(Livro) Globalização e Capitalismo Contemporâneo

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Edmilson Costa

A globAlizAo e o cApitAlismo
contemporneo
Edmilson Costa
A globAlizAo e o cApitAlismo
contemporneo
EDITORA
EXPRESSO POPULAR
1 edio
So Paulo - 2008
Copyright 2008, by Editora Expresso Popular
Reviso: Geraldo Martins de Azevedo Filho e Miguel Cavalcanti Yoshida
Projeto grfco, diagramao e capa: ZAP Design
Impresso e acabamento: Cromosete
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada
ou reproduzida sem a autorizao da editora.
1 edio: novembro de 2008
EdIToRa ExPRESSo PoPulaR
Rua abolio, 197 - Bela Vista
CEP 01319-010 So Paulo-SP
Telefax: (11) 3112-0941
[email protected]
www.expressaopopular.com.br
Sumrio
INTRODUO ............................................................................................ 9
As contradies do capital ......................................................................... 11
ApreSentAo
Este trabalho o resultado da pesquisa de ps-doutoramento
que conclumos no Instituto de Filosofa e Cincias Humanas
(IFCH) da Unicamp em 2002, sob a orientao do prof. Dr.
Ricardo Antunes. A verso que agora apresentamos mantm sua
estrutura bsica, mas procuramos realizar uma melhoria no estilo da
redao para adapt-lo publicao, bem como buscamos atualizar
boa parte dos dados, sem que isso prejudicasse ou deformasse o
trabalho anterior. Acrescentamos ainda uma introduo ao traba-
lho, diferente das introdues que geralmente so realizadas em
publicaes do gnero, com o objetivo de realizar uma tentativa
de sntese do texto. Ou seja, em vez de fazermos uma concluso,
elaboramos uma sntese logo no incio do trabalho para que o leitor
possa ter um conhecimento mais abrangente do que vai ler.
Alm disso, este trabalho tambm passou a integrar a primeira
parte de uma pesquisa bem mais ampla que estamos realizando.
Trata-se de uma trilogia, na qual o primeiro trabalho este A
globalizao e o capitalismo contemporneo, mais dever ser seguido
por mais dois trabalhos: A crise estrutural do capitalismo, onde pro-
curaremos abordar teoricamente a natureza das crises do modo de
produo capitalista e, principalmente, as especifcidades da crise
estrutural no ambiente da globalizao. O terceiro trabalho uma
tentativa de construir elementos que posam contribuir para uma
nova teoria do imperialismo, uma vez que os clssicos desse tema,
em nossa opinio, hoje j no conseguem responder plenamente
a todas as questes oriundas da globalizao.
8 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Este trabalho no poderia ter sido realizado se no tivesse
contado com a ajuda de amigos e alunos. Gostaria de agradecer
inicialmente ao meu orientador, Prof. Dr. Ricardo Antunes, pela
generosidade com que me abriu espao para a realizao desta
pesquisa no Instituto de Filosofa e Cincias Humanas, bem como
a oportunidade de dar aulas naquela instituio, durante um ano,
o que enriqueceu sobremaneira o debate e a pesquisa.
Agradeo especialmente aos alunos do curso de Sociologia do
Trabalho, da Unicamp, para quem ministrei aulas de globalizao
e mercado de trabalho; aos alunos do curso de Relaes Inter-
nacionais das Faculdades Metropolitanas Unidas, para os quais,
durante quatro anos, lecionei a disciplina Empresas Transnacionais
e Globalizao, bem como aos alunos do curso de ps-graduao
da Escola de Sociologia e Poltica, com quem tive oportunidade
de debater vrias partes deste trabalho ao longo de vrios anos em
que lecionei naquela instituio.
Este trabalho est dividido em cinco captulos, alm da introdu-
o. No captulo I, realizamos um dilogo com as trs principais
correntes que buscam refetir sobre a globalizao. Procuramos
realizar um balano dos principais argumentos de cada uma delas,
bem como uma apreciao crtica dos principais pontos polmicos
envolvidos na discusso. Ao fnal do debate, tentamos enfatizar
que a globalizao um dado da realidade, um fenmeno tpico
do capitalismo contemporneo, com repercusses em toda a vida
social contempornea, resultando num conjunto de fenmenos
novos na economia e na sociedade.
No captulo II procuramos investigar a natureza da concen-
trao e centralizao do capital, a partir dos fundamentos tericos
de Marx. Verifcamos que a prpria lgica do desenvolvimento
do capitalismo baseada na apropriao privada dos meios de
produo e na concorrncia entre os capitalistas so fatores que
alimentam a concentrao e a centralizao do capital. Portanto,
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o processo de globalizao que observamos hoje, j estava inscri-
to no cdigo gentico do capitalismo desde as suas origens, no
devendo ser surpresa para ningum as fuses e concentraes
contemporneas.
No Captulo III analisamos a globalizao na rea produtiva
e procuramos enfatizar que esse processo teve incio com a inter-
nacionalizao da produo, cujo desenvolvimento proporcionou
s grandes corporaes transnacionais o comando da economia
real no mundo. Essas corporaes, em sua maioria absoluta, so
oriundas dos pases centrais e funcionam como destacamentos
avanados dos interesses do grande capital. Verifcamos ainda que
novos ramos industriais emergiram com a globalizao, como as
tecnologias da informao, a engenharia gentica, a biotecnolo-
gia, a nanotecnologia, entre outros, cujo desenvolvimento esto
transformando o panorama industrial no mundo e dando um novo
perfl classe operria.
No Captulo IV abordamos a questo da globalizao das
fnanas, fenmeno que se desenvolveu de maneira extraordinria
nas ltimas dcadas, transformando o plo fnanceiro no instru-
mento hegemonizador da economia mundial, aps o processo de
desregulamentao e liberalizao dos capitais iniciado no fnal da
dcada de 70, com os governos Reagan e Tatcher. Hoje, o capital
na rea das fnanas tem a possibilidade de se valorizar 24 horas
ao dia e seu volume de negcios atualmente muito maior do que
o que circula na rbita produtiva. Mas esse descolamento entre
as duas esferas do capital introduz um risco sistmico de carter
mundial.
No captulo V, analisamos as novas formas de organizao
que o capital vem desenvolvendo em funo da globalizao.
Observarmos que a formao dos blocos econmicos faz parte
de uma macro-organizao do capital, que se completa com o
processo de fuses e aquisies e a luta pela hegemonia mundial,
10 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
na qual os Estados Unidos vem realizando agressiva poltica bus-
cando transformar-se numa potncia hegemnica indiscutvel,
num ambiente de uma ordem mundial unipolar.
Boa leitura.
Edmilson Costa
introduo como tentAtivA de SnteSe
A globalizao em curso em praticamente todas as regies da
terra vem produzindo um conjunto de mutaes na vida social
da humanidade. Trata-se, portanto, de mudanas que esto im-
pactando fortemente a poltica mundial, a economia, o mundo
do trabalho e as tradies culturais em todas as partes do planeta,
quer infuenciadas pelos meios de comunicao, quer pelo poder
econmico-fnanceiro das grandes corporaes transnacionais.
Concordemos ou no, gostemos ou no, a globalizao um
fato cotidiano que permeia a nossa realidade, desde o creme dental
que usamos, a roupa que vestimos, o tnis que calamos, o alimento
enlatado que comemos, o programa de TV que assistimos, o jornal
que lemos, o computador que utilizamos, o banco que recebemos
o salrio ou realizamos negcios, a internet que navegamos, entre
outros milhares de aspectos do nosso dia a dia. Portanto, a globa-
lizao um fenmeno tpico do capitalismo contemporneo.
No entanto, esta no uma discusso consensual entre os
estudiosos. Podemos identifcar quatro correntes em relao s
interpretaes da globalizao: 1) os apologistas da globalizao,
para os quais este fenmeno signifca a redeno da humanidade
e a retomada dos postulados naturais da economia, interrompidos
aps a Segunda Guerra Mundial (FMI; Banco Mundial; OMC);
2) aqueles que negam a globalizao, afrmando tratar-se no s de
um mito, mas principalmente de uma forma que as transnacio-
nais encontraram para ampliar o domnio dos mercados (Hirst;
Tompson, 1998); 3) aqueles que afrmam ser a globalizao um
12 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
fenmeno antigo, que vem desde os tempos das grandes navegaes,
dos descobrimentos, sendo que alguns articulistas dessa corrente
creditam tambm a globalizao ao incio do sistema capitalista
(Petras, 1997; Amin, 2000); 4) e h ainda os que afrmam que
a globalizao um fenmeno do capitalismo contemporneo e
representa uma nova fase do imperialismo, com a qual nos soma-
mos. Vejamos como se posicionam as quatro correntes.
Os apOlOgistas da glObalizaO
Para compreendermos o ciclo de mudanas de fundo opera-
das na vida socioeconmica contempornea com a globalizao,
necessrio enfatizar a importncia da nova ideologia do grande
capital como instrumento especial de consolidao de sua hege-
monia mundial. Nenhum sistema se sustenta se no estrutura um
corpo de idias que o justifque e o viabilize social e politicamente.
Nesse sentido, o grande capital, diante de falta de uma ideologia
para o mundo globalizado, preferiu retornar ao estatuto ideolgico
do sculo 18, buscando adapt-lo s novas condies da economia
globalizada. Por isso o prefxo neo (novo) acrescentado da velha
ideologia liberal.
Os apologistas da globalizao estruturam seu pensamento a
partir de alguns fundamentos bsicos: o mercado como instrumen-
to regulador da vida social, a iniciativa privada como operadora
do sistema, e o Estado mnimo desregulado como instrumento
de garantia da propriedade e dos contratos. O mercado seria uma
espcie de entidade mtica, um demiurgo capaz de regular desde
as trocas de mercadorias nas mais distantes aldeias at o comrcio
internacional, passando pela oferta e procura de trabalho, oferta
e procura de sade, de previdncia social, educao, lazer, entre
outros.
Como instrumento mtico, impessoal e apoltico, teria a capaci-
dade de harmonizar os confitos de interesses, a liberdade de trocas e
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os interesses coletivos. O Estado, ao se retirar da economia, e vender
as propriedade pblicas para a iniciativa privada, passaria a cuidar
das funes que lhes seriam especfcas: proteger os contratos priva-
dos, promover os mercados competitivos, garantir a propriedade.
Com a iniciativa privada operando os instrumentos do sistema,
haveria mais competio e maior efcincia econmica.
Estes postulados, que passaram a ser conhecidos como neoli-
beralismo, representam a sntese ideolgica da globalizao. Fun-
cionam como uma espcie de gerenciador ideolgico no plano po-
ltico, econmico, social e cultural dessa nova fase do capitalismo.
Apesar de primitiva, a ideologia neoliberal conseguiu uma atrao
espantosa no apenas do senso comum, mas em todas as camadas
sociais das sociedades capitalistas. Irradiada exausto pelos meios
de comunicao nos quatro cantos da terra, esta ideologia penetrou
no mago da conscincia das pessoas, desde o mais simples cidado
s mais sofsticadas elites fnanceiras. Quebrou valores e tradies
longamente estabelecidos, tais como a solidariedade, a tica nas
relaes sociais e econmicas, a busca de solues coletivas para
os problemas humanos, as culturas regionais.
Com a retaguarda da mdia, o neoliberalismo realizou um in-
tenso processo de manipulao, procurando distorcer o signifcado
das coisas e at mesmo as palavras de ordem da esquerda, alm
de manipular a linguagem e reduzir os fenmenos socioecon-
micos sua aparncia (Petras, 1997). Buscou ainda estimular os
sentimentos mais atrasados das massas, revigorando preconceitos,
exacerbando o xenofobismo, de forma a impor o individualismo
mais mesquinho e a lgica do mercado e da iniciativa privada
como normas para a vida social. Diariamente, o jornal, o rdio e
a televiso realizam uma batalha ideolgica contumaz no sentido
de transformar o neoliberalismo em referncia para o modo de
vida da humanidade, de forma a que o grande capital tenha espao
aberto para atingir seus objetivos estratgicos.
14 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
A ttulo de exemplo, a desregulamentao da economia, as
privatizaes e a ofensiva contra direitos e garantias dos traba-
lhadores so difundidos como reformas modernizadoras. O corte
nos gastos pblicos, o aperto no crdito, a retirada do Estado da
economia so apresentados como ajustes estruturais e a prpria
palavra liberdade, to cara s foras de esquerda, especialmente na
Amrica Latina, manipulada para servir aos interesses do grande
capital (Petras, 1997). At mesmo invases a pases soberanos,
como ocorreu na Yugoslvia e no Iraque, justifcada em nome
dos direitos humanos e da democracia.
No que se refere poltica propriamente dita, o neoliberalismo
no tem nenhum escrpulo. Desde que o governante cumpra os
objetivos do capital fnanceiro especulativo dos pases centrais, esse
dirigentes, por mais corruptos e desmoralizados que sejam, so
tolerados e seus governos defendidos em fruns internacionais e
na mdia. Assim, o neoliberalismo pode se utilizar de um bbado
moribundo na antiga Unio Sovitica, como Yeltsin; um danarino
de tango brega, como Menem na Argentina; um nissei histrinico
e fascista, como Fujimori no Peru; um corrupto sofsticado, como
Salinas de Gortari, no Mxico; ou ainda um intelectual que deu
adeus ao proletariado, como Fernando Henrique Cardoso, no
Brasil.
Os neoliberais podem ser considerados hoje os fundamenta-
listas do Ocidente, tendo em vista que, para estes, no importa
os meios e os mtodos empregados para atingir seus objetivos. O
que importa mesmo garantir a hegemonia neoliberal em todos
os pases. O dirigente que no se enquadrar na nova ordem
satanizado, desmoralizado internacionalmente e, na maioria das
vezes, destitudo do poder pelas armas, pelo poder econmico,
ou pelo poder manipulatrio dos meios de comunicao. O neo-
liberalismo busca tambm desmantelar o mais rapidamente tudo
o que foi construdo no perodo anterior globalizao. Essa nsia
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para fazer o trabalho o mais rpido possvel est na raiz da intole-
rncia e da agressividade com que os governos dos pases centrais,
especialmente os Estados Unidos, procuram atingir e desqualifcar
seus adversrios.
No entanto, se analisarmos pormenorizadamente, poderemos
detectar uma enorme insegurana entre os defensores dessa ideolo-
gia, talvez pelo fato de que esta doutrina, sempre que confrontada
com o real, perde a substncia. Um balano do neoliberalismo
nestes ltimos 25 anos pode ser considerado um desastre para a
humanidade, tanto em termos econmicos quanto sociais, polticos
e ecolgicos. Em todos os pases em que foi implantado ocorreu a
concentrao de renda e aumento da pobreza; o mundo se tornou
mais instvel e as crises econmicas, sociais e polticas mais cons-
tantes, os trabalhadores perderam direitos e garantias conquistados
h sculos, precarizou-se o trabalho e reduziram-se os salrios. S o
grande capital, e os especuladores em especial, podem comemorar
o advento de neoliberalismo.
Vale ressaltar, entretanto, que o conjunto das mudanas de
fundo operadas pelo neoliberalismo na sociedade contempornea
s foram possveis porque ocorreu, a partir do fnal da dcada de
1970, e posteriormente com a eleio de Reagan e Tatcher, respec-
tivamente nos Estados Unidos e na Inglaterra, uma mudana qua-
litativa na composio das classes dominantes dos pases centrais.
O velho bloco de poder ligado ao antigo Capitalismo Monopolista
de Estado, cujo poder se consolidara a partir dos anos 1930 nos
Estados Unidos e, especialmente aps a Segunda Guerra Mundial,
foi substitudo no centro de poder da Trade Imperial (EUA, UE e
Japo) por um novo bloco de foras sociais mais agressivas e mais
reacionrias.
Estas foras subordinaram poltica e economicamente todos os
outros setores da burguesia e impuseram a nova ordem mundial,
baseada no neoliberalismo, como forma de organizao socioeco-
16 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
nmica da sociedade e o rentismo como instrumento particular
de auto-acrescentamento do capital, aprisionando inclusive o setor
produtivo e o Estado e seu oramento lgica da especulao
fnanceira. Este novo bloco dominante comanda o processo de
globalizao e est hoje no centro do poder mundial, buscando
confgurar o mundo sua imagem e aplicando uma espcie de
vingana histrica de classe contra os trabalhadores.
a glObalizaO cOmO um mitO
A segunda corrente constituda por aqueles que argumen-
tam ser a globalizao um mito e uma forma mistifcadora que o
grande capital encontrou para ampliar o espao das transnacionais,
especialmente nos pases da periferia, bem como uma maneira de
reduzir os espaos de soberania dos Estados nacionais perifricos e
deix-los de mos atadas perante a inevitabilidade da globalizao.
Argumentam ainda que a globalizao no s rouba a esperana de
milhes de seres humanos em todo o planeta como tambm uma
forma concreta do grande capital se apropriar das empresas pblicas
e das empresas de capital nacional nesses pases, reduzindo assim
ainda mais o espao de regulao do Estado (Hirst; Tompson,
1998; Batista Jr. 1998).
Muitos dos autores dessa corrente, que consideram a globali-
zao um mito, costumam sempre recorrer a duas intervenes de
conhecidos personagens da vida estadunidense, o economista John
Kenneth Galbraith e o ex-secretrio de Estado Henry Kissinger.
Galbraith enftico no que se refere aos objetivos da globalizao:
Globalizao um termo que ns, americanos, inventamos para
dissimular nossa poltica de avano econmico em outros pases e
para tornar respeitveis os movimentos especulativos do capital,
enquanto Kissinger sentencia (apud Souza, 2001, p. 121): O
desafo bsico do que se chama de globalizao na verdade outro
nome para a posio dominante dos Estados Unidos.
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Hirst e Tompson podem ser considerados os mais ardorosos
defensores desta corrente. Escreveram um livro A Globalizao em
Questo, onde pontuam cinco traos principais de sua tese: 1) a
economia atual tem um grau de abertura menor do que no perodo
de 1870 a 1914; 2) as empresas genuinamente transnacionais so
muito raras e a maior parte dessas frmas tem bases nos pases centrais,
podendo ser consideradas frmas nacionais com operaes interna-
cionais; 3) o grosso da mobilizao dos capitais est localizado nos
pases industrializados; 4) Os fuxos de investimento e das fnanas
esto concentrados nos Estados Unidos, Unio Europia e Japo; 5)
as operaes econmico-fnanceiras que contam so aquelas realiza-
das nos pases centrais: essas economias so responsveis por 80%
do comrcio mundial, sendo que os cinco principais pases centrais
absorvem 70% do investimento global (Hirst; Tompson, 1998).
Os argumentos dessa corrente so basicamente corretos, af-
nal a globalizao a forma que o grande capital encontrou para
ampliar o seu domnio no mundo. Eles conseguem desqualifcar
basicamente todos os argumentos dos apologistas da globalizao.
No entanto, cometem um equvoco bsico, que negar a prpria
globalizao. Ora, no se pode desqualifcar um fenmeno sim-
plesmente porque no se gosta dele. Nem tampouco comparar sem
mediao o mundo sculo 19 e incio do sculo 20 com o atual. So
grandezas completamente diferentes. Como a globalizao pode
ser um mito se os prprios autores ao longo de seus textos criticam
exatamente esse fenmeno e suas manifestaes? Os argumentos
do a impresso de que, negando a globalizao, seria mais fcil
combater suas manifestaes.
Este tipo de atitude corresponde da avestruz, que imagina
superar as difculdades enterrando a cabea na areia. Na prtica,
os autores dessa corrente contribuem para ofuscar teoricamente o
fenmeno da globalizao, perdem a oportunidade de compreend-
la e explic-la em toda a sua dimenso, bem como de elaborar uma
18 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
estratgia que permita super-la. Negando a globalizao, ajudam
a desarmar os prprios crticos da globalizao, os afastam da luta
concreta cotidiana contra a globalizao e os deixam teoricamente
desamparados, afnal ningum vai teorizar ou combater um mito,
um fenmeno que no existe.
glObalizaO cOmO fenmenO antigO
A terceira corrente composta pelos autores que afrmam ser
a globalizao um fenmeno que sempre existiu. Alguns argu-
mentam que a globalizao comeou com as viagens de Marco
Plo China: O atual processo de internacionalizao mercantil,
mediante a superao da distncia e das barreiras entre naes,
comeou pelo menos desde a famosa viagem de Marco Plo ao
Extremo Oriente (Singer, 2000, p. 14). Este autor diz tambm
que as descobertas do sculo 16 foram fnanciadas por genoveses,
que acumularam dinheiro com a China, ndia e Prsia. No caso
da produo do acar no Brasil, pelos portugueses, a globalizao
estava explcita: O acar era produzido nos engenhos do Nor-
deste com capital holands, transportado em navios portugueses,
consumido na Europa e os tributos eram cobrados pela coroa
lusitana (Singer, 2000, p. 14).
Mas a grande maioria credita o incio da globalizao s gran-
des navegaes, enquanto alguns desses autores afrmam que esse
processo comeou com o incio do capitalismo. Por exemplo, Petras
ressalta que a globalizao comeou no sculo 15 com a expanso
ultramarina do capitalismo e as conquistas da sia, frica, Amrica
e Austrlia foram todas instncias da globalizao, sendo que este
fenmeno mantm as matrizes de suas origens histricas, na qual
as transnacionais de hoje desempenhariam um papel semelhante
ao das companhias comerciais do passado (Petras, 1999).
Amin (2001) divide o processo de globalizao em trs fases: a
primeira comeou com a conquista das Amricas, dentro do marco
Edmi lson Costa 19
das economias mercantilistas; a segunda se baseou na revoluo
industrial; e a terceira fase estaria se verifcando com a queda da
Unio Sovitica e dos pases do Leste. Amartya Sen tambm v a
globalizao como um longo processo histrico:
A globalizao no novidade nem se limita a ocidentalizao. Ao longo
de milhares de anos, a globalizao vem progredindo por meio de viagens,
comrcio, migrao, difuso de infuncias culturais e disseminao de co-
nhecimentos (...) Existe uma herana mundial de interao e as tendncias
contemporneas se enquadram nessa histria (Sen, 2001).
Apesar de se diferenciarem em ralao data precisa do incio
da globalizao, todos esses autores concordam num ponto bsico:
a globalizao um fenmeno antigo.
Para observarmos a inconsistncia terica desses argumentos,
e levarmos ao seu limite, poderamos dizer que a globalizao te-
ria comeado quando os primeiros smios desceram das rvores,
passaram a caminhar eretos e iniciaram o povoamento da terra.
Estavam assim globalizando demografa. Ainda nesse contexto,
os primeiros instrumentos de pedra eram nada mais nada menos
que os cdigos genticos globalizantes dos robs e dos chips, af-
nal todo fenmeno da histria humana no pode estar desligado
do passado, h um encadeamento em todos os acontecimentos
passados, presentes e futuros da humanidade.
O equvoco bsico desses autores reside no fato de no
compreenderem que cada fase histrica corresponde a um
momento especfco do desenvolvimento das foras produtivas.
Se circunscrevernos nossa apreciao apenas para o perodo do
capitalismo, poderemos indagar criticamente: como podem
colocar num mesmo estatuto terico o mercantilismo, o capita-
lismo concorrencial, o capitalismo monopolista e a globalizao
e suas corporaes transnacionais da atualidade? Se pensarmos
assim, estaremos apostando no relativismo absoluto, na antici-
ncia. Uma coisa o desenvolvimento do comrcio a partir do
20 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
sculo 16, outra a produo e as fnanas internacionalizadas
da atualidade.
Alm da questo de mtodo, os autores dessa corrente tam-
bm contribuem para semear confuso nas hostes dos que lutam
contra a ofensiva do capital no perodo da globalizao; ajudam
a diluir o fenmeno em relao sua verdadeira essncia, tanto
no que se refere s mudanas quantitativas e qualitativas que vem
operando na humanidade quanto entre os trabalhadores; e ainda
abandonam a tarefa de precisar com rigor cientfco a especifcidade
da globalizao. Nesse sentido, difcultam a elaborao de uma
estratgia que permita super-la. Ao transformar a globalizao
num fato corriqueiro, contribuem para vulgarizar o fenmeno,
no lhe dar a importncia que merece, transform-lo num mero
encadeamento de acontecimentos normais, que no merece uma
nova teoria para explic-lo.
Em outras palavras, incorrem num erro semelhante ao dos
seus colegas que negam a globalizao, s que com sinais trocados.
Primeiro, cmodo esnobar um fenmeno contemporneo deste
porte e dizer que este sempre existiu. Assim, podem bater no peito,
felizes, e decretar que no h novidade alguma na globalizao,
que este um processo que sempre existiu ou que pelo menos
comeou desde o sculo 16 ou mesmo desde os primrdios do
capitalismo. Esse comportamento pode at fazer bem a uma alma
afita e pouco disposta refexo, mas no resolve a questo. Ao
contrrio, desarma aqueles que querem combat-la, e seus tericos
perdem uma oportunidade especial de elaborar uma estratgica
para enfrentar o problema.
a glObalizaO cOmO um dadO da realidade
Ao contrrio destas correntes, nosso entendimento parte do
princpio de que a globalizao um fenmeno do nosso tempo,
uma singularidade originria do capitalismo que foi construdo a
Edmi lson Costa 21
partir da segunda metade do sculo 20, quando as corporaes ini-
ciaram a aventura da internacionalizao da produo. Deferencia-
se da primeira e da segunda revoluo industrial, porque j nasce
sem a possibilidade de desenvolver todo o potencial das foras
produtivas e se viabilizar plenamente, em funo das limitaes
estruturais do capitalismo nesta etapa da histria. A globalizao
incorporou inovaes tecnolgicas radicais que proporcionaram ao
capitalismo um enorme desenvolvimento, mas o sistema global de
produo no possui condies de se desenvolver plenamente em
funo de suas prprias contradies e, especialmente, da insuf-
cincia mundial de demanda solvvel. Quanto mais se desenvolve,
mais tem difculdades de fechar a equao produo-demanda.
Em outras palavras, no momento em que o capitalismo tem
as melhores condies potenciais para desenvolver suas foras
produtivas, exatamente neste momento em que est limitado por
suas prprias contradies. As novas tecnologias e a reestruturao
produtiva e gerencial encilharam o sistema num emaranhado de
problemas, que se expressam mais claramente no fato de que cada
unidade de trabalho vivo poupada representa uma difculdade
futura para a realizao das mercadorias, com o agravante de que,
enquanto na primeira e segunda revoluo industrial buscou-se
revolver o problema da demanda global, respectivamente, mediante
a reduo da jornada de trabalho e ampliao do setor de servios,
a globalizao emerge no momento em que no h mais setores a
ocupar, nem os capitalistas esto dispostos a reduzir a jornada de
trabalho. Retoma-se assim, de maneira completa, a contradio
original do sistema, que se expressa entre o carter social da pro-
duo e a apropriao privada dos seus resultados.
Com a globalizao, pode-se dizer que o sistema se aproxima
de um limite de reproduo enquanto potencialidade material,
tendo em vista que se o capitalismo desenvolvesse plenamente seu
potencial produtivo, haveria uma crise global de superproduo.
22 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Esta contradio explica o fenmeno da fnanceirizao da rique-
za, que se apresenta atualmente como o contraponto funcional
da incapacidade do sistema desenvolver suas foras produtivas.
Ou seja, os capitais excedentes, impedidos de se reproduzirem na
esfera produtiva, buscam agora uma fuga para a frente na rbita
das fnanas, como se isso os liberasse do ajuste de contas com a
realidade da lei do valor.
Nessa nova aventura desesperada, o capital especulativo carrega consigo
todos os outros setores do capital para a lgica da especulao e, com
isso, aprofunda a crise geral do capitalismo, posto que, no longo prazo,
impossvel a reproduo do capital sem obedecer a lei do valor. A criao
da riqueza na rbita fnanceira uma aventura sem futuro, uma miragem
capaz de levar momentaneamente parte dos capitalistas ao delrio, ofus-
cando sua viso global do futuro. No entanto, quanto mais aprofundam
esse modelo, mais ampliam a possibilidade de uma crise geral do sistema.
(Costa, 2003).
um sistema cOmpletO e madurO
A globalizao tambm representa uma fase nova do capitalis-
mo, perodo em que este modo de produo atingiu plenamente
seu amadurecimento e se transformou num sistema mundial
completo. At o perodo anterior globalizao, o capitalismo era
completo apenas em relao a duas variveis da rbita da circu-
lao o comrcio mundial e a exportao de capitais. Mas, ao
expandir a mundializao para as esferas produtiva e fnanceira,
bem como para os outros setores da vida social, o sistema unif-
cou globalmente o ciclo do capital, fechando assim um processo
iniciado com a revoluo inglesa de 1640. (Costa, 2002)
Ressalte-se a esse respeito que Lenin (o mais genial quadro
terico do sculo 20), escreveu que o imperialismo seria a ante-sala
do socialismo. Todavia, parece que houve certo otimismo nesta
previso, uma vez que naquela poca o capitalismo monopoliza-
Edmi lson Costa 23
do estava apenas iniciando o seu processo de amadurecimento
internacional, no estando portanto em condies plenas para as
transformaes dialticas. Somente agora, com a globalizao, o
capitalismo fecha o ciclo do seu desenvolvimento histrico. Nessa
perspectiva, pode-se dizer que agora estamos muito mais prximos
de uma transformao radical desse modo de produo do que no
incio do sculo 20.
Como tudo na natureza segue a lei da dialtica, podemos
afrmar que o sistema capitalista teve seu desenvolvimento efetivo
com a revoluo industrial, passou por uma fase superior com a
segunda revoluo industrial e amadureceu completamente com
a globalizao contempornea. Portanto, agora que j cumpriu
o papel histrico de desenvolver internacionalmente as foras
produtivas e a rbita da circulao, tende a sofrer transformaes
profundas que mudaro a sua qualidade enquanto modo de
produo, a exemplo do que ocorreu com as outras formaes
socioeconmicas anteriores.
Seu aparente esplendor globalizado esconde um conjunto de
contradies originais que se reproduzem em bases ampliadas com
a globalizao. Portanto, para compreender o fenmeno da globa-
lizao e as possveis transformaes de um sistema agora completo
deve-se tambm atentar para o fato de que uma transformao
qualitativamente nova s poder ser efetiva se for viabilizada a
partir do corao do sistema, onde potencialmente a luta de classes
tem condies de pulsar mais intensamente.
bem verdade que os elos dbeis continuaro cumprindo um
papel essencial para o enfraquecimento geral do capital, enquanto
forma global de dominao. Mas a sua crise profunda s poder
confgurar um estatuto terminal quando atingir o ncleo do poder,
o corao da Trade Imperial. Em outras palavras: a crise geral do
capitalismo s estar madura quando atingir os Estados Unidos,
a Unio Europia e o Japo.
24 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
a glObalizaO da prOduO e cOmandO das
transnaciOnais
Para efeito puramente analtico, uma vez que a rbita pro-
dutiva e financeira faz parte de um todo orgnico, dividimos
esse fenmeno em dois segmentos: a globalizao produtiva e a
globalizao fnanceira. A anlise em dois tempos uma forma
de buscar penetrar mais fundo nas entranhas do fenmeno, para
dele extrair mais plenamente uma compreenso que possibilite
entend-lo plenamente, de forma a encontrar sadas que viabilizem
alternativas para a humanidade.
A globalizao da produo tem sua origem seminal com a
internacionalizao da produo, ocorrida a partir da segunda
metade dos anos 1950 e consolidada nos anos 1970 e 1980. Esse
processo produziu um fenmeno novo no modo de produo ca-
pitalista: pela primeira vez na histria do capitalismo a burguesia
dos pases centrais passou a extrair o valor, de maneira generalizada,
fora de suas fronteiras nacionais (Michalet, 1984)
1
. At ento, os
oligoplios capturavam a mais-valia dos pases perifricos por meio
do comrcio mundial e da exportao de capitais.
A partir da globalizao, o sistema capitalista generalizou a
produo internacionalizada, mediante a criao de centenas de
milhares de filiais pelo mundo a fora e transformou o planeta
numa esfera nica de investimento, realizao e acumulao de
capital. Ao produzir internacionalmente, o grande capital passou
a ter a possibilidade de se utilizar das melhores disponibilidades
dos pases, quer em termos de mo de obra, quer em termos de
matrias-primas, facilidades fscais e creditcias, alm da precari-
zao do trabalho, o que lhe permitiu recuperar as taxas de lucro
e reconfgurar o sistema produtivo mundial.
1
A extrao do valor fora das fronteiras nacionais foi amplamente abordada por Michalet,
em seu livro Capitalismo Mundial (Paz e Terra, 1984), muito embora esta anlise no
estivesse vinculada discusso sobre a globalizao atual.
Edmi lson Costa 25
Ressalte-se ainda que as duas revolues industriais anteriores
foram realizadas de forma assimtrica nos pases centrais, ou seja,
cada pas marcou sua maneira e em perodos diferentes a insero
na industrializao. No entanto, o processo atual se desenvolve de
maneira simtrica nos pases centrais, em funo da internacionali-
zao da produo e da remonopolizao burguesa que ocorreu nos
anos 1990. At mesmo os pases perifricos que tm em sua base
territorial fliais das corporaes transnacionais esto vivenciando
estas mudanas nos nichos de desenvolvimento l instalados.
Com a globalizao da produo emergem novos ramos in-
dustriais, tais como as tecnologias da informao, a microeletr-
nica, a robtica, a engenharia gentica, a biotecnologia, os novos
materiais, a nanotecnologia e at mesmo certos elementos de
inteligncia artifcial, cujas caractersticas representam uma terceira
revoluo industrial no modo de produo capitalista. Essa nova
revoluo industrial rompeu com os padres produtivos anteriores
e est se consolidando como a indstria do futuro. Enquanto a
nova indstria estrutura seu desenvolvimento, os velhos ramos de
produo tpicos da segunda revoluo industrial, como metal-
mecnica, o qumico, o plstico vo perdendo importncia diante
da globalizao.
Estas transformaes esto revolucionando o sistema capita-
lista: se levarmos em considerao apenas as reas de engenharia
gentica e biotecnologia e o horizonte que se abre com o mapea-
mento gentico e os novos frmacos de origem natural, poderemos
imaginar a imensa perspectiva do desenvolvimento das foras pro-
dutivas. No entanto, no ter o mesmo impacto que as revolues
industriais anteriores devido s prprias limitaes estruturais do
sistema, referidas anteriormente.
A globalizao da produo comandada pelas corporaes
transnacionais, cujas empresas somam atualmente 63 mil, com
690 mil filiais (World Investment Report (WIR), 2002), que
26 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
estruturam o sistema produtivo a partir de padres internacionais
de planejamento, tecnologia, organizao da produo, sistema de
recursos humanos e normas administrativas. Estas empresas fun-
cionam como destacamentos avanados dos interesses do grande
capital no interior de cada pas, especialmente na periferia, onde
operam com extraordinrias vantagens, tais como matrias-primas
e mo-de-obra baratas, alm de incentivos fscais e subsdios dos
Estados onde se instalam.
A maioria absoluta das empresas transnacionais do planeta
originria dos pases centrais, para onde transferem parte expressiva
da mais-valia gerada internacionalmente. Para se ter uma idia da
dimenso do processo de concentrao empresarial no mundo,
basta dizer que das 100 maiores empresas transnacionais produ-
tivas da terra, apenas trs delas pertencem aos pases da periferia
capitalista (WIR, 2002). O poder econmico das transnacionais
to grande que muitas delas tm um volume de negcios maior
que o Produto Interno Bruto de vrios pases. A General Motors,
sozinha, tem um volume de negcios anual maior que os 48 pases
menos avanados do mundo (Toussaint, 2002).
Alm do gigantismo econmico, essas empresas controlam
vrios setores da economia mundial - dos ramos de produo
propriamente ditos ao comrcio mundial. Por exemplo, no setor
de microprocessadores, apenas o grupo Intel controlava 60% do
mercado mundial em 1997. Na aeronutica civil, somente dois
grupos, Boeing e Airbus, detinham em 1998, 95% da produo
mundial. No setor de equipamentos de comunicaes, em 1997,
quatro grupos possuam mais 70% das vendas mundiais. Na rea
de bancos de imagens, em 1994, trs empresas eram responsveis
por 80% da produo mundial. Mesmo um setor maduro e de
tecnologia generalizada, como de automveis, 10 empresas con-
trolavam, em 1994, 76% da produo mundial (Toussaint, 2002;
Chesnais, 1996) (Tabela 1).
Edmi lson Costa 27
Tabela 1
A concentrao mundial do capital no fnal dos anos 1980 e nos anos 1990
Peas de vidro para automveis em 1998 Trs empresas detm 53% da produo mundial
Pneus em 1998 Seis empresas detm 85% da produo mundial
Processamento de Dados em 1987 Dez empresas detm 100% da produo mundial
Material Mdico em 1989 Cinco empresas detm 90% da produo mundial
Caf Solvel em 1994 Duas empresas detm 80% da produo mundial
Cereais em 1994 Duas empresas detm 75% do comrcio mundial
Bananas em 1994 Trs empresas detm 80% do mercado mundial
Tabaco em 1994 Trs empresas detm 87% do comrcio mundial
Banco de Imagens em 1994 Trs empresas detm 80% da produo mundial
Automveis em 1994 Dez empresas detm 76% da produo mundial
Telecomunicaes/Equipamentos em 1997 Quatro grupos detm 70% das vendas mundiais
Aeronutica Civil em 1998 Dois grupos detm mais de 95% da prod. mundial
Microprocessadores em 1997 Um grupo controle 60% do mercado mundial
Fonte: Toussaint, a partir de dados de Chesnais e Petrella, 2002.
No que se refere ao comrcio mundial, as transnacionais
romperam as tradicionais teorias das vantagens comparativas, ao
transformar o comrcio intra-frma num elemento fundamental
do comrcio mundial, atualmente por volta de 40% do volume
global. Como se sabe, esse tipo de comrcio no obedece for-
mao tradicional dos preos internacionais, posto que a relao
entre matriz e flial de inteira subordinao, pelas razes naturais
do comando do capital.
Essa nova revoluo industrial opera, conseqentemente, uma
mudana qualitativa no perfl da classe operria, que agora passa
a ser composta por trabalhadores mais especializados, inclusive
integrando os cientistas dos novos ramos industriais. A nova classe,
pelo seu perfl e por sua posio no interior da fbrica, poder ser o
contraponto efetivo ao processo de globalizao. No se trata mais
de operrios tayloristas, que apenas cumpriam o trabalho rotineiro
e programado no cho da fbrica, mas de uma nova classe, com um
28 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
papel muito mais importante na cadeia produtiva que os operrios
da segunda revoluo industrial.
No dever ser motivo de surpresa se dentro de alguns anos
cientistas assalariados, analistas de sistema, os engenheiros ou fer-
ramenteiros eletrnicos (os construtores dos chips), os engenheiros
de gentica e da biotecnologia, os fsicos da nanotecnologia ou
os web designers da internet liderarem o movimento operrio e
buscarem a transformao necessria para a construo de um
novo sistema econmico.
glObalizaO financeira e hegemOnia dO sistema
ecOnmicO
A globalizao financeira um processo que est ligado
internacionalizao da produo. As instituies financeiras,
que nos pases centrais j estavam ligadas aos trustes e cartis,
seguiram o caminho das corporaes transnacionais produtivas
em sua aventura de criao do valor fora das fronteiras nacionais.
Internacionalizaram suas atividades, facilitadas pelo fato de que
as corporaes produtivas necessitavam de instituies fnanceiras
slidas que possussem fexibilidade para atuar em escala mun-
dial. O desenvolvimento dos negcios fnanceiros ganhou uma
dinmica particular com a formao do mercado de eurodlares,
especialmente em funo do reduzido grau de regulao na praa
de Londres, onde centralizava-se esse mercado. Na nova conjun-
tura, os bancos multiplicaram suas sucursais pelo mundo a fora
e construram uma nova arquitetura financeira internacional,
baseada na privatizao da liquidez internacional (Michalet, 1984;
Moftt, 1984).
A partir de ento, os negcios na rbita fnanceira cresceram
de maneira extraordinria. No entanto, a consolidao histrica
da globalizao das fnanas, nos moldes em que conhecemos atu-
almente, s foi possvel em funo de um conjunto de fenmenos
Edmi lson Costa 29
econmicos e polticos que ocorreram a partir dos anos 1970, entre
os quais podemos destacar:
a) O fm dos Acordos de Bretton Woods, quando os Estados
Unidos decidiram, em 1971, suspender a converso do dlar em
relao ao ouro, visando conter a desconfana e a desvalorizao
de sua moeda. Essa medida rompeu toda a arquitetura fnancei-
ra estruturada em Bretton Woods e, a partir de ento, os pases
passaram a adotar taxas de cmbio futuantes, instrumento que
posteriormente possibilitou a livre mobilidade de capitais (Eichen-
green, 2000; Roberts, 2000; Sanchez, 1999)
b) A crise do Welfare State e a contestao dos postulados key-
nesianos, cujo processo proporcionou, na primeira metade dos anos
1970, uma mudana de fundo na composio do bloco de poder
das classes dominantes, cuja poltica transformou o monetarismo
e o neoliberalismo em poltica de Estado, que posteriormente foi
seguido por praticamente todos os pases capitalistas;
c) A poltica de aumento das taxas de juro por parte do FED
no final da dcada de 1970, aliada poltica monetarista dos
governos Reagan e Tatcher, que redirecionou a economia no
sentido da busca da estabilidade monetria, em detrimento do
crescimento do produto e do emprego, que eram as polticas tpicas
do perodo do Welfare State. A poltica de aumento das taxas de
juros fortaleceu o dlar e o transformou novamente em moeda de
reserva internacional, bem como as taxas de juro se transformaram
no instrumento regulador desta nova fase da economia mundial
(Guttmann, 1998; Plihon, 1998; Villarreal, 1984)
d) A poltica de desregulamentao da economia e de liberali-
zao dos mercados e o fm das restries mobilidade de capitais,
que proporcionou ao plo fnanceiro uma dinmica impressionan-
te. Novos agentes econmicos como fundos de penso, fundos
mtuos, companhias de seguros e corretoras em geral entraram
agressivamente no mercado, conquistando parcelas expressivas do
30 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
mercado tradicional dos bancos. Irradiada a partir dos Estados
Unidos, a nova poltica monetarista-neoliberal passou a hegemoni-
zar a poltica econmica dos pases capitalistas (Guttmann, 1998;
Plihon, 1998). (Tabela 2).
Tabela 2
Participao no mercado das instituies fnanceiras dos EUA
(%) 1948-1993
Mercado 1948 1960 1970 1980 1993
Bancos 55,9 38,2 37,9 34,8 25,4
OPCVM (Fundos Mtuos) 1,3 2,98 3,5 3,6 14,9
Fundos de Penso 3,1 9,7 13 17,4 24,4
Corretoras de valores 1,0 1,1 1,2 1,1 3,3
Fonte: Guttmann, 1998
O novo quadro internacional provocou uma mudana radical
nos rumos da economia mundial. Movido pela lgica da desregu-
lamentao fnanceira, da mobilidade irrestrita de capitais e das
altas taxas de juro, o capital fnanceiro se libertou das amarras do
espao e do tempo e passou a operar com enorme versatilidade,
proporcionando a esta atividade a hegemonia dos negcios do
sistema capitalista e instituindo o rentismo como norma geral para
os agentes econmicos, processo denominado de fnanceirizao
da riqueza.
2

Alm disso, passou a impor ao conjunto da economia a lgica
fnanceira, o que resultou no aprisionamento dos agentes econmi-
cos, especialmente das empresas produtivas e do Estado (Guttman,
1998; Plihon, 1998). Ancorados pelas tecnologias da informao
satlites, universalizao dos computadores, internet - o setor f-
2
Este o ttulo de um trabalho pioneiro no Brasil, de Jos Carlos de Souza Braga. A f-
nanceirizao da riqueza a macro-estrutura fnanceira e a nova dinmica dos capitalismos
centrais. Texto para discusso, Fundap, 1991.
Edmi lson Costa 31
nanceiro desenvolveu enorme criatividade no que refere criao de
novos produtos fnanceiros. Especulao nos mercados de cmbio,
de taxas de juros, swaps, bnus e derivativos em geral, marcaram a
tnica especulativa dos mercados fnanceiros globalizados.
Nas novas condies, o capital fnanceiro passou a ter a capaci-
dade de auto-acrescentar-se durante o dia e a noite, bastando para
tanto ajustar os seus negcios aos fusos horrios das mais diversas
regies do planeta. Quanto mais o plo fnanceiro se desenvolvia,
mais aumentava a agressividade, a ousadia e a criatividade dos
agentes especuladores. E quanto mais se ampliava o palco onde
eram realizadas as operaes fnanceiras, mais se diversifcava a
variedade de aplicaes, e mais essa conjuntura realimentava o
frenesi especulativo, configurando uma espcie de corrente da
felicidade, em que os ganhos elevados e rpidos do capital fctcio
aceleravam a sua prpria retroalimentao.
Os primeiros agentes econmicos a revisarem sua estratgia
em relao globalizao fnanceira foram os bancos tradicio-
nais. Diante da ousadia dos novos concorrentes (fundos mtuos,
fundos de penso etc.), os bancos envolveram-se crescentemente
com o mercado especulativo, tendo em vista que, com a reduo
dos emprstimos de longo prazo para as empresas, passaram a
dispor de grande liquidez para atuar no mercado. Com capilari-
dade, grandes recursos e longa experincia, os bancos passaram a
realizar operaes inovadoras que vieram alavancar a especulao
fnanceira, tais como a securitizao do crdito, o fnanciamento
do mercado de ttulos, entre outros negcios especulativos. A nova
forma de negcio ampliou o processo de especulao, pois os ban-
cos passaram a aceitar ttulos como garantia para fnanciamento
de novos ttulos, o que forneceu mais combustvel para o frenesi
especulativo (Guttmann, 1998).
As grandes empresas tambm foram aprisionadas pela lgica
fnanceira, sob presso da conjuntura especulativa e dos acionistas
32 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
ligados ao capital especulativo. Cada vez mais a rea fnanceira des-
sas organizaes passou a se destacar no conjunto da rentabilidade,
em funo dos resultados mais expressivos que na rea produtiva.
Esse processo forou as empresas a se envolverem crescentemente
com os negcios que no faziam parte de sua atividade original.
Pressionadas a apresentarem resultados semelhantes rbita
fnanceira, as empresas produtivas comearam a ser geridas por
critrios fnanceiros, de curto prazo, invertendo completamente
o horizonte temporal do planejamento empresarial. At mesmo
os pequenos acionistas passaram a preferir lucros de curto prazo.
O resultado que hoje grande parte das receitas das empresas
produtivas oriunda dos negcios na rbita fnanceira (Chesnais,
1996; Plihon, 1998; Serfatti, 1998).
O Estado tambm caiu nas malhas da esfera fnanceira. Como
se sabe, o Estado do Bem Estar Social funcionava estruturalmente
com elevados defcits pblicos, cujo fnanciamento era realizado
com a emisso de ttulos pblicos, num ambiente de taxas de
juros baixas. A entrada de novos agentes econmicos dispostos a
emprestar diretamente recursos sem os custos de transao das ope-
raes tradicionais possibilitou aos Estados obterem crditos mais
facilmente, mas a contrapartida eram as taxas de juros elevadas.
Essa conjuntura levou os governos a dispenderem uma quantidade
de recursos cada vez maior para arcar com os servios da dvida.
Isso porque os compromissos oriundos do endividamento eram
superiores taxa de crescimento da economia, o que foi tornando
os Estados prisioneiros do plo fnanceiro, que passou a ditar o
destino das polticas econmicas nacionais (Plihon, 1996).
A dominncia da esfera fnanceira sobre o conjunto da econo-
mia imps sociedade um enorme sacrifcio e elevou potencial-
mente o risco estrutural do sistema, tendo em vista que a atividade
fnanceira passou a movimentar uma quantidade recursos muitas
vezes maior do que economia real. O descolamento entre a rbita
Edmi lson Costa 33
especulativa e a esfera produtiva est tomando dimenses impres-
sionantes: diariamente so realizadas operaes que somam US$
1,8 trilho (Toussaint, 2002), resultado muito mais elevado que
os negcios na rea produtiva ou ainda no comrcio mundial.
