futebol que nunca mais se esquecero na vida!". Assim
foi, de facto. Por isso, quando hoje falamos do Mundial 82, seja com quem for,
ningum fala da seleco italiana. Logo falam daquele Brasil e ficamos todos com
o tal sorriso idiota de quem nunca respeitou tanto uma equipa de futebol na vida
como esse Brasil. Portanto, no me falem mais que, no futebol como na vida, o
nico importante ganhar. As melhores seleces do mundo de todos os tempos,
aquelas que melhor jogaram e fizeram o futebol avanar, perderam todas no fim. A
Hungria de 54, a Holanda de 74 e o Brasil 82. Como escreveu o poeta sevilhano
Antonio Machado: "S recordo as emoes das coisas que vivi, tudo o resto
esqueo."
Observando os magos canarinhos do meio-campo, o habit natural dos grandes
artistas, no palco dos Mundiais ps-70, pode-se entender as indefinies tctico
estilsticas do futebol brasileiro, que a partir de 74, data do advento do moderno
futebol europeu, comeou a namorar a tctica, tornou-se mais cerebral, mas
sempre hesitante entre a arte tpica e a racionalizao semi-imposta de forma
quase contra natura.
Vejamos: 1974 - Rivelino, Carpegianni, Paulo Csar Lima e Valdomiro, jogando
Dirceu e Jairzinho, com 30 anos e sem o fulgor de 70, mais perto da baliza
adversria. Tcnico: Zagallo. 1978 - Cerezo, Gil e Batista, alternando com o jovem
Zico e o velho Rivelino. No ataque, Dirceu e Reinaldo. Tcnico: Claudio Coutinho,
que ento, nesse tempo, j fora acusado de estar a intelectualizar o futebol
brasileiro. 1982
- Cerezo, Zico, Scrates, Falco e, como substituto, Paulo Isidoro, atrs de der e
Serginho. Tcnico Tel Santana. 1986 - Os mesmos magos de 82, s que quatro
anos mais velhos. Todos na ternura dos 30, foram meras sombras errantes dos
gnios de Espanha. Na frente da defesa, comea a desenhar-se, com Elzo e
Alemo, o novo perfil tcnico-tctico do meio-campo. 1990 - Lazaroni encetou
revoluo tctica com o 3-5-2 (5x3x2 no papel) introduzindo o libero no sistema
canarinho, disfarado com a mscara dos laterais ofensivos, Branco e Jorginho.
Em 90 o Brasil jogou em 3-Mauro Galvo (jibero), Mozer e Ricardo. 5- (2-Jorginho
e Branco e 3- Dunga, Alemo, Valdo) 2- Muller e Careca. 1994 - Com Parreira, o
escrete completou a europeizao do seu futebol compondo um meio-campo de
recuperadores de bola (Dunga, Zinho, Mauro Silva e Mazinho). O Brasil conquista
o tetra mas perde o futebol arte.
1998 - Durante quatro anos o futebol brasileiro viveu um equvoco que s a
exploso de Ronaldo disfarou. Em Frana, sem os seus golos e sem Romrio, o
onze perdeu personalidade em campo, demasiado dependente do carisma de
Dunga. Tcnico: Zagallo. 2002 - Consagrao do 3x5x2: Dois trincos-volantes
(Gilberto Silva e Klebersson), trs defesas (Roque Jnior, Edmilson e Lcio),
laterais ofensivos (Roberto Carlos e Cafu) e trs Rs mgicos no ataque
(Ronaldinho, Rivaldo e Ronaldo). Tcnico: Scolari. 2006 - Dois volantes (Z
e diz ento que a vai meter num cesto que estava do outro lado do salo, em cima
de um pequeno mvel. Ningum acredita. ento que a levanta e remata na sua
direco. A bola passeia pela sala, passa ao lado, sempre muito perto, das peas
de ouro e prata, estatuetas douradas, vasos da dinastia Ming, e, no meio de um
conter de respirao geral, enfia-se, obediente, no cesto colocado no outro
extremo.
Existe a obra divina e existe a obra humana. Existe a obra perfeita e existe a obra
imperfeita. Neste cenrio, o futebol de Maradona ter sido uma obra divina ou um
feito meramente terreno?
Aposto que para responder a esta pergunta esto a pensar no que foi, e no que
ainda , o Diego fora do relvado, fora do futebol. A verdade que no entendo
esta relao, pois o mais injusto que pode existir para um artista julg-lo por algo
que faa para alm das suas obras. Seria como julgar Picasso por ter mau feitio
ou pelas acusaes de violncia familiar. Para alm do Maradona divino ser
futebolstico, existe o Diego humano que sofre, ri, chora, ama, odeia, engorda,
opera-se, cai na droga, fuma charutos, faz tatuagens, fica doente e gosta de
mulheres. Coisa estranha, no? Como fosse igual a todos ns. Dele retenho uma
frase no dia da sua ltima homenagem numa bombonera enlouquecida:
"Muchachos, na vida todos nos podemos enganar, mas a bola, essa, nunca se
magoa."
Muitos dizem que os povos apenas constroem heris para depois os poder
derrubar. Nesse pensamento uma imagem causou-me h tempos uma sensao
estranha. Foi quando, em pose de estado, Marion Jones, num discurso travado
pelas lgrimas mas sempre convicto, pediu desculpa e assumiu perante todo o
pas, os EUA, que se dopara no auge da sua carreira. Quando a via correr
recordava sempre outro veloz cone americano, Florence Grififth Joyner, lenda dos
Jogos Olmpicos de 84. Tambm ela viveu sob suspeitas de dopping. Nunca as
confirmou. Morreria nova, enigmaticamente. Tento estender o que seria a mesma
sensao com um heri do futebol. difcil aplicar a histria a Maradona, pois
tudo o que fez ao seu corpo s prejudicou o seu futebol. Lembro-me de Pavarotti
ter dito uma vez que ele prprio tambm sempre tomou substncias que o
ajudavam a manter e aumentar o poder da sua voz e nem por isso achavam que
estava a enganar o pblico. duro perder os nossos heris. como ficar rfo de
emoes. Busco sentido para tudo isto. Talvez ele esteja numa frase de
Marguerite Yourcenar: " Todo o momento de perfeio contm em si mesmo a
palavra fim."
A bola e a velocidade, da mente e das pernas, dois conceitos subjacentes ideia
de que o futebol um desporto para ser jogado, primeiro com a cabea e, s
depois, com os ps. Muitos jogadores sul-americanos quando chegam ao futebol
europeu sentem nos primeiros tempos grandes dificuldades para manejar estes
conceitos cruzados, onde a relao entre a bola, o espao e as mudanas de
ritmo so muito diferentes da Amrica do Sul. Vendo jogar muitos desses craques
vindos de alm-mar recordo uma velha histria passada com Bochini. Uma vez,
durante um daqueles jogos de exibio, alinhou ao lado do jovem ingls Duncan
Shaw. A certo ponto, Shaw, pensando como um ingls, fez-lhe um passe menos
preciso, com a bola a passar-lhe cerca de um metro ao lado. Bochini irritou-se.
Discretamente chegou perto de Shaw e disse-lhe: "Mira, pibe, ao Bocha d-se a
era ele que a transportava nessa manobra, enquanto corria para o meio-campo,
nunca era lanado, s recebendo os passes, quando parava em zonas mais
adiantadas do relvado.
Quando a equipa perdia a bola, rapidamente recuperava a posio inicial,
regressando, em grande velocidade, para trs da defesa. Ainda agora seria um
libero avanado no tempo. A seu lado, o gigante Schwarzenbeck, impiedoso, fiel
aos ditames da famosa mandeckug, a dura marcao homem-a-homem que fez
escola no futebol alemo e que grandes estrelas do futebol mundial sentiram na
pele e, sobretudo, no osso. Na baliza, estava o homem das luvas gigantes, Sepp
Maier, um guarda-redes estilo polvo gigante que quando estendia os braos
parecia tapar toda a baliza. No meio-campo, a batuta pertencia a Paul Breitner, o
escritor, com cara de poucos amigos e farta cabeleira, tpica dos anos 70. Ditava
ordens no meio-campo e lanava o ataque em 90 minutos de um s flego. Dono
de um carcter temperamental, cultivava a pose maoista de intelectual de
esquerda.
Lattek (em 74) e Cramer (em 75 e 76) foram aps a partida de Cjako-vsky, os dois
treinadores que guiaram este grupo de panzers, mas nenhum deles ganharia
espao de destaque na histria tctica do futebol mundial. Eram profetas do
futebol-fora numa poca em que este, na dicotomia de estilos frente ao futebol da
tcnica, impunha leis de forma clara. Fazia-o atravs da velocidade e da potncia
muscular. Face a estes princpios atlticos e de ritmo, a tcnica no tinha tempo
nem espao para se expressar. E perdia quase sempre.
A histria tctica do futebol mundial pouco fica a dever ao futebol germnico em
termos de inovao. Por isso, os seus maiores pensadores sobre o jogo
preocuparam-se em antecipar a evoluo dos tempos. Seria difcil manter, na
evoluo dos tempos, um domnio que tinha apenas a questo fsica como base
da sua filosofia. Nesse sentido, para muitos, a escola do melhor futebol alemo
nos anos 70 no estava em Munique mas sim em Mnchengladbach, uma cidade
tranquila, relativamente pequena, onde ainda era comum encontrarem-se midos
a jogar bola nas ruas, longe da cosmopolita Munique, onde essa imagem
romntica deixara de existir. Na passagem dos anos 60 para a dcada de 70,
Mnchengladbach ainda tinha isso. Num pice, porm, por fora daquele fabuloso
grupo de talentos, passou de simples cidade de provncia para capital do futebol
do bom futebol germnico. Mais do que a tpica pujana fsica alem, o Borussia
de Weisweiller tambm brilhava pela tcnica refinada dos seus jogadores. A face
mais visvel desta mescla fora-tcnica estava numa equipa que cruzava vrios
estilos diferentes de jogadores, entre eles Netzer, Overath e Simonsen, a pequena
serpente dinamarquesa.
Na pose de Beckenbauer, nos gestos de Breitner, ou, na seleco, nos gestos de
Overath, estrela de Monchengladbch, via-se algo mais para l da
condio atltica, mas seria com o emergir de uma nova grande estrela, Karl
Heinz Rummenigue, que o futebol germnico ganharia outro perfume tcnico real.
Foi, talvez, o jogador, com estilo menos alemo, de todos os que fizeram a glria
do futebol germnico. Os seus movimentos musculados denotavam, porm, a sua
escola. Conservando ao mesmo tempo a fora e o inesgotvel vigor fsico,
geneticamente adquiridos e futebolisticamente moldados nas escolas dos seus
clubes, Rummenigue acrescentou, a esse legado fsico, uma elegncia e um
requinte tcnico que fizeram dele, para muitos, um dos melhores jogadores
europeus dos anos 80.
Foi conciliando as distintas sensibilidades que emergiam das duas grandes
escolas do futebol alemo, a de Munique, mais robusta, e a de Mnchengladbach,
mais tcnica, ambas inspiradas nos livros de Colnia, que Helmut Schon
conquistou o ttulo Mundial em 74 com uma seleco que j tinha presente a
inteno da simbiose fora-tcnica.
Mais do que dedicado a glorificar as vitrias da poca, ele revelava as
preocupaes do futuro. Na base do seu pensamento estava j, num tempo em
que o futebol fora conhecia os seus dias de glria, a importncia da tcnica no
futebol moderno e seu papel decisivo nas tendncias do futebol em funo do
futuro. Estes seriam os seus temas em dois trabalhos apresentados nos cursos da
UEFA de 1977 e 1980.
Nada h de novo em dizer que os treinadores de Futebol pertencem a diferentes
escolas de pensamento. Assim:
1. Alguns consideram a condio fsica perfeita como a panaceia de acordo com o
lema: o fsico acima de tudo.
2. Outros preferem um treino menos puxado, acentuando a melhoria da tcnica.
3. Outros pensam encontrar a soluo em exerccios e teorias tcticas. O treino
moderno postula, portanto, a prtica de trs elementos bsicos:
1. Obteno de ptima condio fsica.
2. Obteno de boa tcnica de competio.
3. Elaborao de tctica judiciosa. O sistema de jogo deve adaptar-se s
faculdades dos jogadores ( desnecessrio lembrar que nos ltimos tempos o
comportamento tctico das equipas sacrifica todas as outras qualidades do jogo).
Consequentemente, o treino deve incluir trs directivas bsicas: 1. O assunto
central do treino o prprio jogo, isto , a bola.
2. Aptido fsico-tcnica e tctica; trs elementos diferentes, mas que nos treinos e
nos jogos interpenetram-se.
3. O jogo determina tudo. o comeo e o fim de um ciclo que se inicia no final de
cada jogo e se inicia com o treino e conclui-se no jogo seguinte.
Actualmente, o que define a boa aptido tcnica a capacidade de dominar a bola
a alta velocidade com pouco tempo para o fazer estorvado pelo adversrio. Havia
um ditado que dizia: "pra, olha e chuta!" Hoje, ele pertence ao passado. No
futebol actual so raras as ocasies em que um jogador tem tempo de controlar
calmamente a bola, olhar sua volta e decidir a quem pass-la. O que
actualmente conta a tcnica dinmica, a percia com a bola em movimento, e
que deve ser alvo de especial ateno durante o treino.
Qual ser, no futuro, a imagem do jogo ideal que rena a sede de vencer e a
beleza? No esqueamos que mais fcil para o treinador elaborar um treino de
condio fsica do que ensinar tcnica ou tctica em condies de competio.
Estou convencido que as nossas melhores equipas do mundo no progrediro, a
curto prazo, no plano da condio fsica. verdade que tambm muito
importante para que se associem os exerccios tcnico e tcticos melhoria da
procura de jogadores universais, mas o treino desmesurado da fora pode ter
repercusses negativas no comportamento tcnico do jogador. Trata-se em
absoluto de jogar bem e de maneira diferente e isso s possvel se no se omitir
o aspecto tcnico do futebol. por isso que fundamental o controlo da bola, pois
ela constitu o factor principal para conservar as qualidades e o poder de
fascinao do nosso jogo. Hoje, como amanh, o domnio da bola em pleno
movimento, pressionado pelo adversrio e o tempo, reveste-se de uma
importncia maior. O tempo resolve onde se pode parar, controlar, olhar volta e
executar um passe. H jogadores brilhantes, de boa tcnica e dribladores que
perdem brilho quando marcados de perto. So, ento, pressionados pelo tempo. A
tcnica esttica, do mesmo modo que cem toques de cabea ou malabarismos
parados so inteis. Uma equipa que atinge o auge no futebol moderno tem de
basear o seu sistema de jogo em harmonia com as aptides dos seus jogadores e
tem de possuir jogadores capazes de aplicar a sua tcnica mesmo debaixo das
mais diversas condies e com grande velocidade do princpio ao fim do jogo.
15. Leitura de jogo, o futebol como um bom livro
Uma coisa a tcnica individual, outra coisa a tcnica colectiva. A primeira,
esgota-se no jogador, a segunda, parte do jogador e posta ao servio do
colectivo. No fcil encontrar jogadores com esta noo. Ter de ser o treinador
a dar equipa essa capacidade. Com jogadores inteligentes, partindo do primado
da tcnica para chegar viso tctica, at descobrir uma forma de jogar onde as
duas caminhem lado a lado, deixando para segundo plano outras ideias de jogo
menos perfumadas na relao com a bola. Lampard, Cesc ou Deco so belos
exemplos desta tese. Desta forma, a razo de ser da tctica reside na qualidade
tcnica dos jogadores. Ela indispensvel para a tornar eficaz, no passe,
recepo e controlo, a essncia do modelo de jogo onde, afinal, a tctica ... a
tcnica!
Existem vrias formas de tentar definir um bom jogador mas a melhor, pensando
nesta relao da tcnica com a tctica, quando se diz que tem excelente "leitura
de jogo". Penso que o maior elogio que se pode fazer a um jogador. Olhar para
o jogo como quem olha para um livro. Cada passo ou passe que d, como se
estivesse a folhear cada pgina. Observar os movimentos de todos os
intervenientes, da sua equipa e do adversrio, como se o estivesse a ler, sem
saltar linhas e fazendo a pontuao (vrgulas e pargrafos) sempre nos locais
certos. este o princpio do bom futebolista: Saber "ler o jogo".
No obrigatrio, no entanto, olhar para ele sempre da mesma maneira. Durante
noventa minutos, h tempo para diferentes olhares e
estados de esprito. Recordo uma entrevista de Severiano Ballesteros em que ele,
falando sobre a sua carreira, dizia que o segredo do Golf estava em que " um
desporto que deve ser jogado sempre entre o muito srio e a brincadeira". Fala
sobre isso nas longas caminhadas que, durante um jogo, se d pelo green, onde
h tempo para tudo. Grande concentrao na altura da tacada. Descompresso e
relaxe logo aps, quando se parte, na direco a outra jogada. Vamos trocar o
green de golfe por um relvado de futebol. E, claro, um jogo por outro. Ser que
no sucede, ou deve suceder, a mesma coisa, com um jogador de futebol?
Acredito que sim.
impossvel, e pouco aconselhvel, em qualquer posio, seja ela, por definio,
mais criativa ou mais mecanizada, manter sempre a mesma atitude interior. H
que saber fechar a cara ou abrir um sorriso. Primeiro, concentrao sria com a
bola, seguindo o jogo. Depois, nas pausas, que no futebol so muitas como se v
pelo escasso tempo til que tem cada jogo, a oportunidade para descomprimir,
sorrir. Muitos jogadores sabem entender os momentos certos para estas diferentes
atitudes. Outros, confundem-nas. Encontrando os timings certos, encontram a
atitude certa para se sentirem confortveis dentro do relvado. Para ter, afinal,
prazer no jogo.
comum agora, no final dos jogos das competies europeias, surgir o nmero de
quilmetros que cada jogador correu ao longo dos 90 minutos. So nmeros
impressionantes: "12,5 quilmetros", "11 quilmetros", "9,8 quilmetros!". E por a
fora. Vendo estes nmeros a primeira tentao pensar: que grande jogo eles
fizeram. Mera iluso. O princpio do bom futebol no est em correr mais, mas sim
em quem corre melhor. Em vez do nmero de quilmetros que cada jogador fez
em campo, o mais importante era contar o nmero de quilmetros que esse
jogador fez a bola correr.
