Leitura Jane Naujorks
Leitura Jane Naujorks
Leitura Jane Naujorks
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS
REA: ESTUDOS DA LINGUAGEM
ESPECIALIDADE: TEORIAS DO TEXTO E DO DISCURSO
LINHA DE PESQUISA: ANLISES TEXTUAIS E DISCURSIVAS
LEITURA E ENUNCIAO:
princpios para uma anlise do sentido na linguagem
Porto Alegre
2011
LEITURA E ENUNCIAO:
princpios para uma anlise do sentido na linguagem
Jane da Costa Naujorks
Orientador: Prof. Dr. Valdir do Nascimento Flores
Porto Alegre
2011
AGRADECIMENTOS
Ao Valdir, amigo, colega e orientador, por ter acreditado que poderamos, um dia,
desenvolver um trabalho em conjunto; no tenho palavras para agradecer a oportunidade
oferecida, a orientao e, principalmente, o convvio como colega e como orientador. Com ele
tive a oportunidade de realizar uma nova leitura sobre o conhecimento.
Ao Moacir, que tanto amo, agradeo pela extensa pacincia, pelo amor, pela
disposio em me ajudar em qualquer situao e, principalmente, pelo apoio que me conforta
e me deixa mais forte para superar os desafios.
Aos meus filhos, meus amores, Guilherme e Caroline, pelo carinho, pelo amor, e
porque souberam compreender a importncia deste trabalho para minha vida.
Aos meus pais, irmos, cunhados, cunhadas, sobrinhos que, a distncia, sempre
acompanharam essa trajetria e torceram por mim.
Aos colegas de departamento, que prontamente apoiaram meu afastamento,
incentivando-me a prosseguir nesta caminhada. Em especial colega Carmem, que participou
de todas as etapas deste processo de escrita, lendo, opinando e, principalmente, incentivando.
Ingrid, pela amizade e pela presena nesta importante etapa de minha vida.
minha querida amiga, agora colega, Magali, pela nossa eterna amizade.
banca de qualificao, professoras Cludia Toldo e Carmem Luci da Costa Silva,
que, ao leram esta tese, re-constiturem seu sentido, apontaram os caminhos para a
continuidade deste trabalho.
Ao programa de Ps-Graduao em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, pela oportunidade de realizar esta pesquisa.
direo do Instituto de Letras, pelo apoio.
amiga Margarete que, mesmo a distncia, foi uma referncia para o
desenvolvimento desta pesquisa.
RESUMO
Esta pesquisa surge da constatao de que o tema da leitura, mesmo no sendo novo e
apresentando-se em diferentes perspectivas tericas e metodolgicas, aponta para uma nova
perspectiva, a leitura como ato de constituio de sentidos, produzido por um locutor que
instaurado, atravs desse ato, como sujeito. Assim, mais que repetir o que j temos nas
diferentes abordagens da leitura, buscamos fundamentar nossa perspectiva sobre esse tema na
Lingustica da Enunciao, especificamente nos estudos enunciativos de mile Benveniste. A
especificidade de nossa pesquisa est basicamente na resposta questo: em que termos
podemos pensar a leitura como um ato enunciativo? Com esse fim, nossa direo inicial ser
um levantamento de algumas das principais abordagens de leitura presentes na conjuntura
brasileira, sempre em busca da resposta de como as diferentes abordagens pensam a relao
entre sujeito e leitura. Na sequncia, resgatamos conceitos presentes nas reflexes
enunciativas benvenistianas, com o intuito de subsidiar a abordagem enunciativa da leitura.
Nesse resgate, pretendemos estabelecer uma relao entre as noes que envolvem os estudos
enunciativos e o tema da leitura, e, ainda, constituir uma metodologia que d conta da anlise
enunciativa da leitura. Com esse trajeto, objetivamos situar o entendimento da leitura na
perspectiva enunciativa, prevendo relacionar teoria e prtica. Trazemos, ento, para este
estudo um conceito de leitura, cuja perspectiva terica a Enunciao de mile Benveniste, e
um trabalho de anlise de corpus de trs textos de vestibular, esperando, com isso, a exemplo
de outros autores do campo, deslocar nossas descobertas para o ensino de leitura.