Esta contradio entre a economia real e a especulao fnan-
ceira cria a possibilidade concreta de risco sistmico na economia
mundial, tendo em vista que, no longo prazo, essa uma situao
insustentvel. O risco se torna ainda maior se levarmos em conta
que a massa de mais valia gerada no sistema produtivo insuf-
ciente para remunerar os sempre crescentes negcios com capitais
especulativos.
Alm disso, a interconexo dos mercados fnanceiros e sua
integrao eletrnica, criam possibilidades de rupturas de li-
quidez com uma velocidade extraordinria, podendo espalhar a
crise para o conjunto da economia, especialmente em funo de
sua propagao pelos meios de comunicao. Os sintomas desse
fenmeno j podem ser verifcados desde a crise do Mxico, em
1994, quando aquele pas, que era o modelo de implantao da
poltica neoliberal, literalmente quebrou. Posteriormente, a crise
fnanceira atingiu um continente inteiro, a sia, desestruturando
essas economias. Em seguida a crise alcanou a Rssia, depois o
Brasil e a Argentina, cuja desestruturao foi to profunda que
pode ser considerada um modelo antecipado da crise econmica
global. Um fato caracterstico desse processo que a crise emer-
giu tambm no corao do sistema, nos Estados Unidos, com a
derrocada das empresas ponto com, cujo prejuzo se elevou a mais
de US$ 10 trilhes.
a macrO-OrganizaO dO capital
A nova performance do capital se completa com as novas
formas de sua macro-organizao. A exemplo do que ocorreu
no fnal do sculo 19 e incio do sculo 20, o grande capital est
34 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
passando por um intenso processo de concentrao e centrali-
zao, expressos por um conjunto de fenmenos econmicos e
polticos: a) formao e/ou consolidao dos blocos econmicos
que, em termos histricos, corresponde busca de uma nova
partilha econmica do mundo por parte das naes capitalis-
tas centrais; b) um processo de fuses e aquisies nos pases
centrais e, por extenso, nos pases perifricos, movimento que
expressa, do ponto de vista da propriedade, a remonopolizao
da burguesia; c) esses dois movimentos estruturais tm como
desdobramento poltico a busca de uma redefnio geoecon-
mica do mundo, condensada na tentativa dos Estados Unidos
de se transformarem na nica potncia mundial, fato que vem
se intensifcando aps a queda da Unio Sovitica e dos pases
do Leste Europeu.
O resultado dessa iniciativa estadunidense a implementao
de uma poltica agressiva no sentido de enquadrar os pases do
G-7 em sua estratgia hegemnica e punir os pases da periferia
que esboam alguma tentativa de resistir aos interesses dos Es-
tados Unidos. Para tanto, os EUA vem buscando transformar a
ONU e o Conselho de Segurana em instrumento de sua poltica
internacional e utilizar as principais organizaes multilaterais,
como o Banco Mundial, o Fundo Monetrio Internacional e a
Organizao Mundial do Comrcio como instituies a servio
de seus interesses hegemnicos.
Como parte deste movimento, h ainda a tentativa de reco-
lonizao sofsticada do continente americano, cuja regio vista
como sua rea de infuncia exclusiva. No se trata, evidentemen-
te, de ocupar esses pases e transform-los em colnias como no
passado, mas de domin-los por meios de instrumentos polticos,
econmicos e multilaterais, controlados desde Washington, es-
pecialmente com a instituio da Alca, que funcionaria como
uma grande ncora a partir da qual os Estados Unidos passariam
Edmi lson Costa 35
a controlar diretamente a economia do continente. Com a Alca,
os EUA cumpririam duas tarefas: dominariam os mercados do
continente e tornariam mais fcil o afastamento dos concorrentes
europeus e asiticos da regio. Mesmo que tenha sido tempora-
riamente retirada da agenda, o desejo de controlar o continente
uma preocupao constante dos Estados Unidos.
Em sntese, a macro-organizao econmica e poltica do
grande capital corresponde a um movimento estrutural que visa
absorver positivamente todas as mudanas que esto ocorrendo no
interior do sistema capitalista, em funo da globalizao. Com
esses movimentos, o grande capital busca unifcar novamente sua
estratgia, agora num patamar superior, de forma a gerir a nova
conjuntura num ambiente em que os capitais hegemnicos, sem
abolir a concorrncia, possam fazer a transio sem grandes trau-
mas para a economia globalizada. Trs grandes eixos confguram
o novo quadro:
1) A formao dos blocos econmicos funcionaria como
espaos supranacionais de acumulao, a partir dos quais
desenvolver-se-ia o processo de concorrncia globalizada. Os me-
gablocos seriam ainda uma maneira de gerir a interdependncia
dos pases centrais, a partir dos interesses de cada bloco; seria
tambm uma forma de se hierarquizar as preferncias comerciais,
as vantagens comparativas e as reciprocidades entre as naes
de cada rea econmica, como forma de buscar uma regulao
macroeconmica a partir de um instrumento poltico, como o
G-7, por exemplo (Costa, 1993).
Do ponto de vista do capital em si, a formao dos blocos
signifca uma reorganizao geoeconmica de carter mundial, a
exemplo do que ocorreu no passado com a partilha econmica do
mundo realizada pelos monoplios. Aliadas s fuses e aquisies,
que se desenvolveram de maneira acelerada a partir da segunda
metade da dcada de 1990 e ainda continuam, constituem um
36 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
processo que completa o quadro de remonopolizao global da
burguesia.
3

No entanto, esse processo ainda uma questo em aberto, em
funo das contradies entre os pases de um mesmo bloco e dos
confitos de interesses inter-blocos. As contradies e confitos so
fruto da prpria natureza do capitalismo e de seu desenvolvimento
desigual, que criam enormes despropores no s entre as regies
de um mesmo pas, mas principalmente entre os prprios pases.
Como o grande capital est hoje dividido em trs plos (a chamada
Trade Imperial: EUA, Unio Europia e Japo), certamente as disputas
entre os blocos sero mais intensas que as tentativas de regulao, o que
dever resultar em acirramento da concorrncia e da luta por mercados.
Portanto, h efetivamente um processo de disputa de hegemonia, sem
que nenhum pas possa ainda impor plenamente seus interesses ao
mundo. A disputa entre o padro monetrio europeu e o dlar o
refexo dessa indefnio provisria da hegemonia mundial.
2) Outro dos grandes eixos da macro-organizao do capital
o processo de fuses e aquisies na economia mundial. Esse movi-
mento busca dotar as grandes corporaes industriais e fnanceiras de
condies estruturais capazes de enfrentar o processo de globalizao
numa posio mais favorvel no mercado internacional. Quanto
maior, mais estruturada internacionalmente e posicionada no mer-
cado, melhores chances ter na luta competitiva internacional.
Um fenmeno novo no processo de fuses e aquisies o fato
de que o instrumento vetor deste processo o Investimento Direto
Externo (IDE), por meio do qual as grandes corporaes puderam
3
O processo de remonopolizao da burguesia j era indicado em ensaio que elaboramos
em 1992 e que foi posteriormente publicado em 1993 (Transformaes e crise no capi-
talismo contemporneo Revista Anlise PUC-RS, V.4, no. 1, 1993). Em nvel do
capital, haver um processo de refuso das burguesias, mediante fuses e incorporaes
de grandes conglomerados industriais e financeiros, levando inevitavelmente a uma
remonopolizao mundial, novas partilhas de mercado e uma maior cosmopolitizao
burguesa, hierarquizadas a partir de seu plo hegemnico.
Edmi lson Costa 37
realizar um atalho no processo natural de fuses, ao contrrio do
que ocorreu do passado. Com o IDE, as fuses e incorporaes
tornaram-se mais fceis, mais rpidas e mais vantajosas, uma vez
que as empresas adquiridas ou incorporadas j possuem tradio
e experincia na produo e no mercado, o que vem a otimizar
sinergias para os negcios transnacionais.
As fuses e aquisies representam movimento semelhante ao
que representou para o capitalismo as ondas de concentrao e
centralizao do capital do fnal do sculo 19 e incio do sculo 20.
Esse processo inverte uma trajetria tradicional do IDE, que histo-
ricamente se dirigia muito mais para a rea produtiva do que para
movimentos de fuses ou aquisies empresariais. Se verifcarmos a
trajetria do IDE nos anos 90, teremos clara essa mudana de quali-
dade. Em 1991 o IDE era de US$ 198,1 bilhes, enquanto as fuses
e aquisies atingiam US$ 80,7 bilhes, ou 40,3% do total; em 2000
o investimento externo direto somou US$ 1.270,8 trilho enquanto
as fuses e aquisies alcanaram US$ 1.143,8 trilho, cerca de 90%
do total do IDE (Sobeet, 2002, WIR, 2001). (Tabela 3).
Tabela 3
Fluxos internacionais de investimento direto externo no exterior e
fuses e aquisies no mesmo perodo de 1991-2000
Investimento externo direto Fuses e aquisies
1991 198,1 80,7
1992 200,8 79,3
1993 247,4 83,1
1994 282,9 127,1
1995 331,0 186,6
1996 384,9 227
1997 477,9 304,8
1998 692,5 531,6
1999 1.075,0 766,00
2000 1270,8 1.143,80
Fonte: At 1984, Sobeet . De 1995 a 2000 - World Investment Report, 2001
38 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
3) No interior do processo de macro-organizao do capital,
desenvolve-se intensa disputa pela hegemonia mundial, especialmente
por parte dos Estados Unidos, mas a Unio Europia realiza polticas
- muito embora discretas -, que visam, no longo prazo, a se contrapor
ofensiva estadunidense. Alm disso, a China, mesmo correndo por
fora, implementa sua maneira uma poltica de contraposio hege-
monia dos Estados Unidos. Mesmo levando-se em conta essa realidade,
deve-se enfatizar que os Estados Unidos vem realizando uma ofensiva
econmica, poltica e militar, com o objetivo de se transformar na
nica potncia a hegemonizar as relaes internacionais.
Para tanto, desenvolvem uma estratgia baseada em quatro pontos
fundamentais: a) estratgia militar, na qual buscam impedir a qualquer
custo a emergncia de pases capazes de contestar sua hegemonia blica;
b) estratgia poltica, na qual desenvolvem aes no sentido da implan-
tao de regimes convenientes aos interesses de sua poltica global; c)
estratgia econmica, por meio da qual busca consolidar um sistema
econmico mundial que garanta a livre circulao de seus bens e ser-
vios e que, ao mesmo, proteja setores atrasados de sua economia da
concorrncia internacional; d) estratgia ideolgica, na qual promovem
para o mundo a divulgao dos valores da sociedade estadunidense, ao
mesmo tempo em que se apresentam como paladinos da liberdade,
da democracia, dos direitos humanos, da igualdade social, econmica,
religiosa e tnica, mesmo que isso no corresponda realidade desta
sociedade (Guimares, passim, 1999).
Os Estados Unidos tambm tem procurado transformar a Or-
ganizao das Naes Unidas e o Conselho de Segurana, o Banco
Mundial, o Fundo Monetrio Internacional e a Organizao Mundial
do Comrcio em instrumentos de seus interesses estratgicos. No caso
do Conselho de Segurana, quando este se contraps invaso do
Iraque, os EUA simplesmente abandonaram a retrica de pas que
fortalece as instituies da comunidade internacional para desqualifcar
essa instituio e agir sozinho de acordo com seus interesses.
Edmi lson Costa 39
Por ltimo, est a estratgia de criao de um mercado comum
nas Amricas, cujo objetivo a legalizao do domnio completo
dos Estados Unidos no continente, numa espcie de recolonizao
sofsticada, num sistema hierarquizado, onde os pases de economias
mais fortes constituiriam uma espcie de vice-reinados, com poderes
relativos sobre suas reas de infuncia, desde que, em ltima instn-
cia, estejam subordinados aos interesses estratgicos estadunidenses.
Em funo da contra-ofensiva popular que vem se registrando na
Amrica Latina, a implementao da Alca neste momento no tem
condies de ser imposta, mas o governo estadunidense busca a todo
custo realizar acordos de livre comrcio com os pases de economias
mais frgeis, de forma a isolar os pases que se opem Alca.
Enquanto pretendem enquadrar o mundo de forma agressiva,
com invases de pases soberanos, os EUA rompem com princ-
pios do direito internacional, negando-se a assinar o Protocolo de
Kyoto e as normas do Tribunal Penal Internacional, porque estes
tratados contrariam os interesses de suas empresas e de sua poltica
internacional beligerante. Quando algum pas no se submete
ordem imperial, entra no index da poltica estadunidense, cujo
resultado a satanizao dos seus dirigentes e geralmente a punio
com boicote econmico ou um ataque militar, como ocorreu na
Yugoslvia e no Iraque. Essa poltica tambm serve como mensa-
gem aos outros pases no sentido de, caso no obedeam s ordens
de Washington, podero tambm ser punidos.
Este o mundo que iremos abordar ao longo deste trabalho:
buscaremos diagnosticar os elementos fundamentais do capitalismo
contemporneo, de forma a desvelar os fenmenos novos da globa-
lizao, seus signifcados econmicos e sociais, alm de contribuir
para a abertura de caminhos que posam construir alternativas
estratgicas de superao desta etapa da histria da humanidade,
num sentido mais libertrio e humano.
GlobAlizAo, mito ou reAlidAde? um de-
bAte Sobre AS oriGenS dA GlobAlizAo
intrOduO
A globalizao um processo complexo, com uma expressiva
quantidade de fenmenos novos e, por isso mesmo, tem sido per-
cebida e analisada de maneira diferenciada pelas diversas correntes
de pensamento nas cincias sociais. Muito embora essas vises no
possam deixar de ter um contedo de classe o que perfeitamente
observvel na corrente hegemnica da globalizao, os neoliberais
h tambm em correntes progressistas uma diversidade de inter-
pretao bastante acentuada, fruto de uma percepo incorreta dos
fenmenos do capitalismo contemporneo e tambm da confuso
ideolgica que se instalou entre a esquerda aps a desagregao do
socialismo na URSS e no Leste Europeu.
Para efeito de agregao das principais correntes, buscamos
dividi-las em quatro blocos fundamentais: 1) os apologistas da glo-
balizao neoliberal; 2) os que negam a globalizao e a vem como
um mito ou uma estratgia do capital para ampliar seu domnio;
3) os que afrmam que a globalizao existe desde os tempos das
grandes navegaes; 4) e aqueles que vem a globalizao a partir da
tica da reproduo e acumulao do capital, buscando analis-la
no s como um dado da realidade, mas como fruto do processo
de internacionalizao da produo e das fnanas, realizados a
partir da segunda metade da dcada de 1950.
Evidentemente que essas correntes de interpretao do fen-
meno da globalizao tm nuances e particularidades em seu inte-
42 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
rior. No entanto, dentro da tica de cada uma delas, mantm um
denominador comum, o que nos permite elaborar uma tipologia
com algum rigor analtico.
Os apOlOgistas da glObalizaO neOliberal
Trataremos desta vertente ofcial da globalizao levando em
conta os seus aspectos tericos mais gerais, os fundamentos nos
quais se baseia para organizar sua operao ideolgica. Esta corrente
entende esse fenmeno como a integrao da economia mundial,
tanto no que se refere produo, aos fuxos comerciais quanto
fnanceiros. Para os defensores dessa corrente, a globalizao retoma
o fo da meada de um processo interrompido na dcada de 1930
e, especialmente, aps a II Guerra Mundial, com o Welfare State.
Ou mais precisamente, como assegura uma publicao do Fundo
Monetrio Internacional:
(A globalizao) a ampliao, para alm das fronteiras nacionais, das
mesmas foras de mercado que durante sculos foram observadas em todos
os segmentos da atividade econmica, seja nos mercados das aldeias, nos
setores industriais das zonas urbanas ou nos centros fnanceiros ... Os mer-
cados fomentam a efcincia, por meio da concorrncia e da especializao
da mo de obra, permitindo que as pessoas se dediquem atividade que
melhor sabem fazer. A globalizao oferece s pessoas acesso a um maior
nmero de mercados mundiais, a fuxos de capitais mais abundantes,
tecnologia, s importaes mais baratas e a mercados de exportao mais
amplos (FMI Annual Report, 2000, p 40).
Os apologistas da globalizao neoliberal estruturam-se a
partir de trs fundamentos bsicos: o mercado como regulador
da vida social; a iniciativa privada como operadora do sistema; e
o Estado mnimo e desregulado como instrumento de garantia da
propriedade e dos contratos. Cada um desses trs eixos bsicos so
justifcados tanto do ponto de vista flosfco, quanto das relaes
econmicas, a partir do dogma smithiano de que a mo invisvel do
Edmi lson Costa 43
mercado capaz de harmonizar interesses em todos os aspectos da
vida social, gerando desse processo o bem estar da coletividade.
Portanto, j que cada indivduo procura, na medida do possvel, empregar
seu capital em fomentar a atividade nacional e dirigir de tal maneira essa
atividade que seu produto tenha o mximo de valor possvel, cada indiv-
duo necessariamente se esfora para aumentar ao mximo possvel a renda
anual da sociedade. Geralmente, na realidade, ele no tenciona promover
o interesse pblico nem sabe at que ponto est promovendo. Ao preferir
fomentar a atividade do Pas e no de outros pases, ele tem em vista apenas
sua prpria segurana; e orientando sua atividade de tal maneira que sua
produo possa ser de maior valor, visa apenas seu prprio ganho e, neste
como em muitos outros casos, levado como que por uma mo invisvel a
promover um objetivo que no fazia parte de suas intenes. Ao perseguir
seus prprios interesses, o indivduo muitas vezes promove o interesse da
sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente
promov-lo. (Smith, 1983, pp. 379-380)
Nessas concepes, o mercado funcionaria quase como uma
entidade mtica, (a mo invisvel) capaz de regular toda a vida
social, desde as trocas das mercadorias nas mais recnditas aldeias
camponesas at o comrcio internacional, passando pela oferta
e a procura de trabalho, a oferta e a procura de sade, de previ-
dncia social, educao, lazer etc. Em outras palavras, o mercado
seria a condio fundamental para a harmonizao dos confitos
de interesses e, acima de tudo, para a liberdade global das trocas,
bem como para a promoo dos interesses coletivos, posto que
impessoal e apoltico.
Um dos tericos mais conhecidos desta nova fase do libera-
lismo, Milton Friedman, justifca com bastante convico essas
premissas:
Fundamentalmente, s h dois meios de coordenar a atividade econmica de
milhes. Um a direo central utilizando a coero a tcnica do Exrcito
e do Estado totalitrio moderno. O outro a cooperao voluntria dos
44 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
indivduos a tcnica do mercado (...) Enquanto a liberdade efetiva de troca
for mantida, a caracterstica central da organizao de mercado da atividade
econmica a de impedir que uma pessoa interfra com a outra no que diz
respeito maior parte de suas atividades. O consumidor protegido da
coero do vendedor devido presena de outros vendedores com quem
pode negociar. O vendedor protegido da coero do consumidor devido
existncia de outros consumidores a quem pode vender. O empregado
protegido da coao do empregador devido aos outros empregadores a quem
pode trabalhar, e assim por diante. E o mercado faz isso impessoalmente,
sem nenhuma autoridade centralizada. (Friedman, 1984, pp. 21-23)
Para Friedman, o mercado no s promove a liberdade dos
cidados, mas tem a capacidade de separar, por sua impessoa-
lidade, os problemas econmicos dos pontos de vista polticos,
proteger as pessoas e evitar as discriminaes, raciais, econmicas
ou polticas.
Ningum que compra um po sabe se o trigo usado foi cultivado por um
comunista, ou um republicano, por um constitucionalista ou um fascista ou,
ainda, por um negro ou por um branco. Tal fato ilustra como um mercado
impessoal separa as atividades econmicas dos pontos de vista polticos e
protege os homens contra a discriminao com relao a suas atividades
econmicas por motivos irrelevantes para a produtividade quer esses
motivos estejam associados s suas opinies ou cor da pele (Friedman,
1984, p. 28).
Portanto, para os liberais e neoliberais, o mercado uma espcie
de semi-deus que paira acima dos vos mortais, realizando uma
espcie de seleo das espcies no interior do sistema capitalista,
tal como a natureza, de forma a garantir um mundo harmnico
e prspero. Por dispensar valores morais, preceitos ticos, precon-
ceitos sociais, o mercado passa a ser um demiurgo justo e neutro
que transforma o egosmo individual de cada pessoa no progresso
e na felicidade humanas. Ora, se o mercado pode harmonizar os
interesses sociais at nas pequenas aldeias camponesas, nada mais
Edmi lson Costa 45
justo de que tambm possa se transformar no instrumento har-
monizador das relaes econmico-sociais de um Pas. E se pode
harmonizar os interesses do Pas, o raciocnio tambm vale para
o conjunto das naes, pois o funcionamento do mercado em
nvel internacional faz com que cada Pas participe do produto
mundial utilizando as condies propcias que a natureza ou a
tecnologia lhes proporcionou para elaborar os produtos que mais
sabe fazer.
A globalizao seria ento o ponto culminante de um processo
iniciado h milhares de anos com as primeiras trocas entre os seres hu-
manos primitivos. Como diz ironicamente Comblin (1999, p. 19):
Caem as separaes entre naes e todos podem livremente intercambiar
bens e servios. Entre todos realiza-se a harmonia espontnea. A mo in-
visvel de Adam Smith (passa a atuar) entre pessoas de todas as naes (...
) Doravante o mercado estende-se ao mundo inteiro. H um s mercado.
Conseqentemente, no faz sentido manter fronteiras, sobretudo fronteiras
econmica. (Comblin, 1999, p. 19)
Talvez por esta razo que haja entre integrantes dessa corrente
de pensamento muitos pensadores que afrmam que a histria teria
chegado ao fm.
A outra grande questo que envolve o dogma liberal, apro-
priado pelos neoliberais contemporneos, o papel do Estado.
Por exemplo, os defensores do Estado mnimo identifcam prati-
camente todos os problemas do capitalismo atual, como oriundos
da interferncia do Estado na economia. O terico que elaborou
as bases do neoliberalismo moderno foi Hayek, nos seus dois tra-
balhos: O Caminho da Servido e os Fundamentos da Liberdade,
dois libelos contra a interveno do Estado, alm de uma defesa
radical do individualismo, do mercado e da propriedade. Eis as
suas opinies sobre o papel do Estado:
O Estado deveria limitar-se a estabelecer regras que se aplicassem a tipos
gerais de situao e deixassem os indivduos livres em tudo que depende
46 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
das circunstncias de tempo e lugar, porque s os indivduos interessados
em cada caso podem conhecer plenamente essas circunstncias e a elas
adaptar suas aes (...) Quanto mais o Estado planeja, mas difcil se torna
o planejamento para o indivduo. (Hayek, s/d, pp. 119-120)
Mais seco e direto, Friedman defne com bastante frmeza o
papel e os limites do Estado nesta fase do capitalismo, enfatizando
que este tem obrigao de preservar a lei e a ordem, os contratos
e a propriedade, ressaltando-se que o Estado nunca poder ter
condies para regular a variedade das aes humanas.
Primeiro, o objetivo do governo deve ser limitado. Sua principal funo
deve ser a de proteger nossa liberdade contra inimigos externos e contra
nossos prprios compatriotas; preservar a lei e a ordem; reforar os contratos
privados; promover os mercados competitivos ... Se o governo deve exercer
o poder, melhor que seja no condado; e melhor no Estado do que em
Washington (...) (Afnal) o governo no poder jamais imitar a variedade
e a diversidade da ao humana (Friedman, 1984, pp. 12-13).
apreciao crtica
Os neoliberais hegemonizaram o pensamento mundial ao
longo dos ltimos 30 anos. Desenvolveram uma ofensiva avassa-
ladora na mdia, nos organismos multilaterais internacionais, nos
meios acadmicos e em todos os setores da vida social, visando
enquadrar coercitivamente todos aqueles que pudessem de alguma
maneira formar opinio na sociedade. Arrogantes e autoritrios,
com respaldo poltico e econmico, os neoliberais estruturaram,
em alguns momentos com mtodos prximos ao fascismo, uma
espcie de pensamento nico, especialmente na flosofa e na eco-
nomia, inclusive desenvolvendo o argumento falacioso de que a
histria teria chegado ao fm.
Apesar da resistncia de vrios setores intelectuais, o neolibe-
ralismo vem dominando o pensamento mundial nesse perodo,
s comeando a perder prestgio a partir das crises fnanceiras da
Edmi lson Costa 47
segunda metade da dcada de 1990, que envolveu todo o territrio
asitico, a Rssia e a Amrica Latina, especialmente a Argentina e
o Brasil. Essas crises demonstraram que os postulados neoliberais
possuam precria consistncia macroeconmica, fato que se tor-
nou mais chocante com a crise da chamada nova economia e a
denncia de fraudes nos balanos das grandes corporaes estadu-
nidenses. Este ltimo fenmeno veio adicionar mais um elemento
(a corrupo) ao legado neoliberal, debilitando no apenas seus
fundamentos tericos, mas tambm seus valores ticos.
A crise do neoliberalismo hoje to profunda que institui-
es como o Fundo Monetrio Internacional, o Banco Mundial
e grande parte dos intelectuais (Willianson, Krugman), antigos
expoentes do neoliberalismo, agora esto surpreendentemente
revendo suas posies. O caso do FMI e do Banco Mundial mais
dramtico porque vrios setores governamentais e acadmicos j
pedem abertamente o fechamento destas instituies, posto que
seus diagnsticos e previses para economia mundial na ltima
dcada foram abertamente inconsistentes e desastrosos, o que os
levou a um desgaste nunca antes registrado em sua histria. At
mesmo o sisudo Frum de Davos, Meca do grande capital mun-
dial, agora tenta modifcar o discurso, buscando incorporar sua
agenda a questo social.
Mesmo levando em conta os reveses sofridos pela corrente
ofcial da globalizao, no se pode deixar de registrar que a pol-
tica neoliberal das trs ltimas dcadas signifcou para as naes
e seus povos uma espcie de contra-revoluo de carter global,
cujos resultados foram a ofensiva contra toda a estrutura criada
pelo Estado a partir do New Deal nos Estados Unidos e, aps a
II Guerra Mundial, nos pases da Europa e outros pases centrais,
alm da reduo do aporte de direitos e garantias dos trabalhadores
conquistados h mais de um sculo. Alm disso, com o processo de
privatizaes realizado em praticamente todas as partes do mundo,
48 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
o grande capital amealhou, a preos irrisrios, grande parcela do
patrimnio pblico acumulado ao longo de vrias geraes. Do
ponto de vista social, incrementou-se concentrao da renda e a
pobreza em escala global.
Em termos especfcos, desregulamentou-se o setor fnanceiro,
deixando o capital especulativo sem bices para penetrar em todas
as esferas da vida econmica e transformar esta atividade no lcus
privilegiado para uma pretensa valorizao do capital; reestruturou-
se o setor produtivo, incorporando-se ao cho da fbrica as mais
avanadas tecnologias e impondo-se um novo sistema de gesto,
que reduziu as oportunidades de trabalho, tanto da classe operria
quanto de setores gerenciais. Este fato, associado verdadeira guerra
santa contra o sindicalismo, contribuiu para o rebaixamento da
taxa de salrios e enfraquecimento do movimento operrio.
Articulou-se ainda o desmantelamento da rede de proteo
social organizada pelo Estado (previdncia, sade, educao, se-
guro desemprego etc.), muito embora, em funo da resistncia
da sociedade, esse objetivo no tenha sido plenamente alcanado;
realizou-se a abertura das economias, que ampliou o poder das
transnacionais, especialmente na periferia, que praticamente
dizimou a incipiente industrializao nessas regies; reduziu-se o
imposto para os ricos, sob o argumento de que isto proporciona-
ria o aumento dos investimentos, uma vez que so exatamente os
ricos que investem; enfm, transformou-se a desigualdade numa
poltica de Estado.
Mas o ncleo estratgico da ofensiva neoliberal se voltou contra
o Estado: o Estado regulador, o Estado como empreendedor, o
Estado como promotor do bem estar social. Muitos dos crticos
da poltica neoliberal confundem a retrica dos neoliberais contra
o Estado atual, com sua verdadeira opo sobre o Estado. Apesar
do discurso, os neoliberais no so contra o Estado em si, mas
contra o Estado que propicia o bem estar social, o Estado que, na
Edmi lson Costa 49
superestrutura, busca garantir direitos e garantias conquistados
pela populao. Na verdade, eles advogam um Estado forte e apa-
relhado para garantir os contratos, a lei e a ordem e para reprimir
todos aqueles que contestam as normas da regulao privada ou
que procuram uma ruptura ou renegociao dos contratos. Em
outras palavras, os neoliberais querem um Estado mnimo, para
os trabalhadores! E mximo, para o grande capital!
a glObalizaO um mitO
Esta vertente composta por crticos bastante severos no s
da globalizao, mas do prprio conceito de economia global.
Utilizando-se de uma variedade expressiva de dados e de elementos
histricos, eles procuram evidenciar que a globalizao no s
um mito, mas tambm a forma que as transnacionais encontraram
para ampliar o domnio dos mercados, especialmente nos pases da
periferia, alm de ser uma maneira de reduzir o poder dos Estados
nacionais perifricos, deix-los sem ao diante de uma pretensa
inexorabilidade do processo globalizante. Assim, a globalizao
seria a nova forma que o grande capital encontrou para ampliar
seu espao mundial, produtivo e fnanceiro, impedir a regulao
estatal e apropriar-se das empresas pblicas e empresas de capital
nacional, alm de se constituir numa estratgia para cercear a
atividade do movimento operrio.
Hirst e Tompson, que elaboraram o trabalho mais completo
dessa vertente, e Paulo Nogueira Batista Jr., o maior difusor dessa
tese no Brasil, rejeitam a tal ponto a idia da globalizao, que
colocam o termo entre aspas para marcar distncia e ironia em
relao ao fenmeno:
A globalizao um mito conveniente a um mundo sem iluses, mas tam-
bm um mito que rouba a esperana (...) A velha explicao racionalista
dos mitos primitivos de que eram um modo de mascarar e compensar
o desamparo da humanidade diante dos poderes da natureza. Neste caso,
50 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
temos um mito que exagera o grau de nosso desamparo diante das foras
econmicas contemporneas (Hirst; Tompson, 1998, p. 14-20-21).
Mais contundente, Batista Jr. chega mesmo a desqualifcar a
discusso sobre a questo da globalizao:
Assim entendida, a globalizao um mito (...) preciso, contudo, res-
guardar-se contra a carga de fantasia e mitologia construda parte destes
fenmenos reais. H uma tendncia bastante generalizada a exagerar o alcance
dos fatos que servem de base retrica da globalizao. Como veremos o
prprio termo enganoso e s deveria ser utilizado entre aspas, para marcar
distanciamento e ironia. O processo de internacionalizao em curso nas
ltimas dcadas no nem to abrangente nem to novo quanto sugerem os
arautos da globalizao. Tambm no tem o carter inexorvel e irreversvel
que se lhe atribui com tanta freqncia. (Batista Jr., 1998, p. 7, 8)
Para este autor, essa verso funcional, pois serve apenas para
paralisar a ao dos Estados Nacionais, tornando inefcaz qualquer
tentativa de regulao, remover resistncia e isentar estes governos
da responsabilidade de seus atos perante os seus povos.
Essas mistifcaes servem, em primeira instncia, aos propsitos de setores e
naes que se situam no comando do processo de internacionalizao. Tem o
propsito, ou pelo menos o efeito, de desarmar as iniciativas nacionais e re-
mover as resistncias sociais e polticas aos interesses econmico-fnanceiros
que operam em escala internacional (...) uma linha de argumentao que
desfruta da eterna popularidade das explicaes que economizam esforo de
refexo. Serve, muitas vezes, de cortina de fumaa. Globalizao vira uma
espcie de desculpa para tudo, uma explicao fcil para o que acontece de
negativo no Pas. Governos fracos e omissos servem-se dessa retrica para
isentar-se de responsabilidade, transferindo-a para um fenmeno impessoal
e vago, foram do controle nacional. (Batista Jr., pp. 9-10)
Igualmente ctico em relao globalizao, Nilson Arajo
Souza explora um aspecto pouco observado nos crticos da globa-
lizao, buscando a negao de uma suposta economia global na
prpria natureza da concorrncia interoligopolista.
Edmi lson Costa 51
No h qualquer globalizao no mundo de hoje. At porque isso im-
possvel, j que os interesses dos monoplios que controlam os Estados
nacionais das grandes potncias so confitantes entre si e cada um procura
usar seu prprio Estado Nacional para defender seu espao e tentar ocupar
o espao originalmente controlado por seus rivais. Nessa disputa, cada
Estado imperialista se transnacionaliza, no no sentido de que perde sua
base nacional, mas no de que passa a defender em nvel internacional os
interesses de seus prprios capitais. No momento atual, isso signifca tentar
formar regies sob o domnio de cada potncia. (Souza, 2001, p. 120)
Reforando esses argumentos, Souza cita uma conhecida fra-
se do economista John Kenneth Galbraith sobre a globalizao,
alm de pronunciamentos do ex-secretrio de Estado dos Estados
Unidos, Henry Kissinger. Diz Galbraith:
Globalizao um termo que ns, americanos, inventamos para dissimular
nossa poltica de avano econmico em outros pases e para tornar respei-
tveis os movimentos especulativos do capital. E completa Kissinger: O
desafo bsico do que se chama de globalizao na verdade outro nome
para a posio dominante dos Estados Unidos. (Souza, 2001, p.121)
Quais seriam ento os argumentos propriamente econmicos
que esses autores constroem para contestar o processo de globaliza-
o? Hirst, Tompson e Batista Jr. defendem cinco teses fundamen-
tais para demonstrar que a globalizao no existe. 1) a economia
atual tem um grau de abertura e integrao menor do que o perodo
de 1870 a 1914; 2) as empresas genuinamente transnacionais so
raras e a maior parte destes conglomerados tem base nacional e
comercializa internacionalmente seus produtos com fundamentos
na localizao da produo e das vendas; 3) Ao contrrio do que
possa parecer, a mobilizao de capitais altamente concentrada
nos pases industrializados, sendo que os pases perifricos conti-
nuam marginalizados tanto no que diz respeito ao investimento
quanto s trocas; 4) A economia atual no global, uma vez que
os fuxos de investimento e das fnanas esto concentrados nos
52 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Estados Unidos, Europa e Japo, no se vislumbrando nenhuma
perspectiva de que esta conjuntura mude no curto prazo; 5) As
principais potncias econmicas tm capacidade de coordenar
polticas e exercer presses de governabilidade sobre os mercados
fnanceiros. (Hirst; Tompson, 1998, p. 15)
Para consubstanciar suas afrmaes, os autores desenvolvem
as seguintes linhas de argumentao: 1) No cenrio internacional,
as relaes que contam efetivamente so aquelas realizadas entre
as economias mais desenvolvidas, especialmente as da OCDE,
bastando dizer que essas economias so responsveis por 80% do
comrcio mundial e o grupo representado pelos cinco principais
pases centrais absorvem 70% do investimento direto externo. As-
sim, para todos os efeitos, so as economias industriais avanadas
que constituem os membros da economia global, se essa entidade
existisse. (Hirst; Tompson, 1988. pp. 304-305)
No que se refere internacionalizao fnanceira, os dois au-
tores tambm so cticos: consideram que a abertura dos fuxos
de capital no Reino Unido, por exemplo, entre 1900 e 1914 era
maior que na dcada de 1980, resultados que tambm podem ser
observados com relao ao comrcio exterior como percentagem
do PIB.
Assim, importante lembrar que a economia internacional, difcilmente,
era menos integrada, antes de 1914, do que agora. Os mercados fnanceiros
e outros importantes setores foram estreitamente integrados a partir do
momento em que o sistema de cabos telegrfcos submarinos internacionais
foi instalado e, de uma forma bem semelhante, a partir dos mercados atuais
ligados por satlites e controlados por computadores. Os comentaristas
atuais s vezes se esquecem que a economia mundial aberta de hoje no
peculiar. (Hirst; Tompson, 1998, p. 305)
Para esses autores, so poucas empresas efetivamente transna-
cionais, uma vez que a maior parte delas concentra suas atividades
nos pases de origem, tm fornecedores locais e realizam tambm
Edmi lson Costa 53
nos pases centrais as atividades de pesquisa e desenvolvimento.
Por essas e outras razes, essas corporaes devem ser caracte-
rizadas como frmas nacionais com operaes internacionais.
Batista Jr., 1998, p. 52). Vale ressaltar ainda que estas corporaes
procuram frmemente manter o controle acionrio nos pases de
origem. Batista Jr. (1998, p. 52) apresenta alguns dados bastante
sugestivos sobre essas empresas:
A Nestl, por exemplo, uma das mais internacionalizadas do mundo, com
apenas 5% de seus ativos e empregados na Sua, limita o direito de votos
de estrangeiros a 3% do capital acionrio. Em 1991, por exemplo, apenas
2% dos membros do Conselho de Administrao das grandes empresas dos
EUA eram estrangeiros. Nas companhias japonesas, observou a revista Te
Economist, so to raros quanto lutadores britnicos de sum.
No que se refere ao Estado, os autores argumentam ainda que
enganoso e ideolgico o processo de associao entre a globalizao
e o declnio do Estado nacional, uma vez que a participao do
Estado aumentou nos pases centrais, no que se refere ao endivi-
damento, gastos pblicos e carga tributria.
Nos EUA o gasto pblico passou de 31,2% do PIB entre 1978-82 para 33,6%
em 1991-95 (...) Em um subconjunto de 19 pases membros da OCDE, que
respondem por mais de 90% do PIB total desses pases, a relao despesa
pblica/PIB aumentou de 37,3% em 1978-82 para 40,7% em 1991-95 (...)
Nos pases do G7, a mdia ponderada da carga tributria cresceu de 33,5%
em 1978-82 para 35,9% em 1991-95 (...) No mesmo perodo (...) nos pases
do G7, a dvida pblica bruta subiu de uma mdia de 42,6% em 1978-82
para 66,2% em 1991-1995. (Batista Jr., 1998, p. 45-48).
No campo da poltica de comrcio exterior, enquanto redu-
ziam-se as barreiras comerciais, aumentava-se o arsenal de barreiras
no-tarifrias visando controlar as importaes. Mesmo no setor
financeiro, o papel do Estado continua imprescindvel para a
regulao macroeconmica. O funcionamento dos mercados
domsticos continua dependendo decisivamente da atuao dos
54 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Estados nacionais no campo regulatrio ou como emprestadores
de ltima instncia em momentos de crise fnanceira (Batista
Jr., 1998, p. 49), como se pode observar no caso do Continental
Illinois, nos EUA, ou na ao do governo estadunidense para
que o FMI mobilizasse emprstimos para deter a crise mexicana
e asitica.
Em outros termos, os autores concluem que o mito da globa-
lizao ou mundializao serve apenas para justifcar a ofensiva
dos pases centrais e das grandes corporaes para paralisar a ao
dos Estados nacionais perifricos e reduzir a possibilidade de busca
de alternativas atual poltica econmica.
apreciao crtica
As crticas que essa corrente faz globalizao e mistifcao
que o grande capital se utiliza para ampliar seus interesses so ba-
sicamente corretas. No resta dvida de que a globalizao forma
que o grande capital encontrou para ampliar o seu domnio pelo
mundo, apropriar-se do patrimnio pblico, reduzir a regulao
do Estado a seu favor e cercear a atividade do movimento operrio.
Nesse entendimento, tambm correto, a globalizao visaria reduzir
o poder dos Estados nacionais da periferia, de forma a deix-los
sem ao diante de um fenmeno que seria irreversvel e, por
isso mesmo, nada poderia ser feito para det-la. Deve-se ressaltar
ainda que, diante da pretensa inexorabilidade da globalizao, as
classes dominantes dos Estados da periferia costumam utilizar-se
desse pretexto para justifcar suas aes antinacionais e as medidas
contrrias aos interesses da populao e dos trabalhadores.
Esses crticos tambm avaliam acertadamente quando identif-
cam a falsa associao entre o processo de globalizao e o declnio
dos Estados nacionais, enfatizando um ponto importante no deba-
te, que o fato de que, enquanto buscam a todo custo reduzir os
poderes dos Estados perifricos, esto cada vez mais fortalecendo
Edmi lson Costa 55
o poder dos Estados centrais, tanto do ponto de vista econmico,
poltico, quanto militar. A prova mais esclarecedora dessa situao,
a ampliao do poder dos Estados Unidos, principal potencial
mundial, que aumentam e sofsticam seu aparato militar, mesmo
em tempos de paz; procuram transformar suas leis em cdigos
internacionais; buscam submeter os organismos internacionais,
como FMI, Banco Mundial e Organizao das Naes Unidas,
Organizao Mundial do Comrcio para a defesa de seus interesses
hegemnicos.
No entanto, esto incorretos, por exemplo, quando afrmam
que em perodos anteriores, como entre 1870 e 1914, o grau de
abertura e integrao da economia mundial era maior que o atual,
que as empresas genuinamente transnacionais so pouqussimas.
Na verdade, trata-se de uma comparao entre grandezas inteira-
mente desiguais, pois nem sempre as proporcionalidades refetem
plenamente toda a natureza dos fenmenos. Por exemplo, se temos
uma unidade (um) e passamos para duas unidades (dois), verifcou-
se um crescimento de 100%. No entanto, se compararmos 10
unidades e seu crescimento para 15 unidades, ocorreu apenas um
aumento de apenas 50%, mas em termos absolutos o fenmeno
muito mais importante.
Portanto, o fuxo de negcios desregulados, tanto do ponto de
vista produtivo, quanto fnanceiro, to infnitamente superior ao
perodo referenciado que o grau de comparao perde relevncia.
Com relao s empresas, bem verdade que praticamente todas
so de propriedade do grande capital dos pases centrais. Todavia,
produzem, fnanciam-se e comercializam no mundo inteiro. Com
relao aos investimentos, mesmo levando-se em conta que os
fuxos de investimentos esto concentrados nos pases da Trade,
o movimento da globalizao mundial, pois os investimentos
internacionais esto espalhados por todas as regies e se apropriam
da mais-valia global.
56 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
No entanto, apesar dessa corrente desqualifcar de maneira
contundente a grande maioria dos argumentos dos apologistas da
globalizao, seu argumento central (a globalizao um mito)
precrio e contraditrio: como no h globalizao, se em todos
os textos esses autores criticam exatamente esse fenmeno e suas
manifestaes? No possvel deixar de ver esta realidade concreta:
a globalizao um dado da realidade em praticamente todos os
domnios da vida social. Esses autores deixam a impresso de que,
negando a globalizao, seria mais fcil combater suas manifesta-
es. Trata-se evidentemente de uma atitude um tanto estranha,
semelhante a da avestruz, que enterra a cabea na areia quando
tem que encarar algum perigo. Nesse contexto, essa corrente, ao
negar a globalizao, desarma os crticos da prpria globalizao,
os afasta da luta concreta do cotidiano, os deixa teoricamente de-
samparados, pois ningum pode ou vai teorizar ou combater um
fenmeno que no existe.
a glObalizaO um fenmenO antigO
A terceira vertente que analisa a globalizao compreende esse
fenmeno como um processo antigo, que data desde os tempos
das viagens de Marco Plo China. Portanto, o processo atual
no teria nada de novo, apenas a continuidade histrica de
uma longa caminhada da humanidade para ampliar suas relaes
econmicas, sociais e polticas. Visto desse ngulo, pode parecer
um exerccio do bvio, pois todo fenmeno novo na histria
humana no pode estar desligado do passado, h uma encadea-
mento lgico ou dialtico em todos os acontecimentos passados,
presentes ou futuros da espcie humana. No entanto, ao afrmar
que a globalizao um processo antigo, os defensores desta tese
querem minimizar a importncia do fenmeno ou desdenhar dos
apologistas da globalizao. Enfatizar que a globalizao sempre
existiu seria uma maneira de dizer no globalizao atual, negar
Edmi lson Costa 57
sua essncia, v-la como uma evoluo lenta e gradual e no como
um fenmeno de qualidade nova que vem hegemonizando a vida
social no capitalismo contemporneo.
A maior parte dos analistas dessa vertente procura situar a
origem da globalizao com perodo das grandes navegaes,
com a descoberta do continente americano ou com os fenmenos
oriundos da colonizao. Mas h quem veja sua origem num pe-
rodo bastante anterior: O atual processo de internacionalizao
da produo mercantil, mediante a superao das distncias e das
barreiras entre as naes, comeou pelo menos desde a famosa
viagem de Marco Plo ao Extremo Oriente, no sculo 13 .(Singer,
2000, p. 14).
Este autor destaca ainda que as descobertas do sculo 16 pelas
naes ibricas foram fnanciadas por genoveses, que acumularam
dinheiro em funo do comrcio com a China, ndia e Prsia e que,
apesar da motivao religiosa, visavam objetivos comerciais. No
caso dos portugueses, todavia, como inicialmente no encontraram
ouro no Brasil, realizaram a produo de acar com mo-de-
obra escrava africana. Globalizao mais explcita seria difcil de
conceber. O acar era produzido nos engenhos do Nordeste com
capital holands, transportado em navios portugueses, consumido
na Europa e os tributos eram cobrados pela coroa lusitana (Singer,
2000, p. 14).
James Petras assinala o incio da globalizao no sculo 15, mas
ressalta um aspecto poltico relevante desse processo, que seu
vnculo ao que ele denomina de imperialismo, ressaltando que a
prpria dinmica globalizante, no que se refere conexo econ-
mica e aos interesses de classe, j indicavam naquele perodo uma
relao de explorao em relao aos pases do Terceiro Mundo.
A globalizao comeou no sculo 15, com o crescimento do capitalismo e
sua expanso ultramarina: a conquista e explorao da sia, frica e Amrica
Latina, e as colnias brancas na Amrica do Norte e Austrlia foram todas
58 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
instncias da globalizao. Em outras palavras, a globalizao esteve,
desde o incio, associada ao imperialismo: a cadeia global era baseada na
acumulao europia: a explorao do Terceiro Mundo para a acumulao
do primeiro Mundo. As origens da globalizao defnem o mpeto, a natu-
reza das conexes e a dinmica do processo. (Petras, 1999, p. 27)
O processo de globalizao atual manteria as matrizes de suas
origens histricas, na qual as empresas transnacionais desempe-
nhariam um papel que antes cabia s companhias de comrcio.
Politicamente, a globalizao seria uma forma de enfraquecer o
poder popular, desmantelar o Welfare State e converter o Estado em
instrumento da expanso do capital. Em suma, a globalizao
no um fenmeno novo, como tambm no a culminao da
histria. Historicamente, tem seu ciclo de ascenso, consolidao
e decadncia (Petras, 1999, p. 29).
Samir Amin, em texto para a Conferncia Mundial contra o
Racismo, em Durban, fez uma extensa anlise sobre a construo
histrica do capitalismo para concluir que a globalizao igual a
imperialismo e que este organiza o apartheid em escala global, uma
vez que o capitalismo, ao longo da histria, sempre contribuiu para
ampliar as desigualdades entre os povos, criando centros hegem-
nicos e periferias espoliadas (Amin, 2001). Amin divide o processo
de globalizao em trs fases. A primeira comeou com a conquista
das Amricas, dentro do marco das economias mercantilistas.
O resultado lquido (deste processo, EC) foi a destruio das civilizaes
indgenas e sua hispanizao/criastianizao ou simplesmente o genocdio
total sobre o qual se construiu os Estados Unidos (...) A segunda fase (...)
se baseou na revoluo industrial e se caracterizou pelo controle colonial
exercido sobre a sia e frica. A abertura dos mercados (...) e o saque dos
recursos naturais do planeta era o que se escondia por trs desta fase, como
se sabe hoje. Com a descolonizao, a partir de 1950, abre-se uma nova
fase na histria em que os governantes e Estados coloniais construram uma
nova forma de dominao (Amin, 2001).
Edmi lson Costa 59
Nesse sentido, estaria se verifcando uma terceira fase da ex-
panso imperialista, aps a queda da Unio Sovitica, dos pases
do Leste e dos regimes nacional-populistas do Terceiro Mundo.
(Mas) os objetivos do capital dominante continuam o mesmo: o controle
sobre a expanso dos mercados, o saque dos recursos naturais do planeta,
a superexplorao das reservas de trabalho da periferia, etc, ainda que esses
objetivos sejam perseguidos sob condies novas e, em alguns aspectos,
muito diferentes das que caracterizaram o anterior perodo imperialista.
(Amin, 2001 ).
