Texto Senhor Kolpert PDF
Texto Senhor Kolpert PDF
Texto Senhor Kolpert PDF
(TEXTO TEATRAL)
*verso em PDF estar disponvel na Coordenao de Artes Cnicas
David Gieselmann
SENHOR KOLPERT
Personagens
Edith Mole
Bastian Mole, marido de Edith
Sarah Dreher
Ralf Droht, namorado de Sarah
Entregador de Pizza
(O ltimo tem vinte e poucos, ambos os casais tm vinte e tantos anos.)
Cenrio
Sala de estar do apartamento de Sarah e Ralf: estilo clean, novo rico.
Mveis, porta de entrada, portas para a cozinha e para o banheiro. O banheiro disposto de forma
que, quando de porta aberta, d a ver o interior.
Uma janela, um armrio embutido. Um grande ba disposto no centro da sala.
and you may find yourself in a beautiful house
with a beautiful wife
and you may ask yourself: Well ... how did I get here?
Talking Heads
RALF. A gente d um jeito de encher a barriga deles. Inventa alguma desculpa, diz que eu tive um
acidente voltando do ... do campo de golf.
SARAH. Golf? Voc?
RALF. Pede pizza, alguma coisa assim.
SARAH. Tomara que no cheguem j agora.
RALF. A gente est recebendo sua colega de trabalho e o marido estranho dela, e no por
cortesia, por diverso.
SARAH. Tem razo. Alis a metralhadora ia ser um despropsito numa situao assim. ... A gente
no pode dar logo na cara.
RALF. Que estamos desarmados?
(Ambos riem.)
SARAH. Que eles vo ser nossa diverso, claro.
RALF. Muito pelo contrrio, meu bem, a questo toda essa.
SARAH. Tem razo.
RALF. O que a gente precisa dar na cara, logo que eles atravessarem a porta, que ns temos
alguns esqueletos no armrio.
SARAH. Ento vou trancar o ba.
RALF. Para que?
SARAH. Por isso, n?
RALF. Fique vontade.
SARAH. Est sem a chave.
RALF. Deve estar por a em algum lugar.
SARAH. (procurando) Qualquer coisa, depois eu posso trocar de roupa outra vez.
RALF. O vestido est lindo.
RALF. No muito. S o que d para saber como um leigo que se interessa por arquitetura. Alm
disso tem o que Sarah me conta que sua esposa conta para ela. Edith.
BASTIAN. A propsito, eu gostaria de me desculpar pelo uso da expresso encher a cara. s
vezes eu sou meio estourado.
RALF. (com um aceno de cabea) Ora...
(Silncio.)
EDITH. O que era mesmo aquela histria de cadver?
RALF. Pois ento.
SARAH. Nenhum de ns dois sabe cozinhar.
RALF. A gente no cozinha.
SARAH. Se vocs estiverem com fome, tem um chins que entrega a partir de quarenta marcos,
juntando tudo a gente chega a fcil, e tem vinho branco seco, s que vocs no bebem, coca-cola
talvez, tudo bem simples, mas do molho agridoce a gente gosta bastante, bom mesmo e no
tudo de plstico, os pratos so de isopor, eu acho; Pizza, vrias opes, s que no San Remo da
rua Sorge os pratos de massa no so to bons. Tem aquela pizzaria americana, que tambm faz
hamburger e batata frita encharcada de leo e que demora um pouco para entregar. L j
praticamente outro bairro, mas para a gente eles fazem uma exceo porque somos fregueses
super fiis, a gente j pedia l quando morava na mesma esquina deles, querem que eu pegue o
cardpio l na cozinha? Ralf sempre pede a 42, italiana, com atum extra, o que no mata engorda.
BASTIAN. Meu bem?
EDITH. T. Pizza. ... Quatro estaes.
BASTIAN. ... Bolonhesa, com ovo.
RALF. (j com o telefone na mo) E voc, meu bem?
SARAH. 26, sem pprica.
RALF. E o nmero?
SARAH. 26.
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RALF. Obrigado.
SARAH. Sarah!
BASTIAN. T.
SARAH. Mas cad essa pizza?