Como dizia Mestre Liedholm, em campo, quem deve suar a bola. Por isso,
muitas vezes, quando vejo jogadores que sabem "ler o jogo" a correr muito, tenho
a tentao de fazer a crtica: "sim, um bom jogador, mas corre demais!".
comum faz-lo aps ver jogar Joo Moutinho. Fico cansado s de o ver. Ral e
Tevez tambm so outros bons exemplos. impossvel ler um bom livro a correr.
impossvel ler um bom jogo em alta velocidade. Controlar o ritmo, controlar a
ansiedade. Fazer as pontuaes nos locais gramaticalmente certos. Fazer as
pausas, para "ler" melhor o jogo nos pontos futebolisticamente correctos.
Fala-se na fora, na resistncia e na potncia. Onde encaixa isso tudo sem
inteligncia, tcnica e talento? Com rapidez de pernas, mas sem velocidade de
pensamento para que serve um jogador? Carl Lewis foi um atleta de velocidade
impressionante. Fabuloso. Mas num campo de futebol, Laudrup seria sempre
muito mais rpido do que Lewis. Porque a bola ser sempre mais rpida do que o
jogador. Porque correr em campo s faz sentido com a bola como ponto de
referncia. Pensem no golo fantstico de Maradona Inglaterra no Mundial 86.
Agarrou na bola a meio-campo, danou sobre ela e arrancou para a baliza,
fintando e driblando adversrio, at, no ltimo momento, "comer" o guarda-redes e
fazer o golo. Agora, vejam bem. Se tivessem nesse mesmo instante, colocado
Maradona a correr, em linha recta, igual distncia desde o meio-campo ao lado de
todos os ingleses por quais passou, o mais provvel seria que o mago argentino
chegasse entre os ltimos. Com a bola, porm, correndo e pensando ao mesmo
tempo (velocidade fsica e de mente), saltando obstculos, chegou primeiro e sem
discusses.
Vejo o Mundial de Atletismo, fico deslumbrado com as performances de atletas
quase supra-humanos, mas cada vez mais difcil bater recordes. Neste campo,
recordo sempre um atleta, que, anos atrs, os batia quase como respirava. Era
Sergei Bubka, no salto vara. Quando se pensava que tinha atingido o auge, l
vinha ele e saltava mais um centmetro. Um assombro. A verdade, porm, que
Bubka tinha tudo planeado. Ele sabia que a sua superioridade na modalidade
traduzia-se em pelo menos dez centmetros. S que em lugar de os saltar todos
de uma s vez, preferia ir progredindo aos poucos. Pelo meio, falhava ensaios.
Assim, em vez de bater o recorde por uma nica vez, batia-o vrias vezes e a
apanhou com a bola, e, nesse momento, arrancou para a baliza francesa como
estivesse a voar sobre um tapete voador. L em baixo ficava o at ento
desordenado jogo da sua equipa, incapaz de descobrir outra maneira de ganhar o
jogo, pela ordem colectiva. Quando desceu terra, cara a cara com o guardaredes do Marselha, Tarik j passara por todo o "Cashba" gauls. P esquerdo, p
direito, p esquerdo. Golo!
O filho predilecto de Al nessa noite de Champions descobriu a explicao para
esse momento medida que a inventava. "Primeiro, quando tinha a bola junto
linha lateral, apenas pensei em ultrapassar o defesa-esquerdo". Uma questo
burocrtica, portanto. "Depois, pensei apenas em servir um companheiro". A
inteno de manter a ordem social da equipa em campo. "Depois, vi que havia
muito espao e como a velocidade um dos meus fortes, arrisquei seguir com a
bola em fintas". A percepo da obra de arte surge na sua cabea sem desenhos
prvios. Tarik procurou decifrar o mistrio do seu golo recordando o que pensava a
cada respirao. a melhor forma de procurar. Segundos antes de a fazer, nem a
imaginava sequer. Todos os grandes golos de rasgo individual nascem assim.
Oliveira foi dos melhores jogadores portugueses que vi a jogar e a pensar o jogo,
mas ele prprio dizia-me em conversa que "s vezes lembro-me de receber a bola
e, num curto espao, com marcaes em cima, fintar um, dois, trs adversrios e
sair a jogar. Tudo em fraces de segundo. Como por magia, ficando, depois, na
minha cabea, a perguntar-me: mas como foi possvel tu teres feito isto?". Foi
como se as chuteiras tivessem vida prpria. Era por isso, que embora no o
tivesse afirmado pensando em futebol, Bernard Shaw dizia que "o mais absurdo
que podem pedir a um artista uma explicao para sua obra, j que essa
explicao pode bem ser o que ele procurava".
Balada por futebolistas insubmissos
Pense um pouco e responda. Que palavra domina hoje uma equipa ao entrar em
campo: medo ou esperana? Pois bem, o futebol tcnica e tctica. Mas tambm
instinto e sentimento. H vrias formas de procurar definir a unio destes vrios
factores. Eu sei que, como diria Cruyff, o futebol um jogo para ser jogado com a
cabea, inteligncia em movimento, mas a raiz da atraco fatal entre o homem e
a bola tem outra essncia. Eu acho que Mantorras personifica hoje esse lado
selvagem, excessivo at, que faz a nossa primeira aproximao ao futebol. E isso,
ironia das ironias, nos transmitido por um jogador que est condenado a... no
jogar. Talvez por isso, tem alegria at no aquecimento.
Faz lembrar uma bela prosa de Drumond de Andrade para quem se existisse um
Deus que regulasse o futebol ele seria irnico e farsante, pelo que,
confidencialmente, ia colocando pelos campos alguns dos seus delegados
incumbidos de zombar de tudo e todos. Mantorras um pouco isso. S que, como
tambm um Deus cruel apenas lhe deu possibilidade de jogar vinte e poucos
minutos por jogo. Custa ver como um jogador que transmite esse sentimento a
adeptos, colegas ou simples vendedores de queijadas de Sintra, esteja
condenado, por questes fsicas, a jogar to pouco tempo. Mas, se calhar
mesmo essa sua histria de sofrimento que torna o seu futebol mais romanceado
e sedutor.
gabinetes. No fcil, claro. Mais difcil, porm, decifrar a mente de Seedorf. Ele
nunca perde a conscincia em campo mas como usual desconfiar do jogo,
nesses momentos, ao treinador e seus admiradores, s resta mesmo esperar que
ele volte a recuperar a memria. Quando o faz, resolve-se o enigma e o jogo
outro. O jogador, Deus e a bola, um caso de amor
16. As mil e uma noites do futebol ingls
Hipnotizada pelos modernos vendedores de sonhos, a Europa de incio do Sec.
XXI alucina com os novos clubes ingleses, projectos faranicos compostos de
grandes estrelas vindas de todo o mundo. No passado, porm, o clube ingls que
mais alto elevou o ego e o nome da Velha Albion foi, sem dvida, o fabuloso
Liverpool, a cidade dos Beatles e do futebol romntico, aquele que melhor definiu
um clube de futebol como a mgica unio entre os seus adeptos e os jogadores
que, ao longo das pocas, vestiram a camisola desse clube, que um estado de
alma, um bocado das suas vidas. Erguida no esturio do rio Mersy, na regio do
Lencashire, a bela histria do Liverpool comea em 1959 quando, com o clube na
II Diviso, chegou ao seu comando, o escocs Bill Shankly, vindo do Huddersfield.
Este homem mudaria para sempre a imagem do Liverpool. Em 1962, com o
regresso I Diviso, estava cumprida a primeira fase da sua promessa: Tornar o
Liverpool no primeiro clube do mundo. Nessa misso, Shankly correu toda a
Gr-Bretanha em busca de talentos. Muitas vezes contratava-os muitos novos,
fazendo-os jogar nas reservas durante dois anos, aprendendo o "Liverpool spirit",
at ocupar o lugar das estrelas que se retiravam. Assim, para ele as duas
melhores equipas do mundo eram o Liverpool e as reservas do Liverpool. O
segredo de Shankly era a dedicao e paixo que transmitia a todos, com um
sentido de motivao nico.
Uma tarde, os jogadores do Liverpool ouviam ansiosos a sua palestra antes do
jogo com o poderoso Manchester de Busby. Shankly falou de todos os homens do
adversrio, explicou como os anular e como fracos eles eram. Falou de todos
menos de trs, como logo um jogador se apressou a lembrar: "E que fazemos com
Charlton, Best e Law, Mister Shankly?" Imparvel, o escocs sentenciou: "No me
digam que no so capazes de ganhar a uma equipa que s tem trs jogadores!?"
Sabia como ningum incentivar os jogadores: "Vai, entra em campo, e
abana-lhe os ossos para a gente ouvir!", dizia a Tommy Smith antes de entrar em
campo para marcar um adversrio. Depois disto ele at parecia capaz de iniciar
um motim num parque infantil.
Noutra ocasio, antes de um jogo contra o Anderlecht disse aos jogadores para
no se preocuparem: "Eles no valem nada!" No fim, depois de vencer 3-0 afirmou
solenemente: "Acabaram de bater uma das melhores equipas da Europa!". Os
jogadores viviam enfeitiados com as suas atitudes. Era um homem de contrastes,
nada dado a conversas sociais, ora era capaz de pr um jogador na lua, ora era
capaz de lhe pregar uma descompostura tal que o colocava de rastos. Quando
uma vez um jogador se queixou dizendo que "No posso jogar, Mister, estou cheio
de dores no meu joelho", Shankly respondeu-lhe furioso: "Que queres dizer com o
meu joelho? Isso j no o teu joelho. Esse um joelho do Liverpool!". Por outro
lado, sabia cultivar a rivalidade com o Everton, o grande inimigo futebolstico de
depois para Joe Fagan (83/87), sempre com o apoio do fiel Ronnie Moran. Em 59,
foram estes trs homens a receber Shankly. Depois, durante 30 anos foram eles a
abrigar o segredo. Quando Shankly abandonou Anfield, dirigir o Liverpool era
como conduzir um Rolls-Royce.
O Liverpool de Paisley foi, porm, diferente do de Shankly, sobretudo a nvel
internacional. Essa era, alis, a maior crtica que se fazia a Shankly, para quem o
futebol ingls era o melhor do mundo, minorando o do continente, que dizia refm
de esquemas tcticos e picardias sem fair-play. Com Paisley, o Liverpool cresceu
tctica e tecnicamente, tornou o seu estilo mais continental, privilegiando a posse
e a circulao de bola. Os seus defesas passaram a sentir-se mais confortveis
com a bola nos ps. Ora exactamente esse o segredo das grandes equipas.
Saber iniciar e desenhar mentalmente na defesa as suas jogadas ofensivas.
Assim, os defesas do Liverpool durante a era-Paisley, Thompson, Hughes, estes
ainda formados na poca de Shankly, Hansen e Lawrenson, cultivaram um perfil
elegante. No se limitavam a despejar bolas para a rea adversria. Para alm de
exmios no jogo areo e no tackle, passeavam classe com a bola junto relva,
frente de guarda-redes como Clemence e Grobellar. Em nove pocas, Paisley
conquistou 3 Taas dos Campees, 1 Taa UEFA, 1 SuperTaa Europeia, 6 Ligas
Inglesas e 3 FA Cup, tornando-se o treinador de maior sucesso na histria do
futebol ingls.
Em 1977 teve de encontrar um substituto para Keegan que rumara para
Hamburgo. O eleito seria o escocs Dalglish, comprado ao Cel-tic por 400 mil
libras. Dalglish e Keegan envergaram com igual garra a mtica camisa 7 do
Liverpool. Eram dois lderes com personalidades diferentes. Keegan, mais
emocional, Dalglish, mais equilibrado. Ambos tinham assombrosos rasgos de
gnio, mas enquanto Keegan era rpido e imprevisvel, capaz de surgir vindo do
nada sem ningum estar espera, o escocs era um jogador mais adulto.
Desmontava o jogo pea por pea na sua mente e com a bola nos ps era capaz
de escrever contos e pintar quadros de hipnotizante beleza plstica. Imenso, foi
102 vezes internacional pela Esccia. Com Dalglish e uma nova gerao de
talentos, o Liverpool seguiu a cruzada europeia. Pouco depois, novo dilema:
descobrir o sucessor de Toshack, a outra face da dupla atacante. Em 80, seguindo
os ensinamentos de Shankly, Paisley apostou num jovem gals de 19 anos,
profissional h apenas um ano, em Chester: Rush. A velha hiena, como seria
depois apelidado tal a forma como aparentava passar todo o jogo a sorrir. Jogou
14 pocas, tornando-se numa mquina goleadora. Quando a bola caa na rea e
olhava para Rush j nem perguntava o que fazer e de imediato quase por magia
tomava o caminho da baliza. Quando em 1984, com Fagan, o Liverpool
conquistou a quarta Taa dos Campees o seu capito era o terrvel Souness, um
duro que carregava a equipa s costas.
O esprito de equipa era incrvel. Durante os estgios, quando visitados pela
imprensa e adeptos, os jogadores divertiam-se fazendo caretas aos outros
hspedes do hotel, brincando e cantando canes tradicionais da histria do
Liverpool. Ser do Liverpool era fazer parte de uma das mais importantes pginas
da histria do futebol mundial. Para nele jogar seria necessrio, antes do mais,
entender o seu estado de esprito. Uma imensa constelao de simples rapazes
tornados estrelas nas mgicas noites de Anfield Road. Todos eles brilharam
que quem no sabe defender nunca ir a lado nenhum. Trapattoni, por exemplo,
outro velho treinador da escola transalpina, pertence classe que profetiza
esquemas que comeam a defender a meio-campo, na frente da defesa, com a
chamada primeira linha de conteno do meio-campo, pelo que sempre quis, nas
suas equipas, trincos ou mdios defensivos aguerridos, recuperadores de bola e
marcadores natos, em vez de volantes mais macios, que at podem ter maior
capacidade tcnica na sada de bola mas revelam, por outro lado, algum dficit de
agressividade sem bola, na hora em que imperioso defender e fechar espaos.
Do seu glorioso tempo na Juventus, nos anos 80, ficam clebres as discusses
com o Platini, ao intervalo, nos balnerios: "Mister, vamos avanar no terreno, se
tivermos a bola mais longe da nossa rea arriscamos menos", dizia o 10 gauls.
"Bravo, Michel, tudo bem, mas para eu fazer isso, faz-me primeiro ver a bola
sempre l na frente e no a equipa sozinha sem ela", respondia o Trap
sentenciando a discusso.
A defesa em "linha" e a tctica do "fora-de-jogo"
uma das mais cnicas lies da histria do futebol europeu, uma estratgia com
requintes de malvadez, mas, ao mesmo tempo, das mais arriscadas do futebol do
passado e do presente. A defesa em linha, a chamada "tctica do fora-de-jogo".
Uma voz de comando vinda do libero, colocado de perfil, e todo o quarteto
defensivo d dois-trs passos em frente com o fim de deixar fora-de-jogo os
avanados adversrios. No limite da perfeio, a inteligncia de movimentos
aplicada instintivamente. Uma sincronia colectiva nascida na Blgica dos anos 60,
lapidada nos 80, e hoje seguida por muitas equipas europeias. Eis a sua ideologia
e base tctico-tcnica.
Observando a histria do futebol, h um momento chave que marca o nascer
dessa armadilha do fora-de-jogo. O seu mentor foi um treinador francs, em 1963,
chamado Pierre Sinibaldi, ento no Anderlecht que, nessa poca, utilizando essa
cnica arma defensiva, levou vitria sobre o grande Real Madrid de Di Stefano,
na primeira eliminatria da Taa dos Campees. A base da estratgia passava por
encarar o ataque espanhol de Zocco-Puskas-Di Stefano, com uma defesa a "4",
Heylens-Varbiest-Lippens-Cornelis, colocada em linha e marcando zona num
sistema tctico de 4x2x4. A essncia da armadilha residia no avanar de um
desses defesas para fazer a zona e encurtar espaos em relao ao portador da
bola na hora em que este se aproximava da rea belga. O ponto de referncia era,
assim, sempre a posio da bola. No momento em que o madrileno ensaiava o
passe, o trio recuado dava mais um-dois passos frente, colocava-se de perfil
com o libero que sara na marcao e, nesse movimento, deixava os avanados
madrilenos fora-de-jogo. Era o nascer da chamada defesa em linha que, mais
tarde, seria lapidada pelos grandes clubes belgas e, sobretudo, pela sua seleco
que, nos anos 80, com Guy This se tornou, ento, de uma preciso cirrgica na
realizao dessa arte de enganar, que se traduz, afinal na forma mais sublime de
defender sem bola. Seus autores: Gerets, Mille-camps, Meeuws, Renquin.
Revendo os jogos dessa Blgica, nota-se, porm, que a defesa em linha j
evolura nos seus contornos, ao ponto de servir de referncia para o que se
pratica na maioria das grandes equipas do presente, desde, por exemplo, o Milan
de fins dos anos 80, quando, ento em 4x4x2, adiantava a defesa, TassottiCostacurta-Baresi-Maldini, fazendo a zona, mas j com o libero colocado desde o
incio de perfil com o quarteto defensivo que avanava sua voz de comando
quando os laterais, principal referncia para o activar da subida conjunta e
simultnea do "4" defensivo, estavam alinhados a toda a largura do campo. Hoje,
em relao ao passado, nota-se que cresceu o papel do guarda-redes, agora mais
adiantado, quase como um segundo libero que sai com os ps a despejar as bolas
longas que caiam no espao vazio entre ele e as costas do quarteto defensivo,
que continua a posicionar-se zona, movendo-se sempre em funo da posio
da bola.