RESUM
Cette recherche dcoule de la constatation que le thme de la lecture mme s'il n'est pas
nouveau et il se prsente dans diffrentes perspectives thoriques et mthodologiques offre
une nouvelle perspective, savoir, la lecture comme un acte de constitution de sens produit
par un locuteur qui est instaur, par cet acte, comme sujet. Ainsi, plutt que rpter ce que
lon trouve dj dans les diffrentes approches de la lecture, nous cherchons baser notre
perspective, sur ce thme, dans la Linguistique de l'nonciation, en particulier, dans les tudes
nonciatives d'mile Benveniste. La spcificit de notre recherche rside principalement dans
la rponse la question : dans quels termes pouvons-nous penser la lecture comme un acte
nonciatif ? cette fin, notre direction initiale sera un rprage de quelques des principales
approches de la lecture prsentes dans la conjecture brsilienne, toujours dans la recherche de
la rponse de comment les diffrentes approches pensent la relation entre le sujet et la lecture.
Ensuite, nous avons rcupr des concepts prsents dans les rflexions nonciatives de
Benveniste, afin de soutenir lapproche nonciative de la lecture. Dans cette rcupration,
nous avons l'intention d'tablir une relation entre les notions qui font partie des tudes
nonciatives et du thme de la lecture, et, encore, de constituer une mthodologie qui tient
compte de l'analyse nonciative de la lecture. Avec ce trajet, nous avons pour but de situer la
comprhension de la lecture dans la perspective nonciative, en cherchant relier la thorie et
la pratique. Nous apportons, alors, cette tude, un concept de lecture dont perspective
thorique est l'nonciation d'mile Benveniste et un travail d'analyse de corpus, en cherchant,
avec cela, linstar d'autres auteurs du champ, dplacer nos dcouvertes l'enseignement de
la lecture.
SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 9
CAPTULO 1
A leitura no Brasil: alguns parmetros .............................................................................. 17
1.1 Os aspectos culturais, sociais, pedaggicos ligados ao ensino da leitura ...................... 19
1.1.1 A leitura como ato social .............................. .................................................................27
1.2 Os aspectos lingustico-cognitivos das estratgias de leitura .......................................... 28
1.2.1 A leitura como estratgia de conhecimento ................................................................... 39
1.3 Os aspectos discursivos .................................................................................................... 41
1.3.1 A leitura depende das condies de produo ............................................................... 45
1.4 Encaminhamentos ............................................................................................................. 45
CAPTULO 2
Os conceitos da enunciao que podem subsidiar a abordagem
enunciativa da leitura ........................................................................................................... 48
2.1 Os fundamentos do campo enunciativo benvenistiano ..................................................... 50
2.1.1 A Semntica de Bral como fundamento da Enunciao de Benveniste ...................... 51
2.1.2 A Lingustica de Saussure comparece na Enunciao de Benveniste ........................... 53
2.2 A teoria enunciativa de mile Benveniste ........................................................................ 59
2.2.1 A intersubjetividade/ subjetividade na linguagem ......................................................... 62
2.2.2 A relao entre a forma e o sentido ............................................................................... 71
2.2.3 A enunciao ................................................................................................................. 80
CAPTULO 3
Enunciao e leitura ............................................................................................................. 86
3.1 A teoria enunciativa da leitura ......................................................................................... 87
3.1.1 Primeiro deslocamento: a passagem de locutor a sujeito na leitura .............................. 89
3.1.2 Segundo deslocamento: a intersubjetividade/subjetividade na leitura .......................... 91
3.1.3 Terceiro deslocamento: a relao entre a forma e o sentido na leitura .......................... 97
3.1.4 Quarto deslocamento: a enunciao e a leitura ........................................................... 102
CAPTULO 4
Metodologia da anlise enunciativa da leitura ................................................................. 108