RALF. ... no nenhuma bobagem. Porque se de fato no foi o diabo do cachorro da vizinha,
como mesmo o nome dela? que produziu este rudo que lembra
vagamentea batidas, pode ter sido de fato o senhor Kolpert. O que quer dizer que ele ainda est
vivo.
BASTIAN. Estou comeando a me perguntar o que est por trs dessa histria toda com o senhor
Kolpert.
SARAH. Uma brincadeira!
EDITH. Meu bem, no seja bobo.
RALF. Bastian, uma pergunta... Bastian?
BASTIAN. Bastian.
RALF. Ralf. Voc tem um escritrio?
BASTIAN. Por que a pergunta?
RALF. Ou trabalha em casa?
BASTIAN. Os dois. Quer saber por que?
RALF. S estou me perguntando: de manh, quando vocs saem para o trabalho, vocs levam
uma metralhadora.
EDITH. Uma metralhadora?
BASTIAN. Est querendo tirar sarro da nossa cara?
RALF. por causa desse filme que tem um cara que fica maluco e comea a andar por a de
metralhadora.
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SARAH. A gente estava se perguntando: onde foi que ele arranjou uma?
BASTIAN. O que?
SARAH. Metralhadora.
BASTIAN. E como que eu vou saber? Eu nem conheo o filme.
EDITH. s vezes, no trabalho, bem que eu queria ter uma metralhadora.
RALF. Sarah disse a mesma coisa.
BASTIAN. Com certeza para metralhar o senhor Kolpert! (Ele ri artificialmente.)
EDITH. Isso, meu bem! Entendeu, finalmente.
BASTIAN. Entendi faz tempo.
(Silncio.)
SARAH. De fato, eu queria saber onde est essa pizza.
EDITH. Com relao pesquisa do caos...
RALF. Sim.
EDITH. Pingar leite em uma xcara um evento que no tem nada de catico.
RALF. E como tem!
(Outra vez, batidas no ba.)
RALF. Mas o que isso afinal?
BASTIAN. Calado!
RALF. Estou calado.
BASTIAN. Silncio!
RALF. voc que est gritando.
BASTIAN. Fecha o bico!
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(Bastian, Sarah e Edith voltam-se ao entregador, porta, enquanto Ralf, sem ser percebido pelos
trs, esgueira-se at o ba e verifica se est trancada. Ele gira a chave e a esse ponto deve
resultar incerto se ela est sendo trancada ou destrancada. Ele esconde a chave.)
ENTREGADOR. Vamos l: duas havaianas famlia, uma vegetariana normal, um calzone normal e
quatro tiramisus. O que d...
SARAH. Tudo errado.
EDITH. De certo, s o tiramisu.
ENTREGADOR. Tudo errado como?
SARAH. Nada do que voc disse a foi o que a gente pediu.
BASTIAN. Vocs tambm no disseram nada do tamanho.
SARAH. Pequena, normal...
ENTREGADOR. ... famlia. Vocs pediram o que, ento?
SARAH. Era...
EDITH. Quatro-estaes famlia, sem ovo, sem pprica, sem alho...
SARAH. ... Bolonhesa famlia, com ovo e alho e sem pprica...
EDITH. 42 grande, com atum extra.
SARAH. E a 26 tambm, sem ovo, sem alho, ... sem ovo...
EDITH. ... e atum.
SARAH. Famlia, sem pprica.
ENTREGADOR. Anham. Alguma coisa coisa deve ter dado errado.
BASTIAN. bvio.
ENTREGADOR. Mas quatro tiramisus est certo?
SARAH. ...
EDITH. Isso, famlia.
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SARAH. Senhora Kolpert? ... No, seu marido no est mais. ... No, no disse nada de para onde
estava indo. ... Que ele foi embora j faz coisa de umas duas horas, . ... Sinto muito, mas no tem
nada que a gente possa fazer pela senhora... No, nem pense nesse tipo de coisa. ... Sim, se ele
aparecer por favor d uma ligadinha, para a gente ficar mais tranqilo. ... At mais, senhora
Kolpert.
(Sarah vai desligar, Bastian toma o telefone da mo dela.)
