A Corrente Humanista e A Corrente Transpessoal
A Corrente Humanista e A Corrente Transpessoal
A Corrente Humanista e A Corrente Transpessoal
http://www.encontroacp.psc.br/estudo.htm
A leitura histrica que contextualiza este artigo, inicialmente proposta por Abraham
Maslow, afirma que a Psicologia se desenvolveu, e contemporaneamente se estabelece,
em quatro grandes Foras, isto , grandes correntes ou movimentos congregadores de
teorias, escolas, estudiosos e praticantes da cincia psicolgica. De acordo com essa
classificao, a Primeira Fora o Behaviorismo, ou Psicologia Comportamental, corrente
iniciada por John Watson e cujo maior expoente talvez seja B. Skinner, sendo a
Psicanlise, criada por Sigmund Freud, apontada como a Segunda Fora. No obstante o
inegvel valor e importncia das contribuies dessas duas primeiras Foras para a
compreenso psicolgica do ser humano, elas despertaram, no meio cientfico psicolgico,
diversas oposies ao mecanicismo de suas propostas deterministas de compreenso do
psiquismo e ao pouco otimismo de suas concepes relativas natureza humana e suas
potencialidades intrnsecas. Estas potencialidades, afirmam os opositores, teriam sido
negligenciadas, ignoradas ou deturpadas nas propostas de Psicologia do Behaviorismo e
da Psicanlise, cujas principais descobertas e teorias fundamentaram-se,
respectivamente, no estudo de animais e de doentes mentais. Assim, congregando
diversas escolas e investigadores, dois outros grandes movimentos, em que o estudo do
potencial humano privilegiado, tem emergido nas ltimas dcadas e sido apresentados e
propostos como novas Foras da Psicologia: A Psicologia Humanista, ou Terceira Fora, e
a Psicologia Transpessoal, ou Quarta Fora. O objetivo deste artigo apresentar, de forma
didtica e sinttica, o histrico e as caractersticas principais dessas duas correntes da
Psicologia contempornea que enfatizam o estudo e o desenvolvimento das
potencialidades do psiquismo humano.
Ao contrrio do Behaviorismo e da Psicanlise, entretanto, nem a Psicologia
Humanista nem a Psicologia Transpessoal podem ter suas origens associadas a
determinado autor ou escola, embora lderes e expoentes possam ser identificados.
Ambas se constituem, na verdade, como movimentos congregadores de profissionais e
abordagens de origem, por vezes, bastante diversa e independente. A articulao e
institucionalizao, tanto do Movimento Humanista quanto do Transpessoal, nasce da
insatisfao e sensao de isolamento de investigadores, tericos e praticantes no
identificados com as tendncias predominantes no cenrio psi e traduz seu anseio de
constituir um grupo de pertena, intercmbio, atuao e fortalecimento mtuo, a partir da
convergncia em torno de algumas propostas, tendncias, posicionamentos, interesses,
pontos de vista e mesmo linguagem assumidos em comum, mas sem prejuzo das
perspectivas mais particulares e das diferenas entre as escolas especficas com que se
identificam.
Essa heterogeneidade tpica das duas correntes, e que d margem a caracterizaes
e definies por vezes bastante discrepantes entre os autores que as apresentam, acaba
por vezes confundindo o estudante ou profissional de Psicologia que se prope a entender
o que afinal a Psicologia Humanista ou a Psicologia Transpessoal.
Sem a pretenso de poder acabar com essa confuso, mas desejando lanar alguma
luz sobre o assunto, a caracterizao que aqui apresento no ter a preocupao de
discriminar ou comparar os posicionamentos e as contribuies de cada autor ou escola
que se identifica ou identificado como humanista ou transpessoal. O enfoque adotado
ser o de, aps uma sinttica exposio dos aspectos histricos e contextuais a que o
nascimento de cada um dos movimentos esteve associado, centrar a exposio nas
tendncias mais gerais e consensuais, examinando-as em quatro tpicos, ou dimenses,
que me parecem essenciais na caracterizao de qualquer escola ou corrente de
Psicologia: a Temtica Privilegiada; o Modelo de Cincia; a Viso de Homem; e os
Mtodos e Tcnicas.
No caso da Psicologia Humanista, como esta, em suas diversas abordagens, hoje
bem mais difundida e estabelecida no meio acadmico e profissional da Psicologia de
nosso pas, a exposio ser mais resumida e menos fundamentada em citaes e
esclarecimentos. Preferi ocupar um espao maior na apresentao da Psicologia
Transpessoal, a qual, no obstante o crescente interesse que vem despertando
(demonstrado, por exemplo, no aumento da traduo e edio de livros sobre o assunto),
ainda bem pouco conhecida e aceita nos meios mais oficiais da Psicologia no Brasil.
A PSICOLOGIA HUMANISTA
HISTRICO
A Questo da Contracultura
CARACTERSTICAS
Temtica Privilegiada
Alm da oposio ao Behaviorismo e Psicanlise, e da absoro de escolas no
identificadas com essas correntes, o Movimento Humanista caracterizado pela
congregao de estudiosos em torno de alguns tpicos e interesses que podem ser
apontados como temticas tpicas e preferenciais da Psicologia Humanista. Sutich (1991),
relembrando o incio do Movimento e o lanamento da Revista de Psicologia Humanista,
informa como uma definio de Terceira Fora formulada por Maslow em 1957, foi
utilizada na introduo da primeira edio, para assim descrever a proposta:
A Revista de Psicologia Humanstica foi fundada por um grupo de psiclogos e
profissionais de outras reas, de ambos os sexos, interessados naquelas capacidades e
potencialidades humanas que no encontram uma considerao sistemtica nem na teoria
positivista ou behaviorista, nem na teoria psicanaltica clssica, tais como criatividade,
amor, self, crescimento, organismo, necessidades bsicas de satisfao, auto-realizao,
valores superiores, transcendncia do ego, objetividade, autonomia, identidade,
responsabilidade, sade psicolgica, etc.
(p. 24).
Nessa significativa listagem elaborada por Maslow como resumo dos interesses
editoriais do veculo oficial do movimento, pode-se perceber o delineamento das principais
tendncias e nfases temticas que, relacionadas entre si, caracterizam-se como tpicas
da Psicologia Humanista.
Em primeiro lugar, a Psicologia Humanista destaca-se como a corrente que,
afastando-se do tradicional enfoque clnico de privilegiar o estudo das psicopatologias,
passa a enfatizar a sade, o bem estar, e o potencial humano de crescimento e autorealizao. J em seu livro Introduo Psicologia do Ser, de 1957, Maslow (s. d.)
aponta para a necessidade do desenvolvimento de uma Psicologia da Sade, criticando as
teorias, como a Psicanlise, que generalizam suas concluses sobre o ser humano a partir
Movimento Humanista, no qual era inicialmente vista como uma faco ou topifio de
interesses, assunto que ser melhor esclarecido quando tratarmos do surgimento da
Psicologia Transpessoal.