4.1 Sobre o corpus ........................................................................................................... 109
4.2 Sobre a anlise do corpus .......................................................................................... 113
4.3 Sobre os fatos de lngua ................................................................................................. 117
CAPITULO 5
A anlise enunciativa da leitura ........................................................................................ 119
5.1 A complexidade da relao enunciativa no ato/processo de leitura .............................. 120
5.2 Aspectos gerais da relao enunciativa no ato/processo de leitura no corpus ......... 123
5.3 As marcas da enunciao no ato/processo de leitura no corpus ............................... 127
5.3.1 Anlise do texto 1 ........................................................................................................ 128
5.3.2 Anlise do texto 2 ........................................................................................................ 132
5.3.3 Anlise do texto 3 ........................................................................................................ 136
CAPTULO 6
A teoria enunciativa da leitura: uma contribuio .......................................................... 140
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 148
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................. 150
NDICE DE QUADROS
Quadro 1 Sntese das relaes entre pessoa e no-pessoa ................................................... 67
NDICE DE DIAGRAMAS
Diagrama 1 As relaes entre as categorias de pessoa, tempo e espao na enunciao ..... 69
Diagrama 2 A forma e o sentido nos planos semitico e semntico ................................... 79
Diagrama 3 Esquema da enunciao ................................................................................... 84
Diagrama 4 As relaes intersubjetivas do ato/processo de leitura ..................................... 97
Diagrama 5 A leitura como semantizao da lngua ......................................................... 102
NDICE DE FIGURAS
Figura 1 A prova de redao do CV/UFRGS, 2011 .......................................................... 111
INTRODUO
10
dos sentidos. com a leitura crtica que se pode mostrar ao aluno que no a verdade que
ele l, mas, sim, uma das possibilidades de verdade, entre tantas outras, inclusive contrrias
mesma (MITTMANN, 2003, p. 235).
Ora, isso nos leva a considerar que o texto1 precisa ser visto como um trabalho de
linguagem cuja trama apresenta tanto o processo de escrita quanto o processo de leitura. Ele
s existe na proporo em que se constitui ponto de encontro entre dois sujeitos: o que o
escreve e o que o l; escritor e leitor, reunidos pelo ato radicalmente solitrio da leitura,
contrapartida do igualmente solitrio ato de escritura (LAJOLO, 1988, p. 52). O texto , para
o leitor, uma experincia nova, que ser transformada medida que ele o toma como
experincia prpria. Ler significa tambm ser autor, ou melhor, coautor do texto. O leitor
deve construir sua capacidade de atribuir sentidos ao texto, sem se preocupar com uma
interpretao verdadeira desse.
A partir dessas consideraes, queremos reconhecer que o tema da leitura no novo
na reflexo lingustica brasileira, inclusive e apresenta, sem dvida, grande abrangncia,
medida que envolve diferentes perspectivas tericas e metodolgicas2. Isso, porm, no nos
impede de recolocar na ordem do dia pontos para o debate que, apesar de sobejamente
discutidos, ainda carecem de aprofundamento. Adiantamos que disso que se trata nesta tese:
trazemos para o debate o j to discutido tema da leitura. Porm, reivindicamos certa
originalidade na conduo desse debate: nossa tese versa sobre a leitura na perspectiva da
Lingustica da Enunciao, muito especialmente a partir das ideias da teoria enunciativa de
mile Benveniste.
No pensamos, porm, ignorar o que h muito j tem sido feito nos estudos brasileiros
a respeito do tema. Assim, para levarmos em considerao o largo conjunto de perspectivas
que tomaram a leitura como objeto de pesquisa e para investigar terica e metodologicamente
a temtica, necessrio que se recoloquem questes fundantes do campo a ser estudado. E,
como sabemos, no h campo em que prolifere mais desencontro terico que o do
entendimento do processo de leitura. Isso facilmente verificado no mar de erros e acertos
pelo qual navega a frgil embarcao do ensino da leitura entre ns, demonstrando que pouco
tem sido feito na prtica para incentivar um trabalho verdadeiramente produtivo com a leitura.