BASTIAN. (gritando ao telefone) Senhora Kolpert? Senhora Kolpert? ... Desligou.
(Bastian desliga, o telefone toca, Bastian atende.)
BASTIAN. Senhora Kolpert? A senhora est sentada? (Ele passa o telefone para o entregador.)
Para voc.
(Nesse exato instante, Bastian se lana em direo ao ba, Ralf o detm, d-se uma briga.)
EDITH. Ralf, meu bem, se acalme! Vai tudo se esclarecer!
ENTREGADOR. Luigi? Espera a.
EDITH. Essa histria do senhor Kolpert, isso s uma brincadeira. Uma brincadeira. Voc no
entendeu isso, ainda? Ele no est no ba.
(Agora Edith que vai em direo ao ba, com inteno de abri-lo, mas no ltimo instante Sarah a
detm. D-se uma segunda briga. Bastian consegue se desvencilhar de Ralf e vai abrir o ba, mas
est trancado. No que os olhares todos se voltam para o ba, d-se em meio grande briga uma
trgua geral, da qual o entregador se aproveita para esclarecer a questo dos pedidos.)
ENTREGADOR. Sim, Luigi, alguma coisa deu errado com o pedido daqui... D uma olhadinha no
computador e v quem foi mesmo que pediu duas havaianas famlia, uma vegetariana famlia, um
calzone e quatro tiramisus. Isso.
EDITH. Seria uma enorme coincidncia os clientes que pediram essas pizzas tambm terem
pedido quatro tiramisus famlia.
ENTREGADOR. D para calar a boca a?
BASTIAN. (segurando o entregador pelo colarinho) Quem lhe deu essa liberdade?
ENTREGADOR. Socorro!
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EDITH. E a?
(Nesse meio tempo, Bastian encontrou alguns apetrechos, com os quais ele agora tenta abrir o
ba.)
BASTIAN. Eu j estou chegando, senhor Kolpert!
RALF. Ele no est a.
EDITH. (como se fosse novidade a alegao de que o Senhor Kolpert no esto ba) Ouviu,
Bastian? Ele no est no ba coisa nenhuma!
SARAH. Escuta aqui, Bastian: a chave est no bolso da cala do Ralf. Fique vontade para
examinaro ba, o senhor Kolpert no est a dentro. Esse negcio de ba foi uma brincadeira.
BASTIAN. Brincadeira? Brincadeira vocs tentarem fazer passar por brincadeira todo mundo ter
ouvido o senhor Kolpert batendo.
SARAH. Ento pegue logo a chave. Onde que est?
BASTIAN. Esse negcio de chave truque de vocs. No, senhora! Eu sei o que estou fazendo!
Vou arrombar o ba agora.
RALF. Bastian?
BASTIAN. Que foi?
RALF. verdade que voc tem tido dificuldade em fechar contratos?
BASTIAN. Est querendo chegar onde?
RALF. A gente pode ficar do seu lado. Quer dizer: caso voc e sua mulher estejam passando por
dificuldades financeiras, a gente pode muito bem ajudar.
BASTIAN. Aha! Suborno!
RALF. No! No h nenhum motivo para suborno. O senhor Kolpert no estno ba.
BASTIAN. Ento por que voc est me oferecendo dinheiro?
RALF. Coisa entre amigos.
BASTIAN. No fao amizade com assassino.
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BASTIAN. Por isso que a gente no tem mais nada na cama desde que voc comeou a
trabalhar no depsito da Kobel.
(Bastian derruba Edith, ouvem-se batidas da porta.)
BASTIAN. Pode bater o quanto quiser, seu nojento filho da puta!
(Batidas na porta.)
BASTIAN. (cnico, para o ba) E a? Est muito apertado a dentro, senhor Kolpert?
(Batidas na porta.)
BASTIAN. (grita) Vou deixar voc morrer de fome a dentro, seu puto escroto, pode bater
vontade!
ENTREGADOR. (de fora) Pizza!
BASTIAN. (chutando o ba) O que o amador do senhor Droht no conseguiu fazer, que lhe dar
um fim, quem vai completar sou eu e vou acabar com voc seu filho de uma puta!