Viso de Homem
De forma bem mais declarada que as Foras anteriores, a Psicologia Humanista,
enquanto movimento organizado, reconhece, assume e prope a inevitabilidade da
adoo de um Modelo de Homem, ou seja, uma concepo filosfica da natureza humana,
como ponto de partida e princpio norteador de qualquer projeto de construo da
Psicologia. Neste tpico, talvez mais que em qualquer outro, destila a Psicologia
Humanista suas maiores crticas e discordncias s escolas a que se ope, contestando
veementemente os modelos de homem que identifica nas formulaes psicanalticas e
behavioristas.
Opem-se os humanistas concepo psicanaltica do homem como um animal
lbrico e feroz, movido por necessidades instintivas de prazer e agresso, ao qual s a
custa de muitas restries e sublimaes da natureza animalesca bsica se pode, na
melhor das hipteses, trazer algum verniz de racional sociabilidade, mas no sem um
inevitvel nus de frustrao, infelicidade e Mal-Estar da Civilizao. Recusam-se tambm
a conceber o ser humano como uma espcie de mquina, rob ou marionete, cuja
natureza passiva e amorfa, assim prope o Behaviorismo, absolutamente moldada,
manipulada e controlada pelas contingncias de estimulao e condicionamento
ambiental, a quem na melhor das hipteses se poder oferecer a escolha (ela prpria
condicionada) entre um condicionamento fortuito e um planejado. Negando-se a aceitar
que o homem seja assim reduzido por to pessimistas e desalentadoras vises, a
Psicologia Humanista se afirma em um compromisso com uma viso otimista e
engrandecedora, na qual as melhores qualidades e potenciais positivos manifestados
pelos homens sejam valorizados como a prpria essncia da natureza humana.
Grosso modo, a viso psicanaltica costuma ser comparada, pelos humanistas
americanos, pessimista opinio de Hobbes (o homem o lobo do homem), e a viso
behaviorista concepo de Locke, que v o ser humano como uma tabula rasa; ao passo
que seu prprio modelo considerado como uma reedio da generosa viso de
Rousseau: O homem naturalmente bom, a sociedade que o corrompe.
Vejamos, em algumas tendncias e consensos das abordagens humanistas, um
sucinto esboo da viso de homem que elas propem:
Enxergando o homem como um todo complexo e organicamente integrado, cujas
qualidades nicas vm de sua configurao total, rejeitam os humanistas as concepes
elementaristas e fragmentadoras da psiqu. Retomando para o Movimento a proposta
holista que Adler foi buscar em Smuts, e que de outra parte caracterizou a Psicologia da
Gestalt, vem no homem uma natureza tal que a totalidade da pessoa humana sempre
maior que a soma de suas partes tomadas isoladamente. Em especial nas teorias
desenvolvidas nos Estados Unidos - o ramo americano e mais caracteristicamente
humanista do Movimento, e para o qual as idias do neurologista e terico gestaltista
Goldstein foram especialmente influentes - a compreenso organsmica do ser inclu suas
razes biolgicas. Assim, concebem o homem como marcado pela necessidade, que vem
como intrnseca a todo organismo vivo, de atualizar seu potencial e se tornar a totalidade
mais complexa, organizada e autnoma que for capaz. Esta hiptese da necessidade de
auto-realizao fornece, em diversas verses, a teoria bsica de motivao da maioria das
psicologias humanistas. Mesmo que as escolas existenciais, dada sua nfase na liberdade
e sua compreenso do ser humano como criatura cuja natureza consiste em criar sua
prpria natureza (Sartre), rejeitem a considerao de tendncias biolgicas
determinantes, h quem remonte vontade de potncia de Nietzsche a origem da
formulao humanista da existncia de uma tendncia intrnseca de busca da autorealizao. Igualmente associada concepo holista, est a compreenso que os
humanistas em geral tem do homem como implicado e indissociavelmente configurado mas no determinado - em seu relacionamento com o ambiente, seja este fsico,
fenomenolgico-experiencial, interpessoal, ou scio-histrico-cultural.
O ser humano, na viso humanista-existencial, proposto como um ser livre e
intencional, recebendo esta noo especial destaque nas psicologias existenciais, as quais
por vezes rejeitam a concepo mais essencialista e rousseauniana dos americanos, que
crem ser a natureza humana positivamente orientada, devendo as relaes psicossociais
deletrias ser responsabilizadas por qualquer desvio dessa bondade original. Para os
existencialistas, sendo o homem livre e auto-orientado pelos propsitos e sentidos que d
prpria existncia, no pode eximir-se de se responsabilizar plenamente pelo que ,
apesar da inevitvel angstia que esse assumir-se evoca, pois qualquer outra atitude
seria auto-engano, m f, inautenticidade no existir. De qualquer forma, de uma maneira
geral, as teorias humanistas propem que o comportamento do ser humano no pode ser
adequadamente entendido a partir de referncias exclusivas a influncias determinantes
externas sua conscincia e aos significados atuais que imprime ao mundo, sejam essas
influncias provenientes do ambiente, do passado, ou do inconsciente. Associadas
portanto aceitao da liberdade, da responsabilidade e da intencionalidade como
caractersticas intrnsecas condio humana, resultam a nfase nas interpretaes
teleolgicas (que enfocam a finalidade ao invs da causa passada) do comportamento; o
privilegiar da dimenso consciente e do vivenciar da experincia presente; assim como o
enfoque fenomenolgico (que se atem experincia subjetiva e consciente) e
compreensivo (que contrape a compreenso por empatia explicao por referenciais
exteriores); os quais, com maior ou menor destaque, so defendidos pelos humanistas.