Uma imagem do clebre jogo Anderlecht-Real Madrid (1 eliminatria, Taa dos
Campees, 62/63), onde o treinador francs do campeo belga, Pierre Sinibaldi,
lanou a defesa em linha. Nesta imagem, pode-se ver como se colocava a defesa
do Anderlecht numa fase do jogo quando Amncio (n 7) se prepara para fazer um
passe entre dois mdios belgas. O mais interessante verificar a posio do
quarteto defensivo do Anderlecht. direita, Cornelis marca zona Zocco. Di
Stefano, entre os dois centrais, vai, em breve, ser colocado fora-de-jogo, por
Lippens, j adiantado ( esquerda), e Verbiest ( direita de Di Stefano), que vai
avanar, dando dois passos em frente. Na esquerda, Heylens, j fizera a zona que
provocara o recuo de Amncio
No presente, alguns ecos do sistema de Sinibaldi dos anos 60 ainda se podem
detectar, em tese, na forma como muitas grandes equipas da actualidade
defendem alto, estratgia antes s feita por um defesa que se destacava do
quarteto recuado zona, mas agora executada por todo o sector, fundindo-se
depois, a meio-campo, com opressing sito, encurtando espaos, reduzindo tempo
para o portador da bola pensar. a zona pressionante. Todos estes conceitos tm
no seu subconsciente a inteno de colocar os adversrios fora-de-jogo. O
movimento base da estratgia reside em que cada vez que o adversrio faa um
passe para trs ou vire o jogo, a nossa defesa tenha sempre a tendncia de
avanar pelo menos um metro no terreno, aproximando as linhas. Desta forma,
quando o passe for executado, muito provvel que o adversrio, com as suas
linhas, na interpretao inversa do sistema, mais separadas, fique com os
avanados em posio de fora-de-jogo.
Estes novos conceitos de dinmica defensiva lanam, noutra perspectiva, outro
debate do futebol moderno sobre quem so os novos patres da equipa. Face ao
exposto, o epicentro cerebral recuou no terreno, deixou o centro do relvado e
passou para a zona dos trincos. So eles, ou os volantes que utilizam esse
espao como ponto de partida do seu jogo, a nova autoridade mxima em campo.
A sua importncia emerge, desde logo, na forma como controlam o ritmo de jogo,
entenda-se velocidade, quando a equipa recupera a posse da bola. Se reunir no
mesmo onze, centrais e trincos que saibam ter a bola nos ps e fazer o primeiro
passe na sada para o ataque com preciso, a prioritria manobra burocrtica de
qualquer circuito preferencial de jogo est garantida. Sem bola, crucial a sua
capacidade para gerir os espaos, o segredo tctico-posicional que depois
determina o sucesso, ou no, da defesa em linha na altura de subir para fazer o
fora-de-jogo
" O trabalho de construir uma equipa igual ao de Leonard Bernstein em dirigir a
orquestra filarmnica nos EUA, onde um msico melhor que o outro. Pede-lhes
para tocarem juntos, fecha os olhos, ouve e sentencia: individualmente vocs so
todos excelentes, mas, como orquestra tm muito que progredir. A perfeio, no
colectivo, pode ser um longo caminho entre os 95% e os 100%.
18. A pedra Filosofal (Futebol-Total)
Revemos os jogos das grandes equipas do passado e, apesar da sua beleza,
quase todas parecem, no ritmo e no estilo, ultrapassadas no tempo. Existem,
porm, duas excepes: o Ajax de incio dos anos 70 e a Holanda do
Mundial-74. Ainda hoje o futebol praticado por estes dois mticos onzes
holandeses est avanado no tempo.
A dcada de 60 j abanava as conscincias quando, em 1965, o ainda jovem
Rinus Michels, 37 anos, aceitara, depois de treinar o modesto ZandvoortMeeuwen, trabalhar nas camadas jovens do Ajax. Era ali, como um filho da
Amsterdo cosmopolita onde nascera em 1928, numa rua bem perto do Estdio,
que se sentia melhor. Ao mesmo tempo, no banco da equipa principal, sentava-se
o ingls Vic Buckingham. Apesar de contar com figuras como Keizer, Surbier,
Swart e um mido franzino de 17 anos, Cruyff, estava no fundo da classificao.
Foi ento que o Presidente Jaap van Praag decidiu-se pela chicotada e, pela
primeira vez na histria do Ajax, apostar num holands para orientar a equipa:
Rinus Michels, um antigo ponta de lana do clube, entre 46 e 58. Durante esse
tempo, conhecera treinadores como Jack Reynolds, Humenberger, Buckingham,
Spurgeon e Jack Rowley, todos de origem anglo-saxnica, adeptos sobretudo dos
sistemas de tradicional jogo directo. Mesmo quando estava em campo, Michels j
imaginava outras formas de abordar o jogo. A base da sua ideologia, ento em
embrio, residia na escola hngara dos anos 50. Na sua mente, quando a bola
estava longe, idealizava outros movimentos, outra forma de elaborar as jogadas,
enfim, outro tipo de futebol. De incio, pensou aplicar essas teses nas camadas
jovens. Quando surgiu a oportunidade de aplicar essas ideias a nvel snior no
hesitou e, transformando o Ajax num prottipo de uma precursora ideologia
futebolstica, mudou, para sempre, o curso da histria tctica do jogo.
Cada poca criou o seu futebol da era moderna. Nessa perspectiva histrica, o
Futebol Total foi, na gnese, como o revitalizar do esquema hngaro de 1954
acrescentando-lhe a circulao de bola e a permanente inteno de jogar pelos
flancos. O primeiro impacto surgiu em 1967,
quando goleou o Liverpool, 5-1, nos quartos-de-final da Taa dos Campees. A
eliminao posterior pelo Dukla, disse que a equipa ainda no estava totalmente
lapidada, mas todos sentiram que em breve os gniozi-nhos de Michels iam
assombrar a Europa. Assim foi. Em 1971 inicia-se o ciclo mgico. Apenas 15
jogadores bastaram para conquistar trs Taas dos Campees. O guarda-redes
Stuy e os vagabundos Krol, Surbier, Rijnders, Hulshoff, Vasovic, Blakenburg,
Hulshoff, Neeskens, Muhren, Cruyff, Haan, Swart, Keizer e Van Dijk. Michels s
esteve presente na primeira conquista (as outras duas foram com Kovacs, seu
devoto seguidor).
Futebolisticamente potico, os holandeses giravam em campo, lembrando as ps
de um moinho. Por isso, mais do que futebol total, talvez fosse mais correcto
esses dois momentos fosse reduzido ao mais mnimo espao temporal, quase
imperceptvel. , por isso, que se pode afirmar que no Futebol Total todos
atacavam e todos defendiam. Michels foi o primeiro a introduzir essa noo na
dinmica de uma equipa em campo, facto que encontra hoje corolrio nas
famosas transies defesa-ataque-defesa. A equipa que as fizer melhor e mais
rpido, a competitivamente mais forte. A base que sustenta toda esta teoria
alicera-se, claramente, nos ensinamentos do Futebol Total.
Quando fez a equipa, Michels s tinha uma certeza: ela teria de girar em torno de
Cruyff. No ataque, as opes foram Rep, revelao do novo Ajax, e Resenbrink,
veloz extremo do Anderlecht, que tirava lugar a Kaizer, histrico do Ajax, mas j
sem a pujana de anos atrs. Na defesa, existia um srio problema: a leso do
libero Israel. Foi ento que, astuto, Michels inventou um dos melhores lberos da
histria: Haan, que at ento fora sempre mdio, mas que agora no centro da
defesa, formaria com Rijsbergen, que s jogara uma vez na seleco, uma
imponente dupla de centrais. No meio-campo, tinha de decidir entre o trio do Ajax
(Haan-Neeskens-Muhren) e o do Feyenoord (De Jong-Jansen-Van Ha-negem). A
opo seria feita face capacidade de cada um se adaptar s suas directivas
tcticas. Com Haan recuado e Muhren retirado devido a uma doena do filho, o
trio do meio-campo acabaria por ser formado por: Neeskens, Jansen e Van
Hanegem. Era a primeira vez que este onze jogaria junto e cinco jogadores
estreavam-se nas posies, mas jogando com uma velocidade e ligao de
sectores quase sobrenatural, ele seria titular durante todo o Mundial. O maior feito
de Michels fora, sem dvida, o de conseguir esta coeso e unidade num grupo
que pouco antes parecia totalmente desintegrado. Foi esta noo de tempo e
espao, com a bola, que fez a revoluo do futebol holands.
Os primeiros a entender isto de forma clara foram, nos anos 70, os grandes
idelogos da escola holandesa. Como principal smbolo dessa nova forma de
pensar e jogar futebol, temos a seleco laranja de Michels no Mundial-74.
19. O futebol cientfico
A histria da velha URSS tem o sabor dos sonhos utpicos que provocam
alucinaes. Uma. farpa de gelo no atravessar do sculo e que produziu, na
vertente desportiva, um laboratrio de lendas. Em Moscovo, na beleza histrica da
praa vermelha, o frio disfara a mgoa e o silncio convida reflexo. O futebol
russo, como o homem e o tempo, reflecte desamparado.
Entre as diferentes regies que viveram ao lado da grande Rssia, sobressaiu,
aos olhos do mundo, uma nao que apesar das represses, sofrimentos,
tumultos polticos e desastres nucleares que a assolaram atravs dos tempos,
permaneceu sempre como a orgulhosa e temperamental Ucrnia, encruzilhada
obrigatria nas rotas que ligam o bltico ao mediterrneo. Situada nas margens do
rio Dniepr, a capital Kiev, com cerca de 3 milhes de habitantes, ofereceu ao
mundo grandes tesouros artsticos e arquitectnicos. Apesar de manter sempre a
sua identidade prpria, a sua histria recente confunde-se com a da URSS. Por
isso, a vida e obra do seu futebol, e do seu mais prestigiado clube, o Dnamo Kiev,
fundado em 1927, apenas faz sentido se interpretada no contexto do futebol
sovitico.
Nos remotos tempos do ancestral reino de Kiev, os seus prncipes eram coroados
na maravilhosa Catedral de St. Sophia. Muito tempo depois, no auge do
mecanizado futebol sovitico, os seus supremos prncipes tambm foram
coroados noutro templo de Kiev, o Olympiyskyi Sta-dium. Para muitos, no
existem grandes dvidas que os maiores gnios do temido futebol da URSS eram,
na sua grande maioria, produto da escola de futebol ucraniana, dona de um gnio
criativo superior ao da escola russa. Juntas, elas eram, o mtodo e o gnio.
Em Nivki, um quarteiro da cidade de Kiev, capital da Ucrnia, os olhos de
Alexander Leonidov, embaciados como um copo de vodka, viajam pelo rio da
memria acima. Uma vida dedicada escola de futebol do Dnamo de Kiev, onde
com o seu temperamento perfeccionista e exigente ganhou a admirao de todos.
Nos ltimos tempos, as novas geraes insinuavam que os seus mtodos, como
os da ideologia sovitica, estavam ultrapassados. Leonidov, cabelos brancos,
perante os seus detractores, encolhe os ombros e diz enquanto vira costas: "vo
formar outro Blokhine e depois venham outra vez falar comigo... "
Foi nos anos 70 que, inspirado no futebol total, Valery Lobanovsky, o homem que
nunca sorri, comeou, finda a carreira nos relvados, a conge-minar, nos
laboratrios de Kiev, junto com o seu fiel amigo e adjunto Vas-siliev, o chamado
futebol cientfico. Obra tctica sistematizada para deter
o menos tempo possvel a posse da bola, reduzindo o tempo a pensar com ela
nos ps, preferindo o passe ao primeiro toque, com velocidade e eficaz ocupao
de espaos vazios em lineares jogadas de contra ataque. O ideal colectivista em
forma de movimento tctico futebolstico. Um estilo que foi, durante dcadas, a
imagem das equipas de leste, mais ou menos cotadas, que incutiam grande
respeito nos anrquicos adversrios do Ocidente. Era raro ver um jogador
destacar-se num onze tipicamente de Leste, pelo que os eleitos teriam mesmo de
ser jogadores de grande dimenso.
De incio a escola de artes futebolsticas de Kiev comeou a ser gerada em
aparentemente complicadas folhas de papel quadriculado. Desde esses tempos
em que toda a nao sovitica exultava com as proezas espaciais de Youri
Gagarine, o primeiro homem no espao, trs geraes de talentos sublimam o
laboratrio de Kiev. Tambm o futebol era obrigado a construir a nova e superior
noo do chamado homo sovieticus, imagem do homem socialista, regido pelos
ditames do colectivo.
Ao longo dos tempos, a mquina de futebol de Kiev teve sempre um princpio
bsico: a disciplina tctica unida ao estudo do comportamento fsico e da disciplina
mental. Um conceito que interpretado por jogadores talentosos, ofereceu ao
mundo um futebol feito de rpidas triangulaes ao primeiro toque, com a bola a
ser sempre jogada nos espaos vazios e onde o drible era considerado uma estril
lateralizao de jogo.
Nos anos 60, Lobanovsky compunha ao lado de Kanevski e Basile-vitch, o trio
ofensivo do Dinamo de Kiev. Era um jogador dotado, tecnicista e que gostava de
fintar, embora no fosse um grande apaixonado pelo futebol, que intercalava com
os seus estudos superiores de termoelctrica. Iniciou a carreira de treinador na
poca 68/69, com apenas 29 anos, tornando-se, frente do Dniepr, no mais jovem
tcnico do pas. Desde logo fez-se notar pela meticulosa organizao do seu
trabalho. Em 1974, com 35 anos, recebeu ento o convite para treinar o Dinamo
Kiev. A partir dessa data nunca mais nada seria como antes. Logo no primeiro ano,
venceu o Campeonato e a Taa da URSS. Na poca seguinte, em 74/75
conquistava a Taa das Taas e toda a Europa comeava a falar no estilo veloz,
atltico e tacticamente dotado do onze de Kiev. Os mesmos ditames futebolsticos
seriam depois aplicados seleco sovitica, sendo o seu maior feito o segundo
lugar no Europeu-88.
A primeira gerao, nos anos 70, teve um lder incontestvel: Oleg Blokhine, o
avanado que corria velocidade da luz e conduzia a bola ao ritmo do Kalinka e
aliava o gnio ao sentido tctico. Chamavam-lhe a flecha da Ucrnia, tal a
velocidade de sprint que atingia (10.7 segundos aos 100 metros). No incio da
carreira jogava a mdio ala esquerdo, mas com o passar dos anos, na escola de
artes de Kiev, tornou-se um maestro do
meio-campo. Forte fisicamente, era um artista com um temperamento quase latino
que rompia a frieza de leste, tal a forma como improvisava os lances e gesticulava
com os colegas e adversrios. Carismtico, com estonteantes mudanas de
velocidade, capaz de virar um jogo sozinho, arrastava toda a equipa atrs de si.
Considerava-se um libero... do meio-campo para a frente. Se nem ele sabia o que
iria fazer a seguir, ento muito menos havia possibilidade de o adversrio o
descobrir. Em 1975 venceu a Bola de Ouro para o melhor jogador europeu do ano.
A seu lado, na frente de ataque jogava Onichenko. Duas flechas apontadas as
redes contrrias. No
meio-campo, o carrossel mecnico era composto por Burjak, Kolotov e Vermeiv.
Dez anos depois do sucesso de 1975, o laboratrio de Lobanovsky, ofereceu a
segunda gerao de talentos onde ainda estava, na ternura mgica dos 30 anos, o
temperamental gnio de Blokhine, agora integrado num onze que, mantendo os
mesmos princpios tcticos, se desdobrava nas movimentaes ofensivas com
ainda maior velocidade, expressa, sobretudo, no futebol de Demianenko, Rats,
Mikhailichenko, Zavarov e Belanov. O estilo ofensivo era agora enquadrado num
mais eficaz sistema defensivo, chefiado pelo glacial libero Kuznetsov. Em 1986, no
Stade Gerlan de Lyon, a consagrao europeia traduziu-se num autntico festival
de futebol ofensivo, que trocou os olhos ao At. Madrid, impotente para travar a
mquina de Kiev, rumo conquista da Segunda Taa das Taas da sua histria,
coroado com uma clara vitria por 3-0.
Entre 1990 e 1993, durante o terramoto poltico e social que levou ao fim da
URSS, Lobanovsky foi seleccionador dos Emiratos rabes Unidos, seguindo-se
depois, de 1994 a 1996, uma passagem pelo Kuwait. Em 1996, assaltado pela fria
nostalgia de leste, regressou a Kiev, mas encontrou uma paisagem muito
diferente. Onde antes havia organizao, havia agora o caos, onde existiam
estruturas, existiam agora campos abandonados. Foi tempo de voltar a comear
tudo do zero, mas desta feita sem os meios de antigamente. Os ideais, porm,
permaneciam os mesmos. Findo o Imprio sovitico, este seu novo projecto s se
aplicaria agora ao futebol ucraniano.