ENTREGADOR. (esmurrando a porta) Oi! Senhor Droht! A pizza!
RALF. Voc pode por favor abrir a porta, Bastian?
BASTIAN. Pra que?
RALF. A pizza.
(Pancadas na porta.)
BASTIAN. Ah, sim.
(Bastian abre a porta, o entregador espia dentro do apartamento: Edith est no cho, grogue e
ensanguentada, Sarah e Ralf esto presos a cadeiras.)
ENTREGADOR. Tudo em ordem, por aqui?
BASTIAN. Eu que pergunto! Qual foi a pizza que voc trouxe?
ENTREGADOR. Com a pizza est tudo em ordem.
RALF. Alm do mais, eu sou pesquisador do caos.
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BASTIAN. , at mais ver. A gente com certeza vai pedir outras vezes com vocs!
(O entregador sai do apartamento.)
RALF. Bateu agora uma fome!
(Os quatro se ocupam agora de abrir as embalagens das pizzas e a trocar entre si at que cada
um fique com a sua. Sarah traz os talheres e tambm uma faca grande, para cortar as pizzas. Ralf
oferece vinho, que tambm ficou como cortesia do entregador de pizzas. Inclusive Edith e Bastian
aceitam o vinho, com muito gosto. Os quatro comem. Pausa.)
RALF. Que tipo de prdio voc constri mesmo?
EDITH. Bastian acaba de construir um museu.
BASTIAN. Meu bem, na verdade foi um prdio antigo reformado como museu. Um grande desafio,
nesses tempos em que a arquitetura de museus nas grandes cidades se emancipa das contrues
utilitrias em direo obra de arte auto-encenada. Seja como for: imaginem por favor um galpo
velho, decadente, com as paredes tortas e o reboco caindo aos pedaos.
(Silncio.)
RALF. E?
BASTIAN. J conseguiu?
RALF. O que?
BASTIAN. Imaginar.
SARAH. J.
EDITH. Bastian uma pessoa de pensamento muito espacial, no verdade, meu bem?
BASTIAN. No me interrompa, por favor. (para Edith e Sarah.) J imaginaram o galpo?
EDITH. (ela fecha os olhos) ... J.
BASTIAN. Ralf?
RALF. Agora vou precisar fechar os olhos por causa do galpo?
EDITH. Funciona maravilhosamente.
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RALF. Por mim, tanto faz. (Ele fecha os olhos.) Est me parecendo meio ridculo.
BASTIAN ( beira de um outro ataque de ira) Se voc no se interessa pela minha profisso...
RALF. Pelo amor de Deus, Bastian! Me interesso. Me interesso, sim. Vamos l. Estou aqui com
meu galpo, que lindo o galpo, pronto, pode continuar, j estou vendo o galpo.
BASTIAN. Com paredes tortas?
EDITH. Um hum.
RALF. .
BASTIAN. Reboco caindo aos pedaos?
RALF. Prontinho.
EDITH. Espera um pouco.
(Silncio.)
EDITH. Ok.
BASTIAN. Buracos no assoalho e no telhado.
(Ralf se lana ao cho.)
SARAH. Que isso?
RALF. Foi um morcego.
BASTIAN. (segurando Ralf pelo colarinho) Se est querendo me tirar de palhao...
EDITH. Bastian!
BASTIAN. ... pode ter certeza que vai sobrar para voc.
RALF. Mas pelo amor de Deus, no, eu no estou querendo tirar voc de palhao, foi s uma
brincadeira. Brincadeira.
BASTIAN. Meu medo que ns dois no temos o mesmo senso de humor.
(Bastian larga Ralf. Ralf volta a se levantar.)
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BASTIAN. Vocs pegaram a gente de jeito com essa histria de senhor Kolpert.
(Silncio constrangedor de todos.)
SARAH. Museu do relgio.
(Sorriso brando, silncio.)
SARAH. O sorriso da Mona Lisa.
EDITH. Momentum de fluxo.
(Sorriso brando, silncio.)
EDITH. Uma 96 com pouco 7.
SARAH. Impressionante isso de fazer o pedido pelo nmero.
EDITH. Isso tudo serve para que?