Entre os analistas dessa vertente, Amartya Sen um dos pou-
cos a ter uma posio de certa forma favorvel globalizao. No
entanto, ele entende-a como um processo contraditrio que, ao
mesmo tempo em que enriqueceu o mundo cultural e cientifca-
mente, levou prosperidade a muitos povos, convive com pobreza
e desigualdade. No que se refere s origens da globalizao tem
posies semelhantes s de Singer e Petras:
A globalizao no novidade nem se limita ocidentalizao. Ao longo
de milhares de anos, a globalizao vem progredindo por meio de viagens,
comrcio, migrao, difuso de infuncias culturais e disseminao de
conhecimentos e compreenso (envolvendo, por exemplo, a cincia e
tecnologia) (...) As infuncias se fzeram sentir em diferentes direes.
Por exemplo, perto do fnal do milnio que se encerrou a pouco, a direo
desse movimento era, em geral, do Ocidente para o resto do mundo mas,
no comeo do mesmo milnio, a Europa estava absorvendo a cincia e a
tecnologia chinesas e a matemtica rabe e indiana. Existe uma herana
mundial de interao e as tendncias contemporneas se enquadram nessa
histria. (Sen, 2001)
apreciao crtica
Essa vertente representa o outro lado da moeda daqueles que
acreditam ser a globalizao um mito. Eles tambm so crticos da
globalizao atual, enfatizam que os Estados centrais estruturam
60 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
a ao do grande capital, do cobertura militar, fnanciam as em-
presas e abrem novas reas para investimentos, mantendo assim
as mesmas matrizes histricas do Estado. Alm disso, avaliam que
o imperialismo atual organiza uma espcie de apartheid global,
ampliando as desigualdades entre naes e os povos. Politicamente,
garantem que a globalizao uma forma de enfraquecer o poder
popular, desmantelar as conquistas do Estado do Bem Estar Social
e convert-lo em instrumento do grande capital.
No que se refere especifcamente globalizao, afrmam que
este fenmeno apenas a continuidade histrica de um processo
antigo de formao da economia mundial. A maioria dos autores
relaciona a origem da globalizao com as grandes navegaes e a
descoberta da Amrica. Para eles, esses fenmenos possibilitaram
um grande fluxo de comrcio internacional e a integrao da
economia mundial, j naquele perodo era marcada por fortes
desigualdades entre centro e periferia. Afirmam ainda que as
transnacionais atuais desempenham o mesmo papel que antes era
realizado pelas companhias monopolistas de comrcio.
Essa corrente comete um equvoco bsico de anlise, ao no
observar que cada fase da histria corresponde a um momento
especfco do desenvolvimento das foras produtivas. No se pode
colocar no mesmo estatuto terico o mercantilismo, a revoluo
industrial, o imperialismo e a globalizao atual. Uma coisa
o perodo das grandes navegaes e descobertas de novas terras
quando o capitalismo sequer existia enquanto modo de produo;
outra o processo de industrializao, que ocorreu na fase hist-
rica em que o capitalismo se transformou no modo de produo
hegemnico; e relacionar a globalizao com a queda da URSS
esquecer que quando a URSS desmoronou a globalizao, tanto
produtiva quanto fnanceira, j estava consolidada em escala plane-
tria. Outro equvoco analisar o processo econmico pela rbita
da circulao. So qualidades inteiramente diferentes: uma coisa
Edmi lson Costa 61
a troca mundial de mercadorias, outra a produo internacional.
Enfm, esses argumentos compem uma teia de confuses tericas,
que s servem mistifcar a essncia do fenmeno.
Aqui tambm parece que se expressa uma viso com sinais tro-
cados em relao corrente que afrma ser a globalizao um mito:
como so contrrios globalizao, torna-se mais cmodo esnobar
esse fenmeno concreto e dizer que globalizao sempre existiu.
Assim, esta perde importncia histrica e seus crticos podem bater
no peito, felizes, e dizer que a globalizao atual no possui nenhuma
novidade. Novamente, o resultado dessa avaliao desarma os crticos
da globalizao e dilui teoricamente o fenmeno, pois sendo este
um fato histrico corriqueiro, que vem se desenvolvendo h vrios
sculos, deve ser encarado simplesmente como um desenvolvimento
da histria e no um fenmeno que merece uma nova teoria para
compreend-lo e explic-lo. Perde-se assim a possibilidade de elaborar
uma nova estratgia social e poltica para combater um fenmeno
que est modifcando todos os setores da vida social.
a glObalizaO um dadO da realidade
Ao contrrio da linha exposta pelas trs correntes anterio-
res, nossa viso da globalizao, parte do princpio de que este
fenmeno no s um dado da realidade, como tambm uma
singularidade do capitalismo contemporneo da ltima metade
do sculo 20. Est vinculado internacionalizao da produo,
ocorrida a partir de meados da dcada de 1950, cujo fenme-
no possibilitou posteriormente a internacionalizao do sistema
fnanceiro. Buscamos analisar a globalizao sob a rbita da pro-
duo, tendo em vista ser a produo a espinha dorsal do modo
de produo capitalista, responsvel pela criao do valor, por seu
desenvolvimento enquanto sistema socioeconmico e elemento
seminal dos outros fenmenos da vida social. Portanto, com este
entendimento, nos diferenciamos da viso neoliberal, daqueles
62 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
que negam o processo da globalizao e dos que supem que este
fenmeno sempre existiu.
Por que a globalizao dado da realidade, um fenmeno
concreto do capitalismo contemporneo?
Primeiro, porque se trata de um fenmeno novo no modo de
produo capitalista. At meados da dcada de 1950, a burguesia
dos pases centrais capturava a mais-valia dos pases perifricos
na rbita da circulao, por meio do comrcio internacional. No
entanto, aps a internacionalizao da produo e a instalao de
milhares de fliais das empresas transnacionais tanto nos pases
centrais quanto na periferia, a burguesia dos pases centrais deu um
salto de qualidade: passou a criar generalizadamente o valor fora de
suas fronteiras nacionais (Michalet, 1984), descentralizando assim
os ambientes de apropriao da mais-valia, num movimento que
envolve atualmente todo o planeta. Com a criao e apropriao
do valor em escala global, a burguesia dos pases centrais tornou-se,
pela primeira vez na histria do capitalismo, uma classe exploradora
direta do conjunto do proletariado mundial.
Ao produzir internacionalmente e internacionalizar as fnanas,
o modo de produo capitalista amadureceu efetivamente o ciclo
de reproduo do capital em escala internacional, possibilitando
a constituio de um ciclo nico na economia mundial e trans-
formando-se assim num sistema mundial completo. Isso porque,
a at meados da dcada de 1950, o capitalismo era um modo de
produo mundialmente completo apenas no que se refere a duas
variveis da rbita da circulao, o comrcio mundial e a exporta-
o de capitais. Mas a globalizao possibilitou ao sistema unifcar
mundialmente o ciclo do capital, estendendo a mundializao para
as esferas produtiva e fnanceira, fechando assim um ciclo histrico
iniciado com a revoluo inglesa de 1640.
Do ponto de vista produtivo, a globalizao da produo pos-
sibilitou a emergncia de novos ramos industriais, como as tecno-
Edmi lson Costa 63
logias da informao, a microeletrnica, a robtica, a engenharia
gentica, a nanotecnologia e a biotecnologia, a internet, entre
outros, cuja confgurao possibilitou ao capitalismo reestruturar
o sistema produtivo e dar um salto de qualidade na produo
mundial, mediante a fexibilizao produtiva. Esses novos ramos
industriais, a exemplo do que ocorreu no passado, esto substi-
tuindo os velhos setores tpicos da segunda revoluo industrial,
como o metal-mecnico, plstico, qumico e se transformando nos
plos dinmicos da nova produo capitalista.
A indstria dos tempos atuais j comea a desenhar um perfl
inteiramente diferente do passado recente e seu desenvolvimento
no futuro no muito distante ter grande impacto na vida social,
em todos os seus domnios. A classe operria que conhecemos
atualmente tambm ter um perfl inteiramente novo: ser uma
classe polivalente, mais qualifcada e mais instruda, devendo a
ela se incorporar a nova categoria dos cientistas dos novos ramos
industriais, fatos que tero profundas repercusses na luta de classe
em nvel mundial.
Segundo: A globalizao fnanceira no s uma realidade
concreta do mundo contemporneo, como a rbita das fnanas
passou a hegemonizar toda a dinmica do sistema capitalista. Para
se ter uma idia da magnitude do mercado fnanceiro mundial,
basta dizer que hoje circula diariamente nas vrias praas mundiais
cerca de US$ 1,8 trilho de dlares (Toussaint, 2002; Roberts,
2000) e a massa de capitais em operao nos mercados fnanceiros
alcana US$ 118 trilhes (Mckinsey, 2005), montante correspon-
dente a mais de duas vezes o PIB mundial. Essa massa de recursos
basicamente especulativos tem a possibilidade de se movimentar
pelo mundo ao longo das 24 horas do dia.
Qualquer agncia especulativa pode atuar em qualquer parte
do planeta, bastando para tanto conectar suas operaes aos fusos
horrios dos diversos pases. Numa manh, por exemplo, pode
64 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
atuar em Chicago, tarde no Brasil, noite em Hong Kong e as-
sim por diante. Ou seja, o capital especulativo conseguiu romper
a barreira do espao e do tempo ao se valorizar continuamente,
fenmeno que lhe proporcionou relativa autodeterminao nunca
vista na histria do capitalismo e transformou as atividades desta
rea na principal arena de negcios do sistema capitalista.
Essa imensa massa de recursos, totalmente desregulamentada,
se comporta hoje, como registrou o Times (Chesnais, 1996, p.
237), como polcia, jri e juiz das atividades econmicas mundiais.
Tem a capacidade de mudar decises dos Bancos Centrais, alterar
as polticas econmicas governamentais, as polticas sociais e o
mercado de trabalho. O mais grave que a dinmica especulativa,
desligada de uma base material, cresce de maneira exponencial,
aumentando a criatividade e a agressividade dos mercados fnan-
ceiros. Nesse proceso, a prpria especulao realimenta o frenesi
especulativo, como se os negcios nesta esfera tivessem ganho
uma dinmica ilimitada. Hoje realiza-se no mercado fnanceiro
todo tipo de especulao: desde os ttulos nas Bolsas de Valores s
operaes com os derivativos; das taxa futuras de juros, de cmbio
e dos metais ao salto das pulgas.
Por isso, no se pode compreender a resistncia de muitos
setores intelectuais em admitir a materialidade de um fenme-
no to real quanto esse. Quer gostemos ou no, a globalizao
da produo e das fnanas um fato cotidiano, desde o creme
dental que usamos, a roupa que vestimos, o tnis que calamos,
o computador e o software com o qual navegamos pela internet
ou realizamos as tarefas intelectuais mais rotineiras, o banco em
que realizamos operaes fnanceiras, o programa de TV que
assistimos, o jornal que lemos, entre outros inumerveis fatos da
vida cotidiana. Em outras palavras: em funo da concentrao
e da centralizao do capital, a grande maioria dos produtos que
utilizamos no dia a dia ou das operaes fnanceiras realizadas
Edmi lson Costa 65
cotidianas so feitas por grandes corporaes transnacionais
fnanceiras ou produtivas.
Portanto, fundamental compreendermos a globalizao como
ela se apresenta, sem neg-la ou maqui-la, buscando entender a
sua dinmica, de forma a que se possa formular um projeto alter-
nativo. Negar esta realidade, ou seja, negar o processo de globa-
lizao corresponde ao instinto da avestruz, que imagina superar
as adversidades enterrando a cabea na areia. No enfrent-la
abertamente, do prprio interior do fenmeno, buscando des-
vendar seus mecanismos ou seu signifcado terico, corresponde
a abandonar o principal terreno de luta e deixar de combat-la na
arena do real.
No entanto, a globalizao atual, apesar de conter um conjunto
de fenmenos novos que modifcam vrios postulados do capita-
lismo, como a criao do valor fora das fronteiras nacionais por
parte da burguesia dos pases centrais, a predominncia da rbita
fnanceira sobre a produtiva e um desenvolvimento sem precedente
da especulao, trata-se um fenmeno que nasce sem a possibi-
lidade de se viabilizar plenamente, ao contrrio da primeira e da
segunda revoluo industrial, em funo das limitaes estruturais
do modo de produo capitalista nesta etapa da histria. A terceira
revoluo industrial possibilitou ao sistema inovaes tecnolgi-
cas radicais que proporcionaram s foras produtivas um enorme
desenvolvimento. No entanto, o capital no possui atualmente
condies para desenvolver plenamente o sistema produtivo, em
funo da insufcincia global de demanda.
Ou melhor, quanto mais o capitalismo tem condies poten-
ciais de desenvolver suas foras produtivas, em conseqncia da
insero de cincia na produo, mais v limitada sua ao por suas
prprias contradies. A tecnologia e a nova gesto empresarial
que reestruturaram a produo e o gerenciamento fabril, pouparam
trabalho vivo, aumentaram a taxa de lucro e reduziram o poder
66 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
do movimento sindical oriundo da segunda revoluo industrial,
mas em contrapartida encilharam o sistema num emaranhado de
contradies, que se expressam mais claramente no fato de que
cada unidade de trabalho vivo poupada representa um corolrio
de difculdades para fechar a equao produo-demanda.
Enquanto na primeira e segunda revoluo industrial, respec-
tivamente, buscou-se resolver o problema da demanda mediante a
reduo da jornada de trabalho e a criao do setor de servios, res-
pectivamente, a terceira revoluo industrial emerge no momento
em que no h mais setores a ocupar nem tambm os capitalistas
esto dispostos a reduzir a jornada de trabalho. Retoma-se assim, de
uma maneira completa, a contradio original do sistema (s que
agora em bases ampliadas), que se expressa entre o carter social
da produo e a apropriao privada de seus resultados.
Realmente, a primeira e a segunda revoluo industrial dina-
mizaram as foras produtivas de tal maneira que proporcionaram
ao capitalismo central a presena hegemnica em todo o planeta.
Agora, com a terceira revoluo industrial, parece que o sistema
se aproxima de um limite da reproduo enquanto potencialidade
material, uma vez que se o capitalismo chegasse a produzir de acor-
do com suas potencialidades haveria uma crise de superproduo.
Ou seja, mesmo levando em conta a produo destrutiva (material
blico e semelhantes) ou os gastos governamentais em mercadorias
inteis, a globalizao emerge num momento em que a crise est
instalada tanto no setor produtivo, quanto de servios, ou agro-
pecurio, posto que a alavancagem desses setores no encontraria
demanda solvvel para suas mercadorias.
Isso explica o fenmeno da fnanceirizao da riqueza, que se
apresenta como o contraponto funcional da incapacidade do siste-
ma desenvolver plenamente as suas foras produtivas. Os capitais
excedentes, impedidos de se reproduzirem na esfera produtiva,
buscam agora desesperadamente uma fuga para a frente na rbita da
Edmi lson Costa 67
fnanceira. Nesta nova aventura desesperada, o capital especulativo
carrega consigo todos os outros setores do capital para a lgica da
especulao e, com esse movimento, aprofunda a crise geral do
capitalismo, pois no longo prazo impossvel a reproduo do
capital, sem obedecer a lei do valor.
A criao da riqueza exclusivamente na rbita financeira
uma aventura sem futuro, uma miragem capaz de levar, no curto
prazo, os capitalistas ao delrio e ofuscar sua viso global. No
entanto, quanto mais aprofundam esse modelo, mais ampliam
as possibilidades de uma crise maior do sistema. Como a histria
tem demonstrado, quanto maior o descolamento entre a esfera de
criao do valor (a produo) e a rbita parasitria da especulao
fnanceira, mais severa e destrutiva ser a crise do sistema. Portan-
to, a globalizao, mesmo sendo um dado da realidade, tem seus
limites estruturais oriundos da prpria lgica do capital.
cAptulo ii
a natureza da cOncentraO e centralizaO dO
capital
O processo concentrao e centralizao do capital, atual-
mente expresso na internacionalizao da produo e do sistema
fnanceiro e na remonopolizao da burguesia, j era vislumbrado
por Karl Marx e Friedrich Engels, tanto no Manifesto Comunista,
quanto em O Capital, a partir do princpio de que a lgica do
sistema capitalista e a dinmica de seu desenvolvimento, baseados,
respectivamente, na apropriao do trabalho no pago aos operrios
e na concorrncia entre os capitalistas, levariam inevitavelmente
ao processo de concentrao e centralizao do capital e difuso
do modo de produo capitalista em escala planetria.
Para compreendermos o complexo desenvolvimento do capita-
lismo, partimos da tradio clssica (Smith, Ricardo, Marx) de que
s o trabalho cria o valor das mercadorias. Isso signifca que todo o
estoque de produo material que existe na face da terra campos
plantados, edifcios, estradas, fbricas, mercadorias em geral, meios
cientfcos etc. , resultado do trabalho acumulado de milhares
de geraes. Sem o trabalho estaramos ainda no estado selvagem
dos nossos antepassados mais distantes. O trabalho to impres-
cindvel para a existncia humana que se a nossa espcie deixasse
de trabalhar, estaria condenada, em pouco tempo, extino.
Smith foi o primeiro a estabelecer o trabalho como fonte do
valor e ver na diviso do trabalho o lcus do desenvolvimento
das foras produtivas e da sociedade. Em seu livro A Riqueza das
70 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Naes Investigao sobre sua natureza e suas causas, o fundador
da economia poltica bastante claro nesta questo:
Fica, pois, evidente, que o trabalho a nica medida precisa de valor, ou
seja, o nico padro atravs do qual poderemos comparar os valores das
mercadorias diferentes, em todos os tempos e em todos os lugares (...) Pelas
quantidades de trabalhos podemos, com a mxima exatido, calcular esse
valor, tanto de um sculo para outro como de um ano para outro (...) O
trabalho foi o primeiro preo, o dinheiro de compra original que foi pago
por todas as coisas. No foi por ouro ou prata, mas pelo trabalho, que foi
originalmente comprada toda a riqueza do mundo; e o valor dessa riqueza,
para aqueles que a possuem, e desejam troc-la por novos produtos, exa-
tamente igual quantidade de trabalho que essa riqueza lhes d condies
de comprar ou comanda (Smith, 1983, pp. 63-68).
Ricardo segue a mesma tradio. Logo no primeiro captulo
de seu Princpios de Economia Poltica e Tributao, enuncia cla-
ramente a importncia do trabalho para a produo do valor das
mercadorias:
O valor de uma mercadoria, ou a quantidade de qualquer outra pela qual
pode ser trocada, depende da quantidade relativa de trabalho necessrio
para a sua produo, e no da maior ou menor remunerao que paga por
esse trabalho (...) Se os homens no empregassem maquinaria na produo,
mas somente trabalho, e se demorassem o mesmo tempo at colocar seus
produtos no mercado, o valor de troca seria exatamente proporcional
quantidade de trabalho consumida. Se eles empregassem capital fxo de
idntico valor e durabilidade, os valores das mercadorias tambm seriam
iguais e variariam somente com a maior ou menor quantidade de trabalho
empregada na sua produo (Ricardo, 1982, pp. 43, 53,54).
Mas foram exatamente os fundadores do marxismo, Marx e
Engels, quem conseguiram dar uma dimenso completa questo
do trabalho. Engels realizou uma refexo profunda da questo
em A Dialtica da Natureza (apndice A humanizao do macaco
pelo trabalho):
Edmi lson Costa 71
O trabalho a fonte de toda a riqueza, afrmam os economistas. E o de
fato, ao lado da natureza, que lhe fornece a matria por ele transformada
em riqueza. Mas infnitamente mais que isso. a condio fundamen-
tal de toda a vida humana; e o num grau to elevado que, num certo
sentido, pode-se dizer: o trabalho, por si mesmo, criou o homem (Engels,
1976, p. 215).
Marx, por sua vez, enfatiza o trabalho como fonte de existn-
cia da vida humana e revela que o duplo carter da mercadoria
decorrente do duplo carter do trabalho.
Como criador de valores de uso, como trabalho til, o trabalho, por isso,
uma condio de existncia do homem, independentemente de todas as for-
mas da sociedade; eterna necessidade natural de mediao do metabolismo
entre o homem e a natureza e, portanto, da vida humana (...) Abstraindo-
se da determinao da atividade produtiva e, portanto, do carter til do
trabalho, resta apenas que ele um dispndio de fora humana de trabalho.
Alfaiataria e tecelagem, apesar de serem atividades produtivas qualitativa-
mente diferentes, so ambas dispndio produtivo de crebro, msculos,
nervos, mos etc., e nesse sentido, so ambos trabalho humano (trabalho
materializado ou trabalho abstrato, EC) (...) Todo trabalho , por um lado,
dispndio de fora de trabalho do homem no sentido fsiolgico e, nessa
qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o
valor da mercadoria. Todo trabalho , por outro lado, dispndio de fora
de trabalho do homem sob a forma especifcamente adequada a um fm
e nessa qualidade de trabalho concreto til produz valores de uso (Marx,
L.1, v.1, pp. 50-51-53).
Resta ainda precisar uma questo: quando nos referimos ao tra-
balho, queremos enfatizar especifcamente o trabalho humano, para
nos diferenciarmos de um certo tipo de economia vulgar que argu-
menta, visando desqualifcar a lei do valor, que o trabalho humano
no a fonte do valor, pois se assim fosse o trabalho produtivo do
boi, da abelha ou do bicho-da-seda, por exemplo, tambm geraria
valor. Trata-se fundamentalmente de um argumento mistifcador,
72 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
que no fundo, tem o objetivo de ofuscar o processo de explorao
dos trabalhadores, pois se o trabalho em si que gera o valor e o
portador desse valor explorado por no receber tudo que produz,
ento no s esses animais fariam parte do contingente de explo-
rados do mundo, como tambm pertenceriam classe operria, o
que deixaria no ridculo os argumentos cientfcos.
Na verdade, nem o boi, nem a abelha, nem o bicho-da-seda ou
qualquer outro animal geram valor: o resultado da produo que
desenvolvem no se transformaria em mercadoria se no existisse
o trabalho humano. Sem adestramento o boi continuaria no pasto
em seu estado natural; sem a ao humana o produto da abelha
seria consumido pelas prprias abelhas e no pelos seres humanos
e o casulo do bicho-da-seda no serviria para nada aps a crislida
t-lo rompido e voado para construir novos casulos.
Mas a diferena fundamental entre os dois tipos de trabalhos
no reside exatamente nesses aspectos. O ponto central a prpria
lgica que envolve o aprendizado por meio da inteligncia.
O estado em que o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de
sua prpria fora de trabalho deixou para o fundo dos tempos primitivos
o estado em que o trabalho humano no se desfez ainda de sua primeira
fase instintiva. Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence
exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operaes semelhantes
s do tecelo, a abelha envergonha mais que um arquiteto humano com a
construo dos favos e de suas colmias. Mas o que distingue, de antemo,
o pior dos arquitetos da melhor abelha que ele construiu o favo em sua
cabea, antes de constru-lo em cera. No fm do processo obtm-se um
resultado que j no incio existiu na imaginao do trabalhador e, portanto,
idealmente. Ele no apenas efetua uma transformao da forma da matria
natural; realiza, ao mesmo tempo, na matria natural seu objetivo, que ele
sabe que determina, como lei, a espcie e o modo de sua atividade ao qual
tem de subordinar sua vontade. E essa subordinao no um fato isolado.
Alm do esforo dos rgos que trabalham, exigida a vontade orientada a
Edmi lson Costa 73
um fm, que se manifesta como ateno durante todo o tempo de trabalho.
(Marx, L.1, v.1, pp. 149-150)
O desenvolvimento das formas de trabalho (a diviso do
trabalho), que revolucionou de maneira extraordinria as foras
produtivas e possibilitou a consolidao da sociedade humana,
passou por diversas fases ao longo da histria: foi trabalho escravo
nos primrdios da propriedade privada; trabalho servil no perodo
do feudalismo e, com a emergncia do capitalismo, instituiu-se
o trabalho assalariado como elemento estrutural do sistema de
reproduo e acumulao do capital. Vale destacar que, antes do
advento da propriedade privada, o produto do trabalho pertencia
integralmente ao trabalhador.
Naquele estado original de coisas que precede tanto a apropriao da terra
quanto o acmulo de capital, o produto integral do trabalho pertencia ao
trabalhador. Este no tem nem proprietrio fundirio nem patro com
quem deva repartir o fruto do seu trabalho (...) Se tal estado de coisas
tivesse continuado, os salrios do trabalho teriam aumentado conjunta-
mente com todos os aprimoramentos introduzidos nas foras produtivas.
(Smith, 1983, p. 91)
No entanto, medida em que a propriedade passou para mos
privadas, iniciou-se o processo de explorao, no qual os proprie-
trios dos meios de produo comearam a se apropriar de uma
parcela da riqueza produzida pelos trabalhadores. Com o advento
do capitalismo, os trabalhadores j estavam despossudos dos seus
meios de produo e instrumentos de trabalho. Nesse sistema, para
sobreviverem foram obrigados a vender a nica coisa que possuam
para ganhar a vida: a capacidade de trabalhar ou a fora de trabalho.
Ao venderem a sua fora de trabalho no mercado para um capita-
lista que originalmente acumulou capital e o ps em movimento
no sistema fabril, os trabalhadores produziram mercadorias, que
foram vendidas no mercado. Em troca de seu trabalho, receberam
uma quantidade de dinheiro em forma de salrios, com o qual
74 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
satisfzeram as suas necessidades biolgicas, materiais e culturais, e
reproduziram novas geraes de trabalhadores. O capital alienado
no intercmbio por fora de trabalho transformado em meios de
subsistncia, cujo consumo serve para reproduzir msculos, nervos,
ossos, crebro dos trabalhadores existentes e para produzir novos
trabalhadores (Marx, 1983, L. I, v. 2, p. 157).
Ocorre que, ao contrrio dos proprietrios dos meios de pro-
duo, os proprietrios da fora de trabalho, os operrios, no
podem defnir ao seu livre arbtrio o preo de sua mercadoria.
Por isso mesmo, no recebem pelo conjunto da riqueza criada no
processo de produo. Ganham apenas uma parte dessa riqueza,
capaz apenas de manter sua sobrevivncia e a de sua famlia. O
restante da riqueza produzida, o trabalho no pago, apropriado
pelos capitalistas, afnal o proprietrio do capital no investiria
em mquinas, equipamentos, matrias-primas, edifcios etc. se
no tivesse um retorno do investimento maior do que aquele
originalmente investido. Como explica Marx:
Durante um perodo, o trabalhador produz apenas um valor = (igual ao)
valor de sua fora de trabalho (...) No perodo do mais-trabalho,ao contrrio,
o usufruto da fora de trabalho gera o valor para o capitalista, sem custar
a ele nenhum substituto do valor. Ele obtm essa realizao da fora de
trabalho de graa. Nesse sentido, o mais-trabalho pode ser chamado trabalho
no-pago. (Assim) O capital (...) essencialmente comando sobre trabalho
no-pago. Toda mais-valia, qualquer que seja a forma particular de lucro,
renda etc., em que mais tarde ela se cristalize , segundo sua substncia,
materializao do trabalho no-pago. O segredo da autovalorizao do ca-
pital se resolve em sua disposio sobre determinado quantum de trabalho
alheio no-pago. (Marx, 1983. L 1, v.2, pp. 123-124).
a acumulaO dO capital
Como o sistema capitalista transformou o dinheiro em capital,
esse trabalho no pago vai sendo acumulado pelos proprietrios
Edmi lson Costa 75
dos meios de produo a cada ciclo produtivo. O avano das foras
produtivas e a generalizao do trabalho assalariado possibilita-
ram melhores condies para a acumulao do capital. Deve-se
ressaltar ainda que o dinheiro agora em mos dos capitalistas no
apenas satisfaz as suas necessidades materiais, mas principalmente
serve para produzir mais dinheiro. Ou seja, a cada novo ciclo da
produo o processo recomea novamente: o dinheiro produz
mercadorias, que por sua vez rendem mais dinheiro que o capital
investido, proporcionando mais acumulao e riqueza nas mos
dos capitalistas. Produo de mais-valia ou gerao de excedente
a lei absoluta desse modo de produo (Marx, 1983, L.1, v. 2,
p. 191).
Com a acumulao do capital, em termos especifcamente capi-
talista, e o desenvolvimento das foras produtivas, estimulada pela
concorrncia intercapitalista, ocorre uma mudana na composio
tcnica do capital, pela qual a parte varivel vai se tornando menor
em relao parte constante, gerando a concentrao do capital.
Toda acumulao torna-se meio de nova acumulao. Ela amplia, com a
massa multiplicada de riqueza, que funciona como capital, sua concentrao
nas mos de capitalistas individuais e, portanto, a base da produo em
larga escala e dos mtodos de produo especifcamente capitalistas (Marx,
L. 1, v. 2, p. 196).
O processo de concentrao de capital, que para Marx
apenas outra expresso para a reproduo ampliada do capital,
proporciona um salto de qualidade quando os capitais maiores
ou mais bem sucedidos no mercado comeam a exercer fora de
atrao sobre outros capitais menores, resultando da um processo
de centralizao do capital ou a juno de capitais j constitudos
em capitais maiores.
a concentrao de capitais j constitudos, supresso de sua autonomia
individual, expropriao de capitalista por capitalista, transformao de
muitos capitais menores em poucos capitais maiores (...) O capital se ex-
76 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
pande numa mo, at atingir grandes massas, porque acol ele perdido
por muitas mos. a centralizao propriamente dita, distinguindo-se da
acumulao e da concentrao (Marx, 1983, v. 2:, p. 196).
Bukharin, em seu livro O imperialismo e a economia mundial,
interpreta esse movimento de forma bastante didtica, contribuin-
do assim para esclarecer melhor as concepes de Marx:
Por concentrao, entendemos, portanto, o aumento do capital pela capi-
talizao da mais-valia por ele produzida; por centralizao, a reunio de
vrios capitais individuais em um s (...) A concentrao e a centralizao
percorrem diversas fases do desenvolvimento (...) Constatamos que os dois
processos, concentrao e centralizao, reagem constantemente um sobre
o outro. Uma forte concentrao de capital acelera a absoro das empresas
mais fracas e, inversamente, a centralizao faz crescer a acumulao do
capital individual e, conseqentemente, agrava o processo de concentrao
(Bukharin, 1976, pp. 197-198).
Em outras palavras, o processo de acumulao do capital
oriundo da constante apropriao do trabalho no-pago no proces-
so de produo. A cada novo ciclo de produo aumenta o capital
acumulado nas mos dos proprietrios dos meios de produo,
levando a uma concentrao cada vez maior do capital. Em funo
da aguerrida concorrncia entre os capitalistas, que implica em
melhorias tecnolgicas e aumento da produtividade do trabalho,
os capitalistas que no se adaptaram ao novo patamar de desen-
volvimento das foras produtivas, so derrotados ou absorvidos
pelos capitais maiores, resultando numa centralizao de capitais
e na constituio de grandes empresas.
Marx identifca no apenas na concorrncia, mas tambm no
crdito bancrio, um elemento fundamental para a concentrao
e centralizao do capital, uma vez que o crdito proporciona aos
capitais novas ousadias produtivas, especialmente aos capitais j
concentrados e centralizados. Alm disso, faz uma importante
descoberta ao inferir que o mecanismo de centralizao j no
Edmi lson Costa 77
depende do crescimento da riqueza social, uma vez que a centra-
lizao pode ocorrer pela associao, fuso ou incorporao entre
os capitais j existentes.
A centralizao complementa a obra da acumulao ao colocar os capitalistas
industriais em condies de expandir a escala de suas operaes. Seja este
ltimo resultado agora conseqente da acumulao ou da centralizao;
ou ocorra a centralizao pelo caminho violento da anexao onde certos
capitais se tornam centros de gravitao to superiores para outros que
lhes rompem a coeso individual e, ento, atraem para si os fragmentos
isolados ou ocorra ainda a fuso de uma poro de capitais j constitu-
dos ou em vias de constituio mediante o procedimento mais tranqilo
da formao de sociedade por aes o efeito econmico permanece o
mesmo. A expanso acrescida dos estabelecimentos industriais constitui
por toda a parte o ponto de partida para uma organizao mais abrangente
do trabalho coletivo de muitos, para um desenvolvimento mais amplo de
suas foras motrizes, isto , para a converso de processos de produo
isolados e rotineiros em processos de produo socialmente combinados e
cientifcamente dispostos (Marx, 1983, L.1, v. 2, p. 197).
Assim, o capital vai mudando de pele e obtendo cada vez mais
feies inteiramente novas, multiplicando de maneira exponencial
as ferramentas para maior concentrao e centralizao.
O mundo ainda estaria sem estradas de ferro, caso fcasse esperando at que
a acumulao de alguns capitais individuais alcanasse o tamanho requerido
para a construo de uma estrada de ferro. No entanto, a centralizao me-
diante a sociedade por aes chegou a esse resultado num piscar de olhos ...
As massas de capital soldadas entre si da noite para o dia pela centralizao
se reproduzem e multiplicam como as outras, s que mais rapidamente
e, com isso, tornam-se novas e poderosas alavancas da acumulao social
(Marx, L.1, v. 2, p. 198).
Portanto, na prpria dinmica do sistema capitalista j est
inscrito o seu cdigo gentico, pelo qual a apropriao do trabalho
no-pago por parte dos proprietrios dos meios de produo e a
78 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
concorrncia por mercados leva inevitavelmente esse sistema con-
centrao e centralizao do capital, cientifcamente identifcado
por Marx. Dessa forma, o atual processo de fuses e aquisies
dos grandes conglomerados internacionais e nacionais no nada
mais nada menos que o nome moderno do fenmeno descrito em
O Capital, em meados do sculo 19.
A elaborao terica de Marx e Engels conduz a um processo
em que a dialtica de desenvolvimento do modo de produo
capitalista no s levaria concentrao e centralizao do capital,
mas a um processo semelhante ao que estamos observando agora
com a globalizao.
A necessidade de um mercado em constante expanso para os seus produ-
tos impele a burguesia a conquistar todo o globo terrestre. Tem de fxar-se
em toda parte. A burguesia, por sua explorao do mercado mundial, deu
uma forma cosmopolita produo e ao consumo de todos os pases. Para
grande pesar dos reacionrios, roubou indstria a base nacional em que se
assentava. As primeiras indstrias nacionais foram aniquiladas ou esto dia
a dia a ser aniquiladas. So desalojadas por novas indstrias cuja introduo
se torna uma questo de vida e morte para todas as naes civilizadas. Essas
indstrias j no trabalham matrias-primas nacionais, mas matrias-primas
oriundas das zonas mais remotas e cujos produtos so consumidos no s
no prprio pas, mas em todos os continentes ao mesmo tempo (Marx;
Engels, 1998, pp. 72-73).
Para se consolidar enquanto classe dirigente mundial, a bur-
guesia procura criar um mundo sua imagem e semelhana e
transformar as velhas relaes patriarcais em novas relaes que
facilitem o seu domnio.
Com o rpido aperfeioamento de todos os instrumentos de produo,
com as comunicaes infnitamente facilitadas, a burguesia arrasta todas as
naes, mesmo as mais brbaras, para a civilizao. Os baixos preos de suas
mercadorias so a artilharia pesada com a qual derruba todas as muralhas
chinesas, com que fora capitulao o dio mais obstinado dos brbaros
Edmi lson Costa 79
aos estrangeiros. Compele todas as naes a apropriarem o modo de pro-
duo da burguesia, sob pena de runa total (...) Numa palavra, cria para
si um mundo sua imagem e semelhana (...) Cada vez mais a burguesia
suprime a disperso dos meios de produo, da propriedade e da popula-
o. Aglomerou populao, centralizou meios de produo e concentrou a
propriedade em poucas mos (Marx; Engels, 1998, pp. 71-72).
a fOrmaes dOs cartis e trustes
Todavia, mesmo tendo descoberto os mecanismos de funcio-
namento do capitalismo e a lgica do seu desenvolvimento, Marx
no tinha a obrigao de adivinhar o futuro. Foi um cientista de
sua poca e trabalhou concretamente os problemas do seu tempo,
o capitalismo concorrencial. Entretanto, o sistema capitalista, pela
prpria lgica de seu crescimento, operou profundas modifcaes
quantitativas e qualitativas em seu processo de desenvolvimento,
que revolucionaram as foras produtivas e as relaes de produo,
e colocaram o modo de produo capitalista em uma fase nova a
fase em que os monoplios passaram a dominar completamente
os principais ramos da economia.
Um dos principais fatores que proporcionaram a expanso
quantitativa e qualitativa das foras produtivas do capitalismo fo-
ram as descobertas cientfcas da poca. Incorporadas ao processo
de produo, abriram extraordinrias condies para a mudana de
qualidade do capitalismo. Revolucionaram sua base tcnica, exigi-
ram plantas fabris gigantescas, grandes volumes de investimento,
busca de novos mercados tanto nacionais quanto internacionais,
alm da necessidade de novas fontes de matrias-primas. Quais as
principais descobertas cientfcas que contriburam para produzir
esses fenmenos?
A principal conquista para o desenvolvimento das foras
produtivas pode ser creditada descoberta da energia eltrica
e sua transmisso distncia, o que revolucionou o sistema de
80 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
produo e permitiu incorporar foras naturais antes inacessveis
ao progresso humano. Desenvolveram-se tambm os motores a
diesel, que vieram substituir a mquina a vapor. Operaram-se
vrias descobertas no campo da qumica, na rea do transporte
(motores a combusto) e passou-se a empregar novos mtodos de
fundio do ao, o que possibilitou o aparecimento das grandes
empresas metalrgicas. Completa o quadro das principais desco-
bertas da poca, a implantao do telegrafo sem fo e do telefone,
que ampliaram os horizontes da comunicao entre as pessoas e
pases. (Bukharin, 1976, pp. 40-41).
A incorporao dessas descobertas cientfcas ao processo de
produo abriu novos horizontes aos capitalistas, que j vinham
desenvolvendo novas formas de centralizao do capital, mediante
a sociedade por aes. Do ponto de vista tcnico, as novas condi-
es de produo passaram a exigir um crescimento exponencial da
composio orgnica do capital, expressos em grandes plantas fabris
com expressiva insero de cincia no processo produtivo. A partir do
incio do incio do sculo 20 a cincia passou a se transformar numa
fora produtiva especial, tendo em vista a diminuio do intervalo
entre as descobertas cientfcas e sua aplicao na produo.
Esse processo ensejou novas formas de gesto que corres-
pondiam ao novo patamar de desenvolvimento. Do ponto de
vista da propriedade empresarial, as novas condies de produo
necessitavam de grandes volumes de investimentos, que os capi-
talistas individuais no possuam. Abriu-se assim espao para a
generalizao das sociedades por aes, para maior participao
do sistema bancrio nos negcios gerais das empresas. O Estado
tambm tornou-se agente ativo do processo econmico, dada sua
capacidade de articular sistemicamente os vrios segmentos do
capital na nova conjuntura da economia.
Esta conjuntura possibilitou o aparecimento de um conjunto
de fenmenos em cadeia que revolucionou o sistema capitalista e
Edmi lson Costa 81
proporcionou a este modo de produo uma nova qualidade. Os
empresrios mais hbeis e mais articulados com o setor bancrio e
com o Estado, que incorporaram o progresso tcnico produo
industrial, tiveram enormes ganhos de produtividade e passaram a
concorrer em posio de fora com outros capitalistas. O conjunto
desses fenmenos proporcionou a runa daqueles capitalistas que
no conseguiram se adaptar nova conjuntura; outros setores
incorporaram-se s grandes empresas que surgiam, de forma que,
em cada ramo da economia, especialmente na indstria pesada,
comearam a emergir as companhias lderes, que passaram a
determinar a dinmica do processo de produo, bem como seu
destino. Esse processo foi to acelerado que, por volta de 1900-
1903 as empresas monopolistas j eram um elemento fundamental
da vida das grandes potncias capitalistas (Costa, 1989; Kozlov,
1981; Lenin, 1975).
A monopolizao capital possibilitou s empresas de novo tipo
no s a conquista de mercados, mas tambm um conjunto de
vantagens tcnicas que levou racionalizao da produo e ao
controle da cadeia produtiva.
(...) A associao oriunda de causas econmicas logo fornece oportunidades
de melhorias tcnicas do processo de produo; pense-se, por exemplo, na
unio dos altos-fornos com a indstria de transformao, que j permitiu
o aproveitamento racional dos gases dos altos-fornos como fora motriz.
Essas vantagens tcnicas, uma vez dadas, tornam-se, por outro lado, motivo
impulsor para a efetivao da associao onde as meras causas econmicas
ainda no a provocaram. (Hilferding, 1985, p. 193.)
Essas associaes empresariais produziram outro fenmeno
importante para a economia mundial, uma vez que, j controlando
a maior parte dos ramos de produo, organizaram-se econmica e
politicamente para consolidar e ampliar sua participao no mer-
cado. Formaram ento os cartis, os trustes e os sindicatos, cujos
agrupamentos passaram a dominar a economia capitalista.
82 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
O cartel um agrupamento monopolista, no qual mantida a indepen-
dncia de produo e comercializao de seus componentes. Ao mesmo
tempo, os capitalistas que fazem parte do cartel estabelecem um acordo
sobre os preos de monoplio de suas mercadorias, partilham entre si os
mercados de venda, estabelecem quotas de produo e de venda para cada
participante, determinam as condies de contratao de mo-de-obra,
trocam patentes de novas mquinas etc. O truste um monoplio no
qual as empresas que o compem perdem tanto a independncia comercial
como a de produo. De proprietrios de suas empresas, os capitalistas
convertem-se em co-proprietrios ou acionista. O sindicato patronal um
agrupamento monopolista cujos participantes mantm a independncia em
matria de produo, mas perdem a independncia comercial. A realizao
das mercadorias (...) efetuada a preos de monoplio por um departa-
mento especializado. Muitas vezes os sindicatos ocupam-se da compra de
matrias-primas para seus membros. (Kozlov, 1981, p. 291).
Em outras palavras, as novas sociedades annimas possibi-
litaram uma aglutinao de capitais e ensejaram a necessidade
de organizao desses capitais em novas formas de atuao no
mercado.
O desenvolvimento dessas sociedades, que permitiu empregar os capitais de
um grande nmero de proprietrios isolados, assestou um golpe defnitivo
no princpio da empresa individual e criou, ao mesmo tempo, as condi-
es necessrias ao desenvolvimento dos grandes sindicatos-monoplios
de patres. A concentrao dos capitais tomou uma forma diferente: a
concentrao dos trustes (Bukharin, 1984, p. 198).
a cOncentraO bancria
Enquanto os monoplios industriais consolidavam seu desen-
volvimento, um outro fenmeno tambm ocorria na economia
capitalista: a concentrao e a centralizao bancria. O prprio
desenvolvimento da indstria fez com que os capitalistas desse
setor necessitassem de maior aporte de recursos para incrementar
Edmi lson Costa 83
suas atividades nas novas empresas. Os pequenos estabelecimentos
bancrios no dispunham de recursos sufcientes para as novas
necessidades empresariais, em funo da prpria dimenso de seus
negcios; essa conjuntura estimulou a associao de vrios bancos
com o objetivo de suprir de recursos os recm-criados monop-
lios. Realizada a associao, o novo empreendimento passou a ter
condies vantajosas em relao aos outros bancos, resultando no
estreitamento dos laos entre os agora grandes bancos e os mo-
noplios industriais, dinmica que possibilitou posteriormente a
unio do capital bancrio com o capital industrial.
A evoluo da indstria capitalista faz com que a concentrao do banco
se desenvolva. O prprio sistema bancrio um importante motor para a
realizao da concentrao capitalista (...) Uma cartelizao muito avanada,
de antemo, induz os bancos a se associarem e se ampliarem para no cair
na dependncia do cartel ou do truste. A prpria cartelizao promove,
assim, a unio dos bancos, como ao inverso, a unio dos bancos fomenta a
cartelizao (...) O capital fnanceiro se desenvolve com o desenvolvimen-
to da sociedade annima e alcana seu apogeu com a monopolizao da
indstria. O rendimento industrial ganha um carter seguro e contnuo;
com isso, a possibilidade de investimento de capital bancrio na indstria
ganha extenso cada vez maior. (Hilferding, 1985, pp. 217-218).
O estreitamento da comunho de interesses entre bancos e
indstria tornou-se um dado da realidade. Os bancos procuraram
ampliar sua infuncia econmica sobre as empresas com as quais
tinham interesses e estas, por sua vez, tambm buscaram participar
dos negcios do banco. A prosperidade de um signifca a vantagem
de outro e vice-versa. evidente que, com a crescente concen-
trao da propriedade, os proprietrios do capital fctcio, que d
poder aos bancos, e os proprietrios do capital, que d poder
indstria, so cada vez mais as mesmas pessoas (Hilferding, 1985,
p. 219). A crescente associao do capital bancrio com o capital
industrial vai consolidando uma nova fase na economia capitalista,
84 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
o perodo em que os monoplios associados passam a dominar os
setores estratgicos da produo capitalista.
Historiando esse processo, Lenin defniu os passos fundamentais
pelos quais o capital chegou sua nova fase, a fase imperialista.
Assim, o resumo dos monoplios o seguinte: 1) Dcada de 1860 e 1870,
ponto culminante do desenvolvimento da livre concorrncia. Os mono-
plios no constituem mais do que germes apenas perceptveis. 2) Depois
da crise de 1873, longo perodo de desenvolvimento dos cartis, os quais
constituem ainda apenas uma exceo, no so ainda slidos (...) 3) Auge
de fns do sculo 19 e crise de 1900 a 1903: os cartis passam a ser uma
das bases de toda a vida econmica. O capitalismo transformou-se em
imperialismo. (Lenin, 1975, p. 35).
a fase imperialista
Esta nova fase do desenvolvimento do modo de produo
capitalista marcada no apenas pela hegemonia dos monoplios
nos seus respectivos mercados internos, mas especialmente pela
exportao de capitais, pelo controle das fontes de matrias-primas
e submisso poltica e econmica das vrias regies do planeta.
As fronteiras nacionais tornaram-se estreitas para os interesses do
novo processo de acumulao e reproduo do capital. Surge as-
sim a necessidade de ocupar todos os espaos da terra, das regies
tropicais s temperadas, desde que isso signifcasse lucros.
A expanso dos laos comerciais vai, assim a passos rpidos, ligando cada
vez mais solidamente as diversas partes da economia mundial, soldando
cada vez mais nacional e economicamente os setores isolados, fazendo
assim com que a base da produo mundial (...) se desenvolva a um ritmo
progressivamente acelerado (Bukharin, 1976, p. 55).
Lenin identificou cinco pontos fundamentais nessa fase do
capitalismo, cujos traos permaneceram atuais at o advento da
internacionalizao da produo e da globalizao fnanceira. 1) A
concentrao da produo e do capital, que criou os monoplios,
Edmi lson Costa 85
cuja infuncia se tornou hegemnica na economia capitalista; 2)
fuso do capital bancrio com o capital industrial e o surgimento de
uma nova classe de capitalistas a oligarquia fnanceira; 3) a expor-
tao de capital, mediante a qual a oligarquia fnanceira amplia sua
infuncia sobre o conjunto do planeta; 4) a formao das associaes
monopolistas que partilham entre si os mercados mundiais; 5) par-
tilha territorial do mundo entre as potncias capitalistas dominantes
(Lenin, 1975: passim). O processo de formao dos monoplios j foi
abordado anteriormente, resta agora verifcar como se desenvolveram
os outros traos fundamentais descritos por Lenin.
Exportar capitais era uma prtica que j se observava em po-
cas anteriores, no entanto s se transformaria num dos elementos
fundamentais do capitalismo nesta nova fase. Os capitais exce-
dentrios nos pases imperialistas, em funo das taxas de lucro
monopolistas, passaram a ser investidos generalizadamente nos
pases atrasados, o que vai permitir a este capital no apenas taxas
de lucro maiores que nos seus pases de origem, mas a ampliao
da infuncia econmica e poltica da oligarquia fnanceira no
mundo. O baixo preo da mo-de-obra e a posse de abundantes
de matrias primas permitem aos monoplios obter altos lucros
sem gastos especiais no emprego e aperfeioamento da tcnica
(Kozlov, 1981, p. 313).