Na ltima dcada do sculo, rf da velha URSS, Lobanovsky, agora um
respeitado sexagenrio, congeminou a chamada terceira gerao de Kiev, onde
emergiram, como grandes smbolos, os talentos Dmytrulim,
Shevchenko e Rebrov. No entanto, com as fronteiras abertas, no teve tempo para
preparar uma nova aventura europeia, impotente face aos colossos do Ocidente,
vamos um senhor gordo, careca, de fato e gravata, com uns culos pequenos a
ler um jornal desportivo muito compenetradamente, quem no soubesse, nunca
poderia adivinhar que ali estava o mais famoso jogador polaco de todos os
tempos: Grzegor Lato. Depois de encerrar a carreira nos relvados, j com 40 anos
feitos, aceitara o insistente convite de Aleksander Kwasniewski, Presidente da
Repblica polaca e antigo ministro dos desportos, e tornando-se senador da
Assembleia Nacional da III Repblica da Polnia. As suas competncias esto
directamente ligadas comisso do desporto e da cultura fsica, algo em que Lato
pensou durante toda a sua vida. Com ele, pela primeira vez na fase pscomunista, foi eleito na sua regio, situada no sudoeste polaco, um senador com
ideias assumidamente de esquerda. Quando votaram nele, muitos estariam a
votar, no s nas suas propostas para o novo desporto polaco, mas tambm, e
sobretudo, nos muitos golos que apontou durante a gloriosa dcada de 70, o
ponto mais alto da histria do futebol congeminado atrs da cortina de ferro.
Nesse perodo, uma das grandes naes futebolsticas foi a Polnia.
Finalmente, aps longos anos, o nome de Ernest Wilimowski, descobria a seu lado
outras estrelas para compor a constelao polaca, que, at ento tinha ainda
nesse lendrio avanado dos anos 30, a sua principal referncia gloriosa, nascida
depois de ter marcado quatro golos ao Brasil no Mundial 38, num jogo onde a
Polnia, apesar deste feito nico, perderia por 6-5. Wilimowski faria 22 jogos pela
seleco polaca, apontando 21 golos. Findo o Mundial seria, no entanto, como
todo o futebol polaco, anexado pela invaso nazi, passando a integrar, junto com
outros seus companheiros, a soturna seleco da Grande Alemanha, pela qual
faria oito jogos. Durante muito tempo, revoltado com o facto de ele no se ter
recusado, como outros resistentes, a jogar pelos invasores teutnicos, as
autoridades polacas apagaram o seu nome dos arquivos desportivos. S
recentemente, findo o regime comunista, o nome de Wilimowski voltou a ocupar o
seu devido lugar na histria.
Como smbolo da grande Polnia, Lato, o fenmeno do Stal Mie-lec, destacava-se
pela velocidade, surgindo do nada, sempre em movimento, "como a minha tcnica
deixava a desejar, tinha de compensar com a velocidade". Na baliza estava um
guarda-redes fora-de-srie, quase sul-americano no estilo louco que exibia: Jan
Tomaszewski. Pouco tinha a ver com a fria escola de leste. De cabelo comprido,
fita na cabea e camisola amarela gostava de sair da baliza para jogar a bola com
os ps. Entre os postes era inultrapassvel e com ele toda a defesa, dirigida por
Zmuda e Gorgon, se sentia segura. O assombro estava no fabuloso trio de
avanados: Szarmach, o homem do bigode farfalhudo, o extremo esquerdo
Gadocha e, claro, o careca Lato. Sempre a trocarem de posies na procura de
espaos vazios, tendo no mdio Deyna, o principal mentor das jogadas de ataque
onde tambm surgia muitas vezes inserido.
No banco, oriundo da tradicional escola de leste, o treinador Kazi-mierz Gorski.
Manteve o ncleo principal de jogadores inaltervel durante os dois anos que
mediaram entre os Jogos Olmpicos de 72 e o Mundial de Futebol de 74. Visando
criar esprito de grupo, concentrou a equipa em estgios sucessivos, submetendoos a uma apertada vigilncia mdica, e a um intenso treino fsico, sem olhar s
convenincias dos clubes. O seu objectivo era que a equipa estivesse em
condies de realizar um jogo de trs em trs dias, sem denotar qualquer
marcado Nehoda e Masny, a meia altura, enquanto que Ondrus marcara raso, ao
canto inferior direito. Maier voara para o mesmo lado, mas no conseguira
alcanar a bola. No ltimo remate antes do seu, Panenka vira Jurkemin optar por
um potente pontap mesmo para o meio da baliza. Maier movera-se ligeiramente
para a esquerda e a bola passou-lhe como um balzio a centmetros da luva
direita.
Quando partiu para a bola, Panenka tinha toda a Europa suspensa a olhar para
ele. Mesmo assim, o seu bigode escovinha nunca tremeu. Deu sete passos em
corrida, chegou junto da bola, e, na hora de levantar a chuteira para o remate,
reparou que, como quase sempre, Maier j comeara a tombar lentamente, antes
da bola partir,
para o lado esquerdo, esperando, talvez, um potente disparo como o anterior.
Fraces de segundo suficientes para em vez de chutar forte, Panenka meter o
bico da bota por baixo da bola e dar-lhe apenas um leve toque que a fez levantar
num pequeno chapu que comeou a descer, emfolha-seca, mesmo ao passar
pela linha de golo, perante o desespero de Maier, uma montanha em forma de
guarda-redes que se deixara cair como um castelo de cartas para o lado. Apesar
de ser um polvo gigante e estar a centmetros da bola que lhe passava to
devagar a seu lado, era impossvel, pela sua posio, conseguir tocar-lhe. Limitouse a assistir, desesperado, a como ela, to mansamente, se aninhava no fundo
das redes. Golo! Enquanto o gigante alemo jazia deitado na relva com as mos
na cabea, Panenka corria extasiado at ser derrubado e submerso em abraos
pelos seus colegas. Era a inveno do mrbido estilo-Panenka de marcar
penalties, algo que, soube-se depois, ele prprio j ensaiara meses antes, pelo
Bohe-mians, em jogos do campeonato checo.
Desde essa data, muitos outros jogadores, ao longo dos tempos, repetiram a sua
forma ousada de marcar o tal pontap que, segundo Pel, reveste-se de tamanha
importncia num jogo de futebol que deveria ser marcado pelo prprio presidente
do clube...
No desempate por pontaps da marca da grande penalidade, entre Holanda e
Itlia, na meia-final do Euro-2000, Totti, outro profeta do futebol artstico tambm
marcou ao esguio Van der Saar um mrbido penalty folha-seca. Postiga repetiu a
ousadia, em iguais circunstncias, no Euro 2004. Entre a galeria de magos
italianos profetas do estilo-Panenka, tambm moram Vialli e Del Piero. Revisitando
anos passados, detectamos tambm a mesma magia nos ps de Djalminha,
provando como a arte de Panenka atravessou continentes e penetrou no universo
mais belo e artstico do futebol mundial, o Brasil, num gesto ento aucarado pelo
seu aroma sul-americano que, entre outros muitos jogos, emergiu em pleno
Highbury Park, frente ao Arsenal, quando enganou o grande
guarda-redes ingls David Seaman com um leve chapeuzinho da marca de
penalty. A ltima grande aventura de estilo Panenka surgiu na final do Mundial2006. Pelos ps de Zidane. A bola at subiu demais e bateu na barra, mas,
quando caiu, fez justia com a lenda e bateu para l da linha de golo...
A frmula-Panenka de marcar penalties assenta, basicamente, num ponto
essencial: o guarda-redes move-se sempre na hora da cobrana ou, para ser mais
exacto, quando o marcador inicia o movimento de remate. muito raro o que fica
parado no centro, imvel, nesse momento. Se, por hiptese remota, ficasse
uma pequena bancada, onde estava a nica entrada e na qual no cabiam mais
de 200 pessoas. As outras trs margens do campo eram rodeadas por um rio.
Hoje, a casa, que nos ltimos anos, com a desertificao da cidade e o
desaparecimento da dinastia McCrum, acabou por ser utilizada como centro de
sade, repousa abandonada h mais de uma dcada, apresentando um aspecto
fantasmagrico.
William McCrum morreu em 1932, aps longa doena. Com o tempo, as razes
familiares foram-se perdendo nas brumas do passado at as propriedades e
memrias carem no esquecimento. Foi ento que um pequeno grupo de
resistentes habitantes ou amigos da vila formou uma associao para defender a
histria de Milford. Entre as suas lutas, est, claro, o objectivo de preservar o
campo perto do rio onde se inventou o penalty.
Apesar da maioria das ruas e suas velhas casas permanecerem quase todas
abandonadas, habitadas hoje s pelos fantasmas do passado, a biblioteca e a
escola encerradas com o passar do tempo, e a velha fbrica com a sua patriarcal
chamin demolida, os ltimos habitantes de Milford continuam orgulhosos da sua
terra e histria, outrora prspera, das primeiras a ter luz elctrica em toda a
Irlanda. O clube, Milford Everton FC que ainda hoje existe, depois de ter sido
refundado em 1964, est nas divises regionais, mas j no joga nos terrenos da
cidade. Mudou-se, em 1994, para um novo campo, perto da capital do distrito
Armagh, o pequeno New Holm Park, construdo por um grupo de amigos, o
Armagh Boys Club, com o apoio do Conselho Distrital da regio.
21. 4x4x2, O triunfo do meio-campo
Em termos de evoluo tctica, assim como o 4x3x3 nasceu do recuo de um
extremo do 4x2x4, a origem do 4x4x2 tambm estaria no recuo de um avanado
do 4x3x3. Depois da noo "mostra-me um bom meio-campo e eu mostro-te uma
boa equipa", refina-se tacticamente o conceito: "aquele que controla o meiocampo, controla o jogo".
Para os mais directos, a anlise ao trabalho de um treinador durante um jogo
simples: meter mais avanados quando se est a perder, para dar a volta ao
resultado, ou mais defesas quando se est a ganhar, para segurar a vantagem.
So ideias que, por serem to lgicas, o ilibam de qualquer responsabilidade face
a um resultado negativo. Esta anlise simplista provoca, contudo, iluses
enganadoras. H quem defenda que se so os avanados que ganham as finais,
sero os defesas que ganham os campeonatos. A verdade, porm, que os
grandes princpios de jogo de uma grande equipa no futebol moderno so
transversais a todos os sectores do onze nos quatro grandes momentos do jogo:
organizao ofensiva, em posse de bola, organizao defensiva, sem bola, e
respectivas transies, a defensiva, reaco aps a sua perda, e ofensiva, atitude
aps a sua recuperao. Vivemos tempos com esconderijos tcticos mais
profundos.
Ao longo das pocas, para alm da tendncia cada vez mais defensiva em termos
de estrutura no desenho inicial da distribuio dos jogadores em campo, foi cada
vez mais evidente a inteno de ocupar e dominar o
meio-campo para neutralizar o adversrio no espao onde se comeam a
Esta postura adoptada quando a equipa est sem bola e procura colocar-se no
s para a recuperar mas tambm para, logo aps o seu resgate, partir para o
ataque da melhor forma posicional possvel. As noes de "posse" e "no posse"
passavam a ser uma s na interligao das suas diferentes dinmicas. Desde a
defesa, a noo de "sair a jogar" ganha relevo na postura dos defesas com a bola.
Assim, consegue uma maior posse de bola com qualidade construtiva desde o
primeiro toque. Com o trunfo do chamado "sacchismo", a zona vingou-se do
Catenaccio.
O sistema de marcao no , em si mesmo, uma tctica de jogo, mas a opo
pela marcao zona ou pela marcao individual pode condicionar
decisivamente a dinmica tctica de uma equipa em campo. Dessa "nuance
estratgica" de marcao depende muito no s o que ela ser a defender, mas,
sobretudo, o que ser no
contra-ataque.
Entrando em campo com uma estratgia de marcaes individuais, o confronto
transforma-se em sucessivos "jogos de pares". Nesse sentido, a forma como o
Benfica de Koeman defrontou o Barcelona na Liga dos Campees em 2006 foi
uma excelente lio prtica das "luzes e sombras" das marcaes individuais.
Desde o incio, ficaram claros os tais "jogos de pares". Trs se destacavam:
Ricardo Rocha em cima de Ronaldinho, Beto em cima de Deco e Manuel
Fernandes, mais frente, saindo sempre na primeira linha de pressing para
marcar Iniesta e impedir que ele iniciasse vontade a transio defesa-ataque do
Barcelona. Embora reconhecendo a impecvel marcao feita por Ricardo Rocha
a Ronaldinho (foi busc-lo a locais longe da rea, onde sem arriscar fazer faltas,
conseguiu marc-lo logo sada do meio-campo, impedindo-o de embalar como
ele gosta, para depois chegar perto da rea em velocidade) a verdade que
quando uma equipa marca ao homem, acaba sempre por ver condicionada a sua
auto-determinao de movimentos em campo. Ou seja, marcando individualmente
corre-se sempre atrs do adversrio. Corre-se, portanto, sempre por onde o
adversrio quer, e quase nunca por onde ns queremos. E, repare-se, no tendo
todos os espaos o mesmo valor, esta forma de jogar - ou marcar - provoca que a
equipa deixe de pensar o jogo colectivamente e, assim, perde facilmente o
equilbrio entre-linhas.
Com esta limitao de movimentos a equipa at pode impedir as grandes estrelas
do adversrio de jogar, mas tal condiciona em muito a sua capacidade de contraatacar e, consequentemente, dominar as transies rpidas defesa-ataque. Deixase de pensar na atitude subsequente recuperao e a equipa passa a separar e a partir - a fase defensiva da fase ofensiva. Deve-se comear a defender quando
se ataca, e comear a atacar quando se defende. Este ltimo ponto s possvel
quando se defende zona e no individualmente, onde s se pensa em anular o
adversrio e no no que fazer bola depois de a recuperar. O outro risco reside
no facto de que marcando apenas ao homem, no se cobrem os espaos, e
estando estes vazios, neles podem entrar os outros jogadores que no esto
marcados individualmente. Quando isso sucede h sempre algum que tenta
dobrar mas com isto a equipa fica desposicionada e deixa de cobrir todos os
espaos, que ficam vazios para os jogadores no vigiados individualmente. Pelo
contrrio, marcando zona, continua a existir este jogo de coberturas, e a equipa
explodiu na Europa, nos anos 90, fazendo voar os adversrios sua passagem,
ainda aumentou essa ideia. Curiosamente, a primeira vez que o vi ao vivo, pelo
Cruzeiro, em 1994, ainda com apenas 17 anos, numa tarde de 40 graus no Porto,
com o Estdio das Antas quase vazio, tive uma impresso que hoje at me deixa
perturbado. Fez um golo fabuloso mas lembro-me de pensar: "O mido mesmo
um gnio. S pena ser to magrinho!" No, no estava a ver mal. Nessa altura
ele era mesmo magro. , talvez por ter essas imagens to presentes, que me
impressiona tanto ver a transformao fsica entre esse Ronald(inho) e o que, dez
anos depois, j Ronaldo, foi contratado ao Real Madrid pelo Milan. Para se
entender melhor a diferena, diga-se que quando chegou ao PSV em 95, pesava
74kg. e media 1,79m. Em seis meses, ganhou massa muscular, aumentou quatro
quilos, para 78, e cresceria 2 cm. com esse peso que brilha em Barcelona e vai
para o Inter. O que motivou, ento, esta brutal transformao fsica? Tudo se inicia
em 2000, na segunda poca em Itlia, quando as leses comeam a surgir. No dia
em que o joelho volta a ceder, j estava com 82kg. Os tendes no suportavam o
aumento de peso. "Um camio com rodas de bicicleta", disseram os mdicos.
Quando regressa, no Mundial 2002, regista 86kg. Jogou em 2006, disseram na
seleco, com 90,5kg. No Real Madrid atingiu os 91 kg. Nos primeiros testes no
Milan acusou 88. Ancelotti disse que no, no estava gordo, estava.. .robusto, mas
entre o Ronaldo que nos deslumbrou em 95 e o actual h, pelo menos 14 quilos
de diferena. Os murmrios que se ouviam, receosos de nova leso, calaram-se
mas, no entretanto, nasceu outro jogador.
O que vale hoje, ento, o seu futebol? O aumento de peso, por si s, faz dele um
jogador muito diferente. No incio, foi comparado com os melhores de sempre.
Hoje, aos 31 anos, revendo a sua carreira, pacfico afirmar que ficou longe
desse Olimpo e manteve-se ao nvel dos da sua gerao. Antes precisava de um
latifndio de relva para explodir em velocidade. Hoje joga em 25 metros, perto da
rea, mas, claro, at tenho tonturas quando me lembro que um dia cheguei a
pensar que tinha o defeito de ser frgil. A sua capacidade de finalizao continua,
apesar de tudo, portentosa.
Mas existem outras teorias para este aumento morfolgico. Uma delas ficou bem
vista, quando, na bancada com Zidane, o catering do clube foi levar duas sandes a
cada um. Diga-se que, em Espanha, essas sandes so gigantescas. Os
chamados bocadillos, um po comprido, com presunto serrano que parece dar
para dois dias. Pois bem, em 45 minutos. Ronaldo comeu os dois, olhou para o
lado, viu que Zizou no tinha fome, e ainda comeu ao francs mais uma dessas
opparas sandes. S depois que vai jogar.
Marcando uma ruptura com o passado, a preparao fsica de uma equipa deixou
de fazer sentido, para muitos novos metodlogos do treino, como algo separado
da questo tctica. Ambas as componentes, fsica e tctica, so agora preparadas
simultaneamente com igual intensidade. Mas h quem tenha outra interpretao
em termos individuais. Para se perceber melhor o alcance desta questo, h um
exemplo com cenrio e nome prprio. Local: o laboratrio do Milan. Jogador: Yoan
Gourcuff.