(Todos agitam a cabea exageradamente, em sinal de incompreenso.)
SARAH. Material original de construo.
EDITH. ngulo do fluxo.
BASTIAN. Por que afinal vocs iam querer matar ele?
RALF. Quem?
BASTIAN / EDITH / SARAH. Senhor Kolpert.
RALF. Verdade. A gente no tem nenhum motivo real.
EDITH. Eu no consigo mais nem ouvir o nome.
RALF. Que nome?
BASTIAN / EDITH / SARAH. Senhor Kolpert.
SARAH. Esse nome.
(Os quatro murmuram consigo o nome Senhor Kolpert.)
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RALF. Ah...
EDITH. (grita) J chega desse nome!
BASTIAN. Que foi?
EDITH ( beira de um ataque de nervos) Se no pararem de uma vez por todas com esse negcio
de senhor Kolpert, se falarem outra vez esse nome ou fizerem qualquer suposio de que ele foi
assassinado e est no ba ou no armrio ou onde quer que seja, no sei no, vai acontecer uma
desgraa aqui! Eu vou... eu vou... eu vou jogar alguma coisa pela janela!
BASTIAN. Se acalme um pouco, meu bem.
EDITH. No me acalmo coisa nenhuma.
SARAH. Vamos jogar?
RALF. Ou vocs ainda esto com fome?
BASTIAN. Jogar o que? A gente por acaso criana?
EDITH. J estou satisfeita.
RALF. s vezes ainda se pode ter o sentimento de sermos crianas.
SARAH. Vamos brincar de advinhar a personagem?
EDITH. Excelente idia, assim todo mundo espairece.
BASTIAN. No sei, no.
RALF. Participe, Bastian! Pelo bem de nossas mulheres.
SARAH. Pelo nosso bem coisa nenhuma, isso seria inaceitvel.
BASTIAN. Como que funciona?
SARAH. Cada cola na testa um bilhete com um nome.
BASTIAN. Ok.
SARAH. A cada um precisa advinhar quem a pessoa que est com o nome na nossa testa.
EDITH. Vamos comear. Pega l o papel.
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(Sara traz um bloco de post-it e um lpis. Edith escreve em uma folha e cola na testa de Sarah.
Depois passa adiante o bloco e o lpis. Sarah escreve o nome para Ralf, Ralf para Bastian e
Bastian para Edith. Agora cada um tem um pedao de papel com um nome colado na testa. Sara
Bill Clinton, Ralf Pateta, Bastian Marylin Monroe e Edith Senhor Kolpert.)
BASTIAN. Estou parecendo um imbecil.
SARAH. A gente fica mesmo parecendo um imbecil, mas a vantagem que todo mundo participa.
BASTIAN. Vou comear. Eu sou uma pessoa real?
SARAH. Sim.
BASTIAN. Sou homem?
SARAH. No.
RALF. Sou real?
EDITH. No.
RALF. Merda.
EDITH. Sou real?
RALF. Sim.
EDITH. Sou homem?
RALF. Sim.
EDITH. Perteno, em sentido amplo, ao ramo do entretenimento?
RALF E SARAH. Sim.
BASTIAN. Que merda essa? claro que no.
RALF. Ela fez questo de frisar: em sentido amplo.
EDITH. Posso ser mais especfica na pergunta?
BASTIAN. bom.
EDITH. Ganho a vida no ramo do entretenimento.
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RALF. No.
SARAH. Estou vivo?
EDITH. Sim.
SARAH. Sou famoso?
EDITH. Sim.
SARAH. Sou homem?
EDITH. Sim.
SARAH. Sou mundialmente famoso?
EDITH. Com certeza.
BASTIAN. Brincadeira mais idiota.
EDITH. Quer participar, por favor?
BASTIAN. Estou participando.
SARAH. Estaria correta em supor que no sou alemo?
BASTIAN. Como que ela sabe?
EDITH. Sim.
BASTIAN. Isso a trapaa na certa. Qualquer pessoa perguntaria: Sou alemo?
SARAH. Pensei comigo, eu no devo ser alemo, j que sou mundialmente famoso.