Modelo de Cincia
O desenvolvimento da Psicologia Humanista caracteristicamente marcado por uma
reflexo e tomada de posies em questes filosficas e epistemolgicas sobre a natureza
da Psicologia enquanto Cincia. , sob alguns novos aspectos e nuances, retomada a
discusso que envolveu o nascimento e as primeiras dcadas da Psicologia Cientfica
contempornea, em torno da questo do modelo, dos mtodos e do objeto dessa nova
cincia. A controvrsia principal referia-se adequao do Modelo de Cincia, at ento
bem sucedido nas modernas cincias naturais, estender-se s nascentes cincias
humanas, as quais, justificadas pela singularidades de seu objeto de estudo,
congregavam arrebatados defensores do desenvolvimento de um modelo prprio e
diferenciado. Embora na Europa o debate tenha prosseguido e frutificado, principalmente
no desenvolvimento de escolas de psicopatologia e psicoterapia inspiradas na
Fenomenologia e no Existencialismo, no panorama americano a discusso parecia ter
estagnado, com a aparente vitria dos modelos naturalistas, fosse o modelo positivista de
determinismo ambiental adotado pelo Behaviorismo, com sua nfase na experimentao
animal e na observao objetiva; fosse o modelo mdico, mecanicista em sua nfase no
determinismo psquico, de inspirao darwiniana, e igualmente naturalista, da
Psicanlise. Os humanistas, reeditando em novas verses propostas da Psicologia
Compreensiva de Dilthey, da perspectiva holista da Psicologia da Gestalt, da primeira
Fenomenologia de Husserl, e dos questionamentos existencialistas sobre a a singularidade
e irracionalidade da existncia concreta, tendem a acordar que a Psicologia deve se
afirmar em um modelo de cincia do homem, respeitando e se adaptando s
especificidades de seu objeto de estudo. Embora a este respeito no se possa encontrar
unanimidades indiscutveis entre as diversas propostas que se articulam no movimento
humanista, algumas tendncias parecem se destacar, sobretudo em decorrncia do
Modelo de Homem que, como vimos, esse movimento defende.
De uma maneira geral, a Psicologia Humanista no se ope aos parmetros de
racionalidade e objetividade emprica, quando utilizados na busca de explicao, controle
e previso dos fenmenos do mundo das coisas. Entretanto, quando se trata do homem,
que os humanistas entendem como to distinto do restante da criao, ope-se, em maior
ou menor grau, a diversos princpios e procedimentos consagrados em modelos de cincia
natural e nas propostas de Psicologia das Foras a que se ope. H considervel consenso
na crtica da aplicao, ao estudo do homem, de abordagens reducionistas, deterministas,
elementaristas e objetivantes; ao passo que o racionalismo emprico-indutivo e hipotticodedutivo , com adaptaes, menos rechaado. Vejamos brevemente estas questes.
Opondo-se ao reducionismo, que vem como associado aos modelos de homem do
Behaviorismo e da Psicanlise, recusam-se os humanistas a entender o ser humano como
um mero jogo de foras instintivas e culturais, ou interminveis cadeias de estmuloresposta, sujeito aos mesmos processos comportamentais que os animais de laboratrio.
Reconhecem os humanistas na pessoa humana uma complexidade tal que implica numa
mudana qualitativa, e no apenas quantitativa, em relao s espcies inferiores, de tal
ordem que o princpio metodolgico de se compreender pelo mais simples o mais
complexo deva, no caso do homem, ser invertido, pois at os processos psquicos mais
simples e primitivos adquirem novos sentidos na configurao total da personalidade
humana. Ao determinismo e mecanicismo ser desnecessrio nos estendermos, pois para
abordagens que enfatizam a liberdade e a intencionalidade como condio humana,
evidente que o determinismo no vai ser de muito auxlio ou relevncia.
A questo da objetividade cientfica, em nome da qual o Behaviorismo mais radical
tentou esterilizar de toda vida psquica a cincia da Psicologia, talvez a posio que
recebe maiores ataques, pois justamente a dimenso subjetiva dos sentimentos, das
emoes, dos valores, das inter-relaes, dos significados, da vontade, dos anseios, da
criatividade, da experincia e vida consciente, o objeto de estudos que prioritariamente a
Psicologia Humanista quer abordar. Como se pode ento, em nome da Cincia, fechar os
olhos ao que de mais significativo e caracterstico h para se investigar no objeto que se
tem para estudo?
No que tange a levar a maiores extremos ainda o questionamento da natureza da
investigao cientfica da psiqu humana, mesmo dentro do prprio Movimento Humanista
as posies tendem a divergir. A maioria das escolas humanistas americanas se inclina a
professar f na Cincia, e seus investigadores, muitos com slida formao emprica e
experimental, so bastante criativos em renovar e adaptar formas de pesquisa, inclusive
experimentos laboratoriais, s dimenses do ser que desejam estudar, enquanto a
tradio fenomenolgica europia tem possibilitado a enorme ampliao de vias no
desenvolvimento de procedimentos para Psicologia, e fornecido talvez os principais
subsdios para a discusso da natureza desta, enquanto cincia do homem. entretanto
em algumas propostas existencialistas que talvez se encontrem as posies mais radicais
do questionamento. Tomadas at as ltimas conseqncias, certas concepes bsicas da
viso existencial de homem e de universo, como as que prope o carter singular e nico
de cada existncia, a imprevisibilidade das possibilidades e dos projetos decorrentes da
liberdade e escolha autnticas, assim como a irracionalidade de um universo que, afora os
mutantes sentidos que cada homem a cada momento lhe imprime, de uma absurda e
absoluta gratuidade, parecem tornar irrelevante qualquer noo de previsibilidade,
constncia, replicabilidade, generalizao, racionalidade e mesmo comunicao de
resultados, no estudo do humano. Sem se aceitar uma possibilidade mnima dessas
condies, de fato difcil acreditar que seja possvel chegar a algum tipo de verdade
cientfica, o que leva alguns psiclogos existenciais ao questionamento ctico da utilidade
de investigaes empricas, formulaes tericas, ou mesmo da Psicologia enquanto
Cincia. Deste ponto de vista mais extremado, algumas abordagens mantm-se muito
mais prximas da Antropologia Filosfica que da Psicologia Cientfica, qual parecem se
manter ligadas apenas pelas preocupaes de natureza clnica de suas propostas de
psicoterapia.
Enfim, no pode deixar de ser dito, os questionamentos e respostas que a Psicologia
Humanista levanta e esboa sobre a natureza da Psicologia enquanto Cincia e sua
possibilidade de contribuir para a felicidade, sade e auto-realizao humana, encontramse no cerne de todo um processo mais amplo que marca a crise da moderna Civilizao
Ocidental. Se a Cincia colaborou para esvaziar e isolar o homem, reduzindo-o sua mera
dimenso material e aos frios mecanismos lgico-racionais a servio de consideraes
mesquinhas e doentias, a justa revolta cultural contra esse estado de coisas que nos tem
retirado o sentido, a maravilha e a profundidade da experincia de ser humano entre
humanos, mobilizou tambm os psiclogos. Assim, a Psicologia Humanista se
compromete, em seu projeto de Cincia, a estar sempre voltada a favorecer o movimento
da aprisionada alma humana, em sua busca de um mundo que se possa chamar humano,
e em que, entre os da nossa espcie, seja realmente um prazer viver.