Com 20 anos, Gourcuff um craque em potncia. Mdio de formao, destro, a
sua melhor posio cado sobre uma faixa, no como um ala clssico, mas
como um interior que gosta de descair para flanquear jogo. No um driblador,
tambm haver quem pouco fale. Nenhuma infalvel. Durante um jogo, o lder
mais do que no banco, tem de estar em campo. Bill Shankly costumava apelar ao
carcter dos seus jogadores provocando-os com a srie televisiva de que mais
gostava, Os Intocveis. Reunia-os no balnerio e perguntava-lhes aos berros:
"Vocs pensam que so homens duros? Olhem para estes tipos. Esses sim, so
duros de verdade!". E atirava-lhes com fotografias de James Cagney, George Raft
e Edward G. Robinson, actores de sobrolho carregado que ficaram famosos em
papis de gangsters.
H quem resuma este "lado mental" do jogo com a capacidade de "aguentar a
presso", o grande monstro que atormenta todas as equipas do futebol actual,
competitivo at ao tutano. Quando treinadores e analistas condicionam o sucesso
de uma equipa capacidade ou no de aguentar a presso, esto, em sntese, a
falar dum fantasma que tanto atraioa a tcnica individual como condena os
melhor preparados esquemas tcticos.
A diferena entre as grandes equipas e as outras est, muitas vezes, no saber
lidar com esse entorno que nasce de fora para dentro das quatro linhas. cada
vez mais comum, antes ou no final dos jogos, os treinadores debruarem-se sobre
a questo se a equipa sentiu a presso, se a soube aguentar, ou, pelo contrrio,
no a superou e deixou-se dominar por ela, buscando a as razes para o
fracasso. s vezes, at esto certos. natural, mas, no competitivo futebol
moderno, as grandes equipas so, cada vez mais, aquelas que nunca se deixam
dominar pela presso, criada por adeptos, media, necessidade de ganhar,
directores e o estdio cheio, o tal monstro impiedoso de 100 mil cabeas.
A raiz e a soluo do problema cruza diferentes factores, ambos decisivos para
combater a presso: a mente e a tcnica. Ou seja, em sntese, uma equipa para
saber lidar com todo esse "entorno pressionante", deve ter, por um lado, uma
slida energia mental colectiva, onde se inclui, por todo o onze, a auto confiana
individual de cada jogador, que, em campo, ter, depois, de ser emoldurada por
uma filosofia de jogo perfeitamente definida. Em vez da conotao fsica que lhe
era dada no passado, penso mesmo que o conceito moderno de "pico de forma"
de uma equipa durante a poca depende hoje no s da optimizao da condio
atltica, mas da conjugao destes dois vectores.
Neste contexto, decisivo o papel do treinador, quer no mbito psicolgico -isto ,
capaz de entrar dentro da cabea dos jogadores- quer no
tctico-tcnico. Deve definir uma filosofia de jogo e manter-se fiel a ela durante
toda a poca, no variando, de jogo para jogo, conforme as circunstncias. o
treinador como construtor de mentalidade.
Lembro-me de uma vez, antes de uma final da Taa dos Campees, terem
perguntado a Arrigo Sacchi, numa poca em que todo o resto correra mal: "Mister,
o que acontecer se perderem?. Sacchi fez uma pausa. "Nada de grave",
respondeu. "O mundo seguir dando voltas, o sol voltar a nascer... nada de
grave, portanto". Assim , de facto. Todos os treinadores gostariam de pensar o
mesmo.
H jogadores que mudam radicalmente de rendimento de um clube (ou cidade,
entendida como todo o entorno que o rodeia) para outro. So questes de
personalidade, motivao e capacidade de lidar com a presso. Veja-se o caso do
talentoso alemo Deisler. Brilhante em pequenos clubes, mas que no Bayern
Leio um artigo na revista "New Scientist" e fico assustado. Fala num cenrio futuro
em que as crianas concebidas naturalmente se tornariam uma espcie de raa
inferior quando comparadas com as concebidas em laboratrio. Talvez daqui a
100 anos, dizem. Passa rpido, penso. A luta entre a criao natural e a criao
artificial. Ser este o grande duelo do futuro? Talvez. Mas, vendo bem, j existe
hoje quem tente coisas parecidas. No futebol. Estranho? Vejam, por exemplo, a
dicotomia de critrios de formao de um jogador. H o que cresce na rua.
Descalo, at, se no tiver outro recurso. Criao natural, portanto. H o que
feito numa escola de futebol. Equipamento e botas ltimo modelo. Criao
artificial, pois. Como aqueles que tm surgido nas notcias, com apenas 8 ou 9
anos, j contratados pelo Manchester United e outros grandes clubes.
Ser que estes so necessariamente melhores que os primeiros? Claro que no.
E a origem dos grandes gnios da bola dizem bem do poder do chamado futebol
de rua. Sempre natural. Penso nisso e fico mais descansado. A ambio humana
de desafiar a natureza nunca teve grande sucesso. No futebol no ser diferente.
Esqueam por isso midos contratados com 8 anos. Devolvam-nos melhor
escola de futebol do mundo. A rua. Criao natural no seu esplendor. Tel
Santana, o ltimo tcnico romntico do escrete canarinho, dizia que nenhuma bota
no mundo conseguiu reproduzir a intimidade entre o p e a bola com que jogam os
garotos descalos das favelas e dos baldios brasileiros: "Acho que jogar descalo
aumenta a habilidade para driblar e dominar a bola.". Nada mais certo. aqui que
nasce o incomensurvel talento do jogador brasileiro.
O que hoje importante no futebol j o era h 50 anos e tambm ser daqui a
outros 50. "Jogvamos porque gostvamos e, como o fazamos to bem,
acabaram por nos pagar para o fazer", dizia Di Stefano. Quando deixar de ser
assim, esqueam. J no ser um jogo. J no ser futebol.
25. Os jogadores: habitat e estilo
Existe uma verdadeira cultura de posio? Em termos tericos a resposta mais
simples sim. Tal no , no entanto, um "livro fechado". A forma de interpretar
cada posio vai depois depender, entre outras coisas, da escola em que se
insere esse jogador, das suas caractersticas inatas e da dinmica que o treinador
lhe quer incutir.
Em campo, quando uma equipa tem a bola, o passo seguinte , mais tarde ou
mais cedo, perd-la. A excepo ser, claro, quando a jogada termina em golo,
mas isso, como se compreende, a excepo durante os 90 minutos. Na maioria
das vezes, perde-a para o adversrio. Tal sucede em dezenas de ocasies ao
longo do jogo. Por isso, a importncia capital de saber reagir a essa perda e saber
jogar sem bola. Em geral, por passarem mais tempo sem ela, as equipas mais
pequenas preparam-se melhor antes do jogo para viver sem a bola, para reagir a
essa perda. Quando esto em posse, contemplam o momento da perda de forma
mais intensa.
Pelo contrrio, as grandes equipas treinam mais o momento de posse. O futebol
de top no perdoa, no entanto, estas diferenas de atitude nos distintos momentos
do jogo. Como no ataque as capacidades muitas vezes se equivalem, na maior
ou menor velocidade de reaco posicional perda da bola que est, quase
sempre, a deciso tctica de um jogo. Em Frana, mora uma das equipas que, na
dimenso internacional, melhor exemplifica esse dilema: o Lyon. Nenhum outro
onze recebeu, nas ltimas pocas, maiores elogios ao futebol praticado. Seis
ttulos de campeo francs consecutivos. Nunca passou, no entanto, dos quartosde-final da Champions. Revendo laboratorialmente os seus jogos, observa-se que
esse enigma reside no facto de, ao entrar em campo, faltar-lhe a tal conscincia
de que, na maior parte das vezes, todo aquele seu plano sedutor de futebol
ofensivo vai acabar com a bola nos ps do adversrio.
A soluo para essa fatalidade , desde logo, perd-la o mais longe possvel da
sua rea e em zonas que no facilitem o contra-ataque rpido do adversrio. Esta
uma forma de abordar uma questo cada vez mais discutida actualmente, fruto
das constantes adaptaes de jogadores a posies que no so suas de origem.
Existe uma verdadeira cultura de posio? Em termos tericos a resposta mais
simples sim. Em cada posio, detectam-se movimentos, defensivos e
ofensivos, com ou sem bola, que decorrem da natural ocupao daquela
determinada zona do terreno. Esta primeira constatao, remete-nos para a
formao. durante esses anos de aprendizagem que o jogador ganha essa
cultura tctico-posicional da posio. Tal no , no entanto, um livro fechado.
No existe um dogma posicional e a forma de interpretar cada posio vai depois
depender, entre outras coisas, da escola em que se insere esse jogador, das suas
caractersticas inatas, e, numa perspectiva mais concreta, da dinmica que
determinado treinador lhe quer incutir. Por exemplo, na escola britnica comum
o lateral encostar-se ao extremo adversrio, fazendo uma marcao mais
individual do que zonal, como sucede noutras escolas, como a preconizada por
muitos treinadores latinos. Para entender esta diferena, basta ver como marcam
Maldi-ni ou Panucci, controlando primeiro o espao e s depois o homem que nele
surge, em comparao com Neville ou Jansen, mais atentos aos movimentos do
adversrio, procurando jogos de pares que os levam quase a passar o jogo a
respirar na nuca dos extremos contrrios. Existe, porm, sempre uma cultura de
lugar subjacente. Se o lateral no dominar o posicionamento defensivo e controlar
os timings de subida atacante e recuperao defensiva, nunca interpretar a
posio e o espao correctamente. Isso depende muito da escola e, sobretudo, da
sua cultura
tctico-tcnica. Ambas so apreendidas durante a sua formao e apenas
podero ser lapidadas na idade snior.
Na babilnia da frente de ataque, podem-se distinguir vrias classes de
avanados. Cada qual com o seu estilo, colam-se imagem da equipa como um
rtulo numa garrafa de vinho. Em traos largos, podem-se distinguir, quatro
categorias: Os rpidos, os possantes, os habilidosos e os cabeceadores.
Assim, se vemos uma equipa com avanados velozes logo a catalogamos como
de contra ataque. So, por exemplo, os casos de Saviola, Cludio Lopez ou
Owen. Noutro plano, temos o avanado "armrio", que se impe pelo choque,
casos, por exemplo, de Luca Toni, Koller ou Vieri. Desta forma, temos uma equipa
mais esttica, que afunila o jogo para a meia-lua, pelo que se exige desses
avanados um trabalho de sacrifcio na perseguio da bola quando na rea ou
nos ps dos adversrios.
H jogadores que no cativam logo primeira. como se tivessem algo de
Assim, em teoria, uma equipa bem equilibrada deve ter quatro classes de
avanados ao dispor. Com essa diversidade, o treinador decidir, em funo do
jogo, do adversrio ou do momento, qual a faculdade a utilizar. Quatro ou cinco
estilos que, durante alguns anos, foram desintegrados por Ronaldo, o homem que
misturava todos estes conceitos, punha sua passagem os defesas de pernas
para o ar e fazia-os, num pice, voltar s origens. Mas h outros avanados que
nos causam sensaes particulares. Penso em Inzaghi. Porque ningum festeja
os golos com tanto entusiasmo como ele. Seja na final da Champions, como num
simples jogo em casa contra uma equipa que luta para no descer. Um jogador
que se relaciona melhor com o golo do que com o jogo. Um avanado que se
relaciona melhor com os espaos do que com a bola. Melhor com a rea, onde
parece que tem um man na bota que atrai a bola, do que com o resto do relvado.
Inteligente a distrair os defesas. Um predador a jogar na linha invisvel que
desenha o limite do fora-de-jogo.
Neste mundo de caadores de golos, h um avanado que vive noutra dimenso.
Estilo "admirvel mundo novo". Thierry Henry. Est no relvado como numa
montanha russa. No rosto, ora o sorriso malandro, ora o semblante fechado. Em
termos do estilo dos grandes pontas-de-lana do futebol mundial, Henry rompeu
com todos os cnones estereotipados. A sua forma de jogar marca a diferena,
sobretudo, pela movimentao e dimenso - quase desde o meio-campo - em que
ela se desenvolve. Posicionalmente, comea como um tradicional avanado
centro, mas depois, mal se inicia o jogo, eclipsa-se, quase como um fantasma, da
viso dos defesas encarregues de o marcar. Como um predador que segue,
escondido, a sua presa, recua no terreno, incrustando-se entre os mdios, quase
junto linha, sob a faixa esquerda. ento que surge embalado, bola dominada,
desintegrando as defesas. Parecida com esta forma de jogar, salvo as devidas
distncias tcnicas, talvez s Ian Wright ou Asprilla, nos anos 90. Henry , porm,
um verdadeiro craque. Classe e categoria tcnica e tctica unidas para fazer um
ponta de lana invulgar que rompeu moldes e, ao contrrio dos demais, joga em
35 metros do relvado e no s quando a bola surge na rea.
Esteticamente, no futebol comum que os toscos sejam altos e possantes, e os
habilidosos tecnicistas algo frgeis e menos corpulentos. Cristiano Ronaldo
desafia todos estes cnones. alto, fisicamente musculado, e, a cada drible, com
um bamboleante jogo de cintura, que engata em progresso os seus marcadores
com os rins despedaados que parecem cair como troncos. No , porm, o
simples malabarista que arranca sorrisos ao pblico. Ele encara os adversrios,
gela-lhes o sangue, dribla para avanar no terreno, ganha metros a cada
crueldade, e, para alm de criar beleza, inventa, em rasgos de gnio, lances de
golo certo ou cruzamentos de morte. Mas se o gnio luso contraria a tese geral
sobre qual a moldura fsica que mais se enquadra nas diferentes categorias de
jogadores, outros h que a confirmam sem pestanejar. o caso de Peter Crouch.
O corpo esguio e duro, a esttica desengonada em cada passo que d. Cada
toque seu sobretudo quando bem no ar, amortecendo de cabea para o segundo
avanado ou visando a baliza, so quase sempre jogadas de meio-golo. Para
apreciar o seu estilo, preciso v-lo jogar meia dzia de vezes. A Cristiano
Ronaldo bastam poucos segundos. Cada qual tem, porm, o seu lugar em campo,
onde, como em mais nenhuma actividade, convivem jogadores to antagnicos e,
Em relao aos outros canhotos, Messi tem um trao que faz a diferena dentro
do relvado, seja ele bem tratado ou cheio de lama: joga sempre com um sorriso
malandro, mas diferente do de Ronaldinho. O da pulga Messi mais camuflado.
Mais gozo. insolente at a andar. Caminha pelo campo como se estivesse
ainda no ptio da escola, encara os defesas com a picardia do futebol de rua,
provoca-os e brinca com eles como um gato brinca com um novelo de l, como
sentiu na pele o espanhol Del Horno, o lateral que pelo Chelsea o tentou marcar
em Stamford Bridge, at que, irritado com tanta insolncia, aps ver o cruel tnel
que o canhoto pregara a Robben, resolveu voar sobre ele e assinar a sentena da
sua expulso. No meio da confuso que ento se instalou, Messi levantou-se,
sacudiu a lama, olhou para todos com o sorriso escondido, encolheu os ombros e
seguiu o seu recital de bom futebol. Com arte, cinema, teatro, pintura e.. .classe!
Em relao aos homens que jogam nos flancos, velhos extremos, sempre existiu
um curioso dilema para os seus marcadores. Eles at entravam em campo j
conscientes de qual era a finta favorita do craque que iam marcar. Passavam toda
a semana a ser educados pelo treinador para como o travar. "Repara, ele finta
para aqui e tu travas, antecipas, metes o p, etc.". O marcador, ouvia, ouvia e at
percebia a lgica. " OK, mister, ele faz sempre a mesma finta, mas... quando?"
Pois , era sempre quando ningum esperava. E assim, saa sempre certo.
O recital de Messi tem um conjunto de diabruras com vrios contornos. Tudo
conduzido pela incomparvel elegncia dos esquerdinos, porque como dizia
Maradona "ns, os canhotos, somos muito mais elegantes". Faz lembrar uma
velha histria passada com Riveli-no durante o Mundial 70 de Pel. Sucedeu
quando, durante um treino, Rivelino decidira com Gerson, outro esquerdino, e
Tosto parar um pouco para descansar. Foi ento que passou Pel e quando
todos j esperavam uma reprimenda por no estarem a treinar no duro, Rivelino
olhou para o melhor jogador do mundo e perguntou-lhe: "Diz-me a verdade, Pel,
tu terias gostado de ser canhoto, no?"
Os Trincos e os Pivots-Defensivos
Os mais velhos devem lembrar-se bem dele. Nobby Stiles. Era um dos mdios
defensivos mais temveis dos anos 60. Jogou na seleco inglesa de 66. Era
pequenino e tirava a dentadura antes de entrar em campo mas tinha um aspecto
que metia medo e cada marcao sua era um acto de terror. Naquele tempo,
porm, no se dava tanta importncia aos jogadores que jogavam nessa posio.
Hoje, trincos ou pivots-defensivos, refinaram a forma de jogar e aumentaram a
influncia no jogo colectivo. De carregadores de piano, cabea de rea, mdios de
cobertura, trincos e pivots-defensivos. Na Argentina, so os clssicos n 5. Na
Europa, eram o n 6. Hoje, so, tacticamente, os jogadores mais importantes para
o equilbrio da equipa, numa posio que como a "ncora" que mantm o onze
preso ao campo durante 90 minutos.
Alf Ramsey, treinador de Stiles, tambm lhe dava muita importncia, mas na hora
das instrues perguntava-lhe apenas se tinha co. "Sim? ptimo. Basta
lembrares-te dos passeios no parque que ds com ele. Quando atiras uma bola,
ele corre atrs dela, agarra-a e volta para trs
deixando-a de novo aos teus ps, certo? Pois bem, quero que faas o mesmo em
campo com o Bobby Charlton. Agarra a bola e deixa-a aos ps dele!". A maior
exigncia tctica do futebol actual aumentou as responsabilidades deste jogador
para l dessa fidelidade canina. Sobretudo no plano construtivo, onde passou a
ser o primeiro arquitecto da transio defesa-ataque. Existem, porm, vrios tipos
de pivots-defensivos. Diferentes estilos que condicionam a forma de jogar de
qualquer equipa.