BASTIAN. O que uma coisa tem a ver com a outra?
SARAH. Internacionalmente h mais pessoas famosas que na Alemanha.
EDITH. Meu bem, por que ela iria trapacear?
BASTIAN. Para ganhar, claro.
EDITH. No se trata aqui, em primeira instncia, de ganhar. Se trata sim de que o jogo seja
divertido.
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EDITH. Me diz uma coisa, vocs so retardados? Como que nessa sala algum pode no estar,
em sentido amplo?
BASTIAN. Voc no est aqui, ok?
EDITH. Vou reformular a pergunta: Estaria correta em supor que no sou nem Ralf, nem Bastian,
nem Sarah, nem eu mesma?
RALF. Sim.
EDITH. Eu gosto de mim?
BASTIAN. No. Perteno em sentido amplo ao ramo do entretenimento?
EDITH. Sim.
BASTIAN. Sou pintora?
EDITH. No.
BASTIAN. Jogo de merda.
RALF. Sou o Pateta?
SARAH. Sim, muito bem!
RALF. (retirando o bilhete da testa) Segundo Bastian, eu sou o vencedor moral!
EDITH. Ainda estou vivo?
RALF. No.
BASTIAN. Est sim.
EDITH. Qual dos dois vai ser?
BASTIAN. Voc ainda est vivo.
RALF. Depende do ponto de vista.
BASTIAN. Meu bem, acredite: voc est vivo.
EDITH. Assim, como que eu vou poder adivinhar?
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BASTIAN. s continuar perguntando. Voc est vivo, ento ainda sua vez.
RALF. Ela est morta.
BASTIAN. Nem escute.
EDITH. (sob risco de exploso iminente) Sou um colega de trabalho meu e de Sarah?
SARAH. Sim.
EDITH. (trmula) Estaria correta em supor que meu nome foi o mais mencionado essa noite?
SARAH. Sim.
EDITH. (completamente enrubescida) Levantou-se hoje, a meu respeito, a suspeita de estar morto
nesse ba?
SARAH. Sim.
EDITH. (arrancando, com fria desmedida, o bilhete em sua testa) Eu sou o senhor Kolpert?
SARAH. No.
EDITH. (aos berros) Agora de uma vez por todas: chega dessa porra de senhor Kolpert!
BASTIAN. Mas o que foi que deu em voc?
EDITH. O que deu em mim? O que foi que deu em mim? E isso quem pergunta meu marido
animal, que hoje amarrou os anfitries da casa e esbofeteou a prpria mulher, e vem perguntar o
que foi que deu em mim? Esto querendo o que afinal com essa histria de senhor Kolpert? A
gente acabou em um manicmio, mas ainda assim meu marido vem me perguntar o que foi que
deu em mim. A propsito, eu no trepei com o senhor Kolpert nem no elevador nem em lugar
nenhum e se voc conhecesse o senhor Kolpert ia saber do absurdo que sequer imaginar que
ele fosse me enrabar eu ou qualquer outra mulher no elevador. Aquele miservel sem graa
quando muito vai para a cama com o clculo do lucro dos participantes do clube do melhor preo e
se masturba pensando em mim ou na senhora Struwe, porque ela deu uma dica de clculo a ele.
Alis eu estou com enxaqueca nesse exato momento. Sabem do que mais? Se o senhor Kolper
entrasse aqui agora eu ia gostar muito de acabar com a raa dele, com a raa daquele Kolpert de
merda. Primeiro eu ia mandar uma no saco dele. Depois dava-lhe um pescoo com toda fora. A
esquentava um ferro e passava na barriga dele. E pegava a pistola de choque da senhora Kratter
do escritrio 45 e dava choque no cotovelo dele. A eu esquentava quinze litros de azeite e
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EDITH. Caso vocs intentem nos manter presos aqui, o que eu suponho que seja o caso, ento eu
recomendaria que a gente tirasse de vez do caminho esse monte de bosta que um dia foi o senhor
Kolpert.
SARAH. Boa idia.
(Edith e Sarah erguem o senhor Kolpert.)
EDITH. Algum dos trs cavalheiros se oferece?
BASTIAN. Edith, eu me recuso.