Mtodos e Tcnicas
Mantendo-se fiel s suas opes temticas, e tendo sempre em vista as dimenses
do ser que seu enfoque privilegia, a Psicologia Humanista desenvolve, adapta e renova
variadas tcnicas e metodologias de abordagem da pessoa, com finalidades de estudo ou
interveno. Os questionamentos e posies assumidas sobre a natureza da Cincia
Psicolgica e seu objeto prprio de estudo, fazem do projeto humanista de construo da
Psicologia uma fonte de inspirao e parmetros no desenvolvimento de abordagens
adequadas, sendo sobretudo o compromisso com sua viso de homem que orienta a
criao e desenvolvimento de novas formas de estabelecer a sade psquica e promover o
desenvolvimento dos melhores potenciais humanos.
Psicologia Humanista. Alm das ricas e inovadoras contribuies tericas e tcnicas a essa
modalidade de atuao, at ento negligenciada, o chamado Movimento dos Grupos de
Encontro representou, ao menos nos anos 60 e 70, a faceta de maior impacto da Terceira
Fora, traduzindo em aes efetivas o compromisso transformao scio-cultural que a
Psicologia Humanista se impe.
Enfim, no teste emprico de suas idias, muitas vezes taxadas de ingnuas ou
utpicas, e no sucesso e aceitao de suas prticas, que a Psicologia Humanista tem se
consolidado como uma psicologia afinada ao Zeitgeist de nossa poca, em que apesar de
toda crise, amargura, cinismo, solido e desesperana, o anseio mudo e oculto por uma
vida mais autntica e humanizada torna-se eloqente e fulgura ao encontrar quem nele
acredite e se disponha a ajudar.
A PSICOLOGIA TRANSPESSOAL
HISTRICO
Antecedentes
O reconhecimento da existncia e importncia, assim como o interesse em seu
desenvolvimento, das potencialidades humanas relacionadas espiritualidade, autotranscendncia e ampliao da conscincia - temtica que contemporaneamente
caracteriza o objeto de estudos privilegiado da Psicologia Transpessoal - imemorial nas
culturas e sociedades humanas. Embora esse interesse, assim como a viso de homem e
universo a ele associada, sejam com justia habitualmente relacionados ao campo da
Religio ou da Filosofia, igualmente justo e apropriado, sob uma tica mais atual,
considerar grande parte da produo cultural desenvolvida nessa rea como pertencente
ao campo do que hoje chamamos Psicologia. De fato, abstrada uma leitura mais ingnua
dos aspectos mitolgicos, doutrinrios e ritualsticos especficos, a maioria das religies e
tradies espirituais acaba propondo um modelo terico-operativo da psiqu humana - ou
seja, uma teoria da personalidade - e tecnologias de mudana da personalidade em
direo ao considerado mais saudvel pelo modelo adotado - ou seja, um tipo de
psicoterapia.
Este ponto de vista de aceitar as tradies espirituais como psicologias, e mais
ainda psicologias transpessoais, ponto pacfico dentro do Movimento Transpessoal e,
mesmo fora deste, encontra hoje ampla aceitao, em grande parte graas ao trabalho de
Jung , que em suas pesquisas sobre a Alquimia e as religies orientais e ocidentais,
revolucionou a concepo cientificista com que tais tradies eram encaradas. Assim
vemos hoje populares manuais acadmicos de teorias da personalidade, largamente
utilizados fora do crculo transpessoal (como o de Fadiman e Frager, 1979) e mesmo de
tinham para repetir surradas lies de psicopatologia psiquitrica, que logo se mostravam
como inadequadas respostas queles que os procuravam em busca de explicaes e
ajuda para entender e integrar to extraordinrias vivncias. Mesmo jovens psiclogos e
pesquisadores, dentro do caldeiro de auto-experimentao psquica que caracterizou os
anos da Contracultura, vivenciavam essas alteraes dramticas, desconcertantes,
intrigantes, e sobretudo instigantes, da prpria conscincia. Viu-se ento a Psicologia
desafiada a abordar o fenmeno com todos os instrumentos tcnicos, metodolgicos,
tericos e conceituais conhecidos, ou mesmo criando outros que se fizessem necessrios.
Surgia todo um novo campo de estudos, at ento negligenciado nos meios mais
oficiais, e que agora se mostrava no descortinar de uma vasta gama de desconhecidos
estados alterados da conscincia, para utilizar uma expresso difundida no meio
transpessoal por Charles Tart (1977). Em consequncia dessa situao, verificou-se o
explosivo aumento de pesquisas e teorizaes na rea, estudos estes que no poderiam
ser adequadamente encaixados nos ramos de estudo anteriormente delimitados para a
Psicologia, nem to pouco eram adequadamente abarcados pelas formulaes tericas
mais correntes.
Da necessidade de intercmbio de pesquisas e pontos de vista desses estudiosos
isolados e deslocados nos meios mais oficiais, como outrora ocorrera com os psiclogos
que se associaram no lanamento da proposta humanista, emergiam as condies para a
articulao de um novo movimento congregador, envolvido agora na investigao
privilegiada das experincias inusuais e ampliadas da conscincia humana.
(Grof,
1988, p. 138).
Mais uma vez, a percepo de que as circunstncias favoreciam a emergncia de
uma nova Fora, e a iniciativa de encabear as articulaes para seu lanamento, coube a
Maslow e Sutich. Conforme relembra este ltimo (Sutich, 1991), foi a partir das idias que
transpiraram em um seminrio sobre Teologia Humanstica promovido em 1966, que
Maslow e ele amadureceram a constatao de que uma nova Fora estava se impondo e
fora erroneamente identificada como parte da Psicologia Humanista. De fato, em 1968,
Maslow assim se expressaria na introduo segunda edio de seu livro Introduo
Psicologia do Ser:
Devo tambm dizer que considero a Psicologia Humanista, ou Terceira Fora em
Psicologia, apenas transitria, uma preparao para uma Quarta Fora ainda "mais
elevada", transpessoal, trans humana, centrada mais no cosmos que nas necessidades e
interesses humanos, indo alm do humanismo, da identidade, da individuao e
quejandos (...). Necessitamos de algo "maior do que somos" (Maslow, s. d., p.12).