Mas a consolidao da hegemonia mundial do capital no
estaria completa se as potncias capitalistas no controlassem com
mo de ferro as fontes de matrias-primas. Para tanto, era necess-
rio um agressivo processo de colonizao das regies atrasadas do
mundo, de forma a que o imperialismo pudesse ter a garantia de
insumos baratos. Praticamente todas as regies atrasadas do planeta
passaram para o domnio das grandes potncias da Polinsia
Amrica, da frica Austrlia. As tabelas 4 e 5 proporcionam um
painel bastante elucidativo do domnio territorial dos monoplios
no mundo.
86 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Tabela 4
Possesses Coloniais das Grandes Potncias (milhes de km
e milhes de habitantes 1876-1914)
Colnias Metrpoles Total
1876 1914 1914 1914
Km Hab. Km Hab. Km Hab. Km Hab.
Inglaterra 22,5 251,9 33,5 393,5 0,3 46,5 33,8 440,0
Frana 0,9 6,0 10,6 55,5 0,5 39,6 11,1 95,1
Rssia 17,0 15,9 17,4 33,2 5,4 136,2 22,8 169,4
Alemanha - - 2,9 12,3 0,5 64,9 34,3 77,2
Estados Unidos - - 0,3 9,7 9,4 97,0 9,7 106,7
Japo - - 0,3 19,2 0,4 53,0 0,7 72,2
Total: grandes
potncias
40,4 273,8 65,0 523,4 16,5 437,2 81,5 960,6
Fonte: Lenin, 1975, p. 99
Tabela 5
Percentagem de territrio pertencente s potncias
coloniais europias e aos EUA 1876-1900
1876 1900 Diferena
frica 10,8 90,4 79,6
Polinsia 56,8 98,9 42,1
sia 51,5 56,6 5,1
Austrlia 100 100 -
Amrica 27,5 27,2 - 0,3
Fonte: Lenin, 1975, p. 95
Conforme se pode verifcar nas tabelas mencionadas, em 1876
a frica tinha 10,8% de suas terras colonizadas; em 1914, 90,4%
de seu territrio j estava em mos estrangeiras. Na polinsia, a
colonizao cresceu de 56,8% para 98,9% no mesmo perodo; na
sia o crescimento foi de 5,1% e na Austrlia e Amrica os per-
centuais permaneceram semelhantes. Se verifcarmos as possesses
individuais das duas principais naes colonizadoras, o panorama
o seguinte: em 1914, a Inglaterra, com um territrio de 300
mil quilmetros quadrados e uma populao de 46,5 milhes de
Edmi lson Costa 87
habitantes, possua colnias que correspondiam a 33,8 milhes
de quilmetros quadrados, no qual residiam 440 milhes de
habitantes. A Frana, com um territrio de 500 mil quilmetros
quadrados e uma populao de 39,6 milhes de habitantes con-
trolava 11,1 milhes de quilmetros quadrados e uma populao
de 95,1 milhes de indivduos. O domnio dos monoplios agora
envolvia todas as regies do planeta.
Os mOnOpliOs e O nOvO papel dO estadO
Ao longo da histria o Estado foi a expresso concentrada das
relaes sociais de produo, sempre agindo, em ltima instncia,
como representante mximo das classes dominantes. At o per-
odo do feudalismo, o Estado confundia-se com os reis, prncipes
e senhores feudais. No entanto, com o advento do capitalismo,
a burguesia emergente, sublevando-se contra as estruturas do
passado, criou um conjunto de mecanismos mediante os quais
institucionalizou a sua representao no aparato do Estado. A
produo fracionada do perodo inicial do capitalismo e a livre
concorrncia reduziam o papel do Estado condio de guardio
das condies gerais de funcionamento do sistema. Tornava-se
assim praticamente impossvel naquele perodo o Estado ter os
mesmos papis que tivera nos modos de produo anteriores e
tambm no poderia adquirir a funo que passou a ter com a
posterior concentrao e centralizao do capital do fnal do sculo
19 e comeo do sculo 20. No entanto, com o surgimento do im-
perialismo e da oligarquia fnanceira, as relaes entre a burguesia
e Estado tomaram novos rumos.
Com um pequeno grupo de capitalistas dominando a economia, tornou-
se tambm mais fcil o domnio do Estado. Assim, foi-se consolidando,
mediante uma srie de canais, a unio orgnica entre os Estados e os
monoplios. As grandes empresas da oligarquia fnanceira passaram a re-
crutar servidores pblicos, geralmente altos funcionrios que dominavam
88 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
extraordinariamente os segredos da mquina estatal. Por sua vez, altos fun-
cionrios do Estado tambm buscaram melhorar suas posies no mundo
dos negcios aproveitando-se do conhecimento e das relaes com estas
empresas. Comearam-se a confundir-se os interesses dos grandes mono-
plios com os interesses dos Estados. (Costa, 1989, p.30).
Uma ilustrao muito apropriada dessa relao Estado-
Monoplios o fato de que at hoje ministros e altos executivos
governamentais, ao deixarem seus cargos, vo direto para a direo
das grandes empresas.
4

Em outras palavras, isso signifca uma nova mudana de qua-
lidade no papel do Estado, oriunda da nova base de acumulao.
Se a concorrncia e a produo fracionada impediam o Estado de
exercer um papel regulador, agora com a produo concentrada
nas mos de poucos, o Estado redefne sua poltica estratgica.
Relega a um segundo plano a representao do conjunto do capital para
transformar-se fundamentalmente em instrumento da oligarquia fnanceira
e de seus monoplios. Na poca de crescimento econmico esse fenmeno
no percebido pela grande maioria dos economistas nem pelos prprios
segmentos da burguesia prejudicada, pois todos esto ganhando (...) En-
tretanto, nas pocas de crises que a hegemonia da oligarquia fnanceira se
expressa abertamente (...) Nesse perodo se processa com nitidez a poltica
de favorecimento aos monoplios, em detrimento dos outros capitalistas
(Costa, 1989, p.31).
A unio orgnica entre Estados e monoplios institucionalizou-
se aps a Grande Depresso (1929-1933) e, especialmente, aps a
II Guerra Mundial, quando o Estado passou a intervir de maneira
abrangente na economia, no apenas redirecionando-a, priorizando
setores, como tambm organizando amplas reas da produo, de
forma a regular a demanda agregada e amenizar as crises. Nessa
4
Em alguns pases, os executivos que deixam o governo so obrigados a fcar um perodo
de quarentena, recebendo salrio do Estado, mas aps esse perodo podem exercer nor-
malmente cargos de direo nas grandes empresas.
Edmi lson Costa 89
fase, os monoplios aceitaram essa interveno, no s em funo
das presses do movimento social, mas tambm devido ao perigo
sovitico. Deve-se lembrar que a URSS foi uma das vitoriosas na II
Guerra Mundial e o socialismo passou a estar presente em cerca de
um tero da humanidade. Naquelas condies internacionais ceder
os anis para no perder os dedos, foi a poltica adotada pelo grande
capital. Mesmo regulado, continuara a ditar as regras da economia
mundial, sempre ancoradas pelos seus respectivos Estados.
A histria do Capitalismo Monopolista de Estado inseparvel das duas
guerras mundiais e da Grande Depresso de 1929-1933, isto , dos grandes
abalos sociais e polticos que sacudiram o capitalismo. Esses abalos levaram
logicamente a burguesia monopolista a recorrer ajuda do Estado, junto ao
qual ela procurou uma garantia contra as manifestaes revolucionrias das
massas, consentindo em troca um certo sacrifcio (como a nacionalizao
de certos bancos, empresas e setores industriais; a fxao de preos de pro-
dutos de primeira necessidade, o pagamento de subsdios aos desempregados
etc.) para continuar a ser classe dominante. (Inozentsev, 1975, p. 84).
Outro fator importante a ser realado nesse processo o fato
de que o Estado do ps-guerra passou a dispor de grandes recur-
sos oramentrios, oriundos das receitas tributrias progressivas.
Parte desses recursos eram aplicados em projetos sociais, que
possibilitaram a construo de sociedades mais homogneas nos
pases centrais, mas tambm parte expressiva era redistribuda em
favor dos monoplios, quer mediante os gastos com incentivos e
subsdios para os empresrios, por meio da investigao cientfca,
cujos resultados era absorvidos pelo grande capital, quer no in-
vestimento militar, cujas encomendas eram feitas aos monoplios
especializados nesta funo, quer pelas encomendas em geral, que
passaram a ser um grande fator de acumulao do capital para os
monoplios. Como destaca Trepelkov:
Na poca do imperialismo (...) a interveno do Estado alargou-se a toda a
economia, adquiriu um carter profundo, sistemtico. O Estado moderno
90 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
passou a exercer diferentes funes econmicas e ele prprio uma fora
econmica poderosa. Participa diretamente do processo de reproduo
capitalista, exerce atividade produtiva em ramos inteiros da produo,
um grande proprietrio e consumidor, credor e devedor (Trepelcov, 1982,
pp. 132-133).
Vale destacar que este perodo tambm marcado pela mili-
tarizao da economia, cujo desenvolvimento atrelou ainda mais
o Estado aos monoplios, especialmente aqueles voltados para a
produo de armas. Esta produo, de carter tipicamente anti-
social, no entanto, funcional para o sistema, pois resolve dois
problemas de uma s vez. Por um lado, o investimento do Estado
na produo militar ajuda a manter a demanda agregada, evitando
grandes crises de superproduo e possibilitando ao capitalismo
um crescimento relativamente estvel. Por outro, proporciona
aos pases centrais, especialmente aos Estados Unidos, principal
economia do mundo, construir as armas mais sofsticadas, com
as quais estrutura seu potencial blico hegemnico, mantm seu
poder sobre os demais pases ocidentais e ainda estimula a corrida
armamentista, fazendo com que naes como a ento Unio So-
vitica fossem obrigadas a desviar permanentemente recursos da
rea social para a produo militar.
Assim o complexo industrial-militar, que a forma mais expres-
siva da unio do Estado com os monoplios, transformou-se no
instrumento fundamental da dinmica capitalista e, por isso mesmo,
adquiriu uma srie de vantagens em relaes aos outros monoplios.
A taxa de lucro mdia dos monoplios do complexo industrial
militar dos Estados Unidos consideravelmente superior ao lucro
mdio do restante dos monoplios. (Kozlov, 1981, p. 378).
as cOrpOraes transnaciOnais
Estas mudanas corresponderam a um perodo de grande
desenvolvimento do sistema capitalista. Tomando-se como pon-
Edmi lson Costa 91
to de partida efetivo a II Guerra Mundial, pode-se dizer que o
modo de produo capitalista viveu cerca de trinta anos virtuosos.
Estabilidade econmica, taxas de crescimento constante, baixo
desemprego e um Estado de Bem-Estar Social que incorporou
amplos setores da populao ao mercado e criou extensivas redes
de proteo social, foram as marcas deste perodo do desenvolvi-
mento do capitalismo ocidental. A mdia anual de crescimento
durante os 18 anos anteriores guerra foi de 2,3%, e no perodo
de 1951 a 1970 foi de 5,3 nos pases capitalistas desenvolvidos
(Kozlov, 1981, p. 431).
Trata-se efetivamente de um desenvolvimento extraordinrio,
levando-se em conta principalmente que o ciclo econmico capita-
lista nestas trs dcadas foi qualitativamente superior, registrando-
se fases mais longas de crescimento e apenas pequenos intervalos de
desacelerao econmica. Outro fator de considervel importncia
foi o avano do setor industrial em detrimento de outros setores,
que passou de 33% em 1950 para 36% em 1970, ressaltando-se
que a indstria pesada, carro-chefe da economia, cresceu a taxas
ainda mais elevadas que os outros setores industriais (Kozlov,
1981, p. 432).
O conjunto de descobertas e avanos cientfcos do ps-guerra
proporcionou ao sistema dinamizar novamente as foras produtivas.
O desenvolvimento da pesquisa na rea espacial, a manipulao pa-
cfca do tomo, os avanos na rea da computao e da eletrnica, a
descoberta do raio-laser, as novas tecnologias oriundas da corrida ar-
mamentista, a criao do radar, as tecnologias na rea da qumica fna
e novos materiais contriburam decisivamente para o desenvolvimen-
to de um novo patamar do sistema capitalista, uma vez que grande
parte destas conquistas tecnolgicas foram direta ou indiretamente
incorporadas produo. Estas tecnologias sofsticaram as foras
produtivas, incrementaram extraordinariamente a produtividade do
trabalho e a produo de mercadorias. Como destacou Inozentsev,
92 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
analisando os principais aspectos da revoluo tcnico-cientfca no
desenvolvimento do capitalismo contemporneo.
Trata-se no de uma evoluo ordinria, mas de mutaes extremamente
profundas que aceleraram de maneira extraordinria o desenvolvimento
de todas as esferas da produo material. Trata-se de uma modifcao
fundamental tanto no aspecto geral da produo como no papel desem-
penhado pelo homem neste processo ... Assim, por exemplo, os progressos
da matemtica e da fsica permitiram obter a fsso do ncleo atmico,
que por sua vez determinou o aparecimento da indstria atmica e dos
computadores; as descobertas no domnio da qumica estiveram na base
de uma mudana radical na tecnologia da produo e determinaram o
aparecimento de inmeras indstrias novas; as descobertas dos bilogos
possibilitaram a realizao de grandes progressos tanto na agricultura quanto
na medicina. Esta revoluo cientfca e tcnica no conhece equivalente
no que diz respeito importncia das descobertas e a variedade do saber
por ela abarcados. (Inozentsev, 1975, p. 39).
A nova conjuntura possibilitou a emergncia um conjunto
de fenmenos na esfera produtiva e nas relaes de produo,
iniciando-se assim uma fase qualitativamente nova no desen-
volvimento capitalista, que viria a se consolidar com o processo
de globalizao. At ento, os oligoplios dos pases centrais
capturavam a mais-valia dos pases da periferia mediante a troca
de mercadorias e a exportao do capital. A partir de meados da
dcada de 1950 tem incio uma fase nova: a internacionalizao
da produo, a mundializao da economia e a criao do valor
fora das fronteiras nacionais pelas burguesias dos pases centrais,
tudo isso sob o comando das corporaes transnacionais. Esses
conglomerados criaram, nas dcadas posteriores, redes de fliais
pelo mundo a fora, de forma a que o planeta se transformou numa
esfera nica de investimento, realizao e acumulao do capital.
O tema principal que se esboa desde o incio dos anos 1960 no somente
o da dependncia mtua, cada vez mais forte, das economias industriais.
Edmi lson Costa 93
Ele constitudo, tambm pelo movimento cada vez mais rpido de re-
organizao espacial da produo industrial. As naes industriais no se
limitaram mais a vender no exterior uma parte crescente de seus produtos,
elas deslocam tambm seu prprio aparelho produtivo. Transferem inds-
trias inteiras, retiram certos setores do seu bero original para instal-lo em
outras economias desenvolvidas ou em regies perifricas subdesenvolvidas
(Michalet, 1984, p.10).
Operou-se assim uma nova metamorfose no sistema capitalista,
na qual as corporaes transnacionais passaram a atuar a partir
de padres mundiais de planejamento, organizao da produo,
sistema de recursos humanos e normas administrativas.
O espao econmico da frma homogneo. Ela fornece estrutura planif-
cada e centralizada circulao de bens e servios, capitais, conhecimentos
tcnicos e administrativos. O fundamento desses fuxos j no mais o
espao de referncia habitual, mas sim a organizao, em escala mundial
ou regional, do processo produtivo (Michalet, 1984, p. 29).
A prpria organizao da gesto administrativa das transna-
cionais passou a ser internacional. A empresa-me se encarrega da
fxao de metas internacionais, da comercializao e do fnan-
ciamento em carter global, fcando para as fliais a operatividade
padronizada e a obedincia aos objetivos estratgicos. Os quadros
gerenciais tambm passam a ser formados dentro de uma padro-
nizao global rgida, que inclui no s uma viso mundial dos
negcios da empresa, mas tambm rigorosos critrios de fdelidade
corporao, especialmente porque a maioria dos executivos nos
pases perifricos recrutada nos pases centrais, especialmente
nos pases de origem da empresa, fcando para os nativos as tarefas
intermedirias.
Na periferia capitalista, as transnacionais operam com grandes
vantagens: podem se utilizar das melhores disponibilidades de
matrias-primas do pas, alm de mo-de-obra barata, incentivos
e subsdios fscais dos Estados onde se instalam. Por exemplo, no
94 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
caso da produo de um automvel estes conglomerados passaram a
ter a possibilidade de produzir, por exemplo, os motores no Brasil,
as peas com maior densidade de cobre, no Chile, os paralamas no
Mxico, os pneus na Malsia e realizar a montagem nos Estados
Unidos ou na Europa. Podem autofnanciar-se, tomar emprstimos
nos mercados internacionais ou locais, e receber imensos subsdios
e incentivos dos governos perifricos, simplesmente pelo fato de
terem optado por determinado pas. Nesse processo, passaram a
operar com grandes taxas de lucros, maiores que nos pases de
origem.
Realmente, o ponto central da nova fase do imperialismo, como
acentuou Michalet, o deslocamento para a periferia de grande
parte da criao do valor. Este movimento no s reorganizou
espacialmente a produo mundial, como possibilitou a esses
conglomerados estender diretamente seus tentculos econmicos
e polticos sobre regies inteiras do planeta.
(Esse processo) transgride com freqncia cada vez maior os espaos eco-
nmicos e polticos dos Estados-Naes. Acentua a interdependncia das
economias desigualmente desenvolvidas, substituindo a diviso internacio-
nal do trabalho tradicional (produtos primrios produtos manufaturados)
por uma nova especializao que corresponde execuo de um processo
de industrializao da periferia baseado na segmentao e no parcelamento
da produo internacional (Michalet, 1984, p. 29).
Os atuais conglomerados transnacionais diferem dos mono-
plios do incio do sculo 20 no apenas porque, ao internacio-
nalizarem o processo de produo, transformaram a antiga diviso
do trabalho no interior da fbrica em diviso internacional do
trabalho, mas tambm porque romperam as barreiras do comrcio
internacional, ao transformar o comrcio intra-frma no esteio do
comrcio mundial, representando hoje cerca de 40% das trocas
internacionais. Em outras palavras, com a internacionalizao da
produo e a mundializao da economia, as corporaes trans-
Edmi lson Costa 95
nacionais conseguiram unifcar globalmente o ciclo do capital:
produzem internacionalmente, fnanciam-se internacionalmente
e realizam a produo tambm internacionalmente.
Do ponto de vista poltico, estes conglomerados transformaram-
se assim em destacamentos avanados da nova fase do imperialismo,
agora exercendo seu poder econmico diretamente sobre os pases
em que atuam. A oligarquia fnanceira tornou-se cosmopolita, pas-
sando a explorar diretamente no apenas os trabalhadores em seus
pases de origem, mas tambm no exterior, uma vez que atualmente
a maior de seus trabalhadores opera fora de suas matrizes. Dessa
forma, a transnacionalizao da produo, que se completa com a
internacionalizao fnanceira, o fenmeno que vai dar origem
globalizao e que trataremos no prximo captulo.
a transnaciOnalizaO bancria
As instituies fnanceiras, que nos domnios do capitalismo
central j estavam umbilicalmente ligadas aos grandes trustes e
cartis, acompanharam as transnacionais na sua nova aventura
em busca da criao do valor fora das fronteiras nacionais. Isso
se tornara um processo quase natural uma vez que era necessrio,
na nova confgurao internacional da produo, ter instituies
fnanceiras slidas que possussem fexibilidade para atuar em escala
mundial e servir rede das corporaes transnacionais. Pode-se
ressaltar ainda que na dcada de 1960 e 1970 um conjunto de
fenmenos novos proporcionaram a confgurao de uma nova
arquitetura fnanceira internacional. Entre esses fatores podemos
elencar: a revoluo na rea das telecomunicaes, as novas tec-
nologias da informao, as leis restricionrias estadunidenses para
estancar o fuxo de capitais ao exterior, que foraram seus bancos
a operarem criativamente no mercado internacional, o mercado
de eurodlares, alm da reciclagem dos petrodlares, que viria
incrementar o endividamento dos pases da periferia.
96 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
(Os) bancos foram forados a imitar as empresas (transnacionais), esta-
belecendo um mercado mundial de moedas para servir a j existente rede
mundial de organizaes transnacionais(...) crucial que os bancos estejam
estruturados a operar em escala mundial da mesma forma que estas em-
presas. Como expe um brilhante anncio do Chase Manhattan: quando
se precisa rapidamente de dlares, yens, forins ou marcos, ou qualquer
outra moeda, precisa-se de um banco que encontre instantaneamente a
melhor compra. No apenas em Londres, Nova York, Frankfurt ou Paris;
mas tambm em Tquio Zurique, Bahrain. Agora, como nunca, tempo
dinheiro. (Moftt, 1984, pp. 43-44).
Michalet, em estudo pioneiro sobre a transnacionalizao
bancria, tambm observa com muita perspiccia esse movimento
dos bancos dos pases centrais em direo ao exterior.
Esta segunda onda de multinacionalizao seguiu a internacionalizao da
produo. Ela concerne, principalmente aos bancos americanos. A multi-
plicao de suas sucursais no estrangeiro, durante os anos 1960, foi espe-
tacular. Os bancos europeus conheceram uma evoluo paralela, segundo
modalidades um pouco diferentes. A associao multinacional entre bancos
de diferentes pases da Europa constitui o caminho mais freqentemente
utilizado (Michalet, 1984, p. 27).
As corporaes transnacionais produtivas, ao dispor de uma
grande rede de fliais pelo mundo afora, e agora ter tambm ao
seu dispor o brao fnanceiro articulado globalmente, podem bem
mais facilmente reciclar sua gesto fnanceira internacional e con-
solidar o processo de internacionalizao bancria. Intuitivamente,
Michalet j previa que o movimento de transnacionalizao do
capital levaria a formao de instituies transnacionais, como
atualmente na globalizao.
A atividade fnanceira das empresas multinacionais reala a realidade, em via
de formao, de um sistema econmico mundial, na medida em que elas
se apoderam de capitais disponveis em escala planetria, ou do forma a
mecanismos e instituies supranacionais. (Michalet, 1984, pp. 246-247).
Edmi lson Costa 97
No entanto, no foi apenas a necessidade de emprstimos
para as corporaes ou a formao/consolidao do mercado de
eurodlares que levaram os bancos a transnacionalizar-se. Outros
fatores relacionados ordem estruturada em Bretton Woods, foram
decisivos para a nova conjuntura. Como se sabe, aps a II Guerra
Mundial os Estados Unidos saram fortalecidos na confgurao
da nova arquitetura fnanceira mundial, em funo do controle
das organizaes internacionais Fundo Monetrio Internacional
e Banco Mundial e pelo fato de ter transformado o dlar em
moeda padro para as transaes internacionais. Em outros termos,
os EUA na prtica se transformaram em banqueiros do mundo e
reguladores da economia mundial.
Para evitar o avano comunista no Leste europeu, recursos
extraordinrios estadunidense emigraram rumo Europa para
alavancar o Plano Marshall e fnanciar a reconstruo dos pases
devastados pela guerra. Nesse processo, os Estados Unidos foram
acumulando expressivos defcits no balano de pagamento, que se
expandiram com a guerra do Vietn.
medida em que aumentava o defcit no balano de pagamento dos EUA,
tornava mais bvio que o dlar estava sobrevalorizado. Em abril de 1971, pela
primeira vez no sculo 20, a balana comercial dos Estados Unidos exportao
menos importao registrou defcit. Os detentores de dlares correram para
vend-los, antecipando-se desvalorizao. (Roberts, 2000, p. 19).
Afnal, estava claro que a quantidade de moeda estadunidense
fora dos Estados Unidos era desproporcional paridade ouro-dlar,
acertada em Bretton Woods. Portanto, a desvalorizao tornara-se
iminente.
Antecipando-se a esse movimento e com o objetivo de re-
verter a situao em favor dos Estados Unidos, em setembro de
1971 o presidente Nixon suspendeu a paridade ouro-dlar, de
forma a que a moeda americana pudesse encontrar no mercado
um novo nvel de paridade. Impunha assim um enorme prejuzo
98 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
aos detentores de dlares, que agora j no podiam mais troc-
los pela quantidade correspondente em ouro junto ao Tesouro
estadunidense. Iniciava-se o fm do sistema de Bretton Woods e a
construo de uma nova arquitetura fnanceira mundial. Muitos
pases ainda tentaram salvar o sistema, buscando um acordo que
aumentasse o padro da ona-ouro de US$ 35 por US$ 38, mas
a tentativa de acordo no funcionou e o sistema montado aps
a II Guerra Mundial comeou a desmoronar, pois vrios pases
comearam a adotar taxas de cmbio flutuantes, inclusive os
Estados Unidos, cujas autoridades foram obrigadas a suspender
os controles de capitais, para que o pas pudesse participar da
reciclagem dos petrodlares.
Mas o golpe fnal no sistema veio em 1976, com a reunio do
Fundo Monetrio Internacional em Kingston, na Jamaica, quan-
do o FMI alterou seus estatutos para legalizar as taxas de cmbio
futuantes. Na mesma reunio, o papel do ouro como reserva foi
abolido e a determinao da paridade de uma moeda em relao
outra passava a ser de responsabilidade de cada pas (Sanchez, 1999,
p. 38). Sepultava-se assim o Sistema de Bretton Woods: a partir
de ento o Sistema Monetrio Internacional passaria a funcionar
de acordo com o mercado, com uma ou outra interveno dos
bancos centrais buscando evitar grandes futuaes que pudessem
prejudicar o funcionamento do sistema.
Como se poderia esperar, a abolio da paridade cambial e de
vrios regulamentos que constituam o Acordo de Bretton Woods
viria a trazer novos fenmenos e problemas para o sistema fnan-
ceiro internacional.
O abandono do sistema de taxas cambiais fxas de Bretton Woods levou
perda da disciplina fnanceira internacional e abriu-se a porta para
o imenso crescimento das dvidas privadas nacionais e internacionais
que ocorreu no fnal dos 1970 e comeo dos anos 1980. Como conse-
qncia, o sistema fnanceiro e monetrio mundial tornou-se cada vez
Edmi lson Costa 99
mais instvel e a ameaa de colapso passou a ser a grande preocupao.
(Sanchez, 1999, p. 38).
A nova conjuntura acelerou o desenvolvimento dos negcios
bancrios. Com a consolidao do mercado de eurodlares, con-
solidava-se a privatizao da liquidez internacional, com os bancos
se envolvendo ascendentemente com a expanso internacional,
especialmente os estadunidenses.
Em 1960 oito bancos americanos tinham 124 filiais no exterior, com
ativos avaliados em US$ 12 bilhes. Em 1970, 79 bancos americanos
tinham 532 fliais no exterior, cujos ativos somavam US$ 145 bilhes. A
expanso internacional continuou e, por volta de 1980, havia 159 bancos
(no exterior), com 787 fliais e ativos de U S$ 311 bilhes. Conforme se
pode verifcar na tabela, os ativos bancrios internacionais cresceram de
US $12 bilhes em 1963 para cerca de US$ 1 trilho em 198. (Roberts,
2000, pp. 68-69).
Tabela 6 - Ativos bancrios internacionais
1963-1980 (US$ bilhes)
1963 12
1964 14
1965 18
1966 26
1967 31
1968 45
1969 70
1970 92
1971 114
1972 149
1973 215
1974 247
1975 289
1976 341
1977 419
1978 549
1979 834
1980 1010
Fonte: Roberts BIS, 2000
100 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Neste movimento, as instituies bancrias passaram a ter cada
vez mais parte de seus rendimentos oriundos de emprstimos rea-
lizados por fliais no exterior, conforme se pode constatar na tabela
referente aos bancos americanos. Os dez maiores bancos dos Estados
Unidos aumentaram de 17% para 48,0% o percentual de rendimen-
to com negcios obtidos no exterior, entre 1970 e 1981.
No fnal de 1964, apenas 11 bancos estadunidenses tinham estabelecido
agncias no exterior, embora, em conjunto, eles estivessem operando em
181 cidades. No fnal de dezembro de 1974, havia 124 bancos, com 737
agncias estrangeiras. (Moftt, 1984, p. 49).
Tabela 7
Dez maiores bancos dos EUA: % dos rendimentos internacionais
nos rendimentos totais - 1970 - 1981
1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981
Citicorp 58,0 43,0 54,0 60,0 62,0 70,6 72,4 82,2 71,9 64,7 62,1 57,1
Bank of America Corp. 22,0 29,0 35,0 39,0 47,0 64,5 78,0 64,9 53,3 46,9 49,1 55,7
J.P.Morgan & CO., Inc. 15,0 19,0 21,0 24,0 29,0 54,7 46,7 43,0 34,4 37,5 43,9 55,0
Chase Manhattan Corp. 13,0 24,0 29,0 36,0 47,2 49,1 59,3 60,2 51,5 48,8 49,1 46,8
Manufact. Hanover Corp. 25,0 28,9 35,0 45,9 45,0 60,2 46,1 47,9 58,8 52,2 57,6 62,7
Chemical New York Corp. 10,0 17,0 14,2 18,5 34,0 46,1 41,1 38,8 42,0 31,7 38,4 34,3
Bankers Trust N. Y. Corp. 14,5 19,1 31,0 40,0 52,0 58,6 60,4 82,8 67,9 51,5 57,5 60,0
Continental Illinois Corp. 2,0 7,0 11,0 12,0 3,0 34,0 17,0 20,7 16,0 3,5 19,7
First Chicago Corp. 0,2 3,0 17,0 20,0 4,0 13,4 23,0 16,7 17,8 16,5 28,1 28,1
Security Pacifc Corp. 0,4 2,0 5,0 12,0 16,0 12,0 6,9 11,2 16,6 11,0 12,9 25,4
Total 17,5 23,8 29,3 35,6 39,6 52,5 50,8 50,8 45,5 42,3 46,0 48,0
Fonte: Mofft -Salomon Brotheres
Outro fator para o incremento dos negcios bancrios foi a
emergncia dos parasos fscais, cuja liberalidade foi tamanha que
Edmi lson Costa 101
a capital das Ilhas Caims, Georgetown, passou a ter mais bancos
per capita que qualquer pas do mundo.
Antes de 1969 as Bahamas e as Ilhas Caims no tinham realizado nenhuma
operao bancria internacional (...) Em 1973 abrigavam ativos totalizando
US$ 24 bilhes, (...) total que cresceu em 1975 para US$ 41 bilhes (...)
Se incluirmos a agncia localizada no Panam, que tambm faz parte dos
parasos fscais, o valor dos ativos dos bancos americanos atingia, em 1979,
US$ 120 bilhes em ativos. (Moftt, 1984, p. 49).
Os negcios bancrios internacionais ganharam uma nova
qualidade, a partir de 1974, com a reciclagem dos petrodlares.
Os bancos internacionais, que j estavam se envolvendo com
emprstimos para os pases da periferia, com este novo impulso
ampliaram os seus negcios com esses pases. Argumentava-se na
poca que os negcios entre um banco e um pas eram mais segu-
ros que entre um banco e uma empresa, posto que uma empresa
poderia ir falncia, mas isso no aconteceria a uma nao. Os
pases perifricos no perderam tempo e aumentaram extraordina-
riamente o seu endividamento externo, fazendo com que a dvida
externa crescesse como uma bola de neve. Em 1975 os dbitos
dos pases do terceiro mundo era de US$ 195 bilhes; em 1978
j alcanavam US$ 336 bilhes: em 1980 US$ 500 bilhes; e, em
1982, 650 bilhes (Costa, 1989, p. 58).
Enquanto existia crdito em abundncia no mercado inter-
nacional, as taxas de juro dos emprstimos internacionais eram
expressivamente baixas, muito embora os crditos fossem contra-
tados a taxas futuantes. No entanto, com a reverso da conjuntura
internacional nos Estados Unidos (aumento do defcit pblico e
aumento da infao), as autoridades americanas elevaram unila-
teralmente a taxa de juros, resultando dessa medida um cenrio
profundamente adverso para os pases endividados. Se levarmos
em considerao que as taxas de juros chegaram a ser negativas
em alguns anos nos meados de dcada de 1970, poderemos ver
102 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
que o aumento dos juros reais repercutiu negativamente no ba-
lano de pagamentos desses pases. Conforme a tabela 8, pode-se
constatar que de uma taxa mdia de cerca de 1% real na dcada
de 1970 passou para uma taxa mdia de 8% nos primeiros anos
da dcada de 1980.
Tabela 8
Taxa de Juros Nominais e Reais e Infao nos EUA1970 1986


Prime Rate
Infao nos EUA
Nominal Real
1970 7,9 2,0 5,9
1971 5,7 1,4 4,3
1972 5,2 1,9 3,3
1973 8,0 1,8 6,2
1974 10,8 -0,2 11,0
1975 7,9 -1,3 9,9
1976 6,8 1,1 5,7
1977 6,8 0,3 6,5
1978 9,1 1,4 7,7
1979 12,7 1,4 11,3
1980 15,3 1,8 13,5
1981 18,9 8,6 10,3
1982 14,9 8,7 6,7
1983 10,8 7,6 3,2
1984 12,0 7,7 4,3
1985 9,9 6,4 3,5
1986 8,3 6,4 1,9
Fonte: Cepal, 1980.
Esse movimento fez com que a maioria dos pases registrasse
problemas no pagamento dos servios da dvida, principalmente
porque neste mesmo perodo observava-se paralelamente uma que-
da generalizada nos preos das matrias-primas. O sinal vermelho
da crise da dvida foi aceso quando o Mxico resolveu declarar
moratria em 1982, levando um pnico generalizado aos centros
bancrios e a uma grave crise no sistema fnanceiro internacional.
Edmi lson Costa 103
Dezenas de pases no conseguiam mais pagar o servio da dvida
externa. Os bancos se retraram e aprofundaram a crise.
Ento, entrou em cena o Fundo Monetrio Internacional,
impondo aos pases perifricos polticas monetrias ortodoxas
(recesso, desemprego, arrocho salarial), como forma ajustar suas
economias para gerar recursos, com os quais deveriam realizar
o pagamento da dvida externa. A partir da crise da dvida, os
bancos internacionais entraram numa nova fase, estimulados pela
nova poltica implementada pelo governo dos Estados Unidos e
da Inglaterra.
Em outros termos, com a internacionalizao da produo e
consolidao das corporaes transnacionais como destacamentos
avanados do imperialismo na organizao do sistema mundial de
produo, aliado internacionalizao bancria, que privatizou a
liquidez internacional e criou um novo mercado de moedas e um
novo patamar no desenvolvimento das fnanas internacionais,
estavam criadas as condies para que o capitalismo desse um
novo salto de qualidade. Isso veio a ocorrer a partir da dcada
de 1980, com o aprofundamento da globalizao da economia,
que viria a dar novos contornos ao sistema capitalista e inaugurar
defnitivamente a nova fase do imperialismo.
cAptulo iii
a glObalizaO da prOduO e as nOvas
tecnOlOgias da infOrmaO
A internacionalizao da produo foi o fenmeno seminal
do processo de globalizao geral em curso no mundo. Muitos
dos fenmenos hoje observados no sistema capitalista tm sua
origem na deciso do grande capital em extrair o valor fora de
suas fronteiras nacionais. Ao produzir internacionalmente, de
maneira planejada em termos tecnolgicos, administrativos e de
recursos humanos, o sistema capitalista deu um novo salto de
qualidade. Posteriormente, com a internacionalizao fnanceira,
transformou-se num sistema completo, capaz de unifcar o ciclo
inteiro do capital, completando assim uma etapa histrica iniciada
com a revoluo inglesa de 1640.
O eixo dinmico da globalizao est localizado nos pases
centrais, para onde so direcionados cerca de 80% do investimento
externo direto (Unctad World Investment Report WIR 2000)
e todo o processo comandado pelas corporaes transnacionais.
Historicamente, a globalizao da produo fruto da prpria
natureza do desenvolvimento das foras produtivas do capitalismo,
que necessitam constantemente revolucionar suas bases materiais,
para que o sistema possa ganhar dinmica e seguir sua marcha.
Como se sabe, ao longo de sua existncia, o sistema capitalista
passou por duas grandes mudanas de qualidade, cada qual rede-
senhando o perfl industrial, a reestruturao das classes sociais e
a hegemonia poltica mundial: a) a revoluo industrial no sculo
106 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
18 resultou na emergncia do capitalismo concorrencial e na
hegemonia inglesa; b) a segunda revoluo industrial, do fnal do
sculo 19 e incio do sculo 20, forjou uma nova fase do sistema
capitalista, denominada de imperialismo. Nesta fase a hegemonia
passou das mos inglesas para a Alemanha e Estados Unidos.
A primeira revoluo industrial substituiu o sistema de ma-
nufaturas por um sistema integrado de maquinarias, que passou a
operar a partir de uma fora motriz central, transformando a fora
de trabalho num apndice da mquina. A revoluo industrial
subordinou a produo domstica na cidade e no campo, estabe-
leceu o domnio completo do modo de produo capitalista no
planeta e consolidou o poder da burguesia enquanto classe diri-
gente mundial. A segunda revoluo industrial deu um novo salto
de qualidade ao unifcar o capital industrial e o capital bancrio e
formar os monoplios, os grandes trustes e cartis e a oligarquia
fnanceira.
Agora, o sistema capitalista est vivendo uma terceira grande
transformao, impulsionada pelas necessidades da acumulao e
pela insero das novas descobertas cientfcas na produo, cujo
processo vem revolucionando as foras produtivas. Nesta nova
confgurao esto fcando em segundo plano os ramos produtivos
ligados segunda revoluo industrial, como a metal-mecnica, a
qumica, o plstico etc. e, em seu lugar, esto assumindo a liderana
produtiva novos setores industriais, tais como a microeletrnica, a
engenharia gentica, a biotecnologia, a robtica, certos elementos
de inteligncia artifcial, a nanotecnologia, alm das tecnologias da
informao, cujo desenvolvimento tem revolucionado a indstria
da informtica (software e hardware), das telecomunicaes, da
optoeletrnica e da radiodifuso e proporcionado, entre outros
fenmenos, a emergncia da internet.
A maior parte desses novos ramos industriais j faz parte da
vida cotidiana. Se observarmos, por exemplo, a microeletrnica,
Edmi lson Costa 107
poderemos constatar que a maior parte dos bens de consumo
durveis vendidos no mercado foram produzidos por empresas
que internalizaram a miniaturizao de componentes. A robtica
j parte integrante dos sistemas de produo desenvolvidos e
se transformou num instrumento imprescindvel da produtivi-
dade fabril, bem como da concorrncia internacional entre as
empresas transnacionais. A biotecnologia e a engenharia gentica
tambm j fazem parte do dia a dia das pessoas, muito embora
sua potencialidade ainda no esteja plenamente desenvolvida. Se
levarmos em conta alguns fenmenos recentes nestes dois campos
do conhecimento, como o mapeamento gentico do ser humano
e as novas descobertas no campo da biotecnologia, como os no-
vos frmacos oriundos da biodiversidade, poderemos imaginar a
perspectiva de desenvolvimento das foras produtivas nesses dois
setores industriais.
No entanto, no campo das tecnologias da informao que
esta nova fase do capitalismo vem obtendo xitos impressionantes.
Entusiasta desse conceito, Castells chega mesmo a juntar numa
s denominao ramos to diferentes quanto a radiodifuso e a
engenharia gentica, ressaltando que as tecnologias da informao
interconectaram os mais diversos setores industriais:
(...) No fnal do sculo 20 estamos vivendo um desses raros intervalos na histria.
Um intervalo cuja caracterstica a transformao da nossa cultura material
pelos mecanismos de um novo paradigma tecnolgico que se organiza em torno
da tecnologia da informao (...) Entre as tecnologias da informao, incluo,
como todos, o conjunto convergente de tecnologias em microeletrnica, com-
putao (software e hardware), telecomunicaes/radiodifuso e optoeletrnica.
Alm disso, diferentemente de alguns analistas, tambm incluo nos domnios
da tecnologia da informao a engenharia gentica e seu crescente conjunto
de desenvolvimentos e aplicaes. (Castells, 1999, p. 49).
A enorme importncia que Castells d s tecnologias da infor-
mao est baseada no fato de que estas tecnologias representam
108 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
um salto de qualidade no processo produtivo que hoje envolve a
gerao de conhecimentos, processamento da informao e co-
municao de smbolos.
O que especfco do modo informacional de desenvolvimento a ao de
conhecimentos sobre os prprios conhecimentos como principal fonte de
produtividade. O processamento da informao focalizado na melhoria da
tecnologia do processamento da informao como fonte de produtividade,
em um crculo virtuoso de interao entre as fontes de conhecimento e o
processamento de informao: por isso que, voltando moda popular,
chamo esse novo modo de desenvolvimento de informacional, constitudo
pelo surgimento de um novo paradigma tecnolgico baseado na tecnologia
da informao. (Castells, 1999, p. 35).
Por isso, Castells acredita que as tecnologias da informao
representam um processo revolucionrio em termos de industria-
lizao, comparvel ao que foi as novas fontes de energia, como o
motor a vapor, a eletricidade, os combustveis fsseis e a energia
nuclear para as revolues industriais anteriores.
Pela primeira vez na histria, a mente humana uma fora direta de
produo, no apenas um elemento decisivo no sistema produtivo (...)
Assim, computadores, sistema de comunicao, decodifcao e progra-
mao gentica so todos amplifcadores e extenses da mente humana.
O que pensamos e como pensamos expresso em bens, servios, produo
material e intelectual, sejam alimentos, moradia, sistema de transporte e
comunicao, msseis, sade, educao e imagem. A integrao crescente
entre mentes e mquinas, inclusive a mquina de DNA, est anulando o
que Bruce Mazlish chama de a quarta descontinuidade (aquela entre seres
humanos e mquinas), alterando fundamentalmente o modo pelo qual
nascemos, vivemos, aprendemos, trabalhamos, produzimos, consumimos,
sonhamos, lutamos ou morremos. (Castells, 1999, p. 51).
Para fnalizar esta longa exposio de Castells sobre as tec-
nologias da informao, vale destacar ainda um aspecto bastante
interessante de sua percepo sobre esta nova onda tecnolgica.
Edmi lson Costa 109
A convergncia tecnolgica transforma-se em interdependncia crescente
entre as revolues em biotecnologia e microeletrnica, tanto em relao a
materiais quanto a mtodos. Assim, avanos decisivos em pesquisas biolgi-
cas, como a identifcao dos genes humanos e segmentos do DNA humano
s conseguem seguir adiante por causa do grande poder da informtica.
(Castells, 1999, pp. 79-80).
Castells identifica corretamente um conjunto de questes
fundamentais para o entendimento do papel das tecnologias da
informao, muito embora se possa discordar de suas opinies
quando este conclui que essas tecnologias puseram a sociedade em
rede. A sociedade em rede, integrada tecnologicamente, com todos
podendo ter condies de se benefciar do progresso tecnolgico,
uma miragem no capitalismo. Somente na sociedade comunista
todos podero usufruir comunitariamente os avanos da cincia e
da tecnologia. Os benefcios das tecnologias da informao envol-
vem atualmente apenas uma parcela muito pequena da populao
mundial em funo da grande concentrao da renda. Por exemplo,
60% dos computadores conectados internet pertencem a estadu-
nidenses e a prpria linguagem ofcial da rede o ingls. Em toda a
frica Negra, por exemplo, h menos telefones por habitantes que
na cidade de Tquio ou em Manhattan (Ramonet, 1998, p. 141).
Se observarmos a distribuio de renda mundial, poderemos ve-
rifcar que a sociedade em rede difcilmente se viabilizar enquanto
existir esse quadro socioeconmico dantesco. Os 2% adultos mais
ricos do mundo possuem a metade da riqueza global, enquanto a
parcela correspondente a apenas 1% da populao adulta detm
40% dos ativos mundiais. Em contrapartida, a metade mais po-
bre da populao adulta s possui 1% da riqueza global (World
Institute for Development Economics of the United Nations
University Onu-Wider, 2006).
Dentre as tecnologias da informao, a que tem crescido mais
dinamicamente a internet. Esta vem provocando uma revolu-
110 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
o semelhante criao da imprensa por Guttenberg. Apesar do
pouqussimo tempo de sua disseminao generalizada, a internet
hoje uma ferramenta to surpreendente e com mutaes to
extraordinrias que se torna difcil imaginar o seu futuro daqui
a uma dcada, por exemplo. Na velocidade da luz, pode-se hoje
enviar e-mail para qualquer parte do mundo e o destinatrio
receber em tempo real. possvel tambm, realizar operaes
comerciais em qualquer parte da terra onde exista acesso inter-
net, reproduzir msicas, vdeos, livros, textos e imagens em geral,
alm de fazer operaes bancrias e fnanceiras, acessar os jornais
do mundo inteiro, visitar bibliotecas, museus etc. Nos sistemas
educacionais, podem-se fazer cursos distncia para milhares
e milhares de estudantes e pesquisas nos principais centros de
documentao, democratizando-se de maneira extraordinria o
acesso a informaes.
Pode-se dizer mesmo que, num perodo no muito distante,
praticamente todo conhecimento da humanidade, acumulado
em milhares de anos, estar disponvel a quem possua um com-
putador e o acesso a um provedor da internet. Como no tempo
de Gutenberg, a internet, caso no seja aprisionada pelas malhas
do capital e continue sua saga democrtica, provocar mudanas
extraordinrias no cotidiano social da humanidade, cujas reper-
cusses ainda so difceis de se prever.
No entanto, h uma batalha surda entre os monoplios e a
multido de usurios e programadores independentes, em funo
do controle da internet.
At a comercializao (...) no havia proprietrios na internet. Esta carac-
terstica subsiste parcialmente, pois ningum dono do sistema. O acesso
continua aberto e ilimitado e no impera a censura nas comunicaes. Por
exemplo, publica-se experimentalmente alguns jornais dirios que no tem
editor. A aplicao acadmica permitiu um grau de intercmbio do conhe-
cimento cientfco sem precedentes na histria. Os acadmicos, ao invs
Edmi lson Costa 111
de submeterem seus trabalhos ao regime de arbitragem, puderam difundir
instantaneamente suas descobertas. Esta coletivizao do conhecimento foi
uma das obtenes mais satisfatrias da rede. (Katz, 1995, p.106).
At agora nem os monoplios, nem os governos nacionais
conseguiram controlar o fuxo de informaes da internet, mas os
esforos nesse sentido esto sendo desenvolvidos com acentuada
contundncia, apesar do enorme grau de difculdade tcnica para
o enquadramento geral do sistema.
A privatizao da internet passou a ser uma prioridade das corporaes,
j que em seu estado atual a rede no serve plenamente aos negcios da
multimdia. Em muito pouco tempo se est produzindo a monopolizao
comercial. As trs redes comerciais estadunidenses (American Online,
Compuserver e Prodigy) organizaram impressionante base de dados con-
tida na internet e a ofereceram como servios (...) Mas a privatizao da
internet exige a generalizao prvia de novos sistemas de codifcao da
informao para eliminar o funcionamento pblico, universal e gratuito
do sistema (Katz, 1995, p.107).
reestruturaO prOdutiva
As mudanas oriundas da globalizao provocaram uma re-
orientao estratgica na produo e organizao das empresas.
Fenmenos tais como o aumento da concorrncia internacional,
o incremento extraordinrio de novas tecnologias no processo
de produo, aliados nova conjuntura de desregulamentao
econmica e social, bem como ao reordenamento institucional
do mercado de trabalho, foraram as empresas a realizarem uma
reestruturao produtiva em escala internacional, envolvendo
transformaes qualitativas tanto internas quanto externas s
fbricas. Como destaca Carleial (2001, p. 11):
O Primeiro nvel se faz mediante a incorporao de novas mquinas, mu-
danas em estruturas hierrquicas, novos requerimentos de qualifcao de
trabalhadores, novas tcnicas organizacionais associadas a uma estratgia
112 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
de maior integrao entre concepo e execuo da produo e, ainda (...)
estratgias que permitam maior envolvimento dos trabalhadores e com-
promissos com interesses especfcos dos clientes e, portanto da empresa.
O outro nvel dessa mudana ocorre no seu relacionamento externo com
as demais empresas, fornecedores subcontratados, clientes, instituies de
pesquisa, universidades governos etc. juntamente com a constituio de
uma prtica voltada para a inovao que fundamenta a busca permanente
por vantagens competitivas.
Manzano entende a reestruturao produtiva como um pro-
cesso de modifcao do sistema produtivo, de forma a torn-lo
fexvel, adapt-lo s vicissitudes da demanda e ajust-lo maior
produtividade da mo-de-obra.