(O entregador vai ajudar Edith e Sarah, mas vomita em cima do senhor Kolpert.)
EDITH. Pelo amor de Deus!
SARAH. Deixa que a gente faz isso s, Edith, afinal a gente colega.
(As duas deixam o senhor Kolpert cair novamente, Sarah abre o ba, Edith nesse meio tempo tira
a carteira de dinheiro do bolso da cala do senhor Kolpert e a entrega, sem comentrios, ao
entregador de pizza, indicando com um aceno que ele pode pegar o valor referente s pizzas. O
entregador hesita, Sarah e Edith pegam o senhor Kolpert e o jogam dentro do ba.)
EDITH. Pronto. Agora eu tenho certeza que ele est a dentro.
SARAH. E agora?
EDITH. Eu acho que quem vai ter que responder essa pergunta so vocs.
ENTREGADOR. Dessa eu estou fora.
(Enquanto isso, o entregador conta o dinheiro do senhor Kolpert.)
BASTIAN. No sei se a pergunta tambm no se aplica a minha mulher. Afinal de que lado voc
est?
RALF. Sua mulher est do lado do bom senso.
BASTIAN. Bom senso?
RALF. Senhor Kolpert est morto, ou quase. A gente matou ele. Se vocs todos ficarem contra a
gente, agora, isso no vai trazer ele de volta.
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BASTIAN. Mas que raa de argumento essa? Edith! Eu espero que voc, aqui e agora, tome
distncia desse assassinato.
ENTREGADOR. Por acaso sobrou pizza?
EDITH. Eu no vou me distanciar coisa nenhuma. Distanciar do que? Voc acha que quem,
Bastian? Delegado de polcia? O senhor Kolpert est morto, e a gente sabe porque ele est morto,
e a propsito ele era um saco.
BASTIAN. Isso no motivo para mat-lo.
RALF. Eu tambm vou mijar.
(Sai Ralf, para o banheiro.)
EDITH. E eu acho que a parte mais chata dessa noite foi quando eu e o Bastian estvamos
pensando que essa histria toda de assassinato do senhor Kolpert era brincadeira. A morte do
senhor Kolpert pelo menos garantiu a esse pobre funcionrio uma noite de estrela.
BASTIAN. Mas isso muita falta de compaixo.
EDITH. Quem disse?
BASTIAN. Eu disse.
EDITH. Compaixo. Eu no fao a menor idia do que seja isso.
BASTIAN. Respeito por um morto pelo senhor Kolpert, por exemplo.
EDITH. Eu no tinha respeito por ele nem enquanto era vivo.
BASTIAN. Eu estou horrorizado.
EDITH. Horrorizado. Voc est horrorizado. Isso s uma fico alheia.
BASTIAN. O que?
EDITH. Compaixo. Respeito pelos mortos. Voc no tem respeito nenhum pelo senhor Kolpert,
voc nem conhecia ele.
BASTIAN. No sei nem o que dizer.
EDITH. Pode me esbofetear de novo, ento.
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BASTIAN. Eu peo desculpas por aquilo. Caso voc se distancie desse assassinato.
EDITH. Coisa nenhuma! Eu no tenho compaixo!
(Ralf sai do banheiro e bate as ltimas gotas de urina do pnis. Edith faz xixi no ba em que est o
senhor Kolpert. Bastian corre pelo apartamento, revoltado.)
BASTIAN. Socorro! Socorro! Socorro!
(Bastian abre uma janela violentamente.)
BASTIAN. (gritando atravs da janela) Socorro! Esto mijando em um cadver! Aqui! Polcia!
(Edith, Sarah e Ralf arrancam Bastian da janela e o enfiam junto com o senhor Kolpert no ba,
trancando-o. Bastian grita, amargurado.)
EDITH. Eu me sinto libertada.
(Aps um longo silncio, s interrompido pelo choro de Bastian.)
RALF. preciso fazer alguma coisa. A situao estagnou.
SARAH. Mas o que?
ENTREGADOR. (que nesse meio tempo enfiou no bolso o dinheiro do senhor Kolpert.) Eu gostaria
de ir embora.
EDITH. No d.