A proposta, divulgada em conversas, seminrios, artigos e troca de
correspondncias, logo encontrou destacados adeptos, sendo formado um comit para
organizao de uma nova revista, dedicada ao que quela altura chamavam Psicologia
Trans-humanstica. Das discusses desse comit, presidido por Sutich e integrado por,
alm de Maslow, nomes do calibre de James Fadiman, Sidney Jourard, Michel Murphy e
Miles Vich, completa em finais de 1967 a definio e declarao de objetivos da nova
Fora. Em 1968, em discusso de que participaram tambm Viktor Frankl e Stanislav
Grof, adotado o ttulo Psicologia Transpessoal em substituio ao anteriormente
proposto, e a revista lanada em 1969, sendo o movimento assim apresentado :
Psicologia Transpessoal (ou "Quarta Fora") o ttulo dado a uma fora emergente
no campo da Psicologia, representada por um grupo de psiclogos e profissionais de
outras reas, de ambos os sexos, que esto interessados naquelas capacidades e
potencialidades LTIMAS que no possuem um lugar sistemtico na teoria positivista ou
behaviorista ( "Primeira Fora"), na teoria psicanaltica clssica ( "Segunda Fora"), ou na
psicologia humanstica ("Terceira Fora").
2. CARACTERSTICAS
Temtica Privilegiada.
Na declarao dos contedos de interesse para publicao, impressa no frontispcio
do primeiro numero da Revista de Psicologia Transpessoal, pode-se ter uma expressiva
idia dos campos temticos caracteristicamente privilegiados na proposta da Quarta
Fora:
A Revista de Psicologia Transpessoal ocupa-se da publicao da pesquisa terica e
aplicada, de contribuies originais, estudos empricos, artigos e estudos sobre meta
necessidades, valores ltimos, conscincia unitiva, experincia de pico, xtase,
experincia mstica, valores B, essncia, felicidade, respeito, milagre, auto-realizao,
significado ltimo, transcendncia do eu, esprito, sacralizao da vida cotidiana, unidade,
conscincia csmica, jogo csmico, sinergia individual e da espcie, mximo encontro
interpessoal, responsividade e expresso, e sobre os conceitos, experincias e atividades
relacionadas. Como declarao de objetivos , esta formulao deve ser entendida como
sujeita a interpretaes opcionais individuais ou de grupos, tanto parcial quanto
totalmente, com relao aceitao de seus contedos como essencialmente naturalistas,
testas, sobrenaturalistas, ou qualquer outra classificao que se lhes d. (Apud Sutich,
1991, p. 31)
Trata-se de uma listagem bastante extensa, cuja topificao em grande parte
refere-se a termos relacionados a certas perspectivas tericas mais especficas, sendo
apresentada aqui mais pelo interesse histrico da declarao e para que se tenha um
apanhado geral da amplitude e abertura de perspectiva dos interesses do Movimento
Transpessoal. Ao invs de discorrer sobre cada um dos temas relacionados, o que alm de
resultar demasiado extenso provavelmente forneceria uma viso em tanto confusa e
dispersiva, optei em centrar minha apresentao em torno de trs tpicos gerais que,
relacionados entre si, tem mais comumente sido apontados como a rea privilegiada e
caracterstica das abordagens transpessoais: as potencialidades ltimas; a espiritualidade;
e os estados alterados de conscincia, a includas as experincias transpessoais.
A escolha, nas primeiras definies, do designativo genrico de potencialidades
LTIMAS como o objeto de estudo da Psicologia Transpessoal, assim como a indicao de
Simplesmente ainda no existe outra linguagem satisfatria. Uma excurso pelos lxicos
poderia demonstr-lo com rapidez (Maslow, 1964, p. 4)
Na verdade, a aceitao do homem como ser cuja auto-realizao final envolve a
auto-transcendncia e o acesso a uma dimenso csmica ampliada de participao
universal, naturalmente tende a aproximar a Psicologia Transpessoal das concepes
religiosas da natureza humana, as Psicologias Espirituais como denominou Tart (1979), as
quais imemorialmente defendem este ponto de vista como pressuposto que fundamenta a
prpria Religio, conforme j constatara William James em seus estudos sobre as
variedades da experincia religiosa:
Resumindo da forma mais ampla possvel as caractersticas da vida religiosa, tais
como elas se nos deparam, encontramos as seguintes crenas:
1. Que o mundo visvel parte de um universo mais espiritual do qual ele tira sua
principal significao;
2. Que a unio ou relao harmoniosa com este universo mais espiritual nossa
verdadeira finalidade;
3. Que a orao ou comunho interior com o esprito desse universo mais elevado seja ele "Deus" ou "ordem" - um processo em que se faz realmente um trabalho, e em
que a energia espiritual flui e produz efeitos, psicolgicos ou materiais, dentro do mundo
fenomnico. (James, 1991, p. 300).
Naturalmente, sendo a Psicologia Transpessoal uma proposta de Psicologia
cientfica, e no se filiando enquanto movimento a nenhuma concepo religiosa
especfica de mundo, sua abordagem do espiritual e do religioso se far pela via do
emprico, pela ateno ao fenmeno experiencial em si, assim como pela considerao de
seus efeitos psicolgicos e suas implicaes para a compreenso da estrutura, da
dinmica e do desenvolvimento da personalidade.
No s no interesse despertado pela singular fenomenologia relatada nas
experincias espirituais, msticas ou religiosas, mas tambm pela abordagem de outros
fenmenos extraordinrios de alterao e ampliao da conscincia, os quais, como
vimos, crescentemente se apresentam no contexto cultural atual como desafio para a
Psicologia, que se pode caracterizar o campo de estudos privilegiado da Psicologia
Transpessoal: Os estados alterados da conscincia. Pierre Weil chega mesmo a definir :
A Psicologia Transpessoal um ramo da Psicologia especializada no estudo dos
estados de conscincia; ela lida mais especialmente com a "experincia csmica" ou os
estados ditos "superiores" ou "ampliados" da conscincia. (Weil, 1978, p. 9).
O estudo da conscincia como objeto central da Psicologia, abandonado desde que
a objetividade behaviorista superou as propostas de Wundt e William James, e que Freud,
descortinando a parte submersa do iceberg, apontou o subconsciente como a dimenso
psquica predominante, j comeara a ser recuperado pela Psicologia Humanista, com sua
Modelo de Cincia
Da mesma forma que a Psicologia Humanista, a Psicologia Transpessoal, enquanto
movimento, assume e defende posies epistemolgicas tpicas, propondo para a
Psicologia a adoo de um modelo de cincia distinto do tradicional modelo naturalista.