Ou seja, com o intuito de facilitar os ajustes da produo s oscilaes
do mercado, desregulado e mais competitivo, a reestruturao produtiva
envolve a fexibilizao da organizao inter-frmas, adoo de tecnologias
fexveis, a fm de facilitar a adequao da produo s variaes da demanda
e, fnalmente, fexvel na organizao do trabalho, no sentido de otimizar
o uso da mo-de-obra (Manzano, 2004, p. 21).
Esta autora identifca trs aspectos principais na reestruturao
produtiva, todos com objetivo central de reduzir custos e transferir
para terceirizadas eventuais riscos de mercado: O primeiro envolve
a desconglomerizao, processo pelo qual a empresa focaliza a sua
atuao na atividade-fm e repassa para subcontratadas outras ativi-
dades produtivas ou de servio. O segundo aspecto est relacionado
s inovaes tecnolgicas oriundas da terceira revoluo industrial,
nas quais h uma insero intensa de cincia na produo, gerando
poupana de mo-de-obra e ganhos de produtividade. O terceiro
aspecto diz respeito s inovaes organizacionais, envolvendo redu-
o de estoques, mecanismos de controle de qualidade, reduo de
nveis hierrquicos no interior da frma e modifcao das funes
e comportamento do trabalhador no cho da fbrica (Manzano,
2004, pp. 22-23).
Edmi lson Costa 113
Os trs aspectos conjugados esto possibilitando ao gran-
de capital elevados ganhos de produtividade, maior eficincia
administrativa e menores custos. Do ponto de vista da relao
capital-trabalho, a reestruturao produtiva desestabilizou tempo-
rariamente a organizao operria no interior das fbricas, no s
em funo da terceirizao, mas especialmente em conseqncia
de uma srie de inovaes organizacionais, mediante nova gesto
da mo-de-obra, tais como os crculos de controle de qualidade,
clulas de produo, metas de produo, banco de horas, entre
outros. A nova gesto, ao precarizar e intensificar o trabalho,
dificultar ou manipular a atividade sindical, e tornar o salrio
fexvel, mediante metas de produo e participao nos lucros,
est provocando um duro golpe na organizao dos trabalhadores,
muito embora este fenmeno tenha se verifcado em todos os per-
odos de grandes mudanas tecnolgicas. Passada esta etapa, como
tambm ocorreu no passado, bem provvel que os trabalhadores
devero recompor-se no interior da frma para retomar sua luta
secular contra o capital.
Um dado importante da globalizao que este fenmeno j
se processa dentro de um quadro maduro de produo interna-
cionalizada, com a burguesia extraindo direta e generalizadamente
o valor em escala global. Essa conjuntura proporciona ao capital
expressivas vantagens, semelhantes s que os monoplios da segun-
da revoluo industrial conseguiram com a conquista de fontes de
matrias-primas nas colnias. Possuir uma rede de fliais espalhadas
pelo mundo, usufruindo das melhores disponibilidades de cada
pas e atuando como destacamentos avanados dos interesses das
grandes corporaes da Trade Imperial (EUA, UE e Japo), d ao
capital uma enorme potencialidade em termos de ampliao das
taxas de lucro.
Ressalte-se ainda que as duas grandes mudanas anteriores
globalizao foram realizadas de maneira assimtrica nos pases
114 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
centrais, ou seja, cada pas marcou sua maneira a insero na
industrializao. No entanto, o processo atual se desenvolve de
maneira simtrica entre os lderes da produo mundial, em
funo da internacionalizao da produo e da remonopolizao
da burguesia ocorrida nos anos 1990. Por isso, a concorrncia
intercapitalista ganha tambm novos contornos, entre os quais,
o principal a macro-organizao dos interesses monopolistas
nos blocos econmicos, plataforma a partir do qual as diferentes
fraes do capital buscam redefnir os seus papis no mercado
mundial.
O cOmandO das transnaciOnais
A globalizao da produo liderada pelas companhias
transnacionais, que funcionam como destacamentos avanados
da Trade Imperial no interior de cada um dos pases em que
possuem fliais, no s buscando a valorizao do capital, mas
tambm infuenciando a poltica econmica destas naes. Estas
corporaes, com suas redes de fliais espalhadas pelo mundo, tm
a possibilidade, especialmente na periferia, de se aproveitar das
melhores disponibilidades de cada pas, em termos de matrias-
primas, mo-de-obra barata, concesses fiscais e creditcias e
podem ainda articular a produo em escala global, rompendo
assim os estreitos limites da produo nacional e eventual escassez
de matrias-primas ou mo-de-obra.
Em outras palavras, as transnacionais transformaram o mun-
do numa imensa reserva de matrias-primas e mo-de-obra sua
disposio. Ganharam a fexibilidade para a reproduo ampliada
do capital a partir de bases internacionais, quer segmentando as
peas, de acordo com o menor custo de produo, e montando o
produto fnal nos pases centrais, quer fabricando o produto inteiro
e vendendo-o nos prprios pases onde fabricado, ou simples-
mente podendo desenhar o produto num pas, fazer o prottipo
Edmi lson Costa 115
em outro e produzir em massa onde haja a mo de obra mais
barata (como ocorre com o tnis Nike) e posteriormente vender a
mercadoria no mercado mundial.
As companhias transnacionais compreendem um conjunto de
63 mil matrizes e cerca 690 mil fliais (WIR, 2000), alm de um
conjunto de milhares de empresas a elas vinculadas (fornecedores,
comerciantes etc.), cujo espao geogrfco envolve praticamente
todas as regies do planeta. Do conjunto destas corporaes o
que conta mesmo so as 100 principais, cuja produo representa
o ncleo mais dinmico da produo mundial. As fliais estran-
geiras das 100 primeiras empresas transnacionais concentram sua
atividade principalmente na rea de equipamentos eletrnicos e
eltricos, automveis, petrleo, produtos qumicos e produtos
farmacuticos (WIR, 2002). Ressalta-se que neste grupo de
grandes conglomerados, at 2001, constava apenas uma empresa
da periferia, a Petrleos de Venezuela PDVSA. No relatrio de
2002, esto listadas mais duas empresas desse grupo de pases:
a Whampoa, de Hong Kong, e a Cemex, do Mxico. Portanto,
das cem maiores do mundo, apenas trs pertencem a pases da
periferia (Tabela 9).
Para se ter uma idia do peso das corporaes transnacionais
na economia mundial, continuemos expondo mais dados do
relatrio da Unctad: o produto bruto associado produo in-
ternacional e as vendas das fliais estrangeiras destas corporaes
aumentou mais rpido que o produto bruto mundial. Em 1980,
as vendas destas empresas em todo o mundo somaram US$ 3
trilhes; em 1999 j atingiam US$ 14 trilhes, representando
quase o dobro das exportaes mundiais no perodo. O produto
bruto das vendas no estrangeiro representa uma dcima parte do
produto bruto mundial, enquanto em 1982 representava somente
a vigsima parte (WIR, 2000). Esses dados demonstram o imen-
so poder econmico que as corporaes possuem e provam que
116 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
a produo mundial tem sua dinmica centrada nos negcios
realizados por estas empresas.
Esse poderio pode ser verificado examinando-se o ranking
destas empresas e sua relao com o produto interno bruto de
vrios pases do mundo. Por exemplo, as sete maiores frmas da
tabela 11 tm um volume de negcios anual de US$ 961 bilhes,
portanto semelhante ao Produto Interno Bruto da China, o pas
mais populoso do mundo. As seis maiores, tm um volume de
negcios maior que o PIB do Brasil. As cinco maiores geram re-
cursos maiores que o PIB da sia Sul (inclusive a ndia). A General
Motors, Daimler, Chrysler e Ford, com negcios somando 460,3
bilhes, superam o PIB da ndia. Somente a General Motors e a
Daimler tem volume de negcios maior que o PIB da Rssia. Ou
somente a General Motors tem um volume de negcios anual
maior que os 48 pases menos avanados (Toussaint, 2002, p. 57).
Por esses dados pode-se ver claramente a dimenso econmica das
corporaes transnacionais e o imenso potencial que possuem para
infuenciar as polticas governamentais dos pases da periferia no
sentido de atender aos seus interesses.
Alm do gigantismo econmico, essas empresas controlam
vrios setores da economia mundial, do comrcio aos ramos de
produo propriamente ditos. Por exemplo, no setor de micropro-
cessadores, apenas o grupo Intel controlava, em 1977, 60% de todo
o mercado mundial. Na aeronutica civil, somente dois grupos,
Boeing e Airbus, detinham, em 1998, 95% da produo mundial.
No setor de equipamentos para telecomunicaes, em 1997, quatro
grupos possuam mais de 70% das vendas mundiais. No setor de
bancos de imagens, em 1994, trs empresas eram responsveis por
80% da produo mundial. No setor de fumo, apenas trs empre-
sas controlavam 87% de tudo que comercializado no mercado
mundial. No setor de material mdico, cinco empresas detinham
em, 1989, 90% da produo mundial. (Toussaint, 2002, p.64).
Edmi lson Costa 117
Tabela 9 - As 100 maiores empresas multinacionais no fnanceiras, por
patrimnio externo - Ano 2000 (U$ milhes)
Ranking
2000
Corporao Pais Indstria
Patrimnio Vendas
Foreign Total Foreign Total
1 Vodafone Reino Unido Telecomunicaes 221.238 222.326 7.419 11.747
2
General
Electric
EUA
Equipamentos
Eletrnicos
159.188 437.006 49.528 129.853
3 ExxonMobil EUA
Petrleo Exp./
Ref./Distr.
101.728 149.000 143.044 206.083
4
Vivendi
Universal
Frana Diversifcado 93.260 141.935 19.420 39.357
5
General
Motors
EUA Automobilstica 75.150 303.100 48.233 184.632
6
Royal Dutch/
Shell
Reino
Unido/Ho-
landa
Petrleo Exp./
Ref./Distr.
74.807 122.498 81.086 149.146
7 BP Reino Unido
Petrleo Exp./
Ref./Distr.
57.451 75.173 105.626 148.062
8 Toyota Motor Japo Automobilstica 55.974 154.091 62.245 125.575
9 Telefnica Espanha Telecomunicaes 55.968 87.084 12.929 26.278
10 Fiat Itlia Automobilstica 52.803 95.755 35.854 53.554
11 IBM EUA
Equipamentos
Eletrnicos
43.139 88.349 51.180 88.396
12 Volkswagen Alemanha Automobilstica 42.725 75.922 57.787 79.609
13
Chevron
Texaco
EUA
Petrleo Exp./
Ref./Distr.
42.576 77.621 65.016 117.095
14
Hutchison
Whampoa
HongKong,
China
Diversifcado 41.881 56.610 2.840 7.311
15 Suez Frana
Eletricidade / Gs
/ gua
38.521 43.460 24.145 32.211
16
Daimler-
Crysler
Alemanha/
EUA
Automobilstica - 187.087 48.717 152.446
17
News Corpo-
ration
Austrlia Mdia 36.108 39.279 12.777 14.151
18 Nestl Sua Alimentcia 35.289 39.954 48.928 49.648
19 TotalFinaElf Frana
Petrleo Exp./
Ref./Distr.
33.119 81.700 82.534 105.828
118 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
20 Repsol YPF Espanha
Petrleo Exp./
Ref./Distr.
31.944 487.763 15.891 42.563
21 BMW Alemanha Automobilstica 31.184 45.910 26.147 34.639
22 Sony Japo
Equipamentos
Eletrnicos
30.214 68.129 42.768 63.664
23 E.On Alemanha
Eletricidade / Gs
/ gua
- 114.951 41.843 86.882
24 ABB Sua
Maquinrios /
Equipamentos
28.619 30.962 22.528 22.967
25
Phillips
Electronics
Holanda
Equipamentos
Eletrnicos
27.885 35.885 33.308 34.870
26
Anglo
American
Reino Unido Minerao 26.000 30.616 18.100 20.570
27 Diageo Reino Unido Alimentcia 25.980 37.550 15.880 18.470
28
Wal-Mart
Stores
EUA Varejo 25.742 78.130 32.100 191.329
29 Honda Motor Japo Automobilstica 25.576 46.146 41.909 57.454
30 Alcatel Frana
Maquinrios /
Equipamentos
24.461 39.524 25.269 29.487
31
British
American
Tobacco
Reino Unido Tabaco 23.860 25.076 16.374 17.603
32 Nissan Motor Japo Automobilstica 23.347 51.610 28.680 48.717
33 BASF Alemanha Qumica 23.208 36.197 26.332 33.746
34 Roche Sua Farmacutica 22.960 42.469 17.232 17.537
35 Bayer Alemanha Farmacutica 21.288 33.917 24.875 28.818
36 Eni Itlia
Petrleo Exp./
Ref./Distr.
20.788 45.688 19.311 44.606
37 Unilever
Reino
Unido/Ho-
landa
Diversifcado 20.382 52.587 26.067 44.254
38 Ford Motor EUA Automobilstica 19.874 283.390 51.691 170.058
39 Rio Tinto
Reino
Unido/Aus-
trlia
Minerao 19.405 19.443 9.735 9.972
40 Aventis Frana Farmacutica 19.264 38.142 14.088 20.940
Ranking
2000
Corporao Pais Indstria
Patrimnio Vendas
Foreign Total Foreign Total
Edmi lson Costa 119
41
Texas
Utilities
Company
EUA
Eletricidade / Gs
/ gua
19.224 43.420 7.761 22.009
42
Mitsui &
Company
Japo
Vendas por
Atacado
19.118 64.071 45.901 128.162
43 Pfzer EUA Farmacutica 19.100 33.500 10.000 29.400
44
Hewlett-
Packard
EUA
Equipamentos
Eletrnicos
- 34.009 27.505 48.871
45 Carrefour Frana Varejo 17.137 24.065 28.664 60.298
46
Procter &
Gamble
EUA Diversifcado 16.967 34.194 19.913 39.951
47 Coca-Cola EUA Alimentcia 16.560 20.830 12.740 20.460
48 Peugeot Frana Automobilstica 16.334 46.963 28.466 42.978
49 Thomson Canad Mdia 15.522 15.699 6.094 6.514
50
Dow Chemi-
cal
EUA Qumica 15.500 35.991 16.747 29.534
51 Siemens Alemanha
Equipamentos
Eletrnicos
- 75.229 31.301 71.388
52 Astrazeneca Reino Unido Farmacutica 15.000 18.000 15.009 15.804
53 Royal Ahold Holanda Varejo 14.827 23.990 33.653 48.000
54
Stora Enso
Oys
Finlndia Papel 14.727 19.841 11.348 12.112
55 Motorola EUA Telecomunicaes 14.713 42.343 21.796 37.580
56 Hitachi Japo
Equipamentos
Eletrnicos
14.650 92.804 22.110 75.483
57
Compagnie
De Saint-
Gobain
Frana
Produtos minerais
no metlicos
14.487 29.222 19.829 26.798
58 Verizon Com EUA Telecomunicaes 14.466 164.735 1.976 63.423
59
Johnson &
Johnson
EUA Farmacutica 14.436 34.245 12.139 29.846
60 SBC Com EUA Telecomunicaes 14.300 98.651 6.900 51.374
61 RWE Alemanha
Eletricidade / Gs
/ gua
13.800 60.000 16.400 44.600
Ranking
2000
Corporao Pais Indstria
Patrimnio Vendas
Foreign Total Foreign Total
Ranking
2000
Corporao Pais Indstria
Patrimnio Vendas
Foreign Total Foreign Total
120 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
62
Matsu-
shita Eletric
Industrial
Japo
Equipamentos
Eletrnicos
13.745 72.518 33.974 68.862
63 AES EUA
Eletricidade / Gs
/ gua
13.659 31.033 4.185 6.691
64
Deutsche
Post
Alemanha
Transporte e
armazenagem
13.495 139.380 8.965 30.707
65 Michelin Frana Borracha e pneu 12.900 15.950 12.557 14.326
66 Ericsson Sucia Telecomunicaes 12.640 26.352 23.261 29.828
67 McDonalds EUA Alimentcia 12.475 21.685 8.420 14.245
68 WPP Group Reino Unido Services 12.145 13.372 3.657 4.453
69 Volvo Sucia Automobilstica 12.133 21.053 16.237 17.489
70
Glaxo
SmithKline
Reino Unido Farmacutica 11.953 27.447 18.528 27.006
71 Cnon Japo
Equipamentos
Eletrnicos
11.737 24.627 1.997 24.185
72 Sumitomo Japo
Vendas por
Atacado
11.672 39.286 10.135 80.000
73 Merck & Co EUA Farmacutica 11.648 40.155 7.292 40.363
74
Robert
Bosch
Alemanha
Maquinrios /
Equipamentos
11.079 22.800 21.140 29.360
75 Danone Frana Alimentcia 10.949 16.179 9.910 13.413
76 Cemex Mxico
Produtos minerais
no metlicos
10.887 15.759 3.028 5.621
77 Nissho Iwai Japo Wholesale trade 10.672 29.145 19.496 52.213
78
Cable &
Wireless
Reino Unido Telecomunicaes 10.622 34.321 10.253 14.678
79
Japan
Tobacco
Japo Tabaco 9.959 29.159 3.760 41.180
80 Itochu Japo Wholesale trade 9.894 41.626 18.736 97.944
81 Bridgestone Japo Borracha e pneus 9.756 18.884 10.894 18.591
82 LAir Liquide Frana Qumica 9.643 10.700 5.760 7.480
83 Pearson Reino Unido Mdia 9.556 13.062 4.580 5.787
Ranking
2000
Corporao Pais Indstria
Patrimnio Vendas
Foreign Total Foreign Total
Edmi lson Costa 121
84 Fujitsu Japo
Equipamentos
Eletrnicos
9.476 41.936 15.275 44.229
85
Norsk Hydro
Asa
Noruega Diversifcado 9.378 22.191 16.118 17.727
86 Interbrew Blgica Alimentcia 9.274 10.383 6.704 7.384
87 Carnival EUA Turismo 9.200 9.800 598 3.779
88 Alcan Canad
Metal and metal
products
9.030 18.407 8.523 9.244
89 Marubeni Japo Wholesale trade 9.000 52.682 40.000 96.438
90
Cadbury-
Schweppes
Reino Unido Alimentcia 8.845 9.651 5.412 6.834
91 Electrolux Sucia
Equipamentos
Eletrnicos
8.810 9.519 13.089 13.576
92
LG Electron-
ics
Korea
Equipamentos
Eletrnicos
8.750 17.709 9.331 18.558
93 AkzoNobel Holanda Farmacutica 8.600 10.900 11.900 12.600
94 Usinor Frana
Metal e produtos
metlicos
8.541 14.297 5.190 14.771
95 Conoco EUA
Petrleo Exp./
Ref./Distr.
8.311 15.618 10.621 31.936
96
Mitsubishi
Motors
Japo Automobilstica 8.169 28.732 15.084 37.905
97
Petrleos de
Venezuela
Venezuela
Petrleo Exp./
Ref./Distr.
8.017 57.089 49.780 53.234
98 Renault Frana Automobilstica 7.936 19.653 24.121 37.383
99 Petronas Malsia
Petrleo Exp./
Ref./Distr.
7.690 36.594 11.790 19.305
100 Philip Moris EUA Diversifcado 7.425 79.067 32.051 63.276
Fonte: UNCTAD, 2001
Ranking
2000
Corporao Pais Indstria
Patrimnio Vendas
Foreign Total Foreign Total
Ranking
2000
Corporao Pais Indstria
Patrimnio Vendas
Foreign Total Foreign Total
122 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Tabela 10
Volume de negcios das maiores multinacionais em comparao
com o PIB de pases selecionados em bilhes de dlares 1998 -
populao em milhes
Volume de negcios Populao
General Motors 161,3 -
Polnia 158,6 38
Daimler Chrysler 154,6 -
Ford 144,4 -
Wal Mart 137,6 -
Africa do Sul 133,5 39
Mitsui 131,6 -
Finlndia 123,5 5
Grcia 120,7 10
Mitsubishi 118,9 -
Itochu 116,8 -
ELF 110,2 -
Portugal 106,7 9
Colmbia 102,7 40
Marubeni 102,5 -
Exxon 100,7 -
General Eletric 100,5 -
Sumimoto 95,5 -
Indonsia 94,2 206
Shell 93,7 -
Toyota 88,5 -
Egito 82,7 66
Irlanda 81,9 3
IBM 81,7 -
Volkswagen 80,5 -
BP Amoco 68,3 -
Filipinas 65,1 72
Paquisto 63,4 148
Honda 52,4 -
Nestl 52,2 -
Sony 51,2 -
Unilever 47,5 -
Arglia 47,3 -
Bangladesh 42,7 124
Nigria 41,4 106
Vivendi 33,9 -
Carrefour 32 -
ABB 30,9 -
Vietnam 27,2 77
GlaxoSmithKine (a) 26,2 -
Equador 18,4 12
Tossaint e Millet, com base em dados da PNUD 2000
Edmi lson Costa 123
Tabela 11
Volume de negcios das transnacionais, PIB e populao de pases
selecionados
Volume de negcios Populao
Sete maiores frmas da tabela 965,5 -
China 959 1.255
Seis maiores frmas da Tabela 848,5 -
Brasil 778,2 165
Cinco maiores frmas da Tabela 729,6 -
sia do Sul (Inclusive India) 670,5 1.364
GM + Daimler+Chrysler+Ford 460,3 -
India 430 982
GM+Daimlewr+Chrysler 315,9
frica Subsaariana 319,8 569
GM 161,3 -
48 pases menos avanados 145,9 581
Fonte: Toussaint e Millet, 2000
No que se refere ao comrcio mundial, as transnacionais no
s romperam as tradicionais teorias das vantagens comparativas,
ao transformar o comrcio intra-frma num elemento fundamental
do comrcio mundial, atualmente por volta de 40% do volume
global, como controlam 70% do comrcio mundial. O comrcio
intra-frma no obedece aos preos internacionais de mercado,
posto que a relao entre matriz e flial de inteira subordinao
por parte da segunda. Neste caso, so bem conhecidas as formas
com que as fliais transferem renda para as matrizes. Existe farta
documentao sobre os processos de superfaturamento (venda da
matriz para a flial a preos acima do mercado) e subfaturamento
(venda da filial para a matriz a preos abaixo do mercado). A
essa nova forma de transferncia de recursos da periferia para o
Centro os especialistas procuram dar o nome pomposo de preos
de transferncia.
As transnacionais tambm controlam com mo de ferro a
inovao tecnolgica, bastando dizer que 95% da pesquisa e de-
124 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
senvolvimento mundial so realizados nos pases da Organizao
de Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), a elite
do grande capital mundial.
A multinacional o nico participante do sistema de inovao que pode
escolher entre trs formas de valorizao de suas atividades de pesquisa e
desenvolvimento: a produo de bens para exportao, baseada em inovao
de processos ou incorporando inovaes de produto; a venda das patentes
ou concesses de licena, cedendo o direito de utilizar as inovaes; por
fm, e sobretudo, a explorao das tecnologias em nvel de todo o grupo.
aqui que se situa a circulao de tecnologia no interior do espao privado
dos grupos (Chesnais, 1996, p.147).
A concentrao das inovaes tecnolgicas por parte das cor-
poraes transnacionais fruto da privatizao do conhecimento,
que vem se consolidando desde o aparecimento dos monoplios
no incio do sculo passado. Esse processo faz com que, cada vez
mais, as tecnologias avanadas passem a ser criadas nos pases
centrais, restando aos pases perifricos apenas a utilizao das
inovaes, sem a transferncia dos padres e cdigos que permi-
tem desenvolver e internalizar esse conhecimento. Dessa forma,
amplia-se de maneira geomtrica o fosso tecnolgico entre os
pases centrais e os perifricos, fato que vem se consolidando com
maior rapidez aps os acordos do Gatt (Acordo Geral para Tarifas
e Comrcio), atualmente substitudos pela Organizao Mundial
do Comrcio.
Estes acordos, elaborados a partir das presses dos grandes
grupos, reforam os direitos de propriedade, impedem o desenvol-
vimento de produtos semelhantes e permitem que as corporaes
se apropriem, inclusive, da biodiversidade mundial e do imenso
patrimnio do saber popular acumulado ao longo da histria da
humanidade. As multinacionais da bioindstria e a indstria
agroalimentar (...) percorrem o mundo para estabelecer seus
direitos de descoberta fazendo registr-lo no seu nome. Pilham
Edmi lson Costa 125
assim o patrimnio elaborado pacientemente pela humanidade
(Toussaint, 2001, p. 151).
Enquanto concentram a tecnologia de ponta nos pases de
origem, desenvolvem polticas que visam depreciar os termos de
troca entre Norte e Sul, em funo do controle que exercem no
comrcio mundial. Uma amostra dessa relao desigual da troca
pode ser observada na Tabela 12: Por exemplo, o preo da tonelada
de soja , em 1980, era de US$ 830, caiu para US$ 447,3 em 1990
e US$ 336,2 em 2000. O preo do caf robusta (centavos por qui-
lo) decresceu de US$ 450,5 em 1990 para US$ 90,8 em 2000. A
laranja, que em 1980 valia US$ 555,8 a tonelada retrocedeu para
US$ 361,4 em 2000. O minrio de ferro, que custava US$ 39
centavos a tonelada caiu para US$ 28,6; a prata despencou de US$
2.866,1 centavos-ona para US$ 497, todos no mesmo perodo.
Os dois nicos produtos que obtiveram algum aumento de preo
no perodo foram a madeira cortada da Malsia, que subiu de US$
550 o M3 para US$ 593 no perodo considerado e o zinco, que
cresceu de US$ 105,7 centavos por quilo para US$ 112,2 entre
1980 e 2000 (Toussaint, 2001, p.81).
Em termos de perspectiva, as relaes de trocas desiguais e
o monoplio tecnolgico criam um crculo vicioso nas relaes
entre as naes e aprofundam proporcionalmente o atraso em que
esses pases vivem desde os tempos em que o capital internacional
passou a delimitar o seu destino.
Tudo converge para que esses pases permaneam prisioneiros de
especializaes tornadas obsoletas pela evoluo dos conhecimentos
cientfcos e das tecnologias acumuladas pelos pases avanados, espe-
cialmente dentro dos grandes grupos. Como antigos pases colonizados,
herdeiros de aparelhos estatais herdados da potncia tutelar, com elites
dirigentes formadas na escola do parasitismo e da corrupo, eles fcam
praticamente sem meios de defesa diante dessas evolues. (CHESNAIS,
1986, p. 221).
126 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Tabela 12
Preos das matrias-primas em US$ constantes de 1990
Produto Unidade 1980 1990 2000
Petrleo Bruto US$ por barril 51,2 22,9 28,1
Cacau centavos/kg 361,6 126,7 90,1
Caf centavos/kg 481,4 197,2 190,9
Caf (robusta) centavos/kg 450,5 118,2 90,8
Ch centavos/kg 230,5 205,8 186,4
leo de coco US$/Tonelada 935,9 336,5 447,4
Coco sem casca US$/Tonelada 628,8 230,7 303,0
leo de amendoim US$/Tonelada 1192,7 963,7 709,6
leo de palmeira US$/Tonelada 810,7 289,9 308,2
Farinha de soja US$/Tonelada 364,5 200,2 187,9
leo de soja US$/Tonelada 830,0 447,3 336,2
Soja US$/Tonelada 411,4 246,8 210,6
Milho US$/Tonelada 174,0 109,3 88,0
Arroz US$/Tonelada 570,5 270,9 201,2
Sorgo US$/Tonelada 179,0 103,9 87,5
Bananas US$/Tonelada 524,0 540,9 421,6
Laranjas US$/Tonelada 555,8 531,1 361,4
Camaro cinza (Mxico) centavos/kg 1600,0 1069,0 1504,0
Acar centavos/kg 87,7 27,7 17,9
Madeira (tronco inteiro - Camares) US$ / m 349,6 343,5 273,8
Madeira (tronco inteiro - Malsia) US$ / m 271,6 177,2 188,9
Madeira cortada - Malsia US$ / m 550,0 533,0 593,0
Algodo centavos/kg 286,4 181,9 129,5
Borracha Malsia centavos/kg 197,9 86,5 68,7
Tabaco US$/Tonelada 3161,0 3392,0 2967,0
Alumnio US$/Tonelada 2022,0 1639,0 1540,0
Cobre US$/Tonelada 3031,0 2661,0 1803,0
Ouro US$/ona 844,3 383,5 277,4
Minrio de Ferro cent/Ton. pura 39,0 32,5 28,6
Chumbo centavos/kg 125,8 81,1 45,1
Nquel US$/Tonelada 9054,0 8864,0 8588,0
Prata Centavos/ona 2866,1 482,0 497,0
Estanho centavos/Kg 2329,8 608,5 540,4
Zinco centavos/Kg 105,7 151,4 112,2
Fonte: Toussaint, 2001
Edmi lson Costa 127
franquias e terceirizaes
Alm desses aspectos tpicos de uma economia mundial sob
o domnio do imperialismo, novos fenmenos tambm esto
emergindo na rea dos servios, cujo setor passa por uma intensa
transformao, tanto na relao capital-capital, quanto na relao
capital-trabalho. Teoricamente, podemos dizer que os servios em
geral compem um setor auxiliar da economia, onde poucos de
seus segmentos tm a possibilidade de gerar valor. No entanto,
este setor est buscando aceleradamente subverter o seu cdigo
gentico, numa metamorfose em que, aliado umbilicalmente ao
setor produtivo, tenha a possibilidade gerar valor, nem que para
isso seja necessrio aprisionar setores produtivos que dependem
de seu conhecimento para desenvolver-se. Portanto, pode-se ob-
servar crescentemente uma interconexo entre o setor de servios
e o setor industrial, mediante parcerias convenientes que resultem
em vantagens recprocas, nas quais o produto acompanhado de
um servio imprescindvel. At mesmo porque muitas empresas
produtivas tambm esto procurando diversifcar sua atividade,
incluindo tambm a atividade na rea de servios.
Um caso tpico dessa nova interdependncia entre servios e
produo industrial o caso da informtica, onde as gigantescas
corporaes, como a Microsoft, esto buscando cada vez mais
unir seus produtos, o software, aos equipamentos de hardware.
conveniente para os dois segmentos empresariais esse tipo de
parceria informal. A Intel, por exemplo, difcilmente teria condi-
es hoje de desenvolver um sistema operacional semelhante ao
Windows, posto que essa tarefa demandaria enorme esforo em
termos de recursos humanos e fnanceiros e um tempo de matu-
rao do novo produto, o que a deixaria em desvantagem perante
uma empresa especializada como a Microsoft, que continuamente
vem desenvolvendo esse sistema. Portanto, trata-se de uma par-
ceria funcional que tende a se transformar numa rotina e, quem
128 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
sabe, at mesmo numa fuso futura de vrios segmentos, afnal
os interesses objetivos destas empresas tendem a convergir com o
desenvolvimento dos negcios.
Possivelmente se antecipando a uma escalada do setor de
servios rumo ao setor industrial, que muitas corporaes trans-
nacionais esto tambm diversifcando a sua atuao, no sentido
de tambm prestar servios aos seus clientes, movimento a que
Chesnais denominou de preocupao para manter a cadeia do
valor. Para ele, dois motivos atuam simultaneamente nessa dire-
o: 1) o domnio que esses grupos querem manter sobre aspectos
complementares dos quais dependem parte da rentabilidade de suas
operaes; 2) O lugar que certos servios continuam ocupando em
relao ao movimento total de valorizao do capital (Chesnais,
1986, p.188).
Outro dos fenmenos que est se generalizando nas economias
capitalistas centrais e tambm nas periferias mais desenvolvidas o
franchaising ou o licenciamento de franquias, cuja materializao
pode ser considerada uma nova forma de relao entre fraes
hierarquizadas do capital. Esta questo merece uma refexo te-
rica porque aqui se encontra uma mudana importante de certos
setores do capital, no sentido de substituir o antigo investimento
direto, que foi o pilar da exportao de capitais, por um novo
tipo de relao em que o capital predominante fornece apenas a
grife, acompanhada de todo um know-how que envolve tcnicas de
gesto e de comercializao, treinamento profssional, consultoria
e orientao de negcios, enquanto o plo mais dbil do capital
entra com os recursos fnanceiros para a estruturao do negcio.
Nessa nova relao, a empresa franqueadora passa a usufruir de
uma parte dos lucros da franqueada.
A tendncia revela uma faceta nova do capital nesta fase da
globalizao. Para que um produto chegue aos mais longnquos
rinces do planeta no mais necessrio a realizao de grandes
Edmi lson Costa 129
investimentos em produo e comercializao por parte do grande
capital. Agora basta constituir uma rede de franqueados pelo mun-
do afora e, apenas com o fornecimento de conhecimento, o capital
dominante pode usufruir dos benefcios se apropriando de parte
dos rendimentos do capital dominado. Em outras palavras, para
capturar a mais-valia, o plo dominante dessa frao do capital no
precisa mais realizar um enorme esforo produtivo como se obser-
vava no passado. Basta apenas fazer funcionar o poder imaterial
da grife entre os consumidores e a cadeia de relaes econmicas
hierarquizadas entre o grande e o pequeno capital para que esta
nova relao se consolide.
Esse fenmeno no poderia existir sem o auxlio de um per-
sonagem com enorme infuncia junto s populaes: os meios
de comunicaes. Como superestrutura ideolgica do capital, os
meios de comunicao a publicidade em particular cumprem
um papel imprescindvel nesta saga do capital. Diariamente os
jornais, o rdio, a televiso e a internet veiculam peas publicitrias
que vo criando no imaginrio coletivo um conjunto de anseios
e necessidades de consumo, nos quais as grifes que mais se des-
tacam passam a se transformar em moda para os consumidores,
especialmente para a juventude. Usar certas grifes determina o
comportamento e a posio social do indivduo, quer na moda,
perfumes, comidas e produtos em geral. Assim, o capital passa a ter
a capacidade de desenvolver-se vendendo iluso e evidentemente
ampliando a sua taxa de lucro.
Como resultado subsidirio dessa nova forma de expropriao
do valor, entre os capitalistas do plo dominante e os capitais me-
nores, e entre estes ltimos e o proletariado, h um movimento que
fortalece um outro plo da globalizao, que a fnanceirizao
da riqueza. Nesta fase, os capitalistas dominantes podem dar-se
ao luxo de buscar novas aventuras na rea fnanceira, uma vez que
o capital excedente que deveria ser investido na produo agora
130 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
est disponvel para ser aplicado em uma atividade atualmente
muito mais rentvel, fortalecendo assim a especulao fnanceira
mundial.
glObalizaO e mundO dO trabalhO
O conjunto de fenmenos observados na globalizao pro-
dutiva tem repercutido intensamente no mundo do trabalho. De
um lado, verifca-se uma mudana qualitativa no perfl da classe
operria, em funo da emergncia dos novos ramos industriais.
De outro, o grande capital, beneficiado pela desagregao das
economias socialistas do Leste Europeu, vem refundando todos
os estatutos da dominao, numa espcie de vingana de classe
de carter mundial contra o trabalho vivo, onde o capital busca
retroceder a histria para o perodo em que os trabalhadores no
possuam direitos ou garantias regulados pelo Estado ou por suas
organizaes sociais e eram obrigados a realizar longas jornadas de
trabalho dirias. Esta vingana inclui a reduo do estatuto social
que antes vigorava no Capitalismo Monopolista de Estado, ofensiva
contra as organizaes sindicais dos trabalhadores, precarizao
do trabalho e rebaixamento dos salrios, com o agravante de que
essa conjuntura se processa num ambiente de crise econmica e
desemprego nos principais pases centrais.
Do ponto de vista do mdio prazo, a reestruturao industrial
em curso, com seus ramos industriais ligados s tecnologias de
ponta, criar uma classe operria nova, a exemplo do que ocorreu
por ocasio da primeira e da segunda revoluo industrial. Em
funo da necessidade, por parte do capital, de trabalhadores com
alto grau de polivalncia e conhecimento, a nova classe operria
que emergir desse processo ser mais qualifcada e com maior
nvel de escolaridade e, em seu conjunto, incluir at mesmo os
cientista da nova base industrial, ampliando desta forma o con-
junto do proletariado e reduzindo acentuadamente a distncia
Edmi lson Costa 131
entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. Esta nova classe
operria, pelo seu perfil e conhecimento, e a exemplo do que
ocorreu no passado com os setores de ponta dos trabalhadores,
buscar melhorar as suas formas de organizao, tanto no interior
das fbricas quanto do ponto de vista nacional e internacional, e
poder ser o contraponto efetivo remonopolizao da burguesia
(Costa, 1993, p.10).
A mudana do perfl da classe operria ter realmente reper-
cusses profundas no interior das plantas fabris e no movimento
operrio nacional e internacional. Em todas as grandes transfor-
maes ocorridas no capitalismo foram exatamente os setores
mais avanados dos trabalhadores aqueles que mais rapidamente
compreenderam a necessidades de mudanas e que efetivamente
lideraram as transformaes. No se trata mais de operrios taylo-
ristas, que apenas cumpriam cegamente as funes rotineiras, mas
de uma nova classe, que retoma a iniciativa nos laboratrios ou no
cho da fbrica e realiza um trabalho mais criador, mesmo dentro
da alienao global do sistema. Ningum dever fcar surpreso se,
dentro de alguns anos, cientistas assalariados, analistas de sistemas,
os ferramenteiros eletrnicos (os construtores dos chips), os web
designers, os engenheiros da gentica e da biotecnologia ou os
fsicos da nanotecnologia vierem a liderar o movimento operrio
e buscar a transformao necessria para a construo de um novo
sistema econmico (Costa, 2004, p. 212).
Neste ambiente de cosmopolitizao das relaes de produ-
o, a nova classe operria poder assumir a vanguarda das lutas
sociais como nos perodos anteriores. A classe operria fordista
realizava um trabalho programado e repetitivo. Isso permitia que
seus integrantes se tornassem mais vulnerveis diante do capital,
pois podiam ser dispensados a qualquer momento, sem grandes
problemas para a produo. A nova classe operria ter mais con-
dies de globalizar as lutas sociais, pelo menos nos pases centrais
132 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
e pases emergentes industrializados. Em outros termos, a cosmo-
politizao da burguesia est levando, objetivamente, tambm
cosmopolitizao do proletariado e elevando a luta de classes a
um patamar superior.
Com relao ao emprego, a reestruturao produtiva cria uma
contradio com a prpria lgica de reproduo do sistema, pois
tenciona de maneira radical a tendncia entre a automao do siste-
ma produtivo e a produo da mais-valia, gerando assim crescente
composio orgnica do capital e, conseqentemente, a reduo
relativa da taxa de lucro, desemprego estrutural nos pases centrais
e tenses qualitativamente novas, posto que os trabalhadores desses
pases j possuem, h quase meio sculo, uma tradio de direitos
sociais e garantia de emprego.
bem verdade que um dos desejos histricos do capital sempre
foi produzir sem a necessidade do trabalho vivo e elaborar seus pr-
prios insumos, para se desvencilhar de sua dramtica contradio
originria, que se assemelha trajetria do Ssifo mitolgico a
cada ciclo de produo a contradio se apresenta em bases am-
pliadas. Acontece que, pela prpria lgica do sistema, a eliminao
do trabalho vivo inviabilizaria globalmente o capitalismo, por este
no ter condies de realizar plenamente a produo.
Como os capitalistas no encontraram ainda uma maneira de
escoar suas mercadorias para a Lua, Marte, Vnus, Jpiter, Saturno,
Netuno, Urnio ou Pluto, sero obrigados a vend-las no prprio
planeta Terra. Se no h compradores, porque no existe emprego
ou renda solvvel para a realizao das mercadorias, o sistema
tende a entrar em crise. Esta contradio produo-demanda
um elemento permanente do sistema capitalista.
Se observarmos o panorama do emprego nos pases centrais,
poderemos constatar que h mais de duas dcadas existe um de-
semprego estrutural nesses pases, que permanece rgido mesmo
na alta do ciclo. Para se ter uma idia, o desemprego nos pases
Edmi lson Costa 133
da Organizao de Cooperao de Desenvolvimento Econmico
(OCDE), que rene os pases industrializados, est por volta de
40 milhes de trabalhadores (Tabela 13) e, em nvel, global atinge
800 milhes de trabalhadores, segundo recente relatrio da Orga-
nizao Internacional do Trabalho (OIT).
Esse elevado contingente de desempregados (e aqui vamos cen-
trar a anlise somente nos pases centrais) qualitativamente novo
no apenas porque suas taxas de desocupao se mantm rgidas
por longos perodos, mas especialmente porque os capitalistas,
embalados por uma conjuntura favorvel, em funo do neolibe-
ralismo, tm procurado reduzir os salrios, aumentar a jornada de
trabalho e impor novas formas de gesto que, na prtica, reduzem
macroeconomicamente a demanda agregada. Assim, torna-se mais
estreito o espao para reduzir o desemprego e as tenses sociais
dele decorrentes.
Dessa forma, o capitalismo est numa encruzilhada em funo
da conjuntura neoliberal e da introduo das novas tecnologias
na produo. Para aumentar suas taxas de lucro, intensifica o
trabalho, aumenta a jornada e reduz os salrios, resultando num
ambiente macroeconmico de estreiteza da renda global oriunda
do trabalho. No entanto, as novas tecnologias proporcionam um
extraordinrio desenvolvimento da produo, mas a reduo da
demanda agregada global, em ltima instncia, impossibilita a
utilizao plena das foras produtivas. Gera-se assim uma con-
tradio entre os interesses objetivos de ampliao do capital e a
impossibilidade de reproduo plena nos moldes estruturados pela
poltica neoliberal.
134 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Tabela 13
OCDE: taxas de desemprego, por grupos e pases 1980-1989 (em
percentagem)
P A S E S 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989
7 Pases Principais 5 6,1 7,6 7,9 7,3 7,3 7,3 6,8 6,2 5,7
E.U.A 7,2 7,6 9,7 9,6 7,5 7,2 7,0 6,2 5,5 5,3
Japo 2,0 2,2 2,3 2,7 2,7 2,6 2,8 2,8 2,5 2,3
Alemanha(*) 3,2 4,5 6,4 7,9 7,9 7,2 6,5 6,3 6,2 5,6
Frana 6,2 7,4 8 8,3 9,7 10,2 10,4 10,5 10,0 9,3
Itlia 5,6 6,3 6,9 7,7 8,5 8,3 9,0 9,8 9,8 9,8
Reino Unido 5,3 8,3 9,7 10,5 10,7 11,5 11,6 10,6 8,7 7,3
Canad 7,5 7,6 11 11,9 11,3 10,7 9,6 8,8 7,8 7,5
Austrlia 6 5,7 7,1 9,9 8,9 8,2 8,1 8,1 7,1 6,1
Austria 1,6 2,1 3,2 3,8 3,9 3,7 4,0 4,4 4,2 3,9
Blgica 8,0 10,3 12 13,3 13,4 10,4 10,3 10,0 9,0 7,5
Dinamarca 7 9,2 9,8 10,4 10,1 7,1 5,4 5,4 6,1 7,3
Espanha 11,5 14,3 16,4 18,2 20,1 20,9 20,5 20,0 19,0 16,7
Finlndia 4,7 4,7 5,4 5,4 5,2 5,0 5,4 5,1 4,6 3,1
Grcia 2,8 2,8 5,8 7,9 8,1 7,8 7,4 7,4 7,7 7,5
Irlanda 7,3 9,9 11,4 14 16,2 16,5 17,0 16,7 16,2 14,9
Noruega 1,7 2 2,7 3,4 3,2 2,6 2,0 2,1 3,2 4,9
Nova Zelndia 2,5 3,3 3,6 5,3 4,5 3,5 4,0 4,1 5,6 7,1
Pases Baixos 4 5,8 8,5 11 10,6 9,2 8,4 8,0 7,7 6,9
Portugal 8 7,7 7,7 7,9 8,6 8,8 8,8 7,3 6,0 5,2
Sucia 2 2,5 3,1 3,5 3,1 2,8 2,5 2,1 1,7 1,5
Sua 0,2 0,2 0,4 0,9 1,1 1,0 0,8 0,8 0,7 0,6
Pases da EU - - - - - 10,2 10,3 10,0 9,3 8,3
Pases da rea Euro - - - - - 10,2 10,3 10,3 10,0 9,2

Fonte: Indicadores da Economia Mundial-SEAIN. Ministrio do Planejamento e Gesto, com base em OCDE - Eco-
nomic Outlook, Junho/93, Junho/95 e junho 97 (*) At 1991, os dados referem-se ex-RFA
Tabela 14
OCDE: TAXAS DE DESEMPREGO, POR GRUPOS E PASES - 1990-2000
(em percentagem)
P A S E S 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
7 Pases Principais 5,6 6,5 7,1 7,2 7,0 6,7 6,8 6,6 6,3 6,1 5,7
E.U.A 5,6 6,8 7,5 6,9 6,1 5,6 5,4 5,0 4,5 4,2 4,0
Japo 2,1 2,1 2,2 2,5 2,9 3,1 3,3 3,4 4,1 4,7 4,7
Alemanha(*) 4,8 4,2 4,5 7,9 8,4 8,2 8,9 9,9 9,3 8,6 7,9
Frana 8,9 9,4 10,4 11,7 12,3 11,7 12,3 12,3 11,8 11,2 9,5
Itlia 9,0 8,6 8,9 10,1 11,1 11,6 11,6 11,7 11,8 11,4 10,6
Reino Unido 7,1 8,9 10,0 10,5 9,4 8,7 8,2 7,1 6,3 6,0 5,6
Canad 8,1 10,3 11,2 11,4 10,4 9,4 9,6 9,1 8,3 7,6 6,8
Edmi lson Costa 135
Austrlia 7,0 9,5 10,7 10,6 9,4 8,2 8,2 8,3 7,7 7,0 6,3
ustria 4,2 4,6 4,8 4,0 3,8 3,9 4,3 4,4 4,5 3,9 3,7
Blgica 6,7 6,6 7,2 8,8 10,0 9,9 9,7 9,4 9,5 8,8 7,0
Dinamarca 7,7 8,4 9,2 12,0 11,9 10,1 8,6 7,8 6,5 5,6 5,2
Espanha 15,7 15,8 17,9 22,7 24,2 22,9 22,2 20,8 18,8 15,9 14,1
Finlndia 3,1 6,7 11,8 16,4 16,6 15,4 14,6 12,6 11,4 10,3 9,8
Grcia 7,0 7,7 8,7 9,7 9,6 10,0 10,3 9,6 10,8 12,0 11,3
Irlanda 12,8 14,4 15,1 15,5 14,1 12,1 11,5 9,8 7,4 5,6 4,3
Noruega 5,2 5,5 5,9 6,1 5,5 5,0 4,9 4,1 3,2 3,2 3,4
Nova Zelndia 7,8 10,3 10,3 9,5 8,2 6,3 6,1 6,7 7,5 6,8 6,0
Pases Baixos 6,0 5,4 5,4 6,5 7,6 7,1 6,6 5,5 4,2 3,2 2,6
Portugal 4,9 4,3 4,1 5,5 6,8 7,2 7,3 6,7 5,0 4,4 4,0
Sucia 1,7 3,0 5,3 8,2 8,0 7,7 8,1 8,0 6,5 5,6 4,7
Sua 0,5 1,1 2,5 4,5 4,7 4,2 4,7 5,2 3,9 2,7 1,9
Pases da UE 7,8 8,0 9,1 10,6 11,1 10,7 10,8 10,6 9,9 9,1 8,2
Pases da rea
Euro
8,4 8,1 9,0 10,7 11,3 11,1 11,3 11,3 10,7 9,8 8,8
Fonte: Indicadores da Economia Mundial-SEAIN. Ministrio do Planejamento e Gesto, com base em OCDE
Economic Outlook, Junho/93, Junho/95 e junho/97
(*) At 1991, os dados referem-se ex-RFA
Isso no signifca que o capitalismo est num beco com pou-
cas sadas. Deve-se ressaltar que a primeira revoluo industrial
provocou enorme desemprego em conseqncia da mecanizao
das fbricas. Esse problema em parte foi resolvido com a reduo
da jornada de trabalho de 16/17 horas para oito horas dirias. Na
segunda revoluo industrial o setor de servios absorveu grande
parte da mo-de-obra deslocada da produo. Atualmente, a re-
soluo do problema central se torna mais difcil porque o capital
difcilmente aceitar a reduo da jornada de trabalho como no
passado e as novas tecnologias agora atingem todos os setores
agricultura, indstria e servios, reduzindo-se as possibilidades
de que um novo setor venha absorver o enorme contingente de
desempregados.