Historicamente, a adopo clara por um jogador plantado na frente da defesa,
sucedeu, pela primeira vez, na Amrica do Sul, em face da fraqueza dos centrais
que ao contrrio dos duros e fortes europeus, eram, salvo excepes, mais frgeis
e, por isso, mais vulnerveis s entradas dos avanados. Tudo comeou, diz-se,
quando Didi, no Mundial-62, resolveu, por iniciativa prpria, jogar na frente dos
zagueiros Mauro e Zzimo, alegando que eles sozinhos no tinham condies
para parar Puskas e Peir, avanados da Espanha. Chamaram-lhe, por isso,
cabea de rea. Tudo isto sucedeu em plena era do 4-2-4, ento sistema tambm
reinante na Europa, onde surgiam os chamados mdios de cobertura. De cariz
defensivo, no estavam proibidos de descer no terreno quando a equipa atacava
e, por isso, com o aumento da sua resistncia, funes tcticas e qualidades
tcnicas, ganharam o nome de carregadores de piano. O termo trinco s surge no
incio dos anos 80, quando as tendncias defensivas assaltaram o futebol. Seria
no Brasil que o posto conservaria maior nobreza: Gerson e Clodoaldo, anos 70,
Falco e Alemo, anos 80. Hoje o segredo est em roubar a bola ao adversrio,
aproveitar os seus erros e apanh-lo em contra-p. O local de gestao desta
estratgia entre a entrada da rea e a linha do meio-campo. nesse espao de
terreno armadilhado que vivem os novos lderes do presente.
Foi o caso da Frana campe mundial e europeia com dois e por vezes trs
jogadores - Petit, Vieira e Deschamps - nesse espao de terreno, mas nem por
isso com trs trincos no sentido estrito do termo. O que sucede que estes
homens so jogadores excepcionais tanto em rendimento atltico como em
capacidade de execuo. Mais do que fechar a defesa, estes mdios asseguram o
balano do onze no espao entre os defesas e os avanados. Nessa zona
descobriu a Europa, no passado e no presente, personagens como Tardelli, Pirlo,
Bryan Robson, Rijkaard, Paulo Sousa, Makelele, Guardiola e muitos outros. Todos
trincos com batuta de maestro.
Essien uma montanha de msculo em movimento como se tivesse um motor.
Imagino, nas paragens, o adversrio a aproximar-se e, de repente, ouvir o rudo
do motor escondido no seu corpo: "Vrrrrrrrrrrrr.." A poca passada tive
oportunidade de estar junto dele. No players lunch, uma sala junto ao balnerio do
Chelsea, onde os jogadores passam tarde em dia de jogo. Lembrei-me da teoria
da mquina e aproximei-me. Hlio, palavras de circunstncia e silncio. Tentei
concentrar-me para ver se ouvia o roncar do motor. Mas no. No se ouvia nada.
Apesar das dvidas ao v-lo jogar, Essien , portanto, mesmo humano. Num dos
sbados seguintes, agora j a ver pela televiso, voltei a perguntar-me: Ser que
o motor s se liga durante o jogo? que durante os 90 minutos, pareceu-me ouvir
sempre o tal "vrrrrrrrrrrrr" quando ele arrancava. Seria problema com o som.
Talvez
Vejo-os jogar e penso numa frase de Salvador Dali onde ele dizia que "o mnimo
que se pode exigir a uma esttua que no se mova". Makelele um bom
exemplo. Fala-se muito em mobilidade, mas a primeira coisa que um jogador deve
ser nessa posio posicional. No se mexer muito. Pode parecer um paradoxo
mas quanto mais posicional estiver, maior dinmica e preciso de transio pode
dar equipa. O que lhe falta ento? Passe longo. Raramente falha um passe,
verdade, mas quase todos so curtos, de primeira instncia. Por isso, para ganhar
profundidade necessita que outro mdio de segunda linha recue para ter bola.
Pirlo, n 10 de formao, por exemplo, j consegue, no mesmo lugar, jogar curto
ou longo com maior facilidade. Objectivo, ganha maior profundidade mas sem
perder o sentido posicional do lugar.
O caso de Pirlo um exemplo de adaptao notvel. Comeou como mdio
centro ofensivo, estilo n 10, e hoje um mdio defensivo com vocao de
organizador. Os italianos chama-lhe um regista recuado pois no se limita a
recuperar como seria natural nessa zona de terreno frente da defesa. A sua
inteligncia emerge quando toca para trs serenando o jogo e dando tempo para a
equipa se organizar, como quando toca para a frente, servindo, depois, quando
avana com a bola, a segunda linha do meio-campo, para, assim, abrir as defesas
adversrias. Em ambos os movimentos elabora a jogada e perde a bola sempre o
mais longe possvel da zona de risco para a sua equipa. Mais do que uma cultura
nica de lugar, deve-se falar em cultura tctico-tcnica para fazer cada lugar de
forma a cumprir todas as suas obrigaes
defensivas-ofensivas de base e, depois, dar-lhe a dinmica que cada treinador
pretende, condicionado pelas caractersticas individuais que cada um permite.
Sem este tipo de jogador em campo qualquer equipa perde o seu pndulo nas
quatro linhas. Eles so a prova de como o futebol evoluiu nas ltimas dcadas
recuando o seu centro de gravidade tctico do clssico mdio-centro para o novo
trinco reciclado, o pivot-defensivo, a tal "ncora" da equipa.
Em todos os seus ateliers tcticos, o futebol sempre reservou um espao divino
para os seus mestres da criao, os magos da bola que, ora com um rasgo de
gnio, ora com frieza cerebral, emergiram, ao longo dos tempos, como Deuses
dos estdios. Falar nesta elite de jogadores falar nos lendrios nmeros 10,
arquitectos do colectivo, os maestros que regem a orquestra com classe,
resistncia, inteligncia e grande viso de jogo. O futebol moderno consagra os
laterais ofensivos, desenvolvidos por Helenio Herrera no incio dos anos 60,
condena os extremos de raiz (nostalgia de Garrincha, Gento e Jair) e glorifica os
trincos recuperadores (Dunga, Veron, Deschamps). No futebol moderno, eles so
os novos donos do meio-campo, decisivos na ligao defesa-ataque, manobra
burocrtica nem sempre fcil de executar com velocidade. Neste cenrio, os
clssicos n 10 (Pel, Zico, Maradona) atravessam uma crise existencial, o que
levou Platini a afirmar: "Hoje, este tipo de jogador no nem n 10 nem n 9, um
9,5". Um osis entre os avanados e o resto da equipa, onde vivem homens como
Bergkamp, Rivaldo, Baggio, Mijatovic, etc.
A abordagem cada vez mais tctica do jogo criou outros pontos decisivos na sua
preparao. Durante o Chelsea-Valncia da Champions, em 2007, viu-se
Mourinho por vezes a folhear um dossier sobre a colocao dos seus jogadores e
do Valncia em vrias situaes de jogo. Nessa abordagem cientfica, saltou-me
vista a relevncia dada a um aspecto: a chamada segunda bola e a importncia de
ganhar esse ressalto. Mourinho colocava a zona chave para a conquistar na
aproximao das imediaes da rea. O jogo foi, assim, um duelo intenso pela
segunda bola tal a fora, tambm, do Valncia, treinado por Quique Sanchez
Flores, nessa aco, atravs da combatividade de Albelda e Albiol, apoiados pelas
subidas de Ayala. O Chelsea reagiu bem, com o meio-campo liderado por
Lampard e, noutro captulo, atravs da maior destreza no jogo areo, sobretudo
quando Drogba recuava para ganhar a primeira bola nas alturas. S depois surgia
a segunda bola, ou melhor, a segunda luta pela sua posse. Na capacidade de
ganhar estes duelos est inserida um elixir do novo futebol: a intensidade de jogo
e a capacidade das equipas suportarem o seu aumento. algo que vive para l da
tcnica, mas que tambm cruza a tctica no sentido posicional para estar no local
certo para atacar e ganhar a tal segunda bola. Porque, em rigor, s h mesmo
uma bola em campo.
Os laterais modernos e o fim dos extremos
Conta Angel Cappa em "E o futebol, onde est?" que quando Tano Rizzo, seu
velho amigo, o veio visitar a Espanha em meados dos anos 90, houve uma noite,
ao chegar para jantar, em que parecia ter visto um extraterrestre. "Amigo, estive
esta tarde na Cidade Desportiva do Real Madrid e, nem vais acreditar, vi Panucci
a sair do treino num Porsche?, disse ainda incrdulo. "Sim, e depois?,
perguntaram todos. "E depois? Se at os laterais j tm Porsches, ento o futebol
est mesmo perdido!", sentenciou.
Mais do que de outro pas, o velho Rizzo vinha de outro tempo. Quando o futebol
era dos avanados e os jogos eram decididos s quando se tinha a bola e
atacava. Por isso, custava-lhe a admitir que os defesas pudessem roubar o
protagonismo, e os melhores carros, aos avanados. No futebol, ao longo dos
tempos, h um dado incontestvel: ele foi tornando-se, progressivamente, cada
vez mais defensivo. Por estratgia ou por instinto. Principais vtimas dessa
tendncia: os extremos. Consequncia: o nascer dos laterais ofensivos, os
carrilleros, como lhe chamam os espanhis. De repente, esses homens que
tinham nascido com misses defensivas, descobriram um corredor inteiro, 60
metros para atacar.
Nas brumas do passado, est aquela histria que se conta de Vicente Feola, o
treinador brasileiro que, dizia-se, at dormia no banco. No Mundial-58 jogava-se o
Brasil-ustria. Jogo grande, num tempo em que, para falar de extremos que
iluminavam o relvado, basta citar o nome de Garrincha. Pois bem, mesmo assim,
apesar das ordens para no passar do meio-campo, Nilton Santos, o
insubordinado lateral-esquerdo brasileiro arrancou com a bola, correu 50 metros,
entrou no meio-campo adversrio e aproximou-se da rea como um... extremo.
Feola, que raramente se levantava, s gritava
"Volta, Nilton, volta!". Orelhas moucas do canhoto carioca, tabela com Altafini,
entra na rea, remate e golo de Nilton. Os gritos de Feola transformam-se, num
pice: "Boa, Nilton, boa. Golo!". O Brasil venceu 3-0 e muitos dizem que foi aqui,
neste jogo, que os treinadores pela primeira vez na histria do futebol se tero
apercebido do que poderiam ser, no futuro, os laterais ofensivos. Nilton Santos era
um lateral-esquerdo avanado no tempo. Quando alguns anos depois, j veterano,
lhe perguntaram como era possvel que conservasse tanto flego para ir da defesa
O olhar sombrio de Chilavert, com o eco dos aplausos como "cenrio de fundo"
vislumbra, a cada passo, a posse da bola. Para alm das defesas, destacou-se a
marcar livres. No relvado e fora dele o "alter-ego" da equipa, com uma
personalidade fortssima e grande poderio fsico, colocado quase sempre no limite
da rea. No Mundial-98, quando, aps titnica resistncia paraguaia, Blanc o
bateu com um tiro queima-roupa j na entrada da pequena rea, ficou por
momentos estendido no relvado. Foi ento que, ainda cado, se apercebeu que
quase todos os seus companheiros tambm haviam tombado de desnimo e
exausto. De imediato se voltou a levantar e, percebendo que o jogo ainda no
tinha "terminado", ergueu, um a um, os companheiros prostrados. este o perfil
dos grandes lderes.
Outro caso especial foi o mexicano Jorge Campos. Distinguiu-se pelas suas
berrantes camisolas coloridas, que ele prprio desenhava, e pelos seus
movimentos de libero, como por ser capaz de deixar a baliza para jogar a
avanado-centro, desde que em 1988, Mejia Baron, treinador do UNAM, sem
avanados vlidos resolveu coloc-lo na frente. Uma aposta de sucesso. Em toda
a poca, Campos fez 24 golos! O rosa, o amarelo e o verde florescente so as
suas cores preferidas: "Na hora de rematar o avanado no olha para a baliza e
tem sempre tendncia de, inconscientemente, chutar contra ao que a sua viso
perifrica mais repara. Com estas cores ele s pode reparar em mim".
Pode-se admitir, em rigor, que em vez de 4x4x2, deve-se falar de 1x4x4x2, mas,
vendo bem, h quem desminta essa teoria. Ren Higuita, o louco guarda-redes
colombiano que, entre os anos 80 e 90, assombrou todos pela forma como saa da
baliza com a bola dominada, tentando o drible e lanando o contra-ataque. Se
calhar, para fazer o esquema rigoroso daquela Colmbia de Maturana devia falarse at num... 5x4x2. comum dizer-se que todos os guarda-redes tm
sempre algo de loucos, mas Higuita exagerava na tentativa de provar essa teoria.
Era mais do que um guarda-redes libero. Cada sada era uma aventura. De alto
risco. Como Roger Mila explicou no Mundial 90, roubando-lhe a bola e fugindo
sozinho para a baliza deserta. Higuita nem pestanejou. No jogo seguinte, fez o
mesmo. A defesa do escorpio em Wembley atingiu a perfeio da loucura. Numa
definio ainda mais extica, ele era um jogador de campo que s vezes recuava
para a baliza. "Quando acabar a minha carreira, o meu nome ficar na memria
das pessoas como um jogador que trouxe um pouco de magia ao jogo e vida de
pessoas comuns".
Mas se a perfeio fosse atingvel, ela seria, certamente, em termos de guardaredes, propriedade do ingls Gordon Banks. Sbrio mas com um poder de
impulso invulgar, ele fez a, talvez, mais famosa defesa de todos os tempos, no
Mundial de 70, ao defender, junto relva, um forte cabe-ceamento, de cima para
baixo, executado por Pel. Nessa tarde, Banks fez a chamada "defesa
impossvel", dando uma sapatada na bola e enviando desde o solo a passar por
cima da barra! " engraado que, ainda hoje, as pessoas quando vm falar
comigo para falar desse jogo com a Inglaterra, no me falam do resultado, do
nosso grande golo que deu a vitria ou de como joguei. S me falam dessa defesa
do Banks!", conta Pel. A carreira do monstro da Velha Albion foi interrompida em
1972, depois de um grave acidente de viao que lhe roubou a vista em um olho.
Mesmo assim, ainda voltaria a jogar por algum tempo, nos EUA. Ele foi um
em Milo. Era um autntico predador das balizas que rematava de qualquer lado.
Veloz, embora sem grandes dotes tcnicos, fazia da velocidade e do remate
pronto em corrida a sua grande arma.
Habitante ilustre da grande Manchester, a povoao de Old Trafford sempre sentiu
o futebol como uma extenso da alma. Nos anos 50, o desaparecimento trgico
dos Busby Babes, na neve de Munique, tornou maior esse sentimento que desde
essa data uma espcie de tutor das bancadas do Teatro dos sonhos. Em finais
dos anos 60, quando o velho Edwards dos talhos j era seu presidente, surgiu, por
fim, uma equipa, sempre comandada por Matt Busby, capaz de resgatar o esprito
de Du-can Edwards. Entre todos, emergiam trs ilusionistas, cada qual com o seu
estilo e personalidade. Bobby Charlton, sobrevivente de Munique, Dennis Law e
George Best.
Dennis Law, era um elctrico escocs que corria o campo todo com um sorriso
demonaco. Bobby Charlton era um gentlemen do Foot-ball, mescla de Lord Ingls
com fighting spirit, o lendrio esprito lutador britnico. A alta nobreza do seu
futebol era feita de dribles e remates que pareciam ter vida prpria, tudo sempre
ao servio do colectivo. Best, o gnio de Belfast, foi uma das personagens mais
perturbantes que habitaram o sculo do futebol, ao tornar a sua carreira num
vertiginoso cocktail de emoes. Sir Matt foi o nico homem capaz de domar o seu
forte carcter. Estilo rebelde, tpico de uma estrela pop, explodia nos relvados com
um mgico controlo de bola, aliado a um jogo de cintura elstico e impetuosas
mudanas de velocidade, sempre com a baliza pregada nos olhos.
No imperial cenrio da Baviera, secular regio da sumptuosa Alemanha,
ameaadora e de botas cardadas, escondem-se os mais atlticos tesouros do
reino do futebol fora. Um estilo sublime, que inspirou, toda a carreira de um
pequeno panzer de Mnchengladbach, Lotar Matthaus. O seu futebol ocupou as
quatro linhas do campo. Fez-se grande como mdio ofensivo, um verdadeiro n10,
mas, na fase final da carreira, quando as pernas comearam a pesar, recuou para
libero. Foi um monstro em todos os pontos do terreno.
Foi o maior jogador espanhol de todos os tempos: Luizito Suarez. Rendido, Di
Stefano
chamava-lhe, com venerao, o arquitecto. Nascido na Galiza, fez furor no Bara
e no Inter, sempre sob a batuta de El Mago Herrera. Era um regista puro que
traava na mente todos os movimentos da equipa, sempre ansiosa pelos seus
rasgos que transformava posturas defensivas em rpidos lances de contra ataque.
Os seus crticos diziam que lhe faltava um pouco de temperamento, a tal fria
hispnica, para se tornar um verdadeiro mito, mas a verdade que Suarez, cabelo
coberto de brilhantina, era um poeta do meio-campo, driblando e conduzindo a
bola com o mesmo carisma e seduo que um toureiro ensaiava uma lide
memorvel.