Novamente, porm, vamos encontrar significativas diferenas, de grau e qualidade, entre
a proposta humanista e a transpessoal. Os psiclogos humanistas, em geral, defendem
para a Psicologia um modelo de cincia do homem, de base compreensiva,
fenomenolgica, idiogrfica, holista e teleolgica; em contraposio perspectiva
objetivante, explicativa, reducionista, normativa, elementarista e determinista do modelo
tradicional das cincias naturais, o qual, entretanto, via de regra respeitam como
abordagem adequada ao mundo das coisas, to distinto - assim entendem - do mundo
humano. Grande parte alis do debate entre a Psicologia Humanista e o Behaviorismo - e
tambm com certas concepes mecanicistas do modelo hidrulico da Psicanlise - se
trava neste tpico de qual dos dois modelos, o naturalista ou o humanista, adequado
para a Psicologia. Mas, enquanto este j quase montono e repetitivo debate se
prolongava nos crculos da Psicologia, as cincias naturais evoluam a passos - ou melhor,
saltos - enormes, tornando ultrapassadas as posies anteriormente identificadas como
seu modelo cientfico, e generalizando em seu meio a convico de estar em curso uma
revoluo do paradigma geral da Cincia. Assim, como vimos, o Movimento Transpessoal,
assumindo a leitura de queest em curso uma revoluo paradigmtica, ao invs de
contrapor cincias humanas e cincias naturais, realiza intensa aproximao destas
ltimas, s que j entendidas dentro de um novo paradigma unificado - holstico, psmoderno, hologrfico e transdisciplinar - da Cincia. Captulos inteiros dedicados s novas
descobertas da Fsica, da Qumica, da Pesquisa Cerebral, entre outras, so uma constante
em livros de Psicologia Transpessoal, onde citaes de cientistas como Bohm, Bohr,
Einstein, Prigogine, Bell, Pauli, Heisenberg, Teilhard de Chardin, Capra, Pribam,
Sheldrake, e muitos outros, chegam s vezes a ser mais freqentes que as dos mais
renomados psiclogos. Do outro lado, nas modernas cincias naturais, a aproximao
recproca. mesmo um fato curioso, que eu prprio tenho observado, que a Psicologia
Transpessoal desperte menos interesse entre os psiclogos que entre os praticantes
dessas cincias, os quais, talvez por dever de ofcio, em geral encontram-se melhor
Assim, indo alm da proposta holista da viso humanista - o todo mais que a
soma das partes - a viso holstica das novas cincias - a includa a Psicologia
Transpessoal - afirma que a abordagem deve ser hologrfica, pois a parte contm o todo,
ou seja, qualquer elemento de um todo como um holograma no qual, ainda que em
menor detalhe, identificvel a qualidade isomrfica do padro de complexidade e
interdependncia existente na configurao total.
E por fim ( ou melhor, antes que seja o fim), cresce a percepo de que a mente em
estado de conscincia normal no s incapaz de acompanhar e explorar as
transformaes e a abertura de novas vias, emergentes no desenvolvimento cientfico,
como tambm se mostra impotente em enfrentar as crescentes, complexas e multifaceadas crises que ameaam o futuro da humanidade. Em um beco cada vez mais sem
sada, a mente do homem atual vem sendo pressionada a ousar, como nica escapatria,
um salto qualitativo - um salto quntico - de mudana radical em direo a uma nova
forma de ser e perceber, salto este que parece necessariamente implicar uma alterao e
ampliao do estado usual de conscincia. Embora no lhe pertena mais a palavra
especializada definitiva, pois especializaes e compartimentalizaes do saber tm se
tornado uma impossibilidade, no pode a Psicologia furtar-se responsabilidade de, como
a Cincia da Conscincia (assim propem os transpessoais) enfrentar o desafio, crucial
para a espcie humana, que aumentar o conhecimento no campo dos mistrios e
possibilidades ltimas da conscincia humana em sua relao hologrfica com a Realidade
e a Conscincia Universal.
Viso de Homem
Alm da temtica que privilegia e das dimenses do ser e da conscincia em que
suas pesquisas e teorizaes se desenvolvem, o que define determinada escola como
pertencente Psicologia Transpessoal o modelo ou, viso de homem, que reconhece e
adota. Walsh & Vaughan (1991), em suas conhecidas definies de Psicologia e
Psicoterapia Transpessoal apontam:
A psicologia transpessoal est voltada para a expanso do campo da pesquisa
psicolgica a fim de incluir o estudo da sade e do bem estar psicolgicos timos. Ela
reconhece o potencial da vivncia de uma ampla gama de estados de conscincia, em
alguns dos quais a identidade pode estender-se para alm dos limites usuais do ego e da
personalidade.
A psicoterapia transpessoal inclui reas e preocupaes tradicionais, s quais
acrescenta o interesse em facilitar o crescimento e a percepo para alm dos nveis de
sade tradicionalmente reconhecidos. Reiteram-se nela a importncia da modificao da
conscincia e a validade da experincia e da identidade transcendentais. (p. 18)
De uma maneira geral, o que distingue e caracteriza a viso de homem adotada
pelas teorias e escolas da Psicologia Transpessoal a aceitao, sob diversas concepes,
da existncia de instncias superiores do potencial humano, inacessveis ao estado usual
de viglia, mas disponveis mediante a vivncia dos estados alterados e ampliados da
conscincia. Assim, como a Psicologia Humanista enfatizou os aspectos conscientes e
auto-realizadores da natureza humana, a Psicologia Transpessoal, em busca do bem estar
e sade timos, vai alm, destacando as potencialidades de auto-transcendncia e
qual se separam e destacam unicamente por uma questo de estado da gua, o que em
nossa analogia equivale ao estado de conscincia em que as diversas conscincias
individuais - contradas e defensivas - experimentam a iluso de sua separao do oceano
ilimitado da Conscincia Csmica.
Frise-se ainda que, para uma concepo bastante generalizada no meio
transpessoal, a conscincia no considerada um subproduto orgnico da evoluo
cerebral, to pouco exclusividade humana, sequer animal ou vegetal, sendo proposta
antes como o prprio substrato em que todas as realidades se constroem. Sem encontrar
limites no tempo ou no espao, a Conscincia pr e ps existe a tudo, a tudo permeia, a
tudo envolve, e a tudo ultrapassa, como contexto e pano de fundo em que tudo se d. O
prprio termo Conscincia Csmica, que para G. Murphy (in Frick, 1975) define a
experincia em que h uma perda do sentido de contraste ou oposio entre o eu e o
mundo. O contedo do eu , pois, o contedo do mundo; o indivduo arrebatado no
jbilo de unio com o cosmo (p. 199) esclarece esta concepo, j que no se est
falando em sentido figurativo ou meramente vivencial, mas concreto (se que se pode
adjetivar assim essa dimenso transcendente da realidade), isto , na experincia de
compartilhar com o cosmos a sua (do cosmos) identidade.