Em estudo sobre o declnio do emprego, Rifkin acredita que
a soluo para o problema viria da criao de uma espcie de um
136 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
novo setor de trabalho voluntrio, comunitrio e assemelhado.
Mesmo que sua proposta possa ser considerada um equvoco, pois
um capital voraz e antiestatista no iria capitalizar o Estado para
que este absorvesse a mo de obra excedente, seu diagnstico da
atual situao do emprego bastante precisa.
No passado, quando uma revoluo tecnolgica ameaava a perda em massa
dos empregos em determinado setor econmico, um novo setor surgia para
absorver a mo-de-obra excedente. No incio do sculo o setor industrial
emergente conseguia absorver grande parte dos milhes de trabalhadores
agrcolas e fazendeiros que foram deslocados pela rpida mecanizao da
agricultura. Entre meados da dcada de 1950 e incio da dcada de 1980,
o setor de servios, que crescia rapidamente, foi capaz de reempregar
muitos dos operrios demitidos em funo da automao. Atualmente,
no entanto, medida em que todos esses setores vo sucumbindo, vtimas
da rpida reestruturao e da automao, nenhum novo setor signifcativo
foi desenvolvido para absorver os milhes que esto sendo demitidos.
(Rifkin, 1995, p. 37).
Mesmo levando em conta o aumento do emprego em algumas
regies do planeta, em funo do deslocamento das plantas fabris,
como se verifca atualmente na China e na ndia, onde novos mi-
lhes de trabalhadores ingressaram no mercado de trabalho, esse
aumento do contingente do proletariado nessas novas regies no
compensa o desemprego estrutural nos pases centrais.
Os nOvOs mOdelOs gerenciais
Para aprofundar mais o desemprego e a precarizao das con-
dies de trabalho, um outro subproduto dessa fase do capitalismo
so as novas formas de gestes oriundas da reestruturao produti-
va, cujos objetivos centrais so: o aprofundamento do domnio do
capital sobre o trabalho, sua subjugao sofsticada perante uma
disciplina rgida e dissimulada, bem como a racionalizao de todas
as fases do processo de trabalho, de forma a que os trabalhadores
Edmi lson Costa 137
no tomem conscincia da enorme fora que passaram a adquirir
no cho da fbrica, em funo da qualifcao e do conhecimento.
Trava-se, ento, nesta conjuntura uma dura batalha ideolgica entre
capital e trabalho. Cada classe desenvolve sua estratgia para os
futuros combates que viro, especialmente o grande capital, porque
este j identifcou o contraponto de seu poder. Por isso, investe na
utilizao de novos mtodos de gesto e intensifca as manipulaes
e chantagens para impor a disciplina social ao trabalho.
Os capitalistas ensarilham as armas utilizando-se de todas as
estratgias possveis para impor a hegemonia: so os mtodos de
organizao da produo e do trabalho japoneses ou sua imitao
pelo resto do mundo, como Just in time, kanban, os crculos de
controle da qualidade, controle estatstico de processos, controle
de qualidade total, aperfeioamento contnuo, reengenharia,
alm da terceirizao, que o elemento estrutural que dissimula
a precarizao e reduo dos salrios. Pode-se adicionar ainda as
tentativas de cooptao dos trabalhadores por meio da participa-
o nos lucros, do envolvimento manipulatrio, da tentativa de
desacreditar ou cooptar segmentos do movimento sindical, alm
da chantagem do desemprego.
Os trabalhadores, por sua vez, ainda no compreenderem
plenamente o signifcado dessa luta, pois se trata de uma classe
operria nova, ainda sem grande experincia na luta de classe. Mas,
passado esse primeiro momento de desorientao, objetivamente
este novo proletariado aprender com o tempo e dever se utili-
zar das prprias ferramentas proporcionadas pelas novas formas
de trabalho para construir um novo imaginrio social e poltico.
Por enquanto, o capital est levando vantagem, mas em breve a
nova classe tambm ensarilhar suas armas, como aconteceu nos
perodos de transformaes industriais passadas, s que agora em
melhores condies que seus camaradas da segunda revoluo
industrial.
138 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Em termos prticos, os novos modelos gerenciais esto con-
tribuindo para aumentar o desemprego, intensifcar e precarizar
o trabalho, tornar varivel grande parte dos salrios, desarticular
o movimento sindical, trazendo como conseqncia um maior
grau de explorao dos trabalhadores. importante refetirmos
sobre os principais aspectos desta questo: como se desenvolve o
processo de terceirizao? Quais as principais caractersticas dos
mtodos japoneses no processo produtivo? Como esse processo
repercute nas relaes capital-trabalho? O que muda na escala
hierrquica no cho da fbrica? Quais os resultados provocados
pela intensifcao do trabalho para a sade dos operrios? Quais
as perspectivas destes novos mtodos de produo?
Um dos esteios fundamentais que solda a cadeia de produo
das grandes empresas a terceirizao. Esta pode ser realizada tanto
do ponto vista interno quanto internacionalmente. As empresas
que optaram por esta iniciativa argumentam que a terceirizao
possibilita s frmas concentrar-se mais especifcamente em suas
atividades-fns, deixando as atividades-meio para os terceiriza-
dos. Esse tipo de parceria daria uma nova dinmica empresa,
que agora estaria voltada para uma atividade especfca em que
possui experincia, enquanto os terceirizados estariam operando
em atividades tambm especfcas, j que so especialistas na rea
em que atuam. Com cada um trabalhando especifcamente nos
setores em que mais sabem operar, o conjunto da empresa que
terceirizou os servios ganharia em produtividade, qualidade e
agilidade empresarial, resultando num crculo virtuoso para os
negcios.
O exemplo mais acabado da terceirizao internacionalizada
a Nike. Sua operacionalidade ilustra bem o papel que os mercados
perifricos jogam nesse processo.
As colees (de tnis) so concebidas na sede do grupo, no Oregon (que tem
menos de 500 assalariados americanos) onde est concentrada a capacidade
Edmi lson Costa 139
de design, bem como sua estratgia comercial. Os padres dos novos mo-
delos so transmitidos (por uma rede de comunicaes telemticas privada)
para Taiwan, onde se situa o segundo elo importante do grupo. l que
so fabricados os prottipos, que vo servir de modelo para a produo
industrial de massa. Esta vai ser feita no Sudeste Asitico, onde puderem ser
conseguidos contratos de terceirizao mais vantajosos, de sorte que tem-se
assistido Nike sair de certos pases medida que os salrios aumentavam
ou que surja a sindicalizao (Chesnais, 1996, pp. 135-136).
Apesar do discurso, a grande companhia terceiriza suas fun-
es com o objetivo exclusivo de reduzir custos. As empresas
terceirizadas so contratadas num esquema em que as empresas
contratadoras j esto economizando recursos. Dessa forma, ao
contratarem pessoal para a atividade especfca, j so obrigadas
a pagar salrios menores em funo das margens de lucros que
necessitam obter e do volume de recursos que recebem pelo
servio prestado. Como trabalham com oramento apertado,
no podem estender aos seus empregados os mesmos direitos e
garantias adquiridos pelos funcionrios da empresa contratadora,
gerando assim um contingente de trabalhadores precarizados e
mal remunerados no mesmo ambiente de trabalho ou na mesma
cadeia de produo.
Na prtica, a terceirizao tem se transformado em mais um
instrumento de ampliao das taxas de lucro das empresas. O
que se tem observado que a terceirizao tem sido uma forma
de reduzir despesas, cortar pessoal, diminuir salrios e precarizar
as condies de trabalho, afnal nenhuma empresa terceirizaria
parte de suas atividades se isso representasse aumento de custos.
Alm disso, a terceirizao tambm vem se transformando num
obstculo atividade sindical, uma vez que esta pulveriza a base
sindical em vrias entidades. Internacionalmente, as empresas
(o caso da Nike emblemtico), seguindo a onda neoliberal em
voga, no s difcultam a atividade sindical, como se utilizam da
140 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
chantagem, ameaando sair dos pases ou regies onde h um
sindicalismo forte e organizado.
O caso japons, onde a terceirizao tem um conjunto de sin-
gularidades, difere um pouco dos outros pases, em funo das
caractersticas culturais, histricas e da prpria constituio do
capitalismo japons aps a II Guerra Mundial.
Uma das principais caractersticas do chamado modelo japons foi o
desenvolvimento de relaes cooperativas entre os agentes bsicos da pro-
duo, isto , entre capital e trabalho, e entre as empresas dentro de uma
mesma cadeia produtiva (...) L as cadeias produtivas so marcadas por
forte interpenetrao de capital, o que facilita a maior cooperao entre os
capitais que as constituem. O sucesso individual da empresa est bastante
associado e mesmo dependente do sucesso do grupo como um todo. A
adoo e generalizao da prtica do just in time foi um fator tcnico im-
portante para estimular a harmonizao das atividades e dos interesses das
diversas empresas que compem aquela cadeia produtiva. (Tauile, 2001,
pp. 148, 158, 159).
A prtica organizada e interdependente cria laos de confana
e lealdade entre as empresas e proporciona uma sinergia tpica do
chamado capitalismo organizado, muito embora haja uma hierar-
quia rgida no conjunto da cadeia produtiva.
Essa prtica exige, por exemplo, entregas precisas, diretamente na linha de
montagem, vrias vezes ao dia. Como no h tempo para a verifcao da
qualidade preciso tambm que os produtos entregues tenham a qualidade
assegurada. Como interessa que isso ocorra, as montadoras prestam grande
assistncia tcnica e fnanceira s subcontratadas. Por conseguinte, uma vez
que desenvolvem laos de lealdade entre elas, as subcontratadas tambm
desempenham importante papel na concepo (no projeto) das respectivas
partes ou componentes do produto, em especial por ocasio de lanamentos
de novos modelos (Tauile, 2001, pp. 159-160).
No entanto, apesar das aparncias, as relaes entre montadoras
e subcontratadas no so assim to cor de rosa. Alm de haver uma
Edmi lson Costa 141
hierarquia rgida no comando da cadeia produtiva, h tambm um
conjunto de problemas tpicos de uma relao de subordinao.
Pesquisa realizada em fns de 1992 pela Federao Japonesa de Sindicatos
de Trabalhadores da Indstria de Mquinas Eltricas junto a 63 sindicatos
de empresas subcontratadas, fabricantes de partes ou componentes, ilustra
a subordinao das empresas terceirizadas:
a) A maioria das empresas (60%) afrma receber encomendas antes do
fm de semana com a exigncia de entrega imediatamente aps os dias de
feriados;
b) As empresas clientes tambm exigem freqentemente (52,1%) ou s
vezes (43,8%) das fornecedoras reduo de custos;
c) Mudanas no volume de encomendas das empresas clientes, sejam estas
freqentes (43,8%) ou ocasionais (52%), acarretam aos trabalhadores de um
grande nmero de empresas fornecedoras (44,7%) horas extras de trabalho
em fns de semana ou ainda a necessidade de ter estoques para fazer face a
tais variaes (27,7%) (Dieese, 1997, p. 21).
Ainda dentro do modelo cooperativo japons, que se espalhou
pelo mundo incorporando os aspectos mais selvagens da relao
capital-trabalho daquele pas, est a chamada produo enxuta
e o relacionamento trabalhador-empresa e empresa-sindicato. No
Japo esse modelo foi montado aps a dcada de 1950, mas para
que pudesse se consolidar foi necessrio o desmantelamento do
sindicalismo japons, um dos mais combativos no perodo. Orga-
nizada pelo Estado, em aliana com os grandes grupos industriais,
desenvolveu-se uma poltica de represses durssimas contra as
greves, demisses e isolamento de lideranas sindicais, tanto que no
incio dos anos 1960 o sindicalismo combativo estava derrotado.
Em seu lugar, o grande capital estimulou a constituio de um
sindicalismo cooperativo, no mbito das prprias empresas, sem
o carter de classe do anterior. A partir da, ento, tornou-se mais
fcil institucionalizar uma relao manipulatria entre capital e
trabalho e evitar confitos sociais.
142 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
O modelo japons de gerenciamento da produo se espalhou
pelo Ocidente, inclusive para o Brasil, adicionando componentes
de acordo com a especifcidade de cada pas ou regio, processo
que se tornou mais acentuado com o neoliberalismo, a desregula-
mentao e a ofensiva contra direitos e garantias, estimulados pela
desagregao dos pases do Leste Europeu. Aliando presso por uma
produo enxuta, sem gorduras, o desemprego, o envolvimento
manipulatrio dos trabalhadores, a cooptao e a represso, o capi-
tal vem buscando recuperar o terreno perdido nos anos do Welfare
State, numa espcie de vingana de classe de carter mundial.
Outra caracterstica em que os novos modelos gerenciais dife-
rem do passado a organizao da prpria produo no interior
da fbrica. Na organizao fordista existia uma hierarquia rgida
entre a gerncia e a parte operacional, na qual a primeira organizava
e ditava as normas de produo e a segunda operava o processo
produtivo. Na produo enxuta, a grande empresa est demitindo
parte expressiva dos funcionrios do capital, nos vrios nveis de
gerncia, uma vez que agora estes capatazes da produo no mais
interessam ao capital. Este fenmeno tem uma importncia para
a luta de classe, pois tende a trazer para o proletariado setores que
antes tinham a iluso de que estavam fora da luta de classe.
O modelo japons da produo enxuta comea com a eliminao da tra-
dicional hierarquia gerencial, substituindo-a por equipes multiqualifcadas
que trabalham em conjunto, diretamente no ponto da produo. Na fbrica
enxuta japonesa engenheiros de projetos, programadores de computadores
e operrios integram face a face, compartilhando idias e implementando
decises conjuntas diretamente na fbrica. O modelo clssico de adminis-
trao cientfca de Taylor, que defendia a separao do trabalho mental do
trabalho fsico e reteno de todo o poder nas mos da gerncia, abando-
nado em favor de uma abordagem cooperativa, projetada para aproveitar a
capacidade mental total e a experincia prtica de todos os envolvidos no
processo de fabricao de um automvel. (Rifkin, 1996, p. 103).
Edmi lson Costa 143
Os japoneses tambm difundiram para o mundo o conceito
de aperfeioamento contnuo, pelo qual o produto vai sendo melho-
rado gradualmente, continuamente, no processo de produo, de
forma a incorporar todas as modifcaes propostas pelos coletivos
de trabalho. Esse modelo, no qual os trabalhadores participam
do processo de decises operativas, sugerem e so ouvidos e, em
grande parte atendidos, tem feito com que os produtos japoneses
alcancem um enorme sucesso no mundo e tenha transformado as
fbricas japonesas em modelo para vrias regies.
A versatilidade em vrias tarefas no processo de produo d a cada tra-
balhador uma compreenso do processo de fabricao global conheci-
mento que pode ser utilizado efcazmente nas equipes, na identifcao de
problemas e na apresentao de sugestes para aperfeioamento (Rifkin,
op. cit. p. 105).
Essa aparente quebra da hierarquia da produo dos novos
modelos gerenciais deve ser vista com cautela, pois em cada fbrica
e em cada unidade da empresa existem os crculos de controle de
qualidade (CCQs), encarregados de cuidar da melhoria das condi-
es de produo, de trabalho, de higiene e segurana na empresa.
Esses comits renem-se normalmente uma vez por semana, fora
do horrio de trabalho, sem remunerao, onde discutem e bus-
cam solues para os problemas da produo e da empresa. Esses
circulistas podem ser considerados os olhos e ouvidos da empresa
e tambm so recompensados por sua atuao. Como sua funo
principal, na prtica, a de buscar a reduo de custos, so os
preferidos para as promoes na empresa, so os escolhidos para
participar dos cursos e no entram no programa de dispensa em
tempos de crise.
Outro instrumento importante que as empresas utilizam no
apenas para que suas metas sejam cumpridas rigorosamente e
muitas vezes mesmo at ultrapassadas a chamada participao nos
lucros. Essa participao tem como contrapartida uma determinada
144 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
meta de produo, tanto em nvel de setor quanto da fbrica inteira.
Estipula-se o objetivo que d direito a um determinado percentu-
al de participao e, ento, os trabalhadores buscam atingir essa
meta para obter o benefcio. Como o trabalho integrado e uma
equipe depende da outra, comea ento uma intensa concorrncia
entre os trabalhadores dentro da fbrica. Caso alguma equipe ou
trabalhador individual no cumpra a meta diria, j ser mal visto
por seus colegas, pois est atrapalhando o objetivo central. Assim,
vai se criando no interior da empresa, quase que naturalmente ou
estimulado pelas gerncias, um clima de vigilncia recproca, onde
o trabalhador passa a ser algoz do prprio trabalhador.
Esse um fenmeno muito grave porque o cho da fbrica,
tradicionalmente tem sido um local de solidariedade entre os ope-
rrios. Essa solidariedade est sendo quebrada em funo de um
individualismo de resultados, onde o capital no mais precisa ter
capatazes para vigiar a produo agora so os prprios trabalha-
dores, estimulados pelo programa de metas, quem vigiam os seus
colegas. Esse novo esquema difculta o trabalho sindical no interior
da fbrica: se o objetivo atingir as metas e ganhar a participao
nos lucros, por que haveria necessidade de sindicatos?
A prpria forma de organizao dos sindicatos por empresa
e no por ramo de produo ou por categoria profissional j
demonstra a esperteza do grande capital japons e a capitulao
da gerao que montou esse tipo de sindicalismo. Um sindicato
organizado por empresa tem menor fora que um sindicato com
base estadual ou nacional, pois suas reivindicaes fcam restritas
ao ambiente da empresa. Isso deseduca a classe operria, em termos
de solidariedade de classe, pois esta passa a se preocupar apenas
com os problemas relativos empresa, e facilita o trabalho de
cooptao e manipulao.
Com relao ao envolvimento manipulatrio e a variabilidade
dos salrios, os japoneses podem ser considerados mestres, tanto
Edmi lson Costa 145
que foram seguidos posteriormente por outras organizaes do
capital transnacional. Como a composio total do salrio no
fxa, abre um enorme espao para as manipulaes. A parte varivel
geralmente composta com um mix que vai desde a participao
nos crculos de controle de qualidade, passando pela capacidade
de fazer sugestes aproveitadas pela empresa, at a atuao sindical
do trabalhador. Evidentemente, as melhores remuneraes vo
para aqueles mais adaptados aos interesses estratgicos da frma.
Procura-se ainda difundir uma cultura na qual a empresa passa a
ser a segunda casa do trabalhador (a grande famlia Toyota, por
exemplo), em que cada operrio um colaborador e no um
assalariado, empregado da empresa. Busca-se ainda vincular a
vida do trabalhador fora da jornada de trabalho empresa, me-
diante programas comunitrios, sociais e de lazer, onde a grande
famlia se rene para usufruir da cultura ou do lazer. Busca-se
assim uma lealdade cotidiana do trabalhador com a organizao
empresarial.
O capital realmente est numa luta muito frme para alienar
o trabalho, mas essa um a situao que no durar para sempre:
novas geraes de trabalhadores surgiro e, a partir dos prprios
resultados desse modelo, devero reverter objetivamente essa
situao, at mesmo por sua prpria posio na produo, a
exemplo do que ocorreu historicamente com vrias geraes de
trabalhadores.
cAptulo 4
a glObalizaO das finanas
A globalizao das fnanas um processo que tem suas origens
mais remotas na internacionalizao da produo, quando os bancos
foram obrigados a acompanhar as transnacionais produtivas em sua
aventura na busca de extrao do valor fora de suas fronteiras nacio-
nais. Posteriormente, ganhou uma dimenso inusitada em funo
de um conjunto de fenmenos econmicos, polticos e sociais que
marcaram a economia mundial nas dcadas de 1960, 1970 e 1980
e cujo desenvolvimento possibilitou ao plo fnanceiro do grande
capital um crescimento extraordinrio, que proporcionou a esta
atividade a hegemonia dos negcios do sistema capitalista e instituiu
o rentismo como norma geral para os agentes econmicos, processo
que os economistas denominam de fnanceirizao da riqueza.
As velozes transformaes do capital na rbita fnanceira gera-
ram uma onda especulativa de carter global, onde os negcios com
ttulos das dvidas pblicas, cmbio, bnus, aes e derivativos em
geral multiplicam-se numa velocidade muito maior que o comr-
cio ou a atividade produtiva mundiais. Para se ter uma idia, em
1979 o montante dirio das transaes fnanceiras era de US$ 75
bilhes; em 1990 esse total j atingia US$ 500 bilhes e, em 1998,
alcanava a quantia de US$ 1,8 trilho (Toussaint, 2001, p. 90).
Atualmente, o capital especulativo, aps conseguir movimentar-
se 24 horas por dia, imps dinmica econmica do capitalismo
um conjunto de transformaes quantitativas e qualitativas, com
repercusses em todos os setores da vida social.
148 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Primeiro: o setor fnanceiro conseguiu romper as barreiras do
espao e do tempo, podendo auto-acrescentar-se durante o dia e
noite. Para tanto, basta aproveitar da melhor maneira possvel
as variveis dos fusos horrios em qualquer parte do mundo em
que existam negcios fnanceiros.
Segundo: a desregulamentao fnanceira ocorrida no fnal
da dcada de 1970 e incio dos anos 1980 e a construo de uma
variedade enorme de aplicaes fnanceiras, proporcionaram
rbita das fnanas novos espaos de mobilidade para incrementar
o processo especulativo em qualquer parte do mundo.
O desenvolvimento acelerado da fnanceirizao tambm
alimentado pela nova conjuntura mundial, em que o neolibera-
lismo imps-se como doutrina de Estado nos principais pases
capitalistas, bem como pela liberdade de movimento do capital
(o dinheiro pode entrar e sair livremente na imensa maioria dos
pases, em funo de seus interesses) e pela rapidez no retorno
fnanceiro e remunerao das aplicaes mais vantajosas que na
rea produtiva. Ressalte-se ainda que, quanto mais se alarga o palco
das operaes fnanceiras, quanto mais se diversifca a variedade
de aplicaes, mais esse processo realimenta o frenesi especulativo,
confgurando uma verdadeira corrente da felicidade, em que os ga-
nhos elevados e rpidos do capital fctcio aceleram a sua prpria
retroalimentao.
Estruturalmente, a hegemonia do capital fnanceiro sobre a
rbita produtiva tem imposto sociedade um pesado nus, ten-
do em vista que os negcios na rea fnanceira no s no geram
valor, como tm se transformado num instrumento desindutor do
investimento produtivo e, alm disso, numa referncia coercitiva
para as empresas produtivas, que so obrigadas a gerar lucros nas
mesmas propores que a rea fnanceira. Assim, passam a deslo-
car parte de seus recursos para a rbita das fnanas, invertendo
completamente a lgica de sua atividade original. Para a sociedade,
Edmi lson Costa 149
a conseqncia a queda do nvel da atividade econmica, jus-
tamente no setor que gera o valor, mas tambm o desemprego, o
incremento da concentrao da renda e o empobrecimento geral
dos setores sociais que no participam do festim fnanceiro.
A globalizao fnanceira, que deveria unifcar os mercados fnanceiros mun-
diais, gerando capitais disponveis para impulsionar as foras produtivas,
est fazendo justamente o contrrio, ou seja, em funo da possibilidade de
lucros fceis e em curto espao de tempo, a rea fnanceira est concentrando
o lcus da atividade capitalista, relegando a um segundo plano a atividade
produtiva. Esta situao to grave que atualmente um percentual cada
vez mais crescente dos lucros das empresas produtivas est sendo obtido na
esfera fnanceira. Isso signifca que o capital especulativo est levando para
o interior da empresa produtiva a disputa pela alocao de capitais, numa
ousadia nunca dantes percebida. (Costa, 2004, p. 214).
de brettOn WOOds desregulamentaO
Para entendermos essa mudana qualitativa das finanas
globalizadas, importante observarmos historicamente como se
desenvolveu este fenmeno. Entre os acontecimentos que contri-
buram para a escalada das fnanas internacionais podemos citar,
respeitando certa hierarquia cronolgica: a) a internacionalizao
bancria; o rompimento dos acordos de Bretton Woods e a im-
plantao das taxas de cmbio fexveis a partir do incio da dcada
de 1970; b) o desenvolvimento do mercado de eurodlares, a pri-
vatizao da liquidez internacional e o endividamento dos pases
da periferia; c) o fortalecimento do dlar, a desregulamentao
dos sistemas fnanceiros, a partir dos governos Reagan e Tatcher,
a liberalizao dos movimentos de capitais, do mercado de aes,
cmbio e bnus, a emergncia dos mercados de derivativos.
Alm disso, essas mudanas s foram possveis porque ocor-
reram modificaes profundas nas foras produtivas, como a
construo dos satlites, das fibras ticas, a generalizao dos
150 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
computadores e a emergncia da internet e sua difuso universal,
fatores que deram suporte material ao desenvolvimento dos ne-
gcios fnanceiros.
No captulo anterior tivemos oportunidade de observar o
processo pelo qual os bancos internacionalizaram as suas ope-
raes. Como vimos, as instituies bancrias foram foradas a
acompanhar o movimento de internacionalizao realizado pelas
transnacionais produtivas. Multiplicaram suas fliais pelo mundo
afora; criaram mecanismos fnanceiros inovadores, pelos quais
obtiveram a possibilidade de alavancar as operaes bancrias e o
crdito internacional; formaram o mercado de eurodlares e pri-
vatizaram a liquidez internacional. Posteriormente, com a crise da
dvida externa e a desregulamentao fnanceira, buscaram novas
formas de valorizao do dinheiro, premidos pela desinterme-
diao bancria ocorrida com a emergncia de novas instituies
que passaram a atuar no mercado fnanceiro, como os fundos de
penso, os fundos mtuos, as companhias de seguros e corretoras
em geral.
Mas o fator que alavancou de maneira defnitiva a globalizao
das fnanas foi a bancarrota do sistema fnanceiro internacional
acertado em Bretton Woods. At por volta da dcada de 1930, a
rea fnanceira estava regulada pelo padro-ouro, cuja caracterstica
era um cmbio fxo, pelo qual os pases referenciavam suas moedas
a partir de uma determinada quantidade desse metal. Ou seja, toda
emisso deveria corresponder estritamente s reservas em ouro de
cada nao. Com isso acreditava-se que os pases manteriam suas
economias estabilizadas. At o incio da I Guerra Mundial, esse
padro funcionou regularmente, registrando poucas excees,
como os Estados Unidos no perodo da guerra civil e a Inglaterra
na poca das guerras francesas.
No entanto, aps a I Guerra Mundial seguiu-se um perodo de
intensa instabilidade econmica e monetria. Inglaterra e Estados
Edmi lson Costa 151
Unidos ainda tentaram reestabelecer o padro-ouro, mas a crise de
1929 fechou essa possibilidade, em funo da impossibilidade de
coordenao de polticas econmicas entre os principais pases indus-
trializados, tanto que em setembro de 1931 a Inglaterra suspendeu a
converso da libra em ouro. O fm da Grande Depresso j encontrou
o mundo s vsperas da outra guerra. Portanto, um novo sistema
fnanceiro internacional s viria a ser formado em 1944.
Os pases vencedores da guerra, capitaneados pelos Estados
Unidos, a principal potncia vencedora do Ocidente, reuniram-se
em Bretton Woods para organizar o sistema econmico interna-
cional, com estabilidade monetria e desenvolvimento econmico.
Para tanto, foram criadas duas instituies fundamentais: o Fundo
Monetrio Internacional (FMI), que se encarregaria da estabilida-
de fnanceira mundial, e o Banco Mundial, cuja fnalidade seria
aportar recursos para o desenvolvimento e para a reconstruo dos
pases devastados pela guerra. Do ponto de vista cambial, os pases
concordaram em estabelecer paridades fxas entre suas moedas e
o dlar. A moeda estadunidense, por sua vez, tinha o valor fxado
em ouro. Os pases podiam ter fexibilidade de variao de 1%
para cima ou para baixo da paridade e s poderiam ultrapassar esse
patamar em casos especiais de desequilbrios graves.
Ocorre que, em funo da guerra, apenas os Estados Unidos
possuam condies de suprir a liquidez internacional. Desta for-
ma, o perodo que se estendeu do fnal da II Guerra Mundial at
1958 foi marcado pela chamada escassez de dlares, fenmeno
pelo qual os pases necessitavam da moeda estadunidense para
suas transaes internacionais, mas no existiam dlares sufcientes
para estas necessidades. Para alimentar o sistema, o fuxo de dlares
era obtido mediante defcits no balano de pagamentos estadu-
nidense. A partir do fnal dcada de 1950, europeus e japoneses
recuperaram-se e passaram a ter supervits comerciais, tornando,
portanto, suas moedas conversveis.
152 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
No entanto, os crescentes defcits dos Estados Unidos, especial-
mente em funo das despesas com a guerra do Vietn, no eram
acompanhados pela expanso das reservas em ouro, o que levou
desconfana em relao ao dlar. Comeam as presses pela
desvalorizao da moeda estadunidense e a Frana adicionou mais
um elemento crise denunciando os privilgios recebidos pelos
EUA em Bretton Woods. Nessas condies, o presidente Nixon
suspendeu, em 1971, a converso do dlar em ouro, deixando o
dlar futuar ao sabor do mercado fnanceiro internacional, s que
agora sem lastro em ouro.
A partir desse perodo o sistema financeiro internacional
tomou novo rumo, pois j em 1973 os pases centrais passam a
conviver com taxas de cmbio futuantes, fato que inteiramente
legalizado em 1976 pelo Fundo Monetrio Internacional. Nesse
mesmo perodo ocorreu outro fenmeno importante que alavan-
cou as fnanas internacionais: a crise do petrleo. Organizados
na Opep (Organizao dos pases Exportadores de Petrleo), os
pases produtores decidiram quadruplicar o preo dessa commo-
ditie, invertendo a troca desigual estabelecida h sculos. Como
os sistemas fnanceiros dessas naes no tinham condies de
gerir essa montanha de recursos adicionais oriundos da venda do
petrleo mais caro, o sistema bancrio, organizado no mercado
de eurodlares, basicamente em Londres, realizou a reciclagem
dos petrodlares, cujo resultado foi a privatizao da liquidez
internacional, a ampliao do crdito internacional e o aumento
do endividamento dos pases perifricos, a grande maioria com
problemas no balano de pagamentos em conseqncia da conta
petrleo. A crise do petrleo veio adicionar mais um ingrediente
explosivo aos problemas estruturais que a economia mundial vinha
passando.
Vale lembrar que, a partir de incio da dcada de 1970, o Welfare
State, o Estado de Bem Estar Social criado no ps-guerra nos pases
Edmi lson Costa 153
centrais, j vinha dando mostras de esgotamento, tanto no que se
refere ao desempenho global das principais variveis econmicas,
como no prprio ritmo do crescimento econmico desses pases,
alm dos problemas fscais. A crise do petrleo, portanto, foi o
estopim para a crise mais geral do sistema, que se manifestou com
toda fora em 1974-1975. Esta crise econmica, por sua dimenso,
pelos fenmenos novos que trouxe em seu bojo e pela mudana
de rumo que o sistema adotou a partir desse perodo pode ser
considerada to importante quanto a crise de 1930, pois abalou
toda a base econmica do sistema capitalista, tanto que nenhum
setor ou atividade econmica foi poupado.
Conforme levantamento realizado por Martinov, os nmeros
da crise so realmente impressionantes:
O PIB do Japo caiu 21%, em comparao com os ndices mximos ante-
riores crise; o da Frana, 16%; o dos Estados Unidos, 15%; o da Alemanha
Ocidental, 11%; o da Inglatera10% (...) O exrcito de desempregados
nas economias desenvolvidas cresceu de 8,5 milhes para 15,3 milhes no
apogeu da crise (...) A taxa de produtividade do setor privado (por hora de
trabalho) tambm diminuiu aps a crise. Entre 1947 e 1965 a mdia de
crescimento foi de 3,2%; entre 1965 e 1973 caiu para 2,3%; e, entre 1973
e 1979, fcou abaixo de 1% (Martinov, 1983, pp. 52-54.).
Alm do desempenho econmico recessivo grave, a crise de
1974-1975 fez emergir dois fenmenos novos: o desemprego
crnico e a estagfao. O primeiro pode ser observado facilmente
pelos altos ndices de desocupao nos principais pases centrais,
cuja rigidez pode ser constatada tanto na alta como na baixa do
ciclo econmico. Alm disso, a estagfao veio tambm adicio-
nar outro ingrediente, pois era a primeira vez que tal fenmeno
se mostrava generalizado nas economias capitalistas centrais (a
primeira manifestao da estagfao foi nos Estados Unidos em
1969). Tratava-se de uma conjuntura em que os ndices de infao
tendiam a se manter altos tanto nos perodos recessivos quanto na
154 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
retomada do crescimento. Alm disso, pela primeira vez se pode
dizer que o processo de internacionalizao do capital provocou
com a crise a emergncia de um ciclo nico na economia capita-
lista central.
Essa crise marcou uma ruptura radical com a regulao fordista,
uma vez que o contrato social estabelecido at ento no poderia
mais desenvolver-se em funo da crise fnanceira dos Estados
centrais; sepultou as iluses de muitos economistas keynesianos,
cuja suposio era a de que a interveno do Estado na economia,
nos moldes estabelecidos a partir da II Guerra Mundial, garantiria
estabilidade eterna ao sistema. Abriu ainda espao para que o setor
mais reacionrio do grande capital impusesse ao mundo as polticas
monetaristas e o neoliberalismo e iniciasse uma nova confgurao
do sistema, na qual o setor fnanceiro passaria a hegemonizar toda
a vida econmica e iniciar uma grande ofensiva contra direitos e
garantias estabelecidos pelo pacto fordista.
A conjuntura que se estabeleceu a partir da crise, portanto,
vai pondo em cheque os principais fundamentos do Estado do
Bem Estar Social. A infao, a crise econmica, a especulao
fnanceira, os defcits pblicos, os confitos sociais pela repartio
da renda, crise da regulao e o lento crescimento econmico
deram munio para que os monetaristas, que hibernavam nos
guetos desde a II Guerra Mundial, encontrassem campo frtil para
pregar a instituio do mercado como elemento estruturador das
relaes socioeconmicas, a retirada do Estado da economia, a
desregulamentao e as privatizaes, o ataque contra os benefcios
sociais e a regresso dos salrios. De pregadores no deserto, quase
que folclricos nos anos 1950 e 1960, os monetaristas passariam
a ditar a poltica da Inglaterra e dos Estados Unidos e, posterior-
mente, toda a poltica econmica mundial.
Isso s foi possvel porque, enquanto a economia estadunidense
enfrentava sua maior crise, gestava-se paralelamente uma mudana
Edmi lson Costa 155
de fundo na composio do plo hegemnico das classes domi-
nantes dos pases centrais.
A velha elite ligada ao antigo capitalismo monopolista de Estado e ao
pacto fordista, foi substituda no centro do poder por um novo bloco de
foras sociais, mais agressivas e mais reacionrias, que subordinaram pol-
tica e economicamente todos os outros setores do capital e impuseram o
monetarista-neoliberalismo como forma de organizao socioeconmica e
o rentismo como forma particular de acumulao, subordinando inclusive
o setor produtivo e o Estado nova lgica fnanceira. Este novo bloco
das classes dominantes est hoje no centro do poder mundial, buscando
confgurar o mundo sua imagem e aplicando uma espcie de vingana
histrica de classe aos trabalhadores. (Costa, 2004, pp. 206-207).
a virada estratgica
Ao contrrio do que muitos imaginam, a grande virada na
poltica americana comeou no governo Carter, mais precisamente
com a nomeao de Paul Volcker para a presidncia do Federal
Reserve, no vero de 1979. No entanto, j no fnal de 1978, com
o objetivo de conter a infao e deter a desvalorizao do dlar,
comeou-se uma poltica de aumento das taxas de juros, mas foi
com Volcker, um homem com fortes laos com os banqueiros, que
essa poltica se desenvolveu de maneira plena. Enfraquecido pela
crise econmica e pelos altos ndices de infao, Carter cedeu
poltica dos bancos e Volcker se transformou no homem forte da
poltica estadunidense. A partir de ento, O FED iniciou uma
infexo monetarista explcita, expressa no pacote de 6 outubro
de 1979, que redirecionou a economia no sentido da busca da
estabilidade monetria e, mediante o aumento da taxa de juros,
que levaria a uma poltica de fortalecimento do dlar. (Moftt,
1984, passim)
Com esta reorientao estratgica, abriu-se a possibilidade
dos Estados Unidos resgatarem novamente sua hegemonia e
156 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
inverterem o fuxo mundial de moedas em direo ao Tesouro
estadunidense.
Os efeitos da mudana de rumo do FED foram sentidos quase que ime-
diatamente, atravs de uma alta dramtica e sem precedentes nas taxas de
juros dos Estados Unidos (...) Desde o outono de 1979, com exceo de
um breve perodo em 1980, quando a economia mergulhou na recesso, a
prime rate estava na casa dos dois dgitos. As taxas atingiram 20% ou mais
por duas vezes desde que Volcker assumiu o FED. As taxas de juros reais
costumavam futuar em torno de 1 a 2%, mas no fnal de 1979 subiram para
10% (...) O dlar, uma das moedas mais combalidas na dcada de 1970,
tornou-se a moeda mais forte do mundo. (Moftt, 1984, p. 197-198).
Restabelece-se novamente uma espcie de sistema coperniano
nas fnanas internacionais, no qual o dlar passou a funcionar como
estrela de primeira grandeza, enquanto as outras moedas passaram a
orbitar ao seu redor, num sistema hierarquizado, de acordo com o
peso de suas respectivas economias. A partir de ento a nova poltica
dos Estados Unidos comeou a ser aceita pelos principais pases
industrializados, tanto que os lderes dos pases centrais, reunidos
em Tquio, resolveram coletivamente abandonar as polticas keyne-
sianas e eleger o controle da infao como prioridade absoluta dos
Estados. Com a posse de Margareth Tatcher e Ronald Reagan, essa
orientao foi radicalizada e imposta ao resto do mundo.
Nesse novo quadro de referncia, o pleno emprego e a desinflao so
considerados como dois objetivos complementares, no sentido de que a
baixa do desemprego resulta, necessariamente, da estabilidade dos preos
(...) A estabilidade monetria , doravante, o objetivo prioritrio e a poltica
monetria torna-se o principal instrumento de regulao macroeconmica,
conforme os preceitos monetaristas. Impe-se igualmente uma concepo
liberal do papel do Estado, que no deve intervir na gesto econmica, o
que leva a contestao da efccia da poltica oramentria. Monetarismo e
liberalismo tornam-se assim os novos princpios fundamentais da poltica
econmica. (Plihon, 1998, p. 100).
Edmi lson Costa 157
Os governos Reagan e Tatcher aprofundaram o processo de
desregulamentao e liberalizao fnanceira, com a eliminao
das restries mobilidade dos capitais, o fim do controle de
preos e das restries criao de novos tipos de aplicaes,
o que proporcionou ao capital fnanceiro um imenso poder no
que se refere formulao das polticas macroeconmicas. Para
os banqueiros, a dcada de 1970 tinha representado um perodo
de vacas magras, em funo das baixas taxas de juros praticadas
na economia global. Agora, buscavam-se novos argumentos para
mudar a poltica econmica: dizia-se que uma taxa de juros baixa
era indesejvel para a economia, pois proporcionava alocao de
recursos com baixas taxas de efcincia, tanto nas empresas privadas
quanto pblicas, alm de desestimular a atividade de intermediao
fnanceira. Portanto, tornava-se necessria uma nova poltica de
juros que retirasse os controles por parte do Estado, aumentasse
seu patamar, de forma a restabelecer a lei da oferta e procura do
dinheiro e possibilitar uma alocao de recurso que tivesse con-
dies de melhorar a qualidade do investimento, bem como sua
rentabilidade.
Segundo essa concepo a liberalizao financeira deveria estimular a
poupana e o investimento. A poupana tida como funo crescente da
taxa de juros; quanto maior a taxa de juros, mas os agentes econmicos
admitem a hiptese de renunciar ao gasto imediato e optar por um consumo
futuro, cujo nvel ser aumentado pela alta dos rendimentos fnanceiros.
Por outro lado, a alta da taxa de juros deve conduzir a uma melhor alocao
do capital, posto que os projetos de investimentos menos rentveis sero
eliminados (...) As polticas neoliberais que foram postas em prtica nos
pases industrializados (...) traduziram-se, efetivamente, por uma alta da
taxa de juros. Os monoplios bancrios foram quebrados; a concorrncia
entre os intermedirios fnanceiros fez desaparecer os recursos baratos; e a
concorrncia entre os pases obrigou cada um a alinhar-se maior taxa de
juros ofertada. (Plihon, 1998, 120).
158 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Em outras palavras, a elevao da taxa de juros passou a ser
um instrumento regulador da economia mundial, enquanto
os mercados de cmbio, de ttulos e de derivativos em geral
transformaram-se em portadores e multiplicadores do capital
especulativo.
A elevao das taxas de juros liberadas se imps como novo mecanismo
de regulao, em nvel mundial, direcionando a alocao de capital e os
processos de reestruturao industrial. Por fm, a volatilidade inerente
das taxas de juro e de cmbio, determinadas pelo mercado, suscitou um
salto qualitativo no aumento do capital fctcio gerado pela macia espe-
culao com ativos fnanceiros, tendncia aumentada pela securitizao
do crdito e pela transformao da moeda em mercadoria. (Guttmann,
1988, p. 85).
A nova poltica monetarista fortaleceu enormemente o plo
fnanceiro do grande capital, que passou a impor ao conjunto da
economia as novas regras do mercado, de forma a ampliar sua
participao na riqueza e subordinar os outros setores lgica das
fnanas. Ancorados por tecnologias da informao cada vez mais
desenvolvidas, pela generalizao dos computadores e da internet,
novos produtos fnanceiros foram sendo criados numa velocidade
proporcional criatividade do sistema liberalizado. Especulao
no mercado futuro de cmbio, de juros, swaps, bnus e derivativos
em geral marcaram a tnica das fnanas a partir de ento. V-
rios consrcios de bancos inauguraram cmaras de compensao
automatizadas e de transferncia eletrnica de fundos, a fm de
oferecerem a seus clientes crescente variedade de servios de ad-
ministrao da liquidez (Guttmann, 1998, p. 70).
medida em que dinmica do sistema era invertida no sen-
tido da especulao fnanceira, novos movimentos tambm eram
realizados pelo plo fnanceiro para hegemonizar o conjunto da
economia, a fm de que nenhum agente econmico pudesse es-
capar da armadilha fnanceira. A captura da renda mundial por
Edmi lson Costa 159
parte do segmento fnanceiro deveria envolver a todos, empresas
do setor produtivo, os bancos comerciais tradicionais, o mercado
de capitais, inclusive os Estados nacionais e sua poltica oramen-
tria. Movidos pela lgica das altas taxas de juros, da rentabilidade
rpida e com a vantagem da mobilidade irrestrita de capitais, fcou
muito mais vantajosa a operacionalidade cotidiana em qualquer
dos mercados do mundo. Agora o capital fnanceiro se libertava
das amarras do espao e do tempo e podia auto-acrescentar-se em
qualquer momento ou em qualquer pas.
Este movimento do capital fnanceiro teve o apoio incondi-
cional dos Estados Centrais, especialmente dos Estados Unidos,
de onde se irradiou no s o novo modelo de acumulao, mas
principalmente as presses para que todos os agentes econmicos
perflassem nessa nova cartilha monetarista. Para tanto, realizou-se
um movimento de pina, sob o comando do poder poltico dos
Estados Centrais, do poder das fnanas, dos meios de comunica-
o, quase todos controlados pelo grande capital, e das agncias
internacionais, como o Fundo Monetrio Internacional, o Banco
Mundial, a Organizao Mundial do Comrcio, entre outros, todos
controlados pelos Estados Unidos.
De um lado, os meios de comunicao passaram a realizar uma
campanha cotidiana para enaltecer a nova lgica da economia, as
virtudes do mercado e da globalizao fnanceira e os benefcios
da mobilidade de capitais para povos e naes. De outro, as enti-
dades internacionais pressionavam duramente seus integrantes a
aderirem nova ordem, sob pena de serem punidos pelo mercado
e no se benefciarem dos fuxos internacionais de capital. Um a
um, os agentes econmicos e praticamente todas as naes foram
aderindo ou subjugando-se aos fundamentos monetaristas. Neste
movimento a economia mundial tornou-se prisioneira da rbita
fnanceira e, desde a dcada de 1980, tem seus fundamentos vol-
tados para a fnanceirizao da riqueza.
160 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Os mercadOs financeirOs glObalizadOs
O movimento mundial das fnanas, quer as tradicionais,
quer as especulativas, est segmentado em cinco mercados b-
sicos: o mercado cambial, do mercado monetrio, o mercado
de bnus, o mercado de aes e o mercado de derivativos, este
ltimo o maior de todos, justamente o mais especulativo. O
conjunto desses mercados rene uma massa de recursos estima-
da, em 2005, em US$ 118 trilhes, pela consultoria McKinsey
& Company
5
.
Essa massa gigantesca de recursos, ampliada em funo da
liberao dos mercados e da desregulamentao, pode entrar e
sair dos pases a qualquer momento e representa um enorme
desafo para os Bancos Centrais, que tiveram reduzidas as suas
possibilidades de gerir as moedas nacionais em funo da des-
proporo entre a massa de recursos especulativos e as reservas
nacionais.
No incio dos anos 1980, as reservas monetrias agregados dos pases
da OCDE (Organizao de Cooperao de Desenvolvimento Econ-
mico, entidade que rene os 24 pases mais desenvolvidos do mundo)
eram equivalentes a vrias vezes o volume dirio de divisas negociado
internacionalmente. Atualmente o poderoso mercado reina os US$
640 bilhes de reservas monetrias agregadas dos pases da OCDE
representam menos da metade do movimento dirio dos mercados
cambiais globais (...) A soberania econmica nacional foi erodida pelos
mercados fnanceiros globais. Os governos tm sua margem de escolha
de polticas e prioridades econmicas restringidas pela necessidade de
agradar os mercados. Se estes mercados perdem a confana em um
5
Segundo esta consultoria, em 1980 este volume de recursos era de apenas US$ 12 trilhes,
alcanou US$ 53 trilhes em 1993, 118 trilhes em 2005 e para 2010 o volume de recursos
na rbita fnanceira est estimado em US$ 200 trilhes. Alm disso, outras instituies
como o Banco de compensaes Internacionais (BIS) estimam que os valores escriturais
(notional) dos contratos j atingem US$ 270 trilhes.
Edmi lson Costa 161
pas, as conseqncias so srias crise cambial, elevao da taxa de
juros, fuga de capitais, desmoronamento do mercado de aes e mais
desemprego (Roberts, 2000, p.38).
Apesar da dinmica especulativa, necessrio precisar melhor
o processo de fnanceirizao da riqueza: no se trata simplesmente
da circulao de recursos puramente especulativos; uma parte dos
negcios transacionados no mercado fnanceiro tem seu lastro na
economia real. Constituem-se de poupana das famlias estrutu-
radas nos fundos em geral; so recursos dos especuladores extra-
dos dos dividendos oriundos do processo produtivo; so capitais
das corporaes produtivas que, crescentemente, buscam maior
valorizao na esfera fnanceira; e, especialmente, so recursos
oramentrios dos Estados, antes gastos em reas de atividades
sociais ou produtivas, e que agora so destinados de maneira cres-
cente para o pagamento dos servios da dvida pblica (Chesnais,
1996, p. 241).
Essa base material concreta da globalizao financeira, a
partir da qual a criatividade do capital especulativo desenvolve
sua atividade. Ao se colocar em movimento sem nenhuma regu-
lao, encontrou terreno frtil para seu auto-acrescentamento, at
transformar as fnanas globais numa atividade essencialmente
especulativa.
Os agentes ecOnmicOs da glObalizaO
financeira
Os agentes da globalizao fnanceira so os fundos de penso,
os fundos mtuos, as seguradoras e corretoras em geral, os bancos
tradicionais, as prprias empresas transnacionais produtivas e os
especuladores em geral. Os fundos de penso so particularmente
fortes nos Estados Unidos e na Inglaterra. Estes fundos possuam,
em 1988, US$ 3,9 trilhes, desempenho que evoluiu para US$
6,9 trilhes em 1993. Os fundos mtuos em 1988 detinham
162 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
US$ 1,8 trilho quantia que saltou para US$ 3 trilhes em 1993.