1
Texto, enunciado e discurso sero, neste trabalho, usados como produto da enunciao, seja da enunciao anterior,
seja da do prprio leitor.
2
Acreditamos que, mesmo distintas, essas reflexes apresentam uma unidade de perspectiva que garante a coeso do
conjunto. Sobre isso trataremos no decorrer do captulo 1.
11
H teorias de toda ordem: aquelas que tomam o texto como pretexto para ensinar o
contedo gramatical, relegando leitura o lugar da decodificao da mensagem; aquelas que
acreditam que a leitura consiste apenas na manipulao de esquemas monitorados em que o
principal objetivo verificar se o aluno l (decodifica) bem, sem, no entanto, preocupar-se
com o entendimento do que est sendo lido; ou, ainda, aquelas em que a leitura vista apenas
como um estudo dirigido, limitado superfcie textual, em que o papel do leitor o de
recuperar o sentido posto no texto pelo autor. Mas h tambm as que se inspiram nos
Parmetros
Curriculares
Nacionais3,
documentos
que
explicitam
uma
consistente
Parmetros Curriculares Nacionais (PCN): documento do Ministrio de Educao e Cultura, contendo diretrizes
bsicas para uma renovao curricular. A leitura proposta, neste documento, como pr-requisito e objetivo do
trabalho coletivo na escola. Esse documento diz sugerir um enfoque enunciativo-discursivo a ser desenvolvido nas
salas de aula. Com isso, acreditamos que constituem um grande avano para o ensino-aprendizagem de leitura e
produo de textos no ensino.
4
12
Utilizamos ato/processo para referir a leitura enunciao tendo em vista que Benveniste em O aparelho formal da
enunciao, utiliza estes termos para designar a enunciao. o que se v nas seguintes passagens: enunciao o
ato mesmo de produzir um enunciado [...]; este grande processo pode ser estudado sob diversos aspectos [...].
13
Isso posto, passamos, a seguir, a explicitar ao leitor o trajeto escolhido para sustentar
nossa tese de que ler enunciar.
Refletindo sobre algumas das principais abordagens da leitura produzidas no contexto
brasileiro, a fim de obtermos uma viso do campo dos estudos referentes s prticas de
leitura, descrevemos, no primeiro captulo (cf. captulo 1), os principais parmetros que
configuram esse contexto, focalizados nos diversos aspectos envolvidos no processo de
leitura.
Percebemos uma dimenso aplicada da leitura, que considera, principalmente, a leitura
no mbito social. Para os autores pesquisados (cf. 1.1), a leitura se configura eminentemente a
partir de questes culturais, sociais e pedaggicas, pois deve conduzir o leitor a uma reflexo
crtica tendo compromisso com a sua realidade.
Vemos, ainda, que tomar a leitura a partir do aspecto cognitivo (cf. 1.2) significa
reconhecer um processo delineado a partir de mecanismos, estratgias e prticas que se
direcionam para o desenvolvimento do processo de leitura. Trazemos, neste item, autores que
tm interesse pela forma como se l, pelas estratgias utilizadas na leitura e, alm disso, uma
preocupao constante com a questo da interao.
Segundo os autores que enfatizam os aspectos cognitivos, a leitura vista como um
processo ativo que envolve tanto decodificao quanto aspectos como extrao de
informaes de um texto, de reconstruo de sentido, de compreenso. A interao faz parte
do processo de leitura, uma vez que engloba a trade leitor-autor-texto. Com nfase nas
relaes socioideolgicas, a perspectiva dos estudos do campo da Anlise do Discurso
apresenta-se como uma teoria da leitura, apontando que texto e discurso caracterizam-se de
modos diferentes (cf. 1.3). O primeiro seria a materialidade lingustica do segundo. Nessa
concepo, o sujeito constitudo ideologicamente, e a leitura est na dependncia dos
lugares sociais ocupados por um sujeito que se constitui historicamente.