Na viso ampliada que a Psicologia Transpessoal apresenta, o ser humano, para
alm dos aspectos individuais e biogrficos de sua conscincia e personalidade, e para
alm do organicamente explicvel pelos processos fisiolgicos ou cerebrais, considerado
como implicado em uma dimenso (a Conscincia) que, a um s tempo, matriz de sua
identidade e integra inclusivamente (ou holograficamente) o todo da criao. Uma
dimenso alm da realidade conhecida no estado de viglia, alm do espao e do tempo,
para alm das dicotomias (eu/mundo, sujeito/objeto, mente/corpo, esprito/matria),
onde os pesquisadores transpessoais acreditam estar tratando do mesmo objeto - ou
seria sujeito? - que os modernos fsicos qunticos e astro-fsicos, e encontrando sentido
nas afirmaes de Pribam e Bohm de que nossa conscincia um holograma de um
universo hologrfico. Vemos assim que, pelo salto qualitativo que tais concepes
implicam, encontramo-nos bem distantes da posio humanista mais clssica, pois esta,
apesar de toda nfase no awareness e na faixa consciente da experincia pessoal, est
bem aqum de aceitar a existncia da conscincia fora do contexto do organismo e seu
campo perceptivo e vivencial mais imediato. Da mesma forma, a viso holista dos
humanistas, aplicada conscincia (a conscincia mais ampla e transcende seus
elementos e contedos particulares) encontra-se aqum da viso hologrfica da Psicologia
Transpessoal, em que as conscincias particulares, potencialmente, so isomrficas e
podem ressoar em unssono - a incluindo - com a Conscincia Universal.
Assim, adotando a aceitao da existncia de uma vasta gama de domnios, ou
faixas, ou estados, da conscincia, uma proposta tipicamente transpessoal traar mapas
dessas regies do psiquismo, elaborando as chamadas cartografias da conscincia (vejase, por exemplo, as cartografias apresentadas por Assagioli, 1976; De Ropp, 1968;
Goleman, 1978; Grof, 1983; Lilly, 1973; Metzner, 1971; Nagelschmidt, 1987; Ring, 1978;
e Wilber, 1990). Nesses mapeamentos, alm das faixas reconhecidas e exploradas pelas
outras psicologias, invariavelmente apresentam, como de fundamental importncia em
seus modelos tericos, nveis onde no s se ultrapassam os limites da personalidade e
biografia pessoal, como tambm os da prpria condio humana, acessando domnios
trans-humanos da conscincia, e mesmo trans-naturais, na medida em que no se
restringem nem aos trs reinos conhecidos da natureza.
A conceituao do eu e da identidade e autonomia pessoais, assim como da prpria
estrutura e desenvolvimento da personalidade do indivduo, questes estas to centrais e
vitais nas teorias humanistas, costumam tambm receberter tratamento caracterstico na
Psicologia Transpessoal:
Um dos pressupostos mais bsicos da psicologia transpessoal a afirmao de que
h na pessoa mais do que a personalidade. A personalidade o sentido de identidade
separada, diferente e peculiar. A personalidade no passa de uma faceta do Eu - a
identidade total - e, talvez, de uma faceta no-central. A prpria palavra "transpessoal"
significa "que ultrapassa ou transcende a personalidade". (...) Essas idias se afastam da
concepo comumente aceita de que o sentido, a finalidade da vida, o desenvolvimento
da personalidade. (Fadiman, 1991, pp. 198-1990)
Nas teorias transpessoais so subvalorizados os aspectos histricos, biogrficos,
pessoais, e mesmo organsmicos da personalidade e do eu, ou talvez fosse melhor dizer
eus, j que vrios autores transpessoais rejeitam a idia de que os indivduos tenham um
eu nico, apontando para uma verdadeira multido intrapsquica de eus autnomos
(subpersonalidades na expresso de Assagioli, 1976; ou multimentes, na expresso de
Ornstein, 1986) com os quais, alternadamente, a conscincia se identifica. Paralelamente,
essas teorias fazem referncia a uma instncia unificadora transpessoal, o Eu, uma
espcie de Eu Superior ou Total, tambm designado como Self Espiritual ou Transpessoal
(Assagioli, 1976), ou Testemunha Transpessoal (Wilber, 1990), ou simplesmente Self (Si
Mesmo), com S maisculo, na conhecida concepo de Jung que, ao contrrio do que
muitas vezes entendido, no se refere apenas a um arqutipo psquico coletivo,
organizador das personalidades individuais, mas a um arqutipo psicide, isto , de
natureza no exclusivamente psquica ou material, mas transcendente e irredutvel a
essas dimenses, e tendo vigncia no s entre os homens mas no todo universal.
Reitera-se aqui a crena transpessoal na concepo segundo a qual somos basicamente
um com o cosmos, e no em situao de estranhamento com ele. (G. Murphy in Maslow,
1991, p. 143)
Mtodos e Tcnicas
A Psicologia Transpessoal, enquanto corrente, focaliza tpicos anteriormente
negligenciados pela moderna psicologia cientfica, sendo os mtodos e tcnicas de
trabalho e pesquisa utilizados pelas abordagens transpessoais caracteristicamente
marcados pela preocupao em enfocar, adequadamente acessar e, inclusive, provocar os
estados alterados e ampliados de conscincia, faixa da experincia humana em que
prioritariamente a Quarta Fora se desenvolve com finalidades de investigao e/ou
atuao teraputica e educacional. Para tanto, lanam mo do mais variado leque de
recursos, indo desde metodologias e tcnicas bastante conhecidas e tradicionais, at
inovaes criativas e sui generis, sendo os pesquisadores, terapeutas e educadores
transpessoais freqentemente eclticos e imaginativos em adaptar tcnicas e
procedimentos ao estudo e desenvolvimento das potencialidades e qualidades humanas
implicadas no campo privilegiado pela Quarta Fora: a dimenso espiritual, ou
transpessoal, do ser. Portanto, creio que o mais indicado para se classificar determinada
investigao ou determinada proposta de trabalho como pertencente Psicologia
Transpessoal, no tanto considerar os procedimentos utilizados quanto verificar se estes
se do dentro de uma perspectiva de reconhecimento e interesse em relao ao espectro
ampliado da conscincia. Sob esse prisma, vejamos, num retrato panormico, alguns dos
mtodos e tcnicas que os psiclogos transpessoais tm mais freqente e
caracteristicamente utilizado.
O uso de substncias psicodlicas, embora j h tempos em declnio nos meios
cientficos, marcou poca, tendo estado fortemente associado, como vimos, ao prprio
surgimento da Quarta Fora. Quase todos os grandes nomes da pesquisa e atuao em
onda do revival dos anos 60, os investigadores transpessoais partem para especulaes
futuristas sobre a utilizao, com fins de ampliao e explorao da conscincia, das
nascentes tecnologias computadorizadas de Realidade Virtual, j chamadas de o LSD do
Futuro pelo controverso psiclogo Thimothy Leary (En passant: aps um longo, e em
minha opinio imerecido, ostracismo, Leary est recentemente voltando a receber
considerao dos crculos humanistas e transpessoais mais oficiais, tendo sua teoria dos
Oito Circuitos Cerebrais obtido destaque na ltima edio da respeitada Revista de
Psicologia Humanista).