RALF. No.
ENTREGADOR. Por que no?
SARAH. Voc est dentro.
ENTREGADOR. No estou dentro coisa nenhuma.
RALF. Cala a boca.
ENTREGADOR. Vocs so amadores da pior classe.
EDITH. Isso ns no somos mesmo.
SARAH. Que histria essa de ns? Quem matou foi o Ralf e eu.
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pizza. A tampa levanta algumas vezes, mas Edith, Sarah e Ralf sucedem, a trs, em sentar sobre o
ba e tranc-lo de vez. Os trs param para tomar ar.)
EDITH. Posso tomar uma chuveirada?
SARAH. Pode.
EDITH. E vestir uma roupa sua?
SARAH. Boa idia.
EDITH. Obrigada.
(Edith sai para o quarto. Sarah e Ralf ainda esto sentados sobre o ba.)
RALF. A gente comeou uma coisa e tanto.
SARAH. O mais instigante que eu me sinto muito lcida. Nenhuma confuso.
RALF. S passei um pouco mal quando ela deu um fim nele.
SARAH. Sim, claro, mas a gente esperava demais disso tudo.
RALF. Disso tudo o que?
SARAH. Disso, de matar algum mas uma coisa muito normal.
RALF. Talveza seja a nica coisa que se pode alcanar.
SARAH. Como assim?
RALF. Embora tudo parea normal, a gente sabe que tem alguma coisa de anormal dentro do
normal. Como na xcara de caf.
SARAH. Ou ento a gente se enganou e matar algum completamente normal.
RALF. Acho que no.
SARAH. No sei.
RALF. E agora a gente faz o que?
SARAH. Tambm no sei.
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RALF. Primeiro a gente precisa perguntar a Edith o que vai ser do Bastian. No d pra deixar ele a
pra sempre.
SARAH. Verdade. E eu preciso sair um pouco do apartamento.
RALF. Ou ento a gente simplesmente vai embora.
SARAH. E deixa ela a sozinha com os trs?
RALF. Por que no? Kolper est morto. Isso problema nosso. O entregador de pizza est morto,
Bastian est vivo. Os dois so problema da Edith.
SARAH. Isso no bem assim. Ela nunca teria esfaqueado o entregador de pizza se a gente no
tivesse feito o mesmo com o senhor Kolpert. E a o Bastian tambm no ia estar nesse
apartamento, em um ba com dois cadveres. Alm do mais Edith foi solidria com a gente, ento
no ia ser justo simplesmente dar o fora.
RALF. Tem razo.
SARAH. A gente devia resolver o caso do Bastian, que um problema de todos, e sair para
passear.
RALF. T. E como que voc quer resolver o problema do Bastian?
(Sarah e Ralf se entreolham, sorriem e aquiescem. Ralf pega a faca.)
RALF. Pronta?
SARAH. Pronta.
(Sarah abre o ba, Ralf esfaqueia Bastian, Sarah tambm d algumas facadas. Eles fecham o
ba.)
RALF. Pronto.
SARAH. Pronto.
(Ambos se sentam sobre o ba, entra Edith, coberta apenas com uma grande toalha.)
EDITH. E o Bastian?
RALF. A gente acabou de esfaquear ele.
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EDITH. J?
SARAH. Tudo em ordem?
EDITH. Em ordem? Era o que tinha de ser feito.
SARAH. . Como voc est se sentindo?
EDITH. Normal. Surpreendentemente, absolutamente normal.
RALF. A gente tambm est se sentindo normal.
EDITH. Tem cerveja?
SARAH. Acho que tem.
RALF. Uma cerveja agora seria perfeito.
SARAH. Tambm acho.
(Sarah sai e volta com trs latas de cerveja.)
RALF. Sade.
EDITH. Sade.
RALF. Sade.
SARAH. Sade.
EDITH. Sade.
SARAH. Sade.
(Os trs bebem cerveja. Ralf tira a roupa.)
SARAH. Est fazendo o que?
RALF. Tirando a roupa.
SARAH. Estou vendo. Mas por que?
RALF. Nem eu sei. Eu sinto uma certa necessidade de ficar nu.
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