Em Milo, no incio dos anos 60, Nereo Rocco, buscando um novo maestro para o
meio-campo, lanou, com 17 anos, o Golden Boy Gianni Rivera, um rebelde dos
relvados. Fazia o que queria da bola. A sua viso de jogo era sublime e quando
driblava parecia que todo o jogo parava para admirar a sua elegncia. Para muitos
a sua criatividade punha em perigo a disciplina tctica. Um drama tctico-estilstico
que atravessa toda a histria do futebol italiano e que, nos anos 90, tambm
aprisionou o mais apaixonante jogador azzurro da ltima dcada do sculo:
Roberto Baggio. Conduz a bola como ela fizesse parte do seu corpo. Dribla como
se torneasse o centro de gravidade. Quando remata parece fazer a bola parar no
ar, momento em que, com os seus olhos, indica-lhe o caminho a seguir. O seu
talento indomvel acabou, no entanto, por perturbar os rgidos sistemas tcticos
italianos, onde um rebelde como Baggio se torna subversivo tacticamente. Nesse
contexto, o divino codino deixou-se envolver em demasiados conflitos com
treinadores, desde Sacchi a Lippi, que o impediram de atingir uma dimenso ainda
maior.
Com os imprios coloniais desintegrados, a Bola de Ouro abriu-se a todo o mundo
futebolstico a evoluir na Europa. Emergiu ento um chefe africano que, possante
e com um drible em corrida a lembrar uma manada de elefantes em fria, foi
capaz de assombrar o Velho Continente: o liberiano George Weah, um ponta de
lana que explodiu com as cores do Milan e do PSG, uma autntica fora da
natureza. A magia africana, o dito futebol do futuro, voltava a fascinar a Europa da
bola.
Van Basten, o holands voador, fabuloso no jogo areo, foi, para muitos, o melhor
ponta de lana de todos os tempos na histria do futebol mundial. Um produto das
escolas do Ajax. Parecia parar no ar espera da bola. Dominava todos os
espaos da grande rea e os seus remates adquiriam, muitas vezes, contornos
incrveis. Era um jogador to elegante que parecia transformar o futebol em ballet
mas que num abrir e fechar de olhos transformava-se num pirata do golo.
Martirizado pelas leses nos tendes, viu-se forado a retirar-se dos relvados em
1995, j depois de duas pocas sem jogar. A sua verdadeira ltima poca foi com
apenas 28 anos.
Permanece como o exemplo da dureza, violncia at, a que o futebol actual se
hipotecou.
A sua verdadeira ltima poca foi com apenas 28 anos.
27. Os novos ritmos e espaos: A "desorganizao organizada"
Quando se fala em espaos e posse de bola no futebol, estamos, no fundo, a falar
de um problema geogrfico que dar vantagem a quem ocupar todas as zonas do
relvado de modo mais inteligente. Os jogadores nunca se devem esquecer que o
relvado tem 104x67 metros e a bola deve, durante os 90 minutos, ser apresentada
a todos os pedacitos de relva, sem excepo.
Dizia recentemente o velho treinador gauls Jean-Claude Suaudeau que o mal do
futebol actual reside em existirem muitos passes que todos sabem partida no
que vo dar. Feitos na imediao da rea, em vez de futebol, quase parecem
tpicos movimentos de andebol. Faltam os chamados "passes camuflados",
aqueles que criam desequilbrios. O simples facto de ter maior posse de bola, no
significa, por si s, deter o controle do jogo. A posse de bola, tal como a tcnica,
no existe no vazio. Necessita de um critrio, de um modelo ou de um circuito
preferencial de jogo que a emoldure e a tornem na base de uma filosofia onde
nenhum jogador tenha receio de a pedir, ao ponto de, na sua mente, enquanto ela
vem no seu caminho, pr-conceber antecipadamente o passe seguinte que ir
executar e, numa perspectiva mais ampla, o desenvolvimento subsequente de
toda a jogada. Tudo isto nasce da combinao da tctica e da tcnica, individual
inteligncia de jogar sem bola. No caso dos mdios , porm, impossvel sustentar
esta tese. Pela simples razo que embora no seja aconselhvel estes terem bola
muito tempo , por outro lado, obrigatrio tocarem-na muitas vezes. Entendendo
esta diferena, entende-se o que um mdio a jogar bem. Um aroma que depois
se estender a toda a equipa pois no meio-campo que uma equipa ganha a
personalidade que a faz controlar e/ou dominar os jogos. Quanto mais tempo os
seus mdios tiverem a bola sua frente, e no nas suas costas, mais eficaz e
dominador se torna o onze.
Em qualquer modelo ou variante, h um dado que o treinador nunca pode permitir:
a cristalizao do sistema de jogo. Uma equipa tem, sempre, de ter outras
estradas tcticas em que saiba caminhar. Seja logo desde o incio do jogo, seja
durante o seu decorrer.
o grande duelo que marca o futebol actual em termos tcticos. 4x4x2 versus
4x3x3. Um choque de estruturas e suas respectivas variantes. Menos equilibrado,
o 3x5x2 surge como uma terceira via menos utilizada, sobretudo na verso de trs
defesas, diferente de trs centrais e dois laterais (cinco defesas, portanto, em
5x3x2). Diro que a dinmica que conta. Sim, verdade, mas sem uma correcta
definio prvia a partir de que pontos se deve comear a correr, avanar e
recuar, impossvel dar essa dinmica de movimentos certa equipa.Para l das
diferentes variantes (em linha ou losango, o 4x4x2, com um pivot defensivo ou
dois, o 4x3x3) a partir das caractersticas dos jogadores que, cruzadas com as
ideias do treinador para cada posio, se podem dar distintas dinmicas a
estruturas de incio iguais no papel. O 4x2x3x1 quase um compromisso entre os
dois sistemas. Dando, a atacar, dinmica de profundidade aos alas, desenha-se
facilmente o 4x3x3. Pedindo que seja mais o mdio centro ofensivo a entrar desde
trs como um segundo avanado, aproxima-se mais de um 4x4x2. Em qualquer
opo, a primeira preocupao do treinador que a equipa esteja equilibrada
entre todos os seus sectores, mantendo a noo de bloco (proximidade de linhas)
sempre activa e tentar que ele jogue o mais possvel subido no terreno. Isto ,
quanto mais longe da sua rea melhor. O fundamental no dar espaos entrelinhas que levem a perder-se essas ligaes. As equipas que melhor atingem este
nvel exibicional so as que conseguem conciliar maior quantidade de posse de
bola com melhor qualidade de posse de bola. Sobem em bloco e conseguem
desequilibrar o adversrio sem, ao mesmo tempo, se desequilibrarem a si
prprias. Ora isto obriga, muitas vezes, a mudar a sua estrutura. Em pleno jogo.
Nessa capacidade da equipa jogar a partir de diferentes estruturas (4x4x2 ou
4x3x3) com igual cultura tctica, sem com isso perder eficcia na aplicao dos
seus princpios de jogo, est o segredo para se ser hoje um onze
competitivamente de top. Poder variar de estrutura, apenas atravs do mexer de
uma pea (jogador). Fazer, por exemplo, recuar e flectir um extremo, sem bola,
passando assim de 4x3x3 para 4x4x2. Voltar a abri-lo sobre uma faixa aps o
recuperar da bola, redesenhando assim o 4x3x3. As melhores equipas so as que
sabem jogar em vrios sistemas
O 4x2x3x1 espelha, como estrutura, a preocupao de ganhar superioridade
numrica no
meio-campo, garantir o controlo dos timings de conteno e recuperao com dois
mdios defensivos e, ao mesmo tempo, tentar fechar as faixas, sem perder,
Cada equipa deve ter uma ideia de "jogar" pr-estabelecida. Ela propriedade do
treinador. Cada um tem a sua. por esta, e s quando lhe do condies para a
pr em prtica, que deve ser analisado e julgado o seu trabalho. Digamos, que, de
forma mais ou menos vincada, cada treinador tem o seu "futebol de autor".
Depois, definida a filosofia, tudo uma questo de comportamentos. Criar hbitos
comuns susceptveis de aplicar os seus princpios de jogo e conceito de futebol
(jogar e treinar). Para os colocar em prtica fundamental, por um lado, ter
jogadores capazes de o interpretar, e por outro, criar uma ideia de jogo comum a
todos. Isto , os movimentos tcticos individuais devem ter sempre presente uma
ideia de movimentao colectiva. Quando essa sintonia no existe, os princpios
de jogo no saem do papel. em funo destes aspectos, sua efectivao ou
no, que se pode falar na tal questo da equipa estar ou no estar em forma.
Neste contexto, o treinar e jogar em sistemas de trs defesas claramente o mais
difcil. O mais evoludo, mas tambm o mais arriscado. por isso que muitos
treinadores o elogiam tanto, mas nunca o aplicam, a no ser em situaes de
ltimo recurso para tentar virar um resultado. A equipa pode estar educada para
entender todos os tradicionais princpios dinmicos das diferentes variantes desse
sistema, mas coloc-los em prtica s est ao alcance de jogadores fora-de-srie,
sobretudo com uma dinmica tipicamente ofensiva (como o 3x4x3 holands, com
a linha de "3" formada por dois laterais ao lado de um central), muito diferente, por
exemplo, do 3x4x3 de Goethals (com a linha de "3" formada por um trio de
centrais). No fundo, jogadores com diferentes caractersticas sentem a mesma
misso de forma diferente. Com menos elementos no sector, a largura da linha
defensiva cresce e os seus integrantes so obrigados a uma constante
basculao superior. Isso exige velocidade, preciso e grande sentido tcticoposicional, ligado a uma rpida leitura de jogo e consequente reaco ao mesmo,
para fazer o fora-de-jogo, apoiado por uma primeira linha do meio-campo sempre
a pressionar alto.
Estas estruturas, podem criar, pela inerente superioridade numrica a meiocampo, uma iluso inicial de maior dinmica ofensiva, mas errado pensar-se
neste sistema partindo das caractersticas dos laterais ofensivos. Nenhum jogador,
sector ou sistema pode ser s analisado na fase ofensiva ou defensiva. Na
dinmica colectiva de defesa-ataque-defesa, esses movimentos fundem-se numa
s forma de "jogar", fazem parte dos mesmos princpios de jogo aplicados e sem
essa interpretao e, posterior aplicao conjunta, qualquer sistema, sobretudo o
3x4x3, est condenado partida, sobretudo a nvel de transio defensiva, cuja
elasticidade posicional tctico-fsicamente muito mais exigente. A grande
questo do sistema reside, pois, na transio defensiva. Para poder chegar a jogar
neste sistema, um treinador tem de permanecer muito tempo num clube at
solidificar neste processo de jogar trs pontos essenciais: grande maturidade
tctica colectiva e individual; automatismos afinados nas transies defesaataque-defesa; e grande capacidade de posse de bola.
Este ltimo o ponto muito importante, pois jogando em 3x4x3, com apenas trs
defesas (um central e dois laterais) o onze fica muito exposto, pelo que a equipa
nunca poder perder a bola muitas vezes, sobretudo frente da rea adversria,
zona de pressing mais arriscado. Recuperada a bola nessa zona, permite contra
ataques mais perigosos, visto apanhar, no corredor central, a equipa
nos quais uns tm mais dilemas estticos do que outros. Nunca ningum, por
exemplo, viu um Alemo muito preocupado com a beleza do seu monocrdico
futebol musculado. Ao invs, vemos os latinos, onde a arte tem outro
entendimento, presos desde h dcadas ideia de que s existe nobreza numa
vitria alcanada atravs de uma exibio com traos de beleza, corolrio da
chamada superioridade moral futebolstica
O futebol , afinal, o simples reflexo das idiossincrasias e morfologias dos seus
povos. Um jogo de espelhos entre a vida e o futebol que se pode detectar por
todos os continentes.
Deve-se dizer, porm, que nada h de negativo em diferentes treinadores ou at
jogadores, com as suas ideias e concepes, influenciarem o estilo ou a
mentalidade de outro pas para onde emigraram. Muita da evoluo do futebol
mundial passou exactamente por esse facto. Basta ver o futebol norte europeu
como uma derivao do estilo britnico, ou, noutro prisma, a extenso Amrica
do Sul de muitos conceitos das naes latinas europeias, num cruzamento de
influncias que teve alternados cursos migratrios. A questo que preocupa as
conscincias europeias mais puristas ou devotas da tradio, reside na dificuldade
que perante este cenrio de globalizao seja possvel, no futuro, at as prprias
seleces manterem as suas diferentes identidades futebolsticas, ameaadas nos
ltimos tempos por algumas duplas nacionalidades de contorno duvidoso que
confundiram muitos espritos dentro do status do futebol europeu.
As seleces nacionais, a bandeira e o hino, devem ser entendidas como uma
comunidade de cultura e emoes. , por isso, perfeitamente natural um
portugus sentir-se, cultural e emocionalmente, muito mais prximo de um
angolano ou de um moambicano do que de um sueco ou de um alemo. So
sculos de histria que quase fazem parte do nosso ADN. No se pode apagar
todo esse legado com um simples texto escrito num papel timbrado, no conforto
de um qualquer gabinete, com ar condicionado situado num luxuoso edifcio de
Bruxelas.
As diversas expresses do futebol latino
Os seus livres em arco assombraram muitos nos anos 80. Era a arte de Michel
Platini. Na origem desse gesto tcnico estava, antes do treino, o facto de em
mido ter vivido numa rua estreita. Estranho? Tudo se explica porque era a porta
da garagem que fazia de baliza, pelo que para tocar nela mesmo na parte de
cima, tinha de dar um grande efeito na bola. Foi a que, sem ningum desconfiar,
nem sequer ele, Michel iniciou a arte de cobrar livres directos que o faria admirado
em todo o mundo do futebol: "Adoro, sempre adorei marcar livres. No sei
explicar, no era por pensar que assim conseguiria melhores contratos. Era como
um jogo parte para mim, uma diverso onde estava em vantagem e s eu podia
tocar e fazer o que quisesse da bola".
Curioso ou aparentemente sem grande significado, este pequeno episdio da
infncia daquele que viria mais tarde a ser um dos maiores jogadores da histria
do futebol europeu, sempre com a camisola fora dos cales, porte blaz, classe
pura, sem osso e com lanamentos em profundidade com uma preciso capaz de
meter a bola dentro da abertura de uma lata de cerveja. Tudo isto espelha as mais
sete anos que viveu em Portugal e procurar, sem retirar do contexto as respostas,
o seu pensamento sobre o futebol.
Para o feiticeiro magiar que chegou a Portugal j com 54 anos, em 1959, "o
segredo do xito do Benfica no esteve na aplicao de teorias psicolgicas mais
ou menos ousadas e eficientes mas sim na estruturao da equipa segundo um
modelo de jogo colectivo, tanto quanto possvel perfeito". No o fazia, porm,
partindo da rigidez tctica da qual nunca foi adepto. "Creio nas tcticas e na sua
necessidade, mas escreveram-se tratados sobre estratgia e tctica. O jogador
no um estudante universitrio, sobretudo um prtico. E s passa a acreditar
nesta estratgia ou naquela tctica se ela se lhe demonstra em campo. A soluo
estava na frmula mais simples que fazia a essncia do futebol: "Passa, repassa e
chuta. indispensvel para chegar ao golo. Marca e desmarca. Se a bola no
nossa, marca; se a bola nossa, desmarca. Este o princpio, o princpio
fundamental. O sistema para os homens e no os homens para o sistema. Isto ,
cada equipa precisa de ter um sistema prprio, adaptado s caractersticas dos
seus jogadores. assim como um alfaiate no faz o mesmo feitio de fato para um
corcunda ou para um homem normal, do mesmo modo um treinador de futebol
no pode dar a todas as equipas que treina o mesmo figurino de jogo.
Para alm destes conceitos tcticos, existia, tambm, o lado mental. "Numa
equipa, no chega, apenas, classe. H necessidade tambm de esprito de luta.
No pode haver boas equipas sem esprito de luta". Como frmula predilecta para
atacar estava "o passe curto nas imediaes da grande rea contrria para
aumentar a preciso; passe longo, quando se est longe da baliza para ganhar
distncia. Mas, ateno: o passe curto no pode manietar a ideia do remate".
Questionado sobre, afinal, como se faz um bom jogador, dividia a frmula em
sectores diferentes: " Um bom jogador de futebol tem de possuir 50% de bom
executante e 50% de condio fsica. So atributos que no podem deixar de
coexistir, sob pena de ambos deixarem de ter valor. Em futebol no h limites.
sempre possvel fazer mais qualquer coisa. Nunca se pode dizer que se atingiu o
mximo".
como ter a certeza de escolher sempre o onze certo que se manda para dentro
do campo. "A resoluo final da constituio da equipa depende tambm de
factores importantes como o campo, o estado do tempo e tambm o nariz dos
jogadores. O nariz muito importante, sabe? Se algum se constipa e no respirar
bem, no joga. Parece simples. Afinal, tudo se resumia a um ponto: " preciso
saber lutar pela sorte, ou antes, no nos esquecermos dela em todas as
circunstncias. Quando se est em dia-no luta-se pela sorte; quando se est em
dia-sim, basta aproveit-la. Compreende senhor?Nada tem nada de complicado."
30. A pista africana os caminhos de Drogba
Tem a sua existncia dividida entre passear no tecto de um camio pelas ruas de
terra de Abidjan, saudado por uma multido enlouquecida que o persegue com
ps descalos, e as elegantes montras de West End, plenas de roupas de marca,
desde a Burberrys Hugo Boss. Das profundezas da sua Costa do Marfim, frica
profunda, aos ecos da moda de Londres, corao moderno do Velho Continente.
Pelo meio, passou pelo calor dos ventos de Marselha e pelo discreto toque
forma sbia e isso foi decisivo para mexer na equipa. Tirou Emerson e deu nova
dinmica ao duplo-pivot defensivo com a entrada de Guti, resgatando o sentido de
transporte de bola defesa-ataque. No ataque, tirou Raul e meteu um avanado
capaz de cair mais em cima dos defesas do Saragoa, Higuain. Os vinte minutos
revelaram ento os efeitos das alteraes. S agarrou o resultado perto do fim,
mas o jogo, esse, j o tinha agarrado h muito. Em Barcelona, sem alteraes, o
onze no conseguia conservar a bola, mesmo depois de estar em vantagem.