As trs perspectivas investigadas no primeiro captulo a que enfatiza os aspectos
culturais, sociais, pedaggicos ligados ao ensino da leitura; a que desenvolve os aspectos
cognitivos das estratgias de leitura; e a que prioriza aspectos discursivos nem esgotam as
problemticas concernentes ao campo, nem mesmo poderiam ser consideradas as nicas
possibilidades. Nossos critrios de seleo so explicitados logo no incio do captulo. Cabe,
porm, adiantar que recorremos a tais estudos pela proximidade que tm com o campo
enunciativo: todos, mesmo que de formas dspares entre si, vislumbram a lngua em uso.
14
Os dois volumes de Problemas de lingustica geral, de mile Benveniste, sero referidos em citaes segundo o
seguinte sistema: sigla PLG, seguida da indicao do volume e da pgina.
15
16
materializa a leitura que fazem da proposta de redao. No seria absurdo dizer, ento, que o
aluno que produz um texto de vestibular o faz a partir de um dilogo que estabelece com a
prpria proposta de produo do texto e a partir de uma atribuio/constituio de sentidos.
Na verdade, a situao enunciativa de produo de um texto de vestibular
suficientemente complexa para no se resumir ao que dissemos no pargrafo anterior. Mas
no podemos negar que, se percebida do ponto de vista da leitura, a redao de vestibular ,
num primeiro momento, uma explicitao da leitura que o aluno faz da proposta do vestibular.
So os termos dessa leitura que esto em exame quando, por exemplo, uma banca de
avaliao considera que um texto fugiu ao tema, ou no. A fuga ao tema da proposta na prova
de redao nada mais que uma leitura, materializada na produo de um texto, que no vai
ao encontro do que se esperava.
A proposta de redao de um vestibular uma enunciao que est na histria de
constituio da enunciao atual, a redao.
Certamente, h muito ainda a se dizer sobre isso, pois, afinal, se verdade que o aluno
l a proposta para produzir o seu texto, no menos verdade que faz isso a partir da ateno a
aspectos de forma e sentido. Enfim, o captulo 4 de nossa tese apresenta o corpus e fornece
maiores informaes metodolgicas relativas ao tratamento da redao de vestibular como
uma leitura.
No quinto captulo, procedemos s anlises. No sexto captulo, finalmente, tecemos
consideraes que evidenciam, a partir da anlise, a visada da leitura como um ato de
enunciao, tema desta tese.
Esta pesquisa, portanto, prope um novo conceito de leitura, tendo em vista a
perspectiva da Teoria da Enunciao de mile Benveniste e o corpus em estudo.
Para finalizar, no podemos deixar de lembrar nessas ltimas palavras da Introduo:
temos interesse em relacionar nossa pesquisa ao processo de ensino, pois o que se tem em
leitura, hoje, nessa perspectiva insuficiente. Trazemos, ento, a leitura como um ato de
constituio de sentido produzido por um locutor que instaurado, atravs desse ato, como
sujeito. Pretendemos apontar os aspectos de marcao do sujeito envolvidos no ato de
produo de leitura a fim de contribuir teoricamente para o ensino de leitura. Afinal, esta tese
escrita por quem passou os ltimos trinta anos ensinando.
17
CAPTULO 1
A leitura no Brasil: alguns parmetros
De todo modo, talvez se possa encontrar uma convergncia de objetivo final de todos, ao menos no cenrio da
lingustica brasileira, qual seja: a maioria dos pesquisadores procura contribuir para que suas teorias cheguem
escola e possam se tornar prticas consistentes no/para o processo de leitura. Assim, no seria errado supor que a
leitura, principalmente no contexto brasileiro, tem sido apresentada como um problema especfico da escola,
onde, acredita-se, seja o lugar em que as pessoas tm, muitas vezes, a nica oportunidade de contato com o texto
escrito.