(PLIHON, 1998, p. 124). Com uma impressionante massa
de recursos, os fundos transformaram-se no s nos principais
agentes da globalizao fnanceira especulativa, como passaram a
impor seus critrios de rentabilidade ao conjunto das atividades
econmicas mundiais.
Tabela 15
Carteira Global dos fundos de investimento (Em bilhes de dlares)
Carteira 1988 1993
Fundos de penso 3.900 6.900
OPCVM (mutual funds) 1.800 3.000
Total 5.700 9.900
Fonte: Plihon,1998
Um dos principais aspectos a ser destacados no movimento
em direo s novas fnanas o processo de desintermediao
fnanceira que se verifcou a partir dos anos 1980. Os principais
responsveis por esse movimento foram as novas instituies que
passaram a atuar fortemente no mercado, tornando-se posterior-
mente seus elementos mais dinmicos os fundos de penso, os
fundos mtuos, as companhias de seguros, as corretoras e um
conjunto de outras instituies menores que atuam nos vrios
segmentos desse mercado. Para se ter uma idia do fenmeno,
basta constatar os dados da tabela 16: em 1948 a participao
dos bancos no conjunto das instituies fnanceiras dos Estados
Unidos era de 55,9%, percentual que regrediu para 25,4% em
1993. Por sua vez, o papel dos fundos de penso cresceu de 3,1%
para 24,4% no mesmo perodo e as outras instituies tambm
cresceram de 1,3% para 14,9% tomando a mesma base de com-
parao (Tabela 16).
Edmi lson Costa 163
Tabela 16
Participao no mercado das instituies fnanceiras dos EUA (%)
1948-1993
Mercado 1948 1860 1970 1980 1993
Bancos 55,9 38,2 37,9 34,8 25,4
OPCVM 1,3 2,98 3,5 3,6 14,9
Fundos de Penso 3,1 9,7 13 17,4 24,4
Corretores de valores 1 1,1 1,2 1,1 3,3
Fonte: Guttmann, 1998
A crise econmica da dcada de 1970, aliada s novas
possibilidades de rentabilidade maior e mais rpida no novo
mercado especulativo, fez com que os bancos comeassem a
rever sua estratgia de fornecer emprstimos de longo prazo
s indstrias.
(...) Uma dcada de estagfao tambm tornou cautelosos os fornece-
dores de emprstimos de longo prazo, devido falta de liquidez desses
emprstimos e aos riscos considerveis (de preo e de falta de pagamento)
que implicavam. Diante dessa situao, os ttulos tornaram-se uma opo
bem mais interessante, pois era possvel livrar-se dele a qualquer momento
e porque, afnal de contas, dependiam menos das vicissitudes do capital
industrial (Guttmann, 1998, p. 79).
Reduzindo os emprstimos para as empresas, os bancos pas-
saram a dispor de grande liquidez para atuar de maneira agressiva
nesse novo mercado, com a vantagem de poder utilizar-se da
longa experincia e dos vnculos que possuam na rea fnanceira.
Passaram assim a envolver-se aceleradamente na securitizao
do crdito, no fnanciamento do mercado de ttulos e nos vrios
negcios especulativos. Alis, com a nova forma de atuao no
mercado, os bancos contriburam para propagar uma das formas
mais refnadas de especulao: o uso de ttulos como garantia para
financiar a compra de novos ttulos, o que proporcionou uma
164 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
alavancagem extraordinria em praticamente todos os mercados
e forneceu mais combustvel para o frenesi especulativo que hoje
domina a economia mundial.
O crescente envolvimento dos bancos comerciais nos mercados de ttulos foi
um dos fatores cruciais da predominncia do capital fctcio. Para comear,
signifcou que, agora, grandes quantias de dinheiro novo (aspas do autor)
so canalizadas para o mercado de ttulos, atravs da abertura de crditos
renovveis e de linhas de crdito para investidores institucionais (...) para
corretores na bolsa, para bancos de negcios, garantindo assinatura de
novas emisses de ttulos bem como aos prprios emissores destes (...) Ao
oferecerem recursos eles tambm facilitaram a compra de ttulos fnanceiros
mediante endividamento (...) Por fm, os bancos comerciais aceitaram o uso
de ttulos como garantia de emprstimos para fnanciamento da compra de
novos ttulos. Essa prtica, chamada piramidizao, permite aos investi-
dores fnanceiros fazerem grandes transaes, entrando com pouqussimo
capital prprio. (Guttmann, 1998, pp. 80-81).
A investida dos bancos no se desenvolveu apenas na rea de
ttulos, mas especialmente nos mercados de derivativos e de divisas.
Publicao do Federal Reserve Bank, de Nova York estimava, em
1994, que os sete maiores bancos comerciais dos Estados Unidos
transacionavam uma quantia de US$ 13,7 trilhes em contra-
tos derivativos, enquanto no mercado de divisas a especulao
apresenta uma tnica ainda mais espantosa, uma vez que neste
mercado as operaes representam em mdia US$ 1,4 trilho por
dia (grifo nosso), segundo levantamento realizado por Guttmann.
Um dado que revela de maneira insofsmvel o carter especulativo
da globalizao fnanceira o fato de que o lastro efetivo dessas
operaes representa apenas 10% a 20% dos contratos negociados
e, s vezes at menos. Ou seja, negocia-se uma massa enorme de
dinheiro em transaes puramente especulativas, desvinculadas
no s da economia real, mas at mesmo do lastro fnanceiro das
prprias operaes.
Edmi lson Costa 165
a financeirizaO das empresas
O movimento em direo fnanceirizao da riqueza foi segui-
do tambm pelas corporaes produtivas, num movimento em que
a rea fnanceira da empresa foi ganhando uma importncia cada
vez maior, em conseqncia da conjuntura especulativa mundial.
Como os negcios na rea financeira apresentavam resultados
mais positivos que na rea produtiva, as corporaes passaram a
viver uma situao de presso constante por parte dos acionistas,
principalmente aqueles ligados ao plo fnanceiro, como fundo de
penses e fundos mtuos, a obterem resultados semelhantes aos
obtidos nas aplicaes especulativas.
Estes fundos de investimento impem seus critrios de gesto s empresas,
cujos capitais e dvidas eles controlam: o sistema de corporate governance
ou de governo de empresa, que consagra a supremacia da lgica fnanceira
nas empresas e nos bancos. Nesse sistema, que se desenvolveu a partir dos
Estados Unidos, o poder na empresa pertence aos administradores dos
fundos de investimento, que so levados a representar seus acionistas. Esta
redistribuio do poder se faz em detrimento dos empresrios (a tecnoes-
trutura). A empresa deve ser gerida por critrios puramente fnanceiros:
deve satisfazer os objetivos de rentabilidade fnanceira, a curto prazo dos
organismos de gesto coletiva da poupana (Plihon, 1998, p. 125).
A conseqncia mais imediata desse encilhamento fnanceiro
a inverso do horizonte temporal do planejamento empresarial e
a instituio da lgica do curto prazo, com a exigncia de retornos
cada vez mais elevados e rpidos. Essa dinmica tem o poder de
infuenciar no apenas os grandes acionistas, mas tambm envolve
os pequenos, num processo em que todos querem ganhar o mximo
possvel no menor espao de tempo.
Os acionistas (pequenos e grandes) de fora da empresa conduzem-na a
preferir resultados fnanceiros de curto prazo em detrimento do crescimento
de longo perodo. Sob presso dos mercados fnanceiros e dos fundos de
investimento, os dirigentes de empresa so levados a privilegiar a satisfao
166 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
dos impulsos imediatistas de um corpo de acionistas cada vez mais socia-
lizado. (Plihon, 1998, pp. 125-126).
Dessa forma, a atividade-fm da empresa, que a produo de
mercadorias, atividade com a qual cria a riqueza nova, vai sendo
aprisionada por interesses alheios criao do valor, devido in-
verso de rumo no sentido da lgica fnanceira.
Para os grandes grupos do setor de manufaturas ou servios, a estreita
imbricao entre as dimenses produtiva e fnanceira da mundializao
do capital representa hoje um elemento inerente ao seu funcionamento
cotidiano (...) A fnanceirizao cada vez mais acentuada desses grupos
confere-lhes um duplo carter. Por um lado, eles esto se tornando
organizaes cujos interesses identificam-se sempre mais com o das
instituies estritamente fnanceiras, no apenas por seu comum apego
ordem capitalista, mas pela natureza fnanceira-rentista (aspas do
autor) de parte de seus rendimentos. Por outro, continuam sendo locais
de valorizao do capital produtivo, sob a forma industrial. (Chesnais,
1996, pp. 275-276).
Inicialmente, a fnanceirizao dos grupos industriais come-
ou nos Estados Unidos, que centro do processo de especulao
mundial, propagou-se posteriormente para o conjunto dos pases
centrais e atualmente j atinge tambm os pases perifricos, con-
fgurando um modelo de acumulao de capital que busca uma
fuga da lei do valor para aprisionar cada vez mais a produo no
fetiche das fnanas globais.
Parece-nos claro que essa presena ativa dos grupos predominantemente
industriais no seio do sistema fnanceiro mundializado, que se formou pro-
gressivamente nos ltimos 20 anos, modifcou profundamente suas decises
estratgicas no que se refere ao modo de valorizao de seu capital. Com
efeito, eles se transformam cada vez mais claramente em grupos fnancei-
ros. certo que possuem uma preponderncia industrial mas no contexto
econmico de grandes incertezas sobre as perspectivas econmicas, suas
decises relativas s atividades de produo so cada vez mais encerradas
Edmi lson Costa 167
na rede de contradies e de oportunidades criadas pelas fnanas globais
(Serfatti, 1998, p. 142, grifo do autor).
Em outros termos, hoje todos os grandes empresas transnacio-
nais esto envolvidas to profundamente com o processo especu-
lativo geral, que muitas montaram seus prprios bancos e dirigem
seus negcios por meio de uma holding mundial, que centraliza
suas atividades a partir de um caixa nico.
A razo de ser quase exclusiva da sociedade holding, que se encontra na
cpula de todos os grupos organizados, precisamente organizar uma
gesto centralizada sob a forma de ativos geradores de rendimentos,
quer estes ativos representem um capital produtivo valorizado nas fliais
industriais ou se componham de direitos de propriedade e de crditos
destinados valorizao nos mercados fnanceiros. (Serfatti, 1998, p. 146,
grifo do autor).
A holding, ao centralizar o caixa das empresas transnacionais,
passa a comandar a gesto internacional dos ativos da empresa,
no s em termos administrativos e produtivos, mas especialmente
fnanceiro. Em termos administrativos, ao hierarquizar o comando
mundial, passa a exigir das fliais um conjunto de objetivos tpicos
da nova lgica imediatista, e at mesmo estimulam atividades
nebulosas como os chamados preos de transferncia (transfer
price), nome pomposo para a remessa ilegal de lucros das fliais
para as matrizes, mediante o sub e superfaturamento dos negcios
intra-frma, o que termina sendo uma tarefa facilitada em funo
da desregulamentao dos movimentos de capitais.
Nessas circunstncias, o grupo transnacional atua dinamica-
mente nos dois plos: do ponto de vista produtivo, obtm vanta-
gens em relao ao custo de oportunidade do investimento: como
as fliais so instaladas em outros pases, aproveitam-se das melhores
disponibilidades nacionais e assim buscam elevar a taxa de lucro; do
ponto de vista fnanceiro, que o eixo da poltica da holding, esta
atua como se fosse um agente fnanceiro buscando a valorizao
168 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
do capital onde exista oportunidade de ganhar dinheiro. Com a
globalizao fnanceira e sua infnidade de produtos derivativos,
a holding tambm se transforma num importante instrumento da
especulao mundial.
A gesto de caixa centralizada apresenta-se sob trs formas principais: o
netting (ou contabilidade monetria dos grupos), o cash pooling (centrali-
zao do caixa do curto prazo) e, mais recentemente pelo menos na Frana,
os centros (ou sociedades) de refaturamento das divisas, que gerenciam o
conjunto dos pagamentos e das entradas de caixa realizadas pelas fliais.
A gesto centralizada de caixa fornece aos grupos pelo menos trs vanta-
gens: aumentar o poder de fogo das intervenes nos diversos segmentos
dos mercados fnanceiros internacionais, o que lhe permite obter assim
tarifas mais competitivas nesses mercados. Alm disso, ele conduz a uma
diminuio dos custos de transaes pagas aos bancos, j que o caixa do
grupo que se encarrega das compensaes e ele apenas se dirige aos bancos
para cobrir o saldo residual. Uma ltima vantagem vem da possibilidade
de tirar proveito dos movimentos e prazos constantes dos regulamentos,
utilizando-se os caixas das fliais para favorecer as posies longas nas
divisas com previso de elevao... preciso acrescentar, no caso dos grupos
estadunidenses, os enormes cash-fows que deixam a cada noite a praa
estadunidense para aplicaes em eurodlares e outros instrumentos de
rendimento, que depois so transferidos para os Estados Unidos, no dia
seguinte de manh, com o objetivo de escapar s prticas dos bancos esta-
dunidenses, que no remuneram aplicaes de 24 horas. (Serfatti, 1998,
pp.148-149, grifo do autor).
Com esta nova organizao, os grupos transnacionais, origi-
nalmente com predominncia produtiva, por possurem volume
de negcios superiores ao Produto Interno Bruto de muitos pases,
conforme vimos no capitulo anterior, tornaram-se mais um ins-
trumento do processo especulativo mundial, pois suas atividades
passaram a depender cada vez mais dos negcios com as fnanas
globais. E quanto mais ganham na rbita fnanceira, mas reforam
Edmi lson Costa 169
as estruturas internas que geram rentabilidade a partir desse tipo
de negcios, ou seja, a rea fnanceira do grupo, inverte completa-
mente sua lgica de funcionamento original e contribui com mais
combustvel para a consolidao dos negcios especulativos como
lgica geral da dinmica capitalista.
Assim, os grupos industriais esto envolvidos num movimento cumulativo:
desenvolvem suas capacidades e reforam seus departamentos fnanceiros
e de caixa para fazer face instabilidade fnanceira e extrema volatilidade
dos mercados de cmbio. Mas, ao fazerem isso, eles se tornam agentes
principais, nesses mercados, ao lado dos bancos e dos investidores institu-
cionais, e sua interveno contribui para agravar a instabilidade fnanceira,
pois ela conduz transformao das moedas nacionais em simples ativos
fnanceiros. O nvel e a orientao dos seus investimentos industriais so
cada vez mais moldados por essa atitude, o que agrava, por sua vez a estag-
nao econmica. (Serfatti, 1998, p. 151).
dvida pblica e financeirizaO
Os agentes da globalizao das fnanas, no seu mpeto de en-
volver todos os setores da vida social no encilhamento fnanceiro,
fnalmente conseguiram aprisionar as fnanas pblicas no movi-
mento de auto-acrescentamento do capital fnanceiro. Como se
sabe, o Estado do Bem Estar Social funcionava, estruturalmente,
com elevados defcits pblicos, com os quais tinha possibilidade
de manter o pacto social do Capitalismo Monopolista de Estado
servios bsicos gratuitos (sade, educao etc.), uma bem es-
truturada rede proteo social e fundos para o seguro-desemprego,
neste ltimo caso visando manter a demanda agregada, um mer-
cado de trabalho relativamente estvel, bem como evitar crises
econmicas mais intensas. Essa pactuao era fnanciada, em parte,
com a colocao de ttulos pblicos no mercado fnanceiro, num
ambiente de taxas de juro baixas que predominou nos 30 anos
dourados do Walfare State.
170 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
No entanto, com a ascenso dos monetaristas no centro do poder
nos Estados Unidos e na Inglaterra, realizou-se uma inverso radical
da poltica econmica mundial: a estabilidade econmica e as elevadas
taxas de juros transformaram-se no eixo de regulao do sistema ca-
pitalista, fato que aprofundou a crise do Estado do Bem Estar Social.
Essa nova poltica impactou fortemente o perfl do fnanciamento dos
pases centrais e, posteriormente, de praticamente todos os pases do
mundo (Plihon, 1998, pp. 100,124; Guttmann, 1998, pp. 62, 85)
A entrada de novos agentes fnanceiros no mercado (fundos
de penso, fundos mtuos etc.), com grande capacidade fnan-
ceira para emprestar diretamente aos agentes econmicos abriu
espao para que o Estado passasse a se fnanciar de maneira mais
descomplicada, sem grandes entraves burocrticos. No entanto,
com o aumento exponencial das taxas de juros, esta forma de
fnanciamento do Estado constituu-se numa armadilha, uma vez
que o custo de fnanciamento tornara-se maior que o crescimento
econmico. O crescimento econmico tornou-se insufciente
para reembolsar os encargos de juros sobre as dvidas pblicas. Os
defcits e as dvidas pblicas comearam a crescer mais depressa
que o PIB (Plihon, 1998, p.106).
Para realizar os objetivos do grande capital, os governos dos
pases industrializados, inicialmente Estados Unidos e Inglaterra
e posteriormente todos os outros, realizaram um amplo processo
de liberalizao fnanceira, com a abolio de todos os entraves
que pudessem difcultar a orientao monetarista.
Todas as formas de controle administrativo das taxas de juros, do crdito e
dos movimentos dos capitais foram progressivamente abolidas. O objetivo
era desenvolver as fnanas de mercado. A desregulamentao foi um dos
motores da globalizao fnanceira, pois acelerou a circulao internacional
do capital fnanceiro, atravs da abertura do sistema fnanceiro japons,
em 1983-1984 (...) e depois o desmantelamento dos sistemas nacionais
de controles cambiais na Europa, com a criao de um mercado nico
Edmi lson Costa 171
de capitais em 1990. Sob o impulso dos Estados Unidos e do FMI, os
novos pases industrializados seguiram o movimento da liberalizao, o
que gerou o nascimento dos mercados fnanceiros emergentes (aspas do
autor). E igualmente foi para poder fnanciar seus defcits que os novos
pases industrializados tiveram que proceder, por sua vez, a liberalizao
fnanceira. (Plihon, 1998, p. 111).
Estimulados pela nova orientao monetarista, cujos interesses
estavam profundamente vinculados ao plo fnanceiro do grande
capital, os Estados foram se envolvendo crescentemente numa
aspiral de endividamento, cuja taxa mdia de pagamentos dos
servios da dvida era muito maior que a taxa de crescimento da
economia nacional. O resultado de uma situao macroeconmica
dessa ordem no poderia ser outro que a deteriorao das fnanas
pblicas e o aumento do defcit pblico.
Aps o incio dos anos 1980, a situao das fnanas pblicas deteriorou-se
progressivamente nos grandes pases industrializados. O defcit mdio dos
pases do G-7 passou de 2,1% do PIB durante a dcada de 1970 para 3,6%
em 1990-1995 e, conseqentemente, o peso da dvida pblica tambm
cresceu fortemente, para atingir 64,3% do PIB, em mdia, em 1990-1995.
(Plihon, 1998, p.103).
Como se pode constatar, a juno explosiva de aumento do
defcit pblico, servios crescentes da dvida e taxas de crescimento
econmico baixas tornou os Estados prisioneiros do plo fnan-
ceiro, posto que passaram a depender cada vez mais do fnancia-
mento desses agentes econmicos para rolar suas dvidas. Isso fez
com que a lgica fnanceira se transformasse no s numa varivel
fundamental da poltica econmica como tambm deixou nas mos
dos fnanciadores a capacidade de ditar as taxas de juros de seus
emprstimos. Inicia-se nessa conjuntura uma competio entre
Estados nacionais no sentido de atrair investidores para a aquisio
de seus ttulos pblicos, resultando desse processo mais infuncias
do capital fnanceiro sobre a poltica dos Estados.
172 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Assim, as operaes com ttulos cresceram de maneira to
acelerada que hoje o mercado internacional de ttulos o segundo
maior do mundo, perdendo apenas para o mercado de derivativos
Trata-se de um fato compreensvel, de um lado, pelas necessida-
des crescentes dos Estados e, de outro, porque na conjuntura de
volatilidade e crise no sistema fnanceiro internacional, o ttulo
pblico possivelmente o ativo menos vulnervel, uma vez que, ao
contrrio das empresas, que podem efetivamente falir, os Estados,
por maior que seja a crise, continuaro Estados quando a situao
se estabilizar, e assim tm a possibilidade de honrar os seus dbitos
contrados no passado.
Os impactOs da glObalizaO financeira
A globalizao fnanceira tem produzido um conjunto de fen-
menos profundamente nocivos para a populao em geral e, especial-
mente, para as naes periferias e para seus povos. Em todos os pases
em que a globalizao fnanceira passou a hegemonizar as relaes
econmicas, o Estado ampliou aceleradamente o seu endividamento
para bancar os custos da especulao (juros e amortizao da dvida
pblica), resultando numa enorme transferncia de recursos pblicos
para o setor fnanceiro. Tambm em praticamente todos os pases
do sistema capitalista ocorreu um aumento da concentrao da
renda, que benefciou sobremaneira a riqueza da esfera fnanceira;
observou-se tambm, ao contrrio do contrato social fordista, uma
reduo acentuada no poder de compra dos salrios, bem como
tambm verifcou-se restrio aos direitos e garantias dos trabalha-
dores, muitos deles conquistados h cerca de um sculo ou mais;
a crise do Estado teve como conseqncia a imposio de severos
cortes nos gastos sociais, gerando aumento da pobreza e da misria
no mundo, inclusive nos prprios pases centrais.
Como pudemos observar, tanto os pases centrais quanto os
pases perifricos aumentaram aceleradamente o endividamento
Edmi lson Costa 173
pblico, com impactos profundamente negativos para a sociedade.
Se tomarmos os pases da OCDE em seu conjunto, como refern-
cia, constataremos que o endividamento em relao ao PIB cresceu
de 40,2% em 1980 para 71,1% em 1999. Com relao aos pases
do G-7 o crescimento da dvida foi semelhante: passou de 41,5%
para 73,2 no mesmo perodo. Nos Estados Unidos a dvida cresceu
de 37,0% para 59,7%; na Alemanha de 31,1 para 64,2%; e no
Japo, de 51,2% para 99,55 (tabela 17). Nos pases da periferia
capitalista, o endividamento do Estado tambm foi crescente: no
Brasil, por exemplo, a dvida pblica aumentou de 20% para 54%
do PIB entre 1994 e 2001 (Beinstein, 2001, p. 118).
Tabela 17 - Dvida Pblica como porcentagem do PIB
Pas
1980 1990 1999
% % %
Pases do G7 41,5 58,3 73,2
Pases da OCDE 40,2 57,1 71,1
Estados Unidos 37,0 55,5 59,7
Alemanha 31,1 45,5 64,2
Japo 51,2 65,1 99,5
Fonte: Beinstein, com base em dados da OCDE, 2001
Isso signifca que o capital fnanceiro especulativo encontrou
um espao de valorizao muito importante, uma vez que os re-
cursos arrecadados pelo Estado compem-se da mais valia geral
produzida pelos trabalhadores. Anteriormente, parte dos recursos
destinados ao pagamento da dvida era acentuadamente menor
que no atual perodo da globalizao, alm do fato de que grande
parte da dvida era resultado de investimentos governamentais
tanto na construo de infra-estrutura, equipamentos sociais e
polticas sociais em geral, tpicas do perodo do Welfare State. Agora
o endividamento tem um outro carter: trata-se de um aumento
174 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
da dvida em funo do aumento das taxas de juros. Em outros
termos, o capital fnanceiro especulativo no s capturou uma parte
importante da mais-valia retida pelo Estado em forma de tributos,
como encilhou o oramento pblico na armadilha da globalizao
fnanceira, retendo para si recursos imprescindveis que antes eram
redistribudos em forma de bens e servios para a sociedade.
A poltica econmica oriunda do processo de globalizao
neoliberal, ao privilegiar a estabilizao monetria em detrimento
do crescimento econmico, e desencadear o processo especulativo
como norma estrutural do sistema. Essa conjuntura resultou numa
queda do nvel da atividade econmica e na estagnao industrial.
Conforme a tabela 18, poderemos aferir uma conjuntura qualitati-
vamente diferente entre o perodo onde a prosperidade econmica
era a tnica do desenvolvimento, e o perodo atual, onde a estabi-
lidade da moeda o centro das preocupaes macroeconmicas.
Entre 1966 e 1973 o crescimento mdio do produto mundial foi
de 5,2%; Entre 1974-1980, foi de 3,4%; entre 1981 e 1990, 3,1%;
e entre 1991 e 1999, 2,8%.
Tabela 18
Taxas anuais do crescimento real do produto bruto mundial1966 - 1999 (%)
Anos (%)
1966-1973 5,2
1974-1980 3,4
1981-1990 3,1
1991-1999 2,8
Fonte: Beinstein, 2001
O quadro de desacelerao do nvel da atividade econmica no
s deprime a economia mundial, como amplia as taxas de desem-
prego e de excluso social nos pases de industrializao madura.
Na Unio Europia, por exemplo, o desemprego aumentou de 8
milhes de trabalhadores em 1980 para 17 milhes em 1999. No
Edmi lson Costa 175
conjunto dos pases da OCDE, o desemprego subiu de 20 milhes
em 1980 para 40 milhes em 2000, refetindo um cenrio em que
as taxas de desocupao se mantm rgidas, independentemente
do ciclo econmico. At mesmo o Japo, considerado o paraso do
emprego, em funo da estabilidade vitalcia para um setor signif-
cativo dos trabalhadores, a taxa de desemprego vem aumentando
acentuadamente. Ao longo da dcada de 1980 o desemprego no
pas estava na faixa de 2% da populao ativa e cresceu na dcada
de 1990 para 2,9% em 1994, 3,3% em 1996 e fechou 1998, com
uma taxa de desocupao de mais de 4%, ou seja, um ndice duas
vezes maior que na dcada de 1980 (Beinstein, 2001, p. 66).
A estagnao econmica trouxe em seu bojo a precariedade
das condies de trabalho, a concentrao da renda e o aumento
da pobreza. Segundo dados da OCDE, nos Estados Unidos, as
agncias de trabalho temporrio administravam 400 mil assala-
riados em 1982, passando a 1,3 milho em 1990 e a 2,1 milhes
em 1995. Na Inglaterra, o trabalho temporrio abrangia 7% da
populao ativa (Beinstein, 2001, p.68). De acordo com dados
levantados por este autor, a faixa correspondente aos 40% mais
pobres da populao ativa empregada dos Estados Unidos, a nao
mais rica do planeta, sofreu regresso em seu rendimento, entre
1973 e 1993, enquanto as faixas correspondentes aos 40% mais
ricos foram os que mais se benefciaram com a globalizao.
Conforme Beinstein (2001), quanto maior o nvel de renda
maior o benefcio; quanto menor a faixa de renda maior o pre-
juzo no perodo. Os 10% mais pobres nos EUA sofreram queda
de cerca de 35% dos seus rendimentos, enquanto os 10% mais
ricos aumentaram sua renda em mais de 25%. A tabela 19, por
sua vez, indica o crescimento absoluto do nmero de pobres nos
Estados Unidos: em 1970, eles correspondiam a 25,7 milhes;
em 1980 cresceram para 29,3 milhes. Em funo das polticas
neoliberais, o aumento dos pobres se tornou cada vez mais cres-
176 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
cente: 33,6 milhes em 1990 e 35,6 milhes em 1997 (Beinstein,
2001, p. 188).
Tabela 19
Pobres nos EUA em milhes de pessoas 1970-1997
1970 25,7
1977 24,7
1980 29,3
1987 32,2
1990 33,6
1997 35,6
Fonte: Beinstein, 2001
Macroeconomicamente, a conjuntura mundial est mais inst-
vel do que no perodo do Welfare State, tanto nos pases centrais,
quanto nos pases da periferia. A crise fscal dos Estados, aliada
instabilidade monetria, o desemprego e as crises sociais compem
um quadro de instabilidade sistmica, no qual a globalizao
neoliberal vai se aprofundando. Por mais paradoxal que parea e
por mais que muitos dos principais tericos e antigos operadores
do modelo de globalizao neoliberal venham alertando (Geor-
ges Soros, Krugman etc.), o que se verifca uma teimosia cega,
principalmente por parte dos Estados Unidos, em aprofundar o
modelo, fato que pode acelerar a crise geral do sistema.
cOntradies e perspectiva de crise
A gigantesca massa de recursos que se movimenta na rea f-
nanceira, praticamente toda desregulamentada, se comporta hoje,
como destacou o Financial Times (apud Chesnais, 1996, p. 238),
como polcia, jri e juiz das atividades econmicas mundiais. Tem
a capacidade de tornar incua a poltica monetria dos Bancos
Centrais tanto dos pases centrais quanto dos pases perifricos
que se envolveram na armadilha da globalizao fnanceira, e ainda
Edmi lson Costa 177
interferir na poltica macroeconmica das naes, afetando o nvel
da atividade econmica, o investimento produtivo, as polticas
sociais e o mercado de trabalho.
A globalizao fnanceira representou para os povos em geral e
para as naes perifricas em particular uma enorme transferncia
de recursos do setor pblico para o capital fnanceiro especulativo,
a privatizao de grandes empresas pblicas e sua venda a preos
irrisrios para o setor privado, ampliando assim a desnacionalizao
nos pases da periferia, e o aprisionamento das empresas produti-
vas na lgica da especulao. O domnio do capital especulativo
provocou tambm a desacelerao do ritmo de crescimento da
economia mundial, resultando na queda dos salrios e no empo-
brecimento geral da populao. Entre 1966 e 1973 o crescimento
mdio foi 5,2%, enquanto que entre 1991 e 1999 foi de apenas
2,8% (Beinstein, 2001).
Um dos aspectos mais evidentes da globalizao fnanceira
o fato de que, quanto mais aumentam os negcios especulativos,
mas cresce a criatividade e a agressividade dos mercados no sen-
tido do auto-acrescentamento do seu capital. Um dos principais
fatores que explica esse processo a rentabilidade rpida e elevada
que as instituies obtm em seus negcios. Enquanto a atividade
produtiva leva um tempo maior para a maturao e retorno do
investimento, um especulador hbil pode ganhar em um dia o
mesmo que ganharia em um ano no setor produtivo.
Como pudemos tambm constatar, a massa de recursos na
esfera fnanceira atingia em 2005 cerca de US$ 118 trilhes, quase
trs vezes o PIB mundial, e os negcios nessa rbita continuam
multiplicando-se como cogumelos aps a chuva. No entanto,
a ousadia especulativa traz consigo alguns elementos de grande
fragilidade: a maior parte desses recursos que circula na rbita
especulativa no tem lastro na economia real, so puros smbolos
escriturais, fctcios, que crescem extraordinariamente na euforia
178 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
e se esterilizam com uma velocidade ainda maior nos perodos de
crise. Alm disso, a interdependncia dos mercados e a velocidade
das comunicaes tm a capacidade de irradiar com extraordinria
rapidez as crises de uma praa fnanceira para outra, podendo levar
a uma onda de pnico nas fnanas globais, fato que viria acelerar
ainda mais uma eventual crise fnanceira.
Essa dinmica do capital fnanceiro especulativo se assemelha
lenda de caro, aquele mito grego que buscava a qualquer custo
alcanar o sol, mas quanto mais dele se aproximava, mais prximo
estava de sua tragdia. Voando com asas de cera, medida em que
se aproximava do sol suas asas se derretiam, at o ponto em que se
romperam e o nosso caro desabou no mar...
O descolamento sem precedentes entre a rbita fnanceira e a
esfera produtiva levar inevitavelmente a uma crise profunda do
capital, at mesmo porque a massa de mais-valia criada globalmente
no sistema produtivo insufciente para remunerar as necessidades
de rentabilidade da especulao fnanceira. Portanto, quanto mais
capitais fctcios ampliarem seus negcios na esfera especulativa,
mas dbil e mais prximo da crise estar o sistema capitalista. Em
outras palavras h uma crise sistmica em curso, como j pode ser
observado desde o crash de 1987.
Geralmente, a multiplicidade extraordinria de informaes
que recebemos, tende a criar nas pessoas uma percepo fragmen-
tada do mundo, mas se refetirmos com mais cautela e agregarmos
os fatos relevantes da conjuntura poderemos ver que a crise geral do
sistema passou a ter no s maior consistncia, como sua gravidade
vem se acentuando. O primeiro grande sinal vermelho foi a crise do
Mxico em 1994. Como se tratava de um pas em que os bancos
dos Estados Unidos estavam bastante expostos e ainda pelo fato
de ser fronteira estadunidense, no foi difcil socorrer o Mxico
ou mais precisamente os especuladores que por l se aventuravam.
Posteriormente veio a crise asitica, agora envolvendo no mais um
Edmi lson Costa 179
pas, mas uma regio inteira. Esta crise contaminou posteriormente
a Rssia e levou pnico aos mercados fnanceiros mundiais. A seguir
podemos registrar a crise cambial no Brasil e o colapso do Plano
Real, alm da derrocada da Argentina que, em termos prospectivos,
pode confgurar um cenrio antecipado da crise econmica global.
Posteriormente, ocorreu a crise da chamada nova economia, agora
no corao do sistema, na qual foram esterilizados cerca de US$ 9
trilhes. Estes so indcios de uma grande instabilidade sistmica e
que apontam no sentido de que hoje o grande capital est muito
mais em perigo que em 1929.
O processo de fnanceirizao da economia ou instituio do rentismo uma
expresso degenerada da acumulao de capitais e demonstra mais uma vez
o parasitismo da burguesia. A valorizao da riqueza pela via fnanceira
cria uma contradio entre a velocidade de expanso da rbita fnanceira e o
crescimento do setor produtivo. Como sabemos, a defesa da riqueza pela via
fnanceira uma aventura sem futuro, pois haver um momento de ruptura
dessa valorizao artifcial, de forma a compatibiliz-la com a economia
real, o que dever trazer dramticas conseqncias para os especuladores e
para a ordem econmica capitalista. (Costa, 993, pp. 14-15).
cAptulo 5
a macrO-OrganizaO dO capital
A exemplo do que ocorreu no fnal do sculo 19 e incio do s-
culo 20, o grande capital est passando novamente por um intenso
processo de concentrao e centralizao, expresso atualmente por
um conjunto de fenmenos econmicos e polticos: 1) formao e/
ou consolidao dos blocos econmicos que, em termos histricos,
signifca a busca de uma nova partilha econmica do mundo por
parte do grande capital; 2) um processo de fuses e aquisies nos
pases centrais e, por extenso, nos pases perifricos, movimento
que expressa, do ponto de vista da propriedade, a remonopolizao
da burguesia, fenmeno impulsionado pelo Investimento Direto
Externo (IDE); 3) esses dois movimentos estruturais tm como
desdobramento poltico a busca de uma redefnio geoeconmica
do mundo, condensada na tentativa dos Estados Unidos de se
transformar na nica potncia mundial, fato que se intensifcou
aps a queda da Unio Sovitica e dos pases do Leste Europeu.
O governo dos EUA vem realizando uma poltica agressiva no
sentido de enquadrar os pases do G-7 em sua estratgia hegem-
nica e punir os pases da periferia que esbocem alguma tentativa
de resistir aos seus interesses. As autoridades governamentais es-
tadunidenses vm tambm tentando transformar o Conselho de
Segurana das Naes Unidas em ncora poltica contra os pases
que no se dobram s suas imposies imperiais, revelia do direito
internacional e do prprio pacto de poder estruturado aps a Se-
gunda Guerra Mundial e, alm disso, tem utilizado as instituies
182 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
multilaterais como o Fundo Monetrio Internacional (FMI), o
Banco Mundial a Organizao Mundial do Comrcio (OMC),
como instrumento a servio de sua poltica hegemnica.
Como parte especial deste movimento, h ainda uma tentativa
de recolonizao sofsticada do continente americano, cuja regio
vista pelos EUA como sua rea de influncia exclusiva. No
se trata fundamentalmente de ocupar os pases e transform-los
em colnias como no passado, mas de domin-los por meio dos
instrumentos polticos, econmicos e multilaterais controlados
pelos EUA, especialmente por meio de tratados bilaterais (como
os vrios acordos que vem conseguindo com diversos pases do
continente) ou multilaterais, como foi a tentativa da ALCA, que
viria a funcionar como uma grande ncora a partir da qual os
Estados Unidos passariam a controlar diretamente a economia
continental. As presses pela implementao de polticas como
a abertura da economia, a livre movimentao dos capitais, a
desregulamentao das legislaes nacionais, alm da retirada do
Estado como instrumento de regulao da economia, fazem parte
da estratgia imperialista.
Os blOcOs ecOnmicOs
A macro-organizao econmica e poltica do capital cor-
respondem a um movimento estrutural no sentido de absorver
positivamente todas as mudanas profundas que esto ocorrendo
no interior do sistema capitalista em funo da globalizao. Com
essa macro-organizao, o grande capital busca unifcar novamente
sua estratgia, agora num patamar superior, a partir dos blocos
econmicos sem, no entanto, abolir a concorrncia entre os pr-
prios capitais. Nesse sentido, a formao desses blocos funcionaria
como espaos supranacionais de acumulao, a partir dos quais
poderia se desenvolver o processo de concorrncia no ambiente
novo da globalizao. Em outros termos, os megablocos seriam
Edmi lson Costa 183
uma forma de gerir a interdependncia dos pases centrais, a partir
dos interesses de cada bloco; de hierarquizar as aes polticas, as
preferncias comerciais, as vantagens comparativas e as reciprocida-
des entre as naes de cada rea econmica, como forma de buscar
uma regulao macroeconmica num patamar superior.
Teoricamente, a formao dos blocos econmicos parte da
macro-organizao da burguesia dos pases centrais e, do ponto
de vista do capital em si, signifca a reorganizao geoeconmica
em carter mundial, a exemplo do que ocorreu no passado com a
partilha econmica do mundo realizada pelos monoplios. Junto
com as fuses e aquisies, que vm se desenvolvendo de maneira
acelerada nos pases centrais e tambm nos pases perifricos, estas
modifcaes completam o quadro de remonopolizao global da
burguesia.
6

No entanto, este processo ainda uma questo em aberto, em
funo das contradies entre os pases de um mesmo bloco e dos
confitos de interesses interblocos. As contradies e confitos so
fruto da prpria natureza do capitalismo e de seu desenvolvimento
desigual, que cria enormes despropores no s entre as regies
de um mesmo Pas, mas principalmente entre os prprios pases.
Como o grande capital est hoje dividido entre trs grandes plos
a chamada Trade Imperial - as disputas entre os blocos tendem
a intensifcar a concorrncia internacional e a luta por mercados.
Podemos dizer que est em curso um processo de transio de
hegemonia, sem que nenhum Pas ainda tenha condies de se
impor plenamente sobre os outros, apesar dos esforos estadu-
6
O processo de remonopolizao global j era indicado em ensaio que elaboramos em
1992 e que foi posteriormente publicado em 1993 (Transformaes e crise no capitalis-
mo contemporneo. Revista Anlise, vol. 4. No. 1. PUC-RS. Porto Alegre). Em nvel do
capital, haver um processo de refuso das burguesias, mediante fuses e incorporaes
de grandes conglomerados industriais e financeiros, levando inevitavelmente a uma
remonopolizao mundial, novas partilhas de mercado e uma maior cosmopolitizao
burguesa, hierarquizada a partir de seu plo hegemnico
184 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
nidenses para consumar sua liderana exclusiva, em funo do
poderio econmico e militar.
exceo da Europa, onde esse processo est mais desen-
volvido, inclusive com a implantao de uma moeda nica, a
formao dos blocos econmicos est em construo tanto na
Amrica quanto na sia. Apesar de sua poltica isolacionista,
os Estados Unidos tambm foram obrigados a estruturar um
bloco econmico para enfrentar os novos desafos da globaliza-
o e, especialmente, para preservar a sua rea de infuncia, o
continente americano. Em 1989, assinaram um acordo de livre
comrcio com o Canad e, em 1994, estruturaram o Nafta (North
American Free Trade Agreement), incluindo o Mxico. Posterior-
mente, os Estados Unidos passaram a pressionar fortemente os
pases da regio para que formassem a Alca, pela qual todas as
naes do continente deveriam a integrar um mercado nico, a
partir de 2005. Em outros termos, os Estados Unidos querem
um mercado mais amplo, onde possam exercer mais diretamente
sua hegemonia e impedir eventuais acordos paralelos entre pases
latinoamericanos e europeus ou asiticos.
Mas a Ala encontrou forte resistncia por parte da maioria
dos pases do Mercosul e, especialmente do Brasil e da Venezuela,
uma vez que a sua constituio poderia representar uma espcie de
abrao de afogados para os pases industrializados da regio. Por
exemplo, a economia dos Estados Unidos, alm de desproporcio-
nalmente maior que a do conjunto dos outros pases americanos,
possui 5 das 10 das maiores empresas transnacionais no fnancei-
ras, o maior mercado fnanceiro do planeta, o maior mercado de
capitais e o maior poderio militar. Por isso, uma integrao com
uma economia desse porte, nos moldes do livre comrcio e livre
mobilidade de capitais, e do neoliberalismo, poderia representar
uma completa hegemonia dos Estados Unidos no continente e o
desmantelamento das economias nacionais que, como o Brasil,
Edmi lson Costa 185
desenvolvem h cerca de meio sculo, um grande esforo de in-
dustrializao.
7
Com relao Unio Europia, mesmo que esta possa ser
considerada um plo subordinado aos interesses dos Estados
Unidos, a consolidao deste bloco econmico e, especialmente
sua moeda nica, o euro, representam um esforo embrionrio
de construo de um espao contraditrio aos interesses estadu-
nidenses. Isso pode ser observado tanto na poltica quanto na eco-
nomia. Recentemente, por ocasio da invaso do Iraque, Frana e
Alemanha colocaram-se contra a empreitada dos Estados Unidos.
Alm disso, a consolidao exitosa do euro pode representar uma
ameaa potencial ao poder hegemnico do dlar.
A instituio do euro , possivelmente, o passo mais ambicioso
at agora dado pelos pases europeus, no apenas porque a nova
moeda substituiu outras moedas nacionais com muitos sculos de
existncia, mas principalmente porque o euro pode representar,
pelo porte da economia europia, no mdio prazo, uma alterna-
tiva ao dlar como moeda mundial, abrindo assim um captulo
novo nas relaes monetrias internacionais. Ressalte-se ainda
que a moeda europia frmou-se em pouco tempo como dinheiro
internacional, com a vantagem de no ter os problemas do dlar,
cujo lastro hoje apenas escritural. Em algum momento de crise
poltica ou econmica, se os grandes pases superavitrios no
comrcio internacional resolvessem, por exemplo, realizar suas
transaes internacionais em euro, os Estados Unidos perderiam
o monoplio da moeda mundial, com conseqncias dramticas
para o sistema fnanceiro internacional e para a prpria economia
dos Estados Unidos.
7
Quando este trabalho estava sendo corrigido para publicao, uma cpula da ALCA,
com a presena dos chefes de Estado do Continente, praticamente selou o seu destino:
liderados pela Venezuela e Brasil, a questo da ALCA praticamente fcou fora da agenda
nos prximos anos.
186 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Atualmente, o euro ainda no representa um grande perigo
para a hegemonia poltica dos Estados Unidos nem para o siste-
ma fnanceiro internacional. Primeiro, porque a Unio Europia
no tem fora suficiente para dar um cheque mate na moeda
estadunidense e a burguesia europia, bem como os pases supe-
ravitrios, no tm interesse em desestabilizar o sistema fnanceiro
internacional e a economia dos Estados Unidos. Por isso, h at
uma convivncia pacfca entre dlar e euro, o que prprio deste
momento de transio que estamos vivendo. Mas em pocas de
crise as diversas fraes do capital tendem a buscar a sobrevivncia
a qualquer custo e no est descartada uma opo pelo euro como
moeda internacional.
A formao de um mercado comum na sia, apesar do forte
dinamismo das economias regionais, vem encontrando algumas
difculdades, uma vez que o Japo, lder econmico da regio,
vive uma crise econmica h vrios anos, o que o impede de
infuenciar mais decisivamente na formao deste bloco. Este
bloco possui um paradoxo, pois nele convivem pases de sistemas
to dispares quanto Japo e China, Birmnia e Vietn. Portanto,
trata-se tambm de um bloco em que a hegemonia est em dis-
puta, uma vez que, ao contrrio do Japo, a economia chinesa
vem mantendo um ritmo de crescimento mdio de cerca de 10%
ao ano h mais de duas dcadas, constituindo-se possivelmente
num caso singular de crescimento econmico continuado no
mundo.
O crescimento chins se realiza de maneira estvel em meio
s turbulncias internacionais, evidenciando-se o fato de quem
nem mesmo a crise asitica foi capaz de contaminar a economia
chinesa. Portanto, caso mantenha essa performance, ser pro-
vavelmente a grande nao industrial da sia, podendo mesmo
ser um contraponto socialista ao sistema liderado pelos Estados
Unidos ainda na primeira metade deste sculo. Portanto, est
Edmi lson Costa 187
em curso uma disputa por hegemonia na sia, o que certamen-
te cria difculdades para a formao e consolidao deste bloco
econmico no curto prazo.
Com relao ao Mercosul, seu signifcado aparentemente pode
parecer residual, se for comparado economicamente com os ou-
tros blocos. No entanto, do ponto de vista estratgico representa
tambm uma contradio com os interesses estratgicos da poltica
neoliberal dos Estados Unidos. Os pases da regio possuem as
mais ricas jazidas de minrio da terra. Tm ainda cerca de 30% da
reserva de gua do planeta e a maior reserva de biodiversidade do
mundo. Levando-se em conta que a biotecnologia um dos ramos
de ponta da terceira revoluo industrial em curso, e cuja matria-
prima justamente a biodiversidade, pode-se imaginar o imenso
potencial que representa o Mercosul para os pases da Amrica
Latina, bem como o que signifca para os interesses estratgicos
estadunidenses. Um bloco econmico sul-americano desalinhado
poltica de Washington um problema a mais para os Estados
Unidos e seus interesses.
O Mercosul um bloco econmico formado por pases da
periferia no Cone Sul da Amrica e que rene Brasil, a principal
economia da regio, Argentina, Paraguai e Uruguai. Fundado
em 1991, o Mercosul passou a ter um signifcado importante
para os quatro pases que o compem, posto que desenvolveu
de maneira acentuada um processo de complementaridade das
quatro economias e melhorou bastante o comrcio bilateral.
Pode-se dizer que o Mercosul, apesar dos problemas que enfrenta
hoje, em funo das crises econmicas envolvendo Argentina,
Brasil e Uruguai, foi uma iniciativa positiva, tanto que passou
a ser visto por outros pases latinoamericanos como uma sada
para a integrao regional. Nesse sentido, associaram-se ao Mer-
cosul a Bolvia e o Chile, posteriormente a Venezuela passou a
integr-lo. Diante da possvel formao de um mercado comum
188 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
latinoamericano, os Estados Unidos tm investindo maciamente
visando o desmantelamento do Mercosul e buscando afastar os
pases latinoamericanos de uma possvel integrao regional, por
meio de acordos bilaterais.
O investimentO diretO externO e a macrO-
OrganizaO glObal
Uma das formas que o grande capital tem encontrado nos
ltimos anos para acelerar a remonopolizao da burguesia o
Investimento Direto Externo (IDE), cujos fuxos vm se dirigindo
na ltima metade da dcada de 1990 do sculo passado funda-
mentalmente para o processo de fuses e aquisies, revertendo
uma tendncia histrica da exportao de capital analisada pelos
clssicos no incio do sculo 20. Naquele perodo, o capital estava
direcionado, de um lado, para os setores primrios da economia,
para a construo de estradas de ferro e, posteriormente, para in-
vestimentos em novas plantas industriais e, de outro, seguia sob a
forma de capital de emprstimos, especialmente para governos.
Se analisarmos mais recentemente, a partir da dcada de 1970,
poderemos observar que os fuxos internacionais de capital para
investimento eram modestos se comparados ao extraordinrio
crescimento verifcado a partir da segunda metade da dcada de
1980. O investimento direto externo em 1970 correspondia a US$
13 bilhes e em 1986 j somava US$ 87,3 bilhes. A partir deste
ano o ritmo de crescimento do IDE se tornou impressionante,
atingindo em 1990 US$ 240,3 bilhes. Permaneceu em patamares
semelhantes at 1994, para crescer extraordinariamente a partir
de segunda metade da dcada de 1990 at atingir US$ 1.270,8
em 2000 (Tabela 20).