Reentrou ansioso. Falta-lhe peso fsico para o fazer. Iniesta-Deco-Xavi no
especulam com a bola. Dominam muitas vezes o jogo, mas raramente o
controlam, e este ltimo ponto indispensvel para ganhar esses jogos quando a
crise de confiana se instala.
Real Madrid e Barcelona eram ento duas equipas com estados de esprito muito
diferentes. Isso influa muito no nvel de jogo praticado e foi decisivo para decidir o
curso destes dois jogos. E, no duvidem, aqueles primeiros vinte minutos a seguir
ao intervalo so o melhor espelho de como est um balnerio. diferente mexer
numa equipa para ganhar um jogo quando se est a perder e mexer quando se
est em igualdade. Os seus limites tornam-se mais evidentes. O treinador pensa
em tcticas, em novas dinmicas, mas tudo passa pela capacidade de dar
intensidade tctica e tcnica ao jogo. preciso que, mais do que a equipa esperar
que o jogo venha ter com ela, isto , crescer com o seu aumento de ritmo,
seja, ao invs, ela prpria a ir ter com o jogo e fazer crescer esse mesmo ritmo
atravs da sua capacidade tctica, tcnica e fsica. No fcil. Sobretudo quando
os seus limites j comeam a surgir flor da pele. H dias, falando sobre essa
epopeia de como virar jogos que se esto a perder, Marcelo Lippi dizia que "o
segredo agarrar o momento em que mais se sente essa possibilidade de
ganhar". So ento decisivos os jogadores que conseguem expor as fraquezas do
adversrio.
Em 2006, atingiram os oitavos-de-final da Champions sete equipas latinas e
apenas uma anglo-saxnica (Arsenal). Falou-se, ento, no renascimento de um
novo ciclo de domnio do futebol latino. Passou um ano e, em 2007, a tendncia,
j era diferente. Cinco equipas anglo-saxnicas (inglesas, alems e holandesas) e
s trs latinas. Comea, dessa vez, a falar-se no novo domnio britnico. A meiafinal inverte a ordem da poca anterior. Dos latinos, apenas resiste o Milan. O
resto, trs equipas inglesas. Face ao cenrio politico-desportivo que gere hoje o
globalizado futebol europeu ps-Bosman, ambas as interpretaes podem estar,
no entanto, correctas. O problema s um: com o actual mercado aberto europeu
estendido ao futebol e as equipas mudando muitas vezes de estrutura de ano para
ano, os ciclos de poder tornaram-se cada vez mais curtos, chegando a esfumar-se
numa poca apenas.
Deixou de fazer sentido falar em claros ciclos de domnio como aqueles que, at
meados dos anos 90, foram fceis de identificar entre o "futebol da tcnica" e o
"futebol da fora".
1. Perodo de dominio latino. De finais dos anos 50 at meados dos anos 60. O
reinado do futebol da tcnica, onde imperavam as equipas com maior talento
individual, casos dos ibricos Real Madrid e Benfica, ou, noutro prisma, de
inteligncia tctica, casos dos italianos Miln ou nter.
2. Perodo de domnio do futebol fora, de raz anglo-saxnica. Atravessou os
anos 70 at incio dos anos 80. Foi a ecloso do chamado futebol atltico. A
dimenso fsica do jogo cresce e ultrapassa a tcnica, como explicaram as
vertiginosas equipas inglesas e alems (principalmente Liverpool e Bayern
Munique) e, numa perspectiva mais tctico-fsica, o Ajax, modelo pioneiro da
polivalncia dos jogadores em campo.
3. Regresso do novo futebol tcnico. Este renovado ciclo de domnio latino iniciouse em meados dos anos 80. Aps um perodo onde se revelou competitivamente
leve perante o futebol da fora, refez os seus conceitos e passou a conjugar a
tcnica com a velocidade e a condio atltica. Um ciclo protagonizado pelas
recicladas equipas italianas, como Miln e Juventus, at, j nos anos 90, ao
renascer do grande Real Madrid europeu.
4. Confirmando a evoluo desta nova correlao de foras e estilos do futebol
europeu, as equipas latinas reforaram, no incio do Sc. XXI, esta nova tendncia
do chamado futebol moderno, onde tcnica e condio atltica deixaram de fazer
sentido quando separadas. A partir dessa data, com as multiculturais equipas do
presente, impossvel falar-se em verdadeiros confrontos de estilos como no
passado. Esqueam at aquelas ditaduras em que uma equipa, mantendo o
mesmo onze, mandava na Europa por pocas consecutivas. A ltima equipa a
ganhar a Champions duas vezes consecutivas foi o Milan, em 89 e 90.
O actual domnio ingls deve ser interpretado, portanto, luz dos
condicionalismos actuais. Desportivos, poltico-sociais, estruturais e, claro,
financeiros. So eles, no conjunto, que ditam os curtos ciclos de domnio, sazonais
mesmo, da actualidade. Em termos futebolsticos, pode parecer um paradoxo,
mas vendo bem em campo o estilo das duas equipas inglesas que foram mais
longe na Champions em 2007 (Chelsea e Liverpool) e as filosofias de jogo dos
seus treinadores nesses momentos (dois latinos puros, Mourinho e Benitez) para
alm do facto de, nos seus onzes iniciais serem cada vez mais raros jogadores
ingleses, no abusivo afirmar que este ser at, no plano da abordagem
histrica do jogo, mais um triunfo do futebol latino do que do britnico. Ou seja, em
comparao com o velho ciclo de domnio britnico dos anos 70/80, o futebol
ingls mantm o esprito e paixo, mas mudou o estilo e o perfil tctico. Neste
ltimo sentido, foram as ideologias tcticas latinas cruzadas com o esprito ingls
que o fizeram voltar a ganhar.
Durante longos anos a olhar de lado os discursos tcticos do Velho Continente
europeu, a Amrica do Sul tambm se rendeu s mesmas tendncias. O
pensamento tctico sobre o jogo hoje muito mais elaborado.
Desde 1999, com a entrada de Basile, a Argentina converteu-se aos sistemas de
trs defesas. Junto do 3x4x3, variante mais ofensiva da mesma filosofia de jogo,
a forma mais avanada de esquematizar uma equipa. A mais arriscada tambm,
sobretudo quando defronta um 4x4x2 com flancos activos, presso alta e grande
qualidade tcnica na posse e circulao de bola, quer na elaborao como na
finalizao. Cabe, nesse momento, ao treinador dos trs defesas entender o novo
combate tctico e mexer no seu xadrez com astcia, individual e colectiva. Se o
no fizer, o seu esquema revolucionrio, atacado nos seus pilares, desmorona-se
como um castelo de cartas. Foi o que sucedeu com a Argentina de Pekerman
frente ao Brasil de Parreira na final da Taa das Confederaes em 2005.
Tal como noutra variante de qualquer sistema com defesa a "3", o 3x4x1x2 de
voavam no seu encalo e comiam-na. Benitez ter pensado o mesmo com Xabi
Alonso e Mascherano. Com esta sintonia tctica, a final da Champions de 2007
tornou-se uma
batalha de recuperaes de bola. A forma como um recuperador como Ambrosini
roubou o protagonismo a Kak, diz bem do ponto a que chegou o futebol moderno
nas grandes decises. Bastou teia de Benitez falhar uma zona de presso sobre
Seedorf, para o Milan, cinicamente, ganhar um livre na entrada da rea e fazer o
golo.
Na segunda parte, talvez tenha passado mais tempo a olhar para o banco do
Liverpool do que para o relvado. Em campo, o Milan devorava a bola. Fora dele,
Benitez continuava meio deitado sobre o banco com um papelinho e uma caneta.
A seu lado, uma girafa permanecia com as meias em baixo. A certo ponto,
Ancelotti tambm olhou para l. Acho que todo o Estdio olhava. A razo era
simples e tinha 1,98m. Peter Crouch, claro. Durante toda a poca, virou de pernas
para o ar muitos jogos com o seu jeito inesttico de atacar a bola, parecendo que
se ia desmontar todo, quando, de repente, inventava um movimento, fazia golo ou
abria um espao decisivo na rea adversria. No seria o mesmo para as
armadilhas defensivas de Ancelotti com Crouch em campo.
Benitez no acompanhou o pensamento do resto do Estdio. Crouch jogou
apenas 12 minutos. O suficiente para alterar as coordenadas de jogo, fazer
Ancelotti meter um lateral que soubesse flectir para terceiro central (Kaladze),
ainda fez um remate para uma grande defesa de Dida, ganhou bolas de cabea,
assustou pssaros e defesas centrais, mas foi pouco tempo para mudar o curso
do jogo. Seria, no plo oposto do relvado, que uma ave de rapina em forma de
ponta-de-lana decidiria a final numa zona de ningum, um curto espao de
terreno que se estende verticalmente no campo e que se traduz numa imaginria
linha de fronteira entre estar ou no estar em fora-de-jogo. Ningum se move
nessa zona desmilitarizada com tanta astcia como Inzaghi. Esconde-se entre os
marcadores e arranca no momento certo, brincando com a bandeira do fiscal-delinha. Foi assim que ameaou na primeira parte. Foi assim que decidiu no final da
segunda. De Crouch a Inzaghi, Benitez intelectualizou demasiado a estratgia e
esfumou do jogo o elemento que lhe poderia ter dado a sua nota mais
imprevisvel.
Cristiano Ronaldo fazia tremer Old Trafford. O pblico levantava-se excitado
sempre que um deles arrancava com a bola, mas a nica vez que Ancelotti se
ergueu decidido foi quando Gattuso, o seu mdio pica-pedra, caiu e fez sinal que
no dava para continuar. O futebol tem meios mgicos de nos deslumbrar, mas
entre jogadores e treinadores existe outro mundo de emoes, temores, receios e
esperanas, que escapam ao simples adepto.
A partir desse momento, Ancelotti passou a maior parte do tempo em p gritando
com Brocchi, o substituto de Gattuso. Pedia-lhe para encostar em Ronaldo, no
perder os espaos de marcao. O facto de estar a jogar mesmo perto de si, junto
linha, ajudou tarefa. A par do futebol dos gnios, selvagem e maravilhoso,
existe o futebol dos treinadores, racional e calculista. Enquanto uns pensam em
como devorar o jogo, os outros pensam em como anular o adversrio. No relvado,
dois estilos, duas estratgias, duas grandes equipas. O Manchester joga naquela
intensidade toda a poca. a nica que faz sentido em Inglaterra. O Milan no. A
Liga italiana tem altos e baixos e h jogos em que o ritmo desce muito. No
domingo anterior descansara toda a equipa. Podia-se pensar que estaria melhor
fisicamente na parte final do jogo. Aconteceu o contrrio. Foi o Manchester (sem
fazer uma substituio durante os 90 minutos) a acabar o jogo imprimindo um
ritmo vertiginoso. No sbado anterior jogara quase com a mesma equipa. A
capacidade de imprimir e manter uma intensidade alta de jogo, depende muito dos
hbitos fsicos e competitivos adquiridos. O jogo est perto do fim e a ltima
imagem que nos oferece um longo sprint de um jogador com 33 anos. Giggs. De
uma rea outra, contra-ataque, passe vertical perfeito e a chuteira de Rooney
feita metralhadora para o golo da vitria. Manchester vive o futebol como fizesse
parte da sua alma. Milo sente o futebol como ele fosse um fato de gala. Rooney
joga como um gladiador. As arrancadas de Ronaldo so picas. Kak diferente.
Personifica a alta-costura de Milo.
32. O ltimo Testamento
Gordo, despenteado, de bermudas, sapatilhas, t-shirt roada, o andar
desengonado e o olhar perdido. difcil teorizar sobre os sentimentos mas, para
quem ama o futebol, a imagem mais impressionante do Mundial 2002 foi a
chegada de Maradona ao Japo para assistir Final. Uma expresso indecifrvel,
escurecida pela tristeza. Nessa perturbante imagem condensava-se
metaforicamente o estado a que, na alvorada do terceiro milnio, os frios
economicistas levaram o futebol, hoje completamente hipotecado ao lucro e aos
critrios financeiros.
Observando a histria dos Mundiais, existem trs equipas que, reunindo a beleza
com o bom futebol, tm um espao mtico reservado no meu corao de
apaixonado pelo futebol belo e lendrio: a Hungria de 54, a Holanda de 74 e o
Brasil de 82. Para mim, elas foram o apogeu mximo da aliana futebolstica entre
o sagrado e o terreno, e, para tornar mais romntica a sua aura, nenhuma delas
ganhou qualquer ttulo. Assim, para quem ama o futebol, foi penoso assistir final
entre o Brasil e a Alemanha nesse ano. Onde estava a famosa magia sulamericana sublimada por Garrincha, Pel ou Zico? Para onde teria fugido a
imperial tcnica musculada alem, antes obra de Beckenbauer, Breitner ou
Matthaus? O Brasil pentacampeo, mas estes seus dois ltimos ttulos nada tm
a ver com a divinal histria do seu futebol. Para adquirir a sua verdadeira
dimenso, o futebol actual, mais do que nunca, tem de se refugiar nos mitos do
passado.
Maradona chegava depois de durante meses as autoridades japonesas lhe terem
impedido a entrada devido aos seus velhos problemas com a droga. Pouco
importava que ele fosse o maior jogador do mundo de todos os tempos, o pibe que
os deslumbrou no Mundial de Juniores em 79, ou a nica prova, para os
agnsticos que gostam de futebol, de que Deus existe. No sei que msica
escutaria nos headphones que trazia, mas talvez s a nostalgia do Tango, "essa
emoo que se dana", poderia decorar com preciso esse momento. um erro
pensar que o futuro apenas glorifique os vencedores. Ainda hoje, Cruyff diz que
no trocaria todos os elogios recebidos em 74 pelo ttulo em si, a memria de
Puskas sobrepe-se a todos os campees germnicos de 54 e a fama de Eusbio
ofusca totalmente Hurst, autor de trs golos na final de 66. Todos eles, tal como
Maradona, foram rebeldes, cada um no seu estilo, na histria do futebol mundial.
Por isso, nunca como hoje fez sentido aplicar ao futebol uma velha frase de Kevin
Patterson segundo a qual "todo o mundo admira os rebeldes e deseja sempre que
eles alcancem algo mais nobre do que a simples rebeldia." Esquecem-se, porm,
que, finda a era de Maradona, j no existem mais rebeldes no mundo do futebol.
Futebol, futebol e futebol. Novo e velho. Quando as revolues faziam sentido, o
futebol era como uma fronteira de liberdade. Hoje, as revolues so privadas, os
adeptos transformaram-se em clientes e os sentimentos em sociedades annimas.
Os espaos das emoes tm cada vez mais dificuldade em encontrar abrigo.
Como conta Sanfilippo, velho goleador argentino, em Futebol, o sol e sombra,
sobre o dia em que, nostlgico, decidiu voltar a um velho Estdio para contar a um
amigo como fizera o golo da sua vida. Ao chegar ao local, porm, constatou que o
campo fora demolido e l erguera-se mais um hipermercado Carrefour. Em
silncio, entrou e passou ento a narrar: "A baliza era aW, assinalando as caixas
para pagar. "Disse a Capdevilla para me meter a bola aqui, apontando para uma
pilha de frascos de maionese. A bola caiu atrs dos defesas, saltei para ali onde
est o arroz, vs? Aponta o local e salta para l como um coelho, "deixei-apinchar
e todo no ar rematei de esquerda". Ento, todos olharam para as caixas, onde
estava a baliza h 40 anos, e j conseguiam imaginar a bola a entrar no ngulo,
mesmo junto de onde estavam as pilhas para rdios. Sanfilippo ergue os braos
para festejar. Os clientes e funcionrios explodem num aplauso frentico. Acho
esta histria divinal.
O plano tctico que domina hoje o futebol tem esconderijos profundos. Sete/oito
jogadores sempre atrs da linha da bola, desdobramentos posicionais aps a sua
recuperao, faixas sempre completas, controlo dos diferentes ritmos de jogo e
mudanas de velocidade no contra-ataque, quase sempre em triangulaes e
toques curtos. O plano de Lippi em terras germnicas. Mas justo considerar,
como dizem os resultados, o futebol italiano como o melhor do mundo da
actualidade? Sim e no. Ou seja, no , decididamente, o mais atraente e
espectacular, mas, por outro lado, , indiscutivelmente, o que melhor interpreta as
leis que o dominam no presente, onde se impe a noo do, digamos, futebol
compacto, aquele que transforma as equipas num bloco que defende e ataca com
a mesma intensidade, subindo e descendo no terreno sem nunca perder a ligao
entre sectores. A nuance que faz a diferena na seleco italiana reside na
perfeita cultura tctica e superior capacidade tcnica dos seus intrpretes. A sua
filosofia de jogo espelha-se, porm, na mscara de cada jogador em campo.
A face de Pirlo lembra o sofrimento dos peregrinos nas longas caminhadas. Os
cortes de Cannavaro so estados de alma, tal como a garra com que Gattuso
festeja os golos apertando o pescoo de Marcelo Lippi. A disciplina de Camoranesi
e Perrota a ocupar os flancos tem o rigor das mais complicadas equaes
matemticas. Zambrotta e Grosso defendem e atacam com a preciso de um
relgio. As defesas de Buffon agarram o jogo. Totti o trao de requinte e Toni o
ponta-de-lana solitrio. Aqui est, em sntese, o retrato do novo Campeo do
Mundo.
No banco, Lippi, a garantia da essncia tctica transalpina. Sete/oito jogadores
sempre atrs da linha da bola, desdobramentos posicionais aps a sua
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