Estando dentro das proposies do Movimento Transpessoal realizar uma ponte
entre a moderna Cincia e a sabedoria das tradies espirituais, tem sido uma acentuada
tendncia buscar nestas no s uma das mais ricas fontes de material de estudo (as
experincias religiosas), mas tambm inesgotvel inspirao terica e metodolgica para
o trabalho com a conscincia expandida. Em sua busca de instrumentao, os psiclogos
transpessoais tm realizado investigaes que por vezes chegam s raias da arqueologia
antropolgica, estudando variadas formas de orao, meditao, yoga, exerccios
espirituais, ritualsticas, mitologias e simbologias tradicionais, prticas xamnicas e
caminhos iniciticos, com as quais enriquecem, na teoria e na prtica, seus procedimentos
de trabalho. Alis, o caminho de aproximao entre a Psicologia e a Tradio no
percorrido em mo nica, e modernos lderes espirituais, divulgadores de doutrinas
milenares em adaptaes dirigidas ao pblico ocidental, expressam-se em atualizada
linguagem psicolgica, chegando alguns a formular verdadeiras psicologias, no sentido
mais moderno do termo. Variadas formas desta aproximao podem ser exemplificadas
em parte da obra de espiritualistas como Gurdjieff e Ouspensky, Rudolf Steiner, Alice
Bayley, Daisetz Suzuki, Krishnamurti, Rajeeneesh (ou Osho), e muitos outros. Um caso
curioso o do Psiclogo Richard Alpert, que atualmente o Iogue Ram Dass, ficando
difcil decidir (como se isto fosse importante!) se est indo ou vindo no caminho que liga
a Tradio Psicologia Transpessoal. No , enfim, realmente possvel, neste espao,
traar um esboo, por resumido que seja, das diversas verses, nuances e caminhos que
esta tendncia toma nas influncias recebidas pelas diversas abordagens, sobretudo de
psicoterapia, das psicologias transpessoais.
Mesmo mtodos e tcnicas tradicionalmente associados s anteriores Foras da
Psicologia encontram larga utilizao nos meios transpessoais, a partir de redefinies
ampliadoras dos conceitos tericos em que se fundamentam. Do Behaviorismo, destacase o uso que tem sido feito dos conceitos e tcnicas de modelagem e
descondicionamento. Da Psicanlise, enquanto do arcabouo conceitual so retiradas
inesperadas resignificaes de conceitos como identificao, projeo e resistncia, no
campo metodolgico tem sido adaptadas tcnicas regressivas, a includo (mas no
restrito) todo um renovado interesse e desenvolvimento em hipnose clnica. Ainda a
(p. 145)
mtodos mnticos, como o I Ching e o Tar. O compromisso com uma viso holstica de
Cincia e ser humano, compreendendo este como pluridimensionalmente integrado e
aquela como transdisciplinarmente inclusiva, tem levado muitos profissionais identificados
com a perspectiva transpessoal a se utilizarem das chamadas terapias alternativas ou
holsticas, que incluem desde o uso dos mtodos e tcnicas de milenares e tradicionais
medicinas orientais, at o uso de recentes e pouco experimentadas criaes da medicina
natural ou da homeopatia. Ao falar aqui de algumas dessas tendncias especialmente
polmicas, desejo frisar minha posio de ser contrrio excluso apriorstica e
preconceituosa de qualquer abordagem nova, especialmente porque considero que a
abertura ao novo a principal alavanca do progresso cientfico. Se abusos existem, e
certamente os h naquelas adeses modsticas ou comercialmente motivadas, o
ceticismo e a sobriedade do rigor cientfico, corolrio da abertura ao inusitado, e no o
preconceito, que devem ser utilizados para combat-los.
Enfim, no tpico de mtodos e tcnicas, verifica-se que, se por um lado a Psicologia
Transpessoal no se identifica e caracteriza consistentemente em determinados e
especficos procedimentos de trabalho e pesquisa, por outro, seu arsenal nesse campo
talvez mais amplo e diversificado que o de qualquer escola ou corrente anterior, mesmo
porque costuma adotar inclusivamente o que por estas foi desenvolvido.
RESUMO
O artigo apresenta, numa viso panormica e sinttica, as principais tendncias
caractersticas dos dois movimentos ou correntes da Psicologia contempornea que
prioritariamente enfocam o estudo e o desenvolvimento das potencialidades humanas: a
corrente humanista e a corrente transpessoal. Intituladas por seus articuladores como a
Psicologia Humanista e a Psicologia Transpessoal, tais correntes so apresentadas,
respectivamente, como a Terceira e a Quarta Foras da Psicologia, e propostas em
contraposio s duas principais correntes que predominavam at a dcada de 50, no
caso, o Behaviorismo e a Psicanlise.
Sem se ater a distinguir ou discriminar as posies e contribuies mais
particulares, ou as diferenas, entre os principais autores e escolas que aderem s
correntes examinadas, a caracterizao aqui proposta enfoca as tendncias, elementos e
pontos de vista mais gerais, consensuais e tpicos que configuram a Psicologia Humanista
e a Psicologia Transpessoal enquanto movimentos, ou correntes, congregadores de
investigadores, tericos e praticantes da moderna cincia psicolgica. Com este objetivo,
aps uma breve apresentao dos aspectos histricos e contextuais a que o nascimento
de cada um dos movimentos esteve associado, a Psicologia Humanista e a Psicologia
Transpessoal so examinadas e descritas em termos de suas posies e propostas
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
Alm
do
Ego:
Dimenses
Transpessoais
em
Psicologia.
So
Paulo:
Cultrix/Pensamento, p. 185-196.
Fadiman, J. & Frager, R. (1979). Teorias da Personalidade. So Paulo: Harper &
Row.
Frick, W. B. (1975). A Psicologia Humanista: Entrevistas com Maslow, Murphy e
Rogers. Rio de Janeiro: Zahar.
Goleman, D. (1978). Perspectivas em Psicologia, na Realidade e no Estudo da
Conscincia. Em Weil, P. (Org.) Cartografia da Conscincia Humana. Petrpolis: Vozes,
p.83-100.
Greening, T. C. (Org.) (1975). Psicologia Humanista Existencial. Rio de Janeiro:
Zahar.
Grof, S. (1983). Royaumes de l'Incoscient Humain. Monaco: Du Rocher.
_____(1984). Psychologie Transpersonnelle. Monaco: Du Rocher.