Edmi lson Costa 189
Tabela 20
Fluxos internacionais de investimento direto externo no exterior 1970-2001
em bilhes de dlares
1970 13
1980 57,2
1981 54,3
1982 36,3
1983 42,8
1984 52,8
1985 53,7
1986 87,3
1987 134,6
1988 168,2
1989 217,9
1990 240,3
1991 198,1
1992 200,8
1993 247,4
1994 282,9
1995 331,1
1996 384,9
1997 477,9
1998 692,5
1999 1.075,10
2000 1.270,80
Fonte: De 1970 a 1994, Sobeet. De 1995 a 2000, World Investment Report, 2001.
O crescimento sem precedentes verifcado na segunda metade
da dcada de 1990 passou a ter uma qualidade diferenciada. Histo-
ricamente, como se sabe, os capitais ligados ao investimento direto
mantinham uma tradio de alavancar o processo produtivo, mas
se observarmos esse perodo recente, veremos que o grande capital
agora prefere adquirir ou controlar uma empresa j existente, com
190 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
tradio e performance competitiva no mercado, do que fomentar
um processo produtivo. Com esse movimento, o capital que de-
veria ser destinado produo deixou de cumprir o antigo papel
que desempenhava na ampliao do produto mundial, e agora
visa apenas o controle de um estoque de capital j existente. Ou
seja, o IDE, a exemplo do que vem sendo observado em outras
reas da economia, tambm passou a seguir o mesmo caminho
parasitrio de outros capitais na economia global. Mesmo levan-
do em conta que a empresa adquirida continue gerando valor, o
investimento externo teria contribudo muito mais para adicionar
valor produo com a criao de novas unidades produtivas do
que simplesmente a troca de propriedade.
Se verifcarmos a trajetria do investimento direto externo e sua
relao com as fuses e aquisies na dcada de 1990 poderemos
perceber claramente essa nova dimenso do capitalismo globali-
zado. Em 1991, o IDE era de US$ 198,1 bilhes de dlares e as
fuses e aquisies somavam US$ 80,7 bilhes, o que correspondia
a 40,3% dos capitais. Em 1995, as correntes de inverses externas
correspondiam a US$ 331,1 bilhes, enquanto as fuses e aquisi-
es totalizavam US$ 189,6 bilhes, ou seja, mais da metade do
IDE. No ano 2000, as fuses e aquisies j representavam 90%
de todo o fuxo mundial de investimentos diretos: o IDE atingiu
US$ 1.270,8 trilho, enquanto as fuses e aquisies alcanaram
US$ 1.143,8 trilho (Tabela 21). Como se pode observar, a par-
tir de 1995 o Investimento Direto Externo passou a ser cada vez
mais canalizado para fns que o desvia de uma rota histrica de
incrementador da produo mundial.
As correntes de investimento direto externo so impulsionadas
pelas corporaes transnacionais dos pases centrais espalhadas pelo
mundo. A Trade Imperial (EUA, Unio Europia e Japo) tem sido
o principal destino de entrada e sada do IDE, representando 71% de
todas as entradas e 82% de todas as sadas de investimentos, em 2000.
Edmi lson Costa 191
No interior da Trade, a UE a regio que mais recebeu investimentos
diretos, num total de US$ 617 bilhes, no ano 2000 e, dentro da
UE, a Alemanha foi o pas que mais captou investimentos no mesmo
perodo, seguido pela Inglaterra. Individualmente, os Estados Unidos
continuam sendo o Pas com maior grau de recepo dos fuxos de
investimentos externos, com um total de US$ 281 bilhes.
Em contrapartida, as sadas de investimentos dos Estados
Unidos para o resto do mundo atingiram, em 2000, US$ 139
bilhes. No que se refere ao Japo, circunstncias histricas e
institucionais fazem com que as entradas de investimentos sejam
pouco expressiva em relao s sadas: em 2000 as correntes de
investimentos para o Japo atingiram US$ 8 bilhes e os investi-
mentos japoneses no mundo somaram quatro vezes mais US$
33 bilhes (WIR, 2001).
Tabela 21
Fluxos internacionais de investimento direto externo no exterior 1991-2000
e fuses e aquisies no mesmo perodo
Investimento externo direto Fuses e aquisies
1991 198,1 80,7
1992 200,8 79,3
1993 247,4 83,1
1994 282,9 127,1
1995 331,0 186,6
1996 384,9 227
1997 477,9 304,8
1998 692,5 531,6
1999 1.075,0 766,00
2000 1270,8 1.143,80
Fonte: At 1984, Sobeet . De 1995 a 200 - World Investment Report, 2001
Para se ter uma idia do grau de concentrao do investimento
externo direto, no que se refere entrada e sada dos capitais,
192 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
importante atentarmos para o fato de que os 30 principais pases
receptores do investimento, em termos globais, recebem um total
de 90% de todo o fuxo de inverses. Com relao s sadas de
investimentos para o exterior, o grau de concentrao dos pases
investidores ainda mais espantoso: os 30 principais pases so
responsveis por 99% de todo o investimento realizado no mundo.
Isso se explica pelo fato de que as 100 maiores transnacionais no-
fnanceiras do mundo tm sede nos pases da Trade, exceo de
apenas 3 empresas da periferia. Obviamente, o grau de concentra-
o do investimento externo direto resultado tambm do enorme
grau de concentrao da economia mundial (WIR, 2002).
Os pases da periferia capitalista receberam 29% do investi-
mento externo direto, representando US$ 240,2 bilhes, muito
embora o grau de concentrao das recepes de investimentos
entre esses pases tambm seja muito elevado. Por exemplo, a
frica captou menos de 1% do total dos investimentos diretos. Os
49 pases mais pobres atraram uma quantidade inferior a 0,3%.
J a sia obteve cerca de 60% do investimento externo direto
em 2000, atingindo um total US$ 143,5 bilhes, seguida pela
Amrica Latina e Caribe, que receberam US$ 86,2 bilhes. No
interior dos pases da periferia, a China , incluindo Hong Kong,
o maior receptor do investimento na sia, enquanto Brasil e
Mxico receberam os maiores fuxos de investimentos na regio
em 2000 (WIR, 2001).
Esses dados revelam outra faceta do IDE: este no se orienta
por questes ideolgicas, mas pelas possibilidades de lucro. Caso
contrrio, a China no seria o principal receptor na sia. Entre as
explicaes para esse fato est a potencialidade do grande mercado
chins. Na Amrica Latina, a razo da performance de Mxico e
Brasil explicada pelo fato do primeiro ser fronteira com os Estados
Unidos e ter aberto sua economia com o Nafta, alm de possuir
um expressivo mercado interno. No caso do Brasil, as correntes de
Edmi lson Costa 193
investimentos podem ser explicadas pela abertura da economia,
pelas privatizaes e tambm pelo porte do mercado interno na-
cional. J a frica, que no possui grandes mercados internos nem
grandes empresas para serem privatizadas, teve menos de 1% do
investimento externo direto.
No que se refere especificamente ao Brasil, segundo estudo
realizado pela Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas
Transnacionais e da Globalizao Financeira), o Pas, apesar de ter
aumentado em termos absolutos a participao nos fuxos recebidos,
apresentou declnio relativo entre 1998 e 2000. Em 1998, ano em
que o processo de privatizaes atingiu seu apogeu, o Brasil recebeu
4,1% de todo o investimento externo direto do mundo, represen-
tando US$ 28,5 bilhes; em 1999, com o arrefecimento das priva-
tizaes, esse percentual caiu 2,9%, representando 31,4 bilhes; e,
em 2000, continuou o movimento descendente, caindo o percentual
para 2,6% ou 33,5 bilhes do total de investimento global.
Da mesma forma que a concentrao de capital, em termos
mundiais leva tambm concentrao do investimento, no inte-
rior dos prprios pases h tambm elevado grau de concentrao
no que se refere captao do investimento externo direto. As
regies mais desenvolvidas e mais industrializadas, com maior
renda e poder de consumo, terminam concentrando a recepo
do investimento. Por exemplo, no Brasil a regio Sudeste possua
um estoque de investimento, representando 86,8% do total do
capital social integralizado por no residentes no Pas, em 2000.
A regio Centro-Oeste, no mesmo perodo tinha apenas 1,3%,
seguida pela regio Norte, com 1,5%, regio Nordeste, com 3,1%
e regio Sul, com 7,3% (Sobeet, 2001).
fuses e aquisies glObais
O movimento das fuses e aquisies no interior de cada pas e,
principalmente, as fuses transfronteirias fazem parte da reorgani-
194 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
zao global do grande capital, que nesta fase est empreendendo
um processo de remonopolizao em escala internacional. Trata-se
de um movimento em que a burguesia dos pases centrais e, espe-
cialmente a dos Estados Unidos, busca reconfigurar o mundo
sua semelhana e, a partir dos seus respectivos blocos econmicos,
busca desenvolver a competio entre as diversas fraes do grande
capital. Nesse novo quadro, as fuses e aquisies fazem parte de
uma ofensiva estratgica, na qual a corporao que estiver melhor
estruturada e posicionada no mercado dever ter maiores chances
na luta competitiva internacional. Por isso, a urgncia em fusionar-
se, posto que essas operaes representam um atalho rpido para a
ampliao do controle dos mercados por parte grandes corporaes,
uma vez que as empresas adquiridas j possuem tradio, experincia
e sinergias que iro otimizar os negcios transnacionais.
As fuses e aquisies representam para os anos 1980 e 1990
recentes um movimento semelhante ao que a monopolizao do
capital representou para o capitalismo central no fnal do sculo
19 e incio do sculo 20. No entanto, as ondas de concentrao
e centralizao do capital nas duas ltimas dcadas possuem uma
qualidade diferente: tm como objetivo muito mais incorporar
empresas j atuantes no mercado do que investir em novas plantas
industriais. Para se ter uma idia, essas operaes cresceram, entre
1980 e 1999, a uma taxa anual de 42%, atingindo mais de 6 mil
negociaes, enquanto o valor monetrio em proporo ao PIB
mundial aumentou de 0,3% para 8% no mesmo perodo, tratando-
se portanto de uma performance muitssimo acima da taxa mdia
do produto mundial e do comrcio internacional (WIR, 2000).
Para os tcnicos da Unctad (Organizao das Naes Unidas para
O Comrcio e Desenvolvimento), essas operaes foram facilitadas
pela liberalizao geral das economias, pela utilizao de novos
instrumentos fnanceiros, emisses e trocas de aes, emisses de
dvidas e fundos de riscos internacionais.
Edmi lson Costa 195
O estudo mais completo sobre as fuses e aquisies transfron-
teirias foi realizado pela Unctad, que dedicou parte expressiva
de seu relatrio anual de 2000 para o tema. Trata-se, portanto,
de um trabalho rico e detalhado sobre a questo, at porque os
impactos do processo de fuses e aquisies mundiais tm sido
uma das principais preocupaes da entidade. Denominado World
Investment Report 2000 - Cross-Border Mergers and Acquisitions
and Development, o trabalho faz um diagnstico profundo no
s das operaes em si, mas tambm das motivaes que levaram
as empresas a realizar essas operaes, as vantagens das fuses
transfronteirias, as medidas de liberalizao tomadas pelos
pases para adaptar suas legislaes nova ordem do capital, as
principais mega-operaces e os principais pases receptores, entre
outros pontos. Nos basearemos nesse relatrio e no de 2001 para
desenvolvermos nossa anlise sobre este tema, mas procuraremos
tambm incluir outras contribuies que possam lanar luz sobre
o processo de remonopolizao da burguesia.
Um dos primeiros aspectos que chama a ateno no relatrio o
fato de que a globalizao neoliberal criou um mercado mundial de
empresas, o que facilitou enormemente a ao das empresas trans-
nacionais. Para se ter uma idia, apenas 3% desse movimento do
grande capital podem ser classifcados especifcamente como fuses,
o restante so puramente aquisies e, no interior das aquisies,
cerca de dois teros dessas operaes representam incorporaes
em que a empresa maior passa a controlar 100% do capital da
menor. Com relao s aquisies minoritrias, onde o controle
fca entre 10% e 49%, estas representam cerca de um tero do
movimento geral nos pases centrais e um quinto nos pases da
periferia (WIR, 2000). Isso signifca que as grandes corporaes
esto avanando aceleradamente no processo de centralizao do
capital, agora no apenas do ponto de vista nacional, como ocorreu
no passado, mas do ponto de vista internacional, resultando num
196 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
movimento centralizador da propriedade bem mais rpido e maior
que o analisado pelos clssicos.
A remonopolizao burguesa faz parte do novo estgio do ca-
pitalismo e corresponde organizacionalmente ao desenvolvimento
das novas foras produtivas, impulsionadas pela reestruturao
industrial e fnanceira no ambiente da globalizao. Com a remo-
nopolizao global o grande capital realiza um salto de qualidade
no seu ciclo mundial, condensado na globalizao, e d luta de
classes um carter mundial direto entre burguesia e proletariado.
Portanto, os aspectos tcnicos que norteiam o processo de fuses e
aquisies esto sob a orientao e diretrizes desse processo maior
da remonopolizao global.
Um panorama geral das fuses e aquisies na ltima dca-
da apresenta um crescimento extraordinrio dessas operaes:
passaram de um total de US$ 80,7 bilhes em 1991 para US$
1.143,8 trilho em 2000. Esse movimento do grande capital teve
seu impulso mais expressivo a partir de 1994, quando registrou
um crescimento de 65,8% em relao ao ano anterior. A partir de
ento, como j pudemos observar, os fuxos mundiais de capitais
destinados a fuses e aquisies cresceram aceleradamente, atin-
gindo US$ 227,0 bilhes em 1996, US$ 531,6 bilhes em 1998
e US$ 1.143 trilho em 2000, o que representa 90% do total do
investimento externo direto realizado no mundo (WIR, 2000).
O relatrio da Unctad avalia tambm que cerca de 90% de
todas as operaes, inclusive as 109 fuses e aquisies em que o
valor superou US$ 1 bilho, foram realizadas nos pases centrais,
em 1999. Por regio ou pases, as empresas europias realizaram
negcios nessa rea de US$ 354 bilhes de vendas e US$ 519 de
compras. Por sua vez, os Estados Unidos tiveram no mesmo ano
o maior nmero de empresas vendidas a inversores, perfazendo
um total de US$ 233 bilhes, enquanto a sada de capital para
aquisio de empresas no estrangeiro foi de US$ 112 bilhes. O
Edmi lson Costa 197
Japo, apesar do porte de sua economia, tem uma participao
modesta no movimento geral das fuses e aquisies: realizou
operaes de vendas no valor de US$ 15,9 bilhes e de compras
no valor de US$ 9,8 bilhes no mesmo perodo. Do ponto de vista
dos setores industriais, as corporaes dos setores automobilstico,
produtos qumicos e farmacuticos, alimentos bebidas e tabaco
foram as que mais realizaram operaes de fuses e aquisies
transfronteirias (WIR, 2000).
Outro aspecto importante que se verifca a partir das correntes
mundiais do investimento direto externo uma mudana profunda
na distribuio setorial desse tipo de investimento. O setor primrio
perdeu importncia durante a ltima dcada, enquanto o setor de
servios vem aumentando a sua participao. As reas dos servios
mais importantes para o qual so destinados os fuxos internacio-
nais de IDE so a fnanceira, seguida pelo setor comercial. O setor
industrial, todavia, mantm estvel a sua participao no IDE,
ressaltando-se que este quadro pode ser observado tanto nos pases
centrais quanto nos pases da periferia capitalista (WIR, 2000)
J as operaes de fuses e aquisies nos pases da periferia
capitalista mantiveram uma performance errtica em relao ao
movimento global: em 1991, correspondiam a 6,1% de todos os
negcios realizados nesta rea; subiram para 18,6% em 1992; pos-
teriormente, caram para 12,1% em 1995. Em 1997, alcanaram
seu ponto mximo, quando atingiu 23,9%. Posteriormente, esse
movimento se tornou decrescente, chegando a apenas 7,7% das
fuses e aquisies mundiais em 2000 (WIR, 2000). Essa queda
brusca pode ser explicada pela diminuio do nvel da atividade
econmica nos pases centrais e pela crise da chamada nova eco-
nomia nos Estados Unidos.
Especifcamente, na Amrica Latina e Caribe, o processo de
fuses e aquisies tem uma caracterstica diferenciada do que vem
ocorrendo nos pases centrais, uma vez que as correntes de investi-
198 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
mento externo direto so movidas muito mais para se aproveitarem
das facilidades oferecidas pelos processos de privatizaes que ocorre-
ram na regio, do que realmente por apresentarem vantagens din-
micas em relao a outras regies. Isso pode ser aferido pelo fato de
o Brasil e a Argentina terem sido os principais receptores de capitais,
justamente porque lideraram o processo de privatizao no perodo.
Encabeadas pelas vendas das estatais brasileiras e argentinas, as fu-
ses e aquisies na regio ocorreram nos setores de servios pblicos,
fnanceiro, produtos de petrleo, transporte e comunicaes, quase
todos controlados anteriormente pelo Estado.
O papel das instituies multilaterais
Merece destaque especial nesse processo o papel que as enti-
dades multilaterais, o Fundo Monetrio Internacional (FMI), o
Banco Internacional de Reconstruo e Desenvolvimento (Bird),
mais conhecido como Banco Mundial, e a Organizao Mundial
do Comrcio (OMC) possuem na estratgia da macro-organizao
do capital. Estas trs entidades tm se comportado, desde sua fun-
dao (a OMC foi fundada em 1995, mas uma continuidade
do Gatt Acordo Geral de Tarifas e Comrcio), como operado-
res institucionais dos interesses do grande capital, em particular
dos estadunidenses, no plano internacional. No caso do FMI e
Banco Mundial, apesar de possurem objetivos diferenciados,
as duas entidades so como irmos siameses dentro da poltica
de consolidao das zonas de infuncias dos Estados Unidos no
Ocidente e da subordinao da periferia. Essa poltica, que no
perodo anterior aos anos 1980, era dissimulada com a retrica
da estabilidade monetria e da ajuda desinteressada, a partir da
ascenso do monetarismo-neoliberalismo de Reagan e Tatcher,
ganhou uma dimenso muito mais explcita.
Operacionalmente, o Banco Mundial faz o papel de mocinho:
fornecedor de crditos de longo prazo para os pases perifricos,
Edmi lson Costa 199
promotor do desenvolvimento econmico, fomentador do com-
bate pobreza, defensor do meio ambiente. Por sua ao, tem
uma imagem positiva no mundo e so raras as manifestaes po-
pulares contra a poltica do Banco Mundial. J o FMI faz o papel
de bandido: com suas polticas de ajustamento estrutural, como o
arrocho monetrio, a abertura econmica, a desregulamentao,
privatizaes, cortes de salrios e contrao dos gastos pblicos nas
reas sociais, provoca a queda do nvel da atividade econmica, a
recesso, o desemprego, a queda na renda da populao e a deses-
truturao das economias perifricas. Por seu papel mais explcito,
uma instituio odiada pela populao perifrica e no raro h
manifestaes populares contra a poltica do FMI. Se observarmos
historicamente o comportamento das duas instituies, veremos
que fazem parte de uma mesma estratgia, de uma poltica comum,
so como duas faces de uma mesma moeda.
O FMI e o Banco Mundial foram criados nos Acordos de
Bretton Woods, em 1944, nos EUA, dentro da plataforma da
elaborao de uma nova ordem mundial, uma vez que naquele ano
j estava defnido o destino da guerra. As duas instituies tinham
objetivos bem delineados: O FMI deveria cuidar da estabilidade
monetria internacional e da retomada do comrcio mundial,
enquanto o Banco Mundial se encarregaria da promoo do de-
senvolvimento e, especialmente, da reconstruo das economias
devastadas pela guerra. No entanto, os dois organismos j nasce-
ram com um vcio de origem, posto que as economias europias
estavam enfraquecidas pela guerra e os pases da periferia no
tinham condies fnanceiras para aportar recursos sufcientes s
duas instituies. Como a defnio de sua direo foi acertada
a partir de um sistema de cotas, cujo poder residia no aporte de
recursos para a composio do capital geral das duas instituies,
os Estados Unidos passaram a controlar o FMI e o Banco Mundial,
mediante a nomeao da dos cargos chave nos dois rgos. Alm
200 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
disso, pelos acordos, o dlar ganhou o status de moeda mundial,
o que na prtica transformou o Tesouro estadunidense em Banco
Central do Mundo.
O fundo monetrio internacional
Ao contrrio do que muitos imaginam, o Fundo Monetrio
Internacional sempre se pautou por uma poltica ortodoxa no
campo da economia, mesmo no perodo em que o keynesianismo
era hegemnico na economia mundial. As misses do FMI nunca
esconderam sua predileo pela poltica que posteriormente passou
a ser denominada de monetarista/neoliberal. A diferena residia no
fato de que a conjuntura da poca permitia uma extensa margem
de manobra aos governos nacionais; tanto assim que, por exemplo,
na segunda metade dos anos 1950 o governo de Juscelino Kubits-
chek rompeu com o FMI porque este queria impor um conjunto
de polticas que inviabilizaria o projeto de desenvolvimento do
ento presidente. No foi considerada uma heresia, no ocorreu
nenhuma retaliao e os rapazes do FMI recolheram-se aos seus
biombos. Imaginem o furor que causaria, se essa medida fosse
tomada, por exemplo, na dcada de 1990. Mesmo assim, pode-se
mesmo dizer que o FMI era a expresso institucional dissimulada
da Sociedade Mont Plerin
8
e da Escola de Chicago no cenrio
internacional.
Engana-se quem pensa que os velhos neoliberais (Hayek,
Friedman, entre outros) estavam de braos cruzados esperando
uma conjuntura favorvel para expor melhor suas idias. O neoli-
beralismo no caiu do cu: nenhuma ideologia brota rpido como
cogumelos aps a chuva. Esse pessoal trabalhou duro: a) formou
pacientemente nas universidades em que tinham infuncia cente-
nas e centenas de estudantes da periferia no mais puro ortodoxismo
8
Sociedade que reiniu intelectuais conservadores e que foi fundada por Hayek
Edmi lson Costa 201
e a prova disso que posteriormente os ento estudantes passaram
a exercer cargos de mando em seus pases e transformaram-se em
implementadores da poltica neoliberal; b) manteve o ncleo
operacional do FMI to ortodoxo quanto os mais expressivos
professores de Chicago e c) consolidou uma produo terica
que, mesmo sem grande difuso pblica no perodo, serviu para
consolidar a ideologia neoliberal e para manter as tropas unidas
at o momento propcio para a escalada ao poder.
A oportunidade emergiu com a crise do Welfare State e a ascen-
so do novo bloco de foras do grande capital ao poder nos Estados
Unidos e na Inglaterra. Nesses dois pases viviam os principais
tericos da nova ideologia e no foi difcil formar suas equipes
para implantar a nova ordem. Na periferia tambm no houve
grande difculdades: com um exrcito intelectual espalhado pelo
mundo os monetaristas neoliberais nem sequer necessitaram da
reconverso coercitiva dos burocratas no poder, pois j possuam a
massa crtica, treinada e ansiosa, para a aplicao de suas propostas.
Aliou-se assim o poder econmico e a ideologia para reconfgurar o
mundo sua maneira. O receio de que a conjuntura pudesse mu-
dar, talvez explique a pressa com que os tecnocratas monetaristas/
neoliberais realizaram as tarefas de desmonte da antiga ordem e a
imposio de um pensamento nico como norma intelectual. Em
raros momentos da histria uma doutrina foi capaz de, em pouco
tempo, no s se impor perante o mundo, mas implementar uma
regresso social to avassaladora como a que foi realizada nas duas
ltimas dcadas.
Possivelmente, essa conjuntura explique porque o FMI, a
mais pblica instituio identifcada com o neoliberalismo, tenha
angariado tantos inimigos, nos pases centrais e na periferia. As
recentes crises monetrio-fnanceiras vieram ampliar o desgaste
desta instituio: em praticamente todas elas seu diagnstico foi
inadequado, levando vrios pases ao desastre econmico. Por isso,
202 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
respeitveis personalidades dos governos dos Estados Unidos j
advogam abertamente sua extino. Trata-se na verdade de uma
ingratido, em funo dos relevantes servios prestados por essa
instituio ao grande capital.
Atualmente, o FMI composto por 184 pases, com um n-
mero aproximado de 2.650 funcionrios em 140 pases. Nominal-
mente, a autoridade mxima a Junta de Governadores, composta
por ministros da Fazenda ou presidentes dos Bancos Centrais dos
pases-membros, mas na prtica quem manda mesmo o comit
Executivo, dominado pelos pases centrais. Estes pases controlam
52% dos votos na instituio, sendo que os EUA sozinhos possuem
17,5% desse total, enquanto os 45 pases africanos, por exemplo,
dispem apenas de 4% dos votos (Toussaint, 2001, p. 169).
O banco mundial
Aparentemente, o Banco Mundial cumpre um papel bem di-
ferente e sua atuao est voltada essencialmente para fomentar o
desenvolvimento econmico. Ao contrrio do FMI, no interfere
publicamente na poltica econmica dos pases associados. No
entanto, essa apenas a face visvel da instituio, porque na pr-
tica segue a mesma estratgia de consolidao e fortalecimento da
esfera de infuncia dos Estados Unidos. A prpria constituio do
Banco Mundial j expressa o vnculo entre as duas instituies: por
exemplo, nenhum Pas pode ser membro do Banco Mundial sem
primeiro ter aderido s normas do Fundo Monetrio Internacional.
Alm disso, grande parte dos presidentes ou diretores do banco
so ligados aos banqueiros estadunidenses (Lichtensztejn; Baer,
1986, p. 160). Como irmos siameses, o Banco Mundial cumpre a
tarefa estratgica de conquistar coraes e mentes no longo prazo,
mediante um trabalho paciente e organizado, sob a fachada do
incentivo ao desenvolvimento econmico dos pases da periferia
e as polticas compensatrias de combate pobreza.
Edmi lson Costa 203
Operacionalmente, a poltica de fnanciamento do Banco Mun-
dial passou por diversas transformaes: o Banco teve um papel
muito modesto na reconstruo europia, uma vez que o Plano
Marshall foi o responsvel pela absoluta maioria do fnanciamento.
Enquanto o Plano Marshall investiu cerca de US$ 12 bilhes na
reconstruo, o Banco Mundial aportou apenas US$ 497 milhes
para o mesmo fm. No entanto, essa conjuntura iria mudar em
funo dos acontecimentos internacionais dos anos 1950 e 1960,
tais como o novo papel internacional da URSS, a descolonizao
e as lutas de libertao nacional. Para refrear o mpeto por mudan-
as e contrabalanar a infuncia da Unio Sovitica no mundo
era necessrio uma instituio que promovesse novas formas de
ao nos pases da periferia, ao estilo da Aliana para o Progresso,
que combinasse polticas compensatrias de combate pobreza,
assistncia ao desenvolvimento e formao de redes de instituies
nos pases associados, vinculadas ao Banco Mundial, cuja funo
era infuir no aparelho de Estado, de forma a garantir a hegemonia
estadunidense no mundo (Lichtensztejn; Baer, 1986, p. 141-142;
Toussaint, 2001, p. 180).
O Banco Mundial cumpriu essa tarefa com esmero, princi-
palmente na administrao de Robert McNamara (1968-1981).
Promoveu a chamada revoluo verde, pela qual aumentou a
produo de alimentos mediante tcnicas agrcolas modernas, com
utilizao de insumos qumicos. A produo alimentar realmente
aumentou, mas seus efeitos econmicos e ecolgicos foram dano-
sos: a proliferao do uso de venenos na agricultura contaminou
o meio ambiente, desenvolveu pragas mais resistentes, gerando
um ciclo vicioso, no qual o surgimento de pragas mais resistentes
necessitava da utilizao de mais veneno. Pode-se mesmo dizer que,
quem mais se benefciou com as mudanas na agricultura foram
as transnacionais que controlam mundialmente a produo de
agrotxicos (Shiva,apud Toussaint,2001, pp. 172-173).
204 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Na presidncia de McNamara ocorreu um aumento extraor-
dinrio do crdito, uma vez que este tinha a convico de que o
dinheiro para o desenvolvimento era pea importante contra a
expanso comunista no mundo. Para se ter uma idia da nova
fase, vale dizer que o Banco Mundial, nos seus 20 primeiros anos,
realizou emprstimos no total de US$ 10,7 bilhes. No entanto,
somente no perodo de 1968 a 1973 emprestou mais que nas duas
dcadas anteriores: US$ 13,4 bilhes (Toussaint,2001, p. 178).
Ressalte-se ainda que os crditos para o desenvolvimento sempre
procuraram obedecer a uma das normas fundamentais do banco,
que a consolidao e fortalecimento da iniciativa privada. Por
isso, entre as exigncias para a concesso do fnanciamento est o
fato de que a iniciativa privada deve ser responsvel operacional
pelo desenvolvimento dos projetos.
No entanto, importante ressaltar que a prtica do Banco
Mundial no corresponde sua retrica, uma vez que o crivo
ideolgico se sobrepe at mesmo aos estatutos da instituio.
Nesse sentido, vale lembrar que o Banco Mundial negou crditos
para o governo Joo Goulart, na dcada de 1960 no Brasil; para o
governo de Salvador Allende, na dcada de 1970 no Chile; para o
governo sandinista, no fnal dos anos 1970, na Nicargua. Mesmo
tendo entre seus objetivos a incluso social, o fortalecimento das
instituies, a promoo dos direitos humanos, entre outros valores
democrticos, emprestou recursos para as ditaduras mais sangui-
nrias do planeta, como a de Suharto na Indonsia; a de Pinochet,
no Chile, inclusive ao regime de apartheid na frica do Sul.
Se nas dcadas de 1960 e 1970 o Banco Mundial cumpriu um
papel mais dissimulado, com a reviravolta monetarista/neoliberal
a partir dos anos 1980, o seu perfl mudou de maneira radical,
em funo das presses dos Estados Unidos. O governo Reagan,
possivelmente para intimidar a administrao do Banco, os acusava
de promover o socialismo. Portanto, era necessrio um maior
Edmi lson Costa 205
alinhamento da instituio com os novos objetivos da poltica
monetarista. Assim, o Banco Mundial passou a condicionar aber-
tamente os seus emprstimos aplicao do receiturio neoliberal.
Passou a tratar a educao e a sade como um bem, o que em outras
palavras signifca estimular a privatizao desses servios bsicos e
transform-los em mais uma esfera do capital privado.
Hoje a poltica do Banco Mundial pode ser considerada um
apndice das polticas de ajustes estruturais do Fundo Monetrio
Internacional, sendo que a instituio vem perdendo a aura de
promotora do desenvolvimento. A exemplo do FMI, tambm vive
uma crise de identidade, com srios questionamentos sobre o seu
papel no mundo. Atualmente, esto fliados ao Banco Mundial 184
pases; o Banco possui 10.600 funcionrios, atua em mais de 100
pases da periferia, e empresta cerca de US$ 20 bilhes por ano.
Organizao mundial do comrcio
Na estrutura da macro-organizao do capital, a Organizao
Mundial do Comrcio (OMC) possui um papel especial, uma vez
que a herdeira do Gatt desde janeiro de 1995, sendo encarregada
de estruturar as relaes comerciais entre os pases. Trata-se de
uma instituio que nasceu tipicamente neoliberal, uma espcie
de Comit Executivo Informal das corporaes transnacionais para
assuntos comerciais em geral, que opera sob a fachada da promoo
do livre comrcio, da abertura das economias, da quebra das bar-
reiras alfandegrias. Funciona ainda como uma espcie de tribunal
para julgamento dos confitos comerciais entre os pases membros.
comum a acusao de que a OMC privilegia os pases centrais
em seus julgamentos. Como entidade reguladora mundial de um
dos setores mais sensveis das relaes internacionais, envolvendo
interesses que vo do comrcio de frutas, servios fnanceiros, s
patentes biotecnolgicas e genticas, considerada a menina dos
olhos do grande capital.
206 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Para se ter uma compreenso mais objetiva do grau de impor-
tncia desta instituio, basta dizer que ela supervisiona todo o
comrcio mundial de mercadorias, alm dos negcios referentes
a empresas de telecomunicaes, bancos, companhias de seguros,
de turismo, de transporte, de hotis. Na rea da propriedade inte-
lectual ligada ao comrcio, regula tambm os diretos de autor, as
marcas das empresas, os nomes geogrfcos dos produtos, os mo-
delos industriais, os esquemas de circuitos integrados e os segredos
comerciais das empresas, alm das compras governamentais. Agora
est negociando acordo para normatizar o comrcio eletrnico
(World Trade Organization, 2001).
Como se pode observar, a OMC tem um papel especial na
estratgia do grande capital. Ao contrrio do Gatt, que estava habi-
litado apenas para atuar em relao reduo da tarifas comerciais,
a OMC praticamente institucionalizou o poder das corporaes
transnacionais nas relaes econmicas mundiais, levando-se em
conta que cerca de dois teros do comrcio mundial controlado
por essas corporaes e ressaltando-se ainda que cerca de 40%
desse comrcio realizado entre as empresas transnacionais e suas
fliais. Essa nova dimenso da macro-organizao do capital est
transformando a OMC, em termos econmicos, numa instituio
muito mais importante para os pases centrais do que Organizao
das Naes Unidas (ONU).
Recente relatrio do Projeto OMC da ONG Transnational
Institute, sobre o papel da OMC, bastante esclarecedor sobre as
infuncias desta organizao:
As transnacionais promoveram exitosamente regras de comrcio que pro-
tegem seus interesses. Por exemplo: os Acordos TRIPs protegem os direitos
de propriedade industrial em todos os pases membros da OMC e obstrui
a produo e imitao dos produtos. Alguns clculos indicam que cerca
de 90% das patentes de produtos de tecnologia no mundo pertencem
s companhias transnacionais. Os Acordos TRIM (normas de proteo
Edmi lson Costa 207
aos investimentos ligados ao comrcio) chega a colocar como ilegais as
medidas de governos anftries que obstaculizam os investimentos das
transnacionais, mediante leis de carter local ou de restries remessa de
lucros (Stichele, 2001).
A infuncia dos pases centrais na elaborao das normas inter-
nacionais do comrcio, que j existia desde os tempos do Gatt, foi
intensifcada a partir na dcada de 1980 com a poltica neoliberal.
A prpria Rodada de Negociaes do Uruguai (1986-1994), o
acordo mais abrangente sobre comrcio em todos os tempos, foi
infuenciado pelas corporaes transnacionais.
O lanamento, em 1986, de uma nova rodada de negociaes no GATT
foi, em grande parte, resultado do lobby das transnacionais, especialmente
dos Estados Unidos. As indstrias de servios dos Estados Unidos apoiaram
a idia de um novo regime de servios que deveria culminar com um novo
acordo e, nesse debate, foram a fora dirigente. (Stichele ,2001).
Apesar de algumas concesses aos pases da periferia, as em-
presas de servios estadunidenses conseguiram, ao fnal das nego-
ciaes, atingir seus objetivos originais, que eram a vinculao de
mecanismos de sano ao comrcio mundial. A partir de ento
passaram a ter instrumentos jurdicos para retaliar os pases que
contrariassem seus interesses comerciais.
De todos os organismos multilaterais, a OMC onde mais
explicitamente as corporaes transnacionais da Trade Imperial
tm capacidade de infuir na defesa dos seus objetivos estratgicos.
Mediante mecanismos diretos e indiretos, praticamente comandam
as decises nesta organizao. Por exemplo, os representantes dos
Estados Unidos na OMC mantm reunies formais e informais
com representantes das transnacionais. O Comit Assessor para
Polticas Comerciais e Negociaes da Presidncia, que elabora as
recomendaes para a poltica comercial dos EUA, composto
por 42 membros, 19 dos quais pertencem s transnacionais. Entre
os participantes esto representantes da Americam and Telephone
208 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
e Telegraph Company (AT&T), Monsanto, Kodack e IBM (Sti-
chele, 2001).
No Japo, pelas peculiaridades da economia local, j existe
uma relao estreita entre o governo e suas transnacionais, institu-
cionalizado nos Keidaren, a Federao Japonesa das Organizaes
Econmicas. Esta entidade possui vrios comits que elaboram
as recomendaes para a Dieta, o Parlamento Japons, muitos
deles presididos por pessoas ligadas s companhias transnacionais
japonesas.
Um exemplo disso, o Comit de Comrcio e Inverses, que dirigido
pelo presidente e principal funcionrio executivo da Mitsubishi Electric
Corporation. Outro caso o Comit de Meio Ambiente, que tem como
dirigente o presidente da Nissan Motor Co. O presidente do Comit de
Estratgias Integradoras o presidente do Conselho da Toyota Motor
Corporartion (Stichele, 2001)
No caso da Unio Europia. as relaes entre as transnacionais
e a cpula dirigente, principalmente os setores responsveis pelo
comrcio, semelhante aos Estados Unidos e Japo. As recomen-
daes das corporaes so feitas por meio da Comisso Europia,
instituio que tem as iniciativas para a rea de comrcio. Os seus
executivos encontram-se periodicamente, durante conferncias,
reunies formais, grupos de trabalho, com representantes das
associaes empresariais para traar as estratgias comerciais da
Unio Europia na OMC (Stichele, 2001).
Alm desses contatos formais, as corporaes transnacionais
tambm esto presentes nas reunies da OMC, por meio dos
seus especialistas, que normalmente se integram s delegaes
nacionais por ocasies das negociaes. Informalmente, nos in-
tervalos das reunies da OMC atua um exrcito de lobista que
se rene com os negociadores para monitorar o desenvolvimento
das negociaes. As transnacionais tambm realizam polticas de
relaes pblicas e propaganda, por ocasio dessas negociaes,
Edmi lson Costa 209
junto mdia mundial, sobre os assuntos de seu interesse. Alm
disso, um conjunto de organizaes e eventos formais e informais
do grande empresariado, como, por exemplo, o Foro Econmico
Mundial, em Davos, elabora recomendaes para a poltica de
comrcio da OMC.
Estas mesmas instituies so muito presentes na OMC, prin-
cipalmente por ocasio das chamadas solues de controvrsias
comercias.
Como as companhias transnacionais esto presentes em quase todo o
comrcio mundial e so muito ativas na promoo das regras da OMC,
de forma a coincidirem com seus interesses, natural que estejam pre-
sentes em todas as disputas na OMC e usam os procedimentos dessa
organizao para proteger os direitos comerciais que elas instituciona-
lizaram. Os mecanismos de sanes da OMC permitem que se adotem
aes contra aquelas autoridades que quebrem as regras da organizao.
(Stichele 2001).
Na OMC, s os pases membros podem participar dos painis
de solues de controvrsias. Portanto, se uma empresa se sentir
prejudicada, deve primeiro convencer seu governo a levar o proble-
ma OMC. Para as corporaes dos pases centrais, isso se torna
quase automtico. No entanto, pelas relaes de subordinao das
economias perifricas, nem sempre os governos esto dispostos
a entrar com representaes contra as transnacionais, temendo
represlias econmicas.
Por todas essas questes, a Organizao Mundial do Comrcio
hoje a instituio mais importante, do ponto de vista econmico,
para a macro-organizao do capital. Ao regular praticamente todos
os aspectos da vida econmica, sob a fachada de sua ligao com o
comrcio, a OMC o Estado Maior das companhias transnacio-
nais, especialmente dos Estados Unidos. Apesar das contradies
naturais entre os pases da Trade, quando se trata de forjar normas
coletivas para a defesa dos seus interesses nos pases da periferia, o
210 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
grande capital age na OMC como um s bloco, o bloco da macro-
organizao do capital.
hegemOnia a qualquer custO
Enquanto os pases centrais buscam reorganizar-se para melhor
se posicionar diante da globalizao em curso, h uma ofensiva dos
Estados Unidos visando transformar a antiga ordem bipolar do
perodo em que existia a Unio Sovitica em ordem unipolar, na
qual despontariam como a potncia hegemnica indiscutvel. Para
tanto, vem procurando de todos as formas impor pela diplomacia,
pela fora econmica e fnanceira ou pelo poderio militar essa lide-
rana. Nessa direo, o governo estadunidense tem desenvolvido
um conjunto de aes coordenadas de forma a atingir a estratgica
da hegemonia solitria.
Para tanto, buscam transformar as organizaes multilaterais
como o Banco Mundial, Fundo Monetrio Internacional, Orga-
nizao Mundial do Comrcio, entre outras e, especialmente o
Conselho de Segurana das Naes Unidas, em instrumento de
sua poltica nacional e de seus interesses econmicos e polticos
para hegemonizar plenamente o planeta. Em alguns casos a ousadia
tem violado os princpios bsicos do direito internacional e dos
prprios acordos internacionais assinados pelos EUA. Alis, est
se tornando lugar comum a tentativa de transformar sua legislao
nacional em direito internacional, no s nas questes relativas
ao comrcio, mas tambm no que se refere aos direitos humanos,
meio ambiente e valores sociais.
Em um trabalho clssico sobre a estratgia dos Estados Unidos
para consolidar e ampliar sua hegemonia no mundo, o diplomata
brasileiro Samuel Pinheiro Guimares elaborou uma tipologia do
modus operandi da poltica americana para o mundo, cujas linhas
centrais, merecem ser destacadas. Ele parte do princpio de que
a estratgia estadunidense visa consolidar a ampliar a hegemonia
Edmi lson Costa 211
obtida com os acordos do ps-guerra, ofensiva que tem se torna-
do mais agressiva e declarada aps o desmoronamento da Unio
Sovitica, pas que fazia o contraponto em relao s ambies
dos EUA. Por essa tipologia, a estratgia estadunidense envolve
quatro grandes eixos:
1) Estratgia militar: Impedir a qualquer custo a emergncia de pases
com capacidade de contestar a hegemonia militar dos EUA e assegurar os
interesses estadunidenses nos outros pases, especialmente no que se refere
a insumos e petrleo, mesmo que, para atingir este objetivo, seja necessrio
o uso da fora;
2) Estratgia poltica: Desenvolver aes no sentido da implantao de re-
gimes polticos (formalmente democrticos e representativos) convenientes
aos interesses globais da poltica estadunidense; no obtendo xito nessas
aes, fnanciar e estimular, inclusive fornecendo armamentos por meio
das agncias de inteligncia, movimentos de oposio nos pases em que
haja governos nacionais que estejam contrariando os interesses estratgicos
dos EUA;
3) Estratgia econmica: Implementar em escala global um sistema econ-
mico que garanta a livre circulao de bens e servios e conseguir garantias
que estabeleam proteo a setores da economia estadunidense em relao
competitividade estrangeira. Garantir liberdade de ao para suas cor-
poraes transnacionais no exterior e acesso a fontes de matrias-primas
essenciais sua economia, alm de impedir transferncia de tecnologia de
setores de ponta, de forma a evitar que surjam competidores efetivos nos
setores mais lucrativos da economia mundial. Para desenvolver essa estra-
tgia, utiliza-se das organizaes internacionais, quase todas sob o controle
poltico estadunidense;
4) Estratgia ideolgica: Promover para o mundo a divulgao dos valores
estadunidenses como modelo de civilizao e apresentar os EUA como pala-
dinos da liberdade, da democracia, dos direitos humanos, da igualdade social,
econmica, religiosa e tnica. Apresentar o modelo socialista como mau e
destruidor da liberdade individual e social (Guimares, 1999, passim).
212 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
Alguns fatos ilustram bem essa postura imperial: quando o
governo estadunidense consegue o apoio das instituies interna-
cionais, procura agir aparentando respeitar as normas internacio-
nais. Quanto pressente que no ter o apoio nessas instituies
age solitariamente, tanto do ponto de vista diplomtico, comercial
ou militar, desprezando a opinio internacional e os princpios
universais da no interveno nos assuntos internos dos outros
pases. Quando os acordos internacionais no correspondem aos
interesses de suas empresas, por mais que sejam do interesse da
humanidade, como o Protocolo de Kioto, o governo dos EUA no
tem nenhum problema em no assinar esse documento. Quando
algum organismo multilateral internacional no age segundo as
regras ditadas por Washington, os EUA usam todos os artifcios
para a troca de liderana da organizao. Quando seus interesses
econmicos ou polticos esto sendo contrariados em qualquer
nao, iniciam uma operao diplomtica e de propaganda para
transformar o pas em pria internacional e, se no conseguir xi-
to, o punem militarmente como demonstrao de fora para que
outros no sigam o mesmo caminho.
A estratgia estadunidense, ao longo dos tempos, sempre foi
dura e agressiva com os pases que no eram considerados aliados.
No entanto, com a eleio de Reagan e, principalmente, com a
desagregao dos pases do Leste Europeu, a agressividade imperial,
ancorada por sua poltica guerreira, tornou-se norma de conduta
dos Estados Unidos. Foi assim que Reagan invadiu Granada, ata-
cou militarmente a Lbia, visando assassinar o presidente Khadaf;
invadiu o Panam, seqestrou seu presidente, o julgou e o pren-
deu nos Estados Unidos; fnanciou os Contras na Nicargua,
os Talebans no Afeganisto, entre outras aes. Sob a proteo
do Conselho de Segurana da ONU, invadiu o Iraque, destruiu a
infra-estrutura do Pas e o imps um bloqueio econmico. Nessa
questo, a comunidade internacional deu seu apoio pelo fato de
Edmi lson Costa 213
que o Iraque tinha invadido o Kuwait, uma nao soberana e,
portanto, era necessrio restabelecer suas fronteiras nacionais.
revelia da comunidade internacional, 10 anos depois, os Estados
Unidos voltaram a invadir o Iraque, depuseram e prenderam seu
presidente, e impuseram ao povo iraquiano um regime de terror
e massacre.
Quando a diplomacia no funcional, os Estados Unidos
esquecem as aparncias e passam a operar exclusivamente a partir
de seus prprios interesses estratgicos. Foi o caso da invaso da
Iugoslvia. Temendo problemas no Conselho de Segurana, os
Estados Unidos se utilizaram da Otan (Organizao do Tratado
do Atlntico Norte), instituio na qual os estadunidenses tm
hegemonia absoluta, para atacar um Pas soberano, violando todos
os princpios do direito internacional e a prpria Carta das Naes
Unidas. Alis, esta ao pode ser considerada emblemtica porque
representou o passo decisivo na tentativa de impor a hegemonia
a qualquer custo, uma espcie de teste para sentir as reaes dos
aliados. Posteriormente, invadir ou ameaar pases de invaso
passou a tnica do governo estadunidense.
Os EUA se recusaram a assinar o Protocolo de Kioto, um
documento que buscava reduzir a emisso de dixido de carbono
na atmosfera. Por ser um dos pases mais poluidores do mundo,
o governo estadunidense no assinou o tratado e no manteve
sequer as aparncias na hora de justifcar a recusa. O presidente
disse claramente que aquele documento contrariava os interesses
das indstrias do Pas. Na eleio da secretaria da ONU pressionou
para que o egpcio Bhutos Galli no se reelegesse para a secretaria
geral e em seu lugar imps Kof Anam, o qual consideram mais
moderado que o secretrio anterior.
Na Opac (Organizao das Naes Unidas para Controle de
Armas Qumicas e Biolgicas), promoveram nova eleio na en-
tidade apenas alguns meses da eleio anterior, de forma a retirar
214 a globali zao E o Capi tali smo ContEmpornEo
seu presidente, um diplomata brasileiro, Jos Mauricio Bustani,
pelo simples fato de este queria desenvolver uma poltica diferente
da estadunidense em relao ao Iraque. Apesar do discurso formal
de promoo da democracia, recentemente, apoiaram o golpe de
Estado na Venezuela; mesmo com o fracasso do golpe continuam
tramando contra a democracia venezuelana. Evidentemente, que
este conjunto de fatos confgura uma poltica imperial semelhan-
te ou at ainda mais dura do que a desenvolvida no perodo do
Imprio Romano.
Apesar dessa ofensiva agressiva contra povos e naes, contra o
direito internacional e contra o meio ambiente, a poltica neoliberal
est estrategicamente derrotada no mundo e o governo dos Esta-
dos est passando por um dos momentos de menor prestgio no
mundo. Alm disso, em vrias regies do mundo h um processo
de tomada de conscincia e de luta contra as ambies imperiais
dos Estados Unidos.
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