8
A construo desse caminho se dar, em nossa perspectiva, a partir da leitura do texto escrito, mesmo considerando
que a leitura no est restrita recepo e interpretao do texto verbal. Sabemos muito bem que se pode ler a
mo, uma obra de arte, a msica, enfim, sabemos que o mundo se constri a partir da leitura que se faz do que est a
nossa volta. No entanto, nosso enfoque est restrito ao tratamento lingustico do tema. Desse modo, aborda-se a
questo restringindo a discusso apenas leitura do texto escrito, que, como lembra Martins (1982), um processo de
formao global do indivduo a que no se tem acesso naturalmente.
18
S para ilustrar a complexidade da questo e a significativa variedade de trabalhos sobre o tema, podemos citar
dentre os autores que discutem o assunto: Martins (1982); Freire (1992); Kleimann (1989, 2004, 2007,); Kato
(1990, 1995, 2004); Fulgncio (1998); Orlandi (1987, 1996, 1998, 1999, 2004, 2006); Silva (1981, 1983, 1988,
1993); Leffa (1996); entre outros.
10
Estamos operando aqui com uma distino, ainda no explicitada, entre locutor e sujeito. Tal distino ficar mais
bem explicitada no captulo 3 (cf. infra), quando o quadro terico enunciativo ser apresentado. Neste momento, basta
aludirmos que, em nossa perspectiva, o locutor torna-se sujeito pelo uso individual que faz da lngua. Com isso,
queremos dizer que cada locutor se singulariza, torna-se sujeito, a cada uso em uma dada instncia de discurso. Esse
raciocnio, tomamos emprestado da afirmao de Benveniste, em Da subjetividade na linguagem, texto de 1958: A
subjetividade de que tratamos aqui a capacidade do locutor para se propor como sujeito (PLG I, p. 286).
19
Comecemos por Paulo Freire, cuja obra se insere no contexto amplo de formao dos
pensadores do campo da leitura no Brasil. Talvez uma das primeiras e mais influentes
reflexes j produzidas sobre leitura entre ns, o pequeno A importncia do ato de ler, em
trs artigos que se completam, publicado pela primeira vez em 1981, de especial interesse
para os nossos objetivos, em funo da noo de ato por ele mobilizada j no ttulo. Tambm
ns acreditamos que ler um ato e esperamos poder explicitar esse posicionamento mais
adiante com mais vagar (cf. captulo 3).
Por ora, passemos, pois, a falar um pouco sobre as inesgotveis leituras que A
importncia do ato de ler nos apresenta.
Freire desenvolve uma reflexo voltada ao mbito da cultura11, priorizando a
existncia social e individual dos homens. Ao trabalhar a temtica da leitura, Paulo Freire
expe sua experincia sobre alfabetizao, especificamente de adultos, apontando que a
leitura da palavra sempre precedida da leitura do mundo. Por isso, como salienta o autor, o
ensino da escrita e da leitura deve sempre partir das relaes entre o texto e o contexto, pois o
que se l antes de tudo o prprio mundo que nos rodeia, dependendo sempre da percepo
de cada um para reconhecer essa leitura como significativa.
11
20
Ler um processo que envolve uma viso crtica, que no est especificamente na
decodificao da palavra escrita, mas na apreenso do sentido de um texto escrito. E, para que
isso acontea, necessrio que se ativem conhecimentos prvios que englobem no s
conhecimento de mundo, como tambm conhecimento lingustico e conhecimento textual, de
modo que se possa chegar a um sentido para o texto. Assim, a leitura s acontece
verdadeiramente quando o leitor se compromete com o texto lido, tornando-se sujeito desse
texto.
Dessas colocaes podemos inferir abordagens diferentes e complementares no
raciocnio de Paulo Freire para a leitura. Em um primeiro momento, temos a leitura de
modo geral: tudo pode ser lido a partir do momento em que apresente um sentido. Essa leitura
deve estar presente em todos os momentos da vida do homem. dessa leitura que trata Paulo
Freire ao dizer que a leitura do mundo precede a da palavra. a partir dessa leitura do
mundo que surge a leitura da palavra escrita, quando o leitor deve assumir-se frente ao texto
como sujeito curioso, sujeito do processo de conhecer, engajando-se numa experincia
criativa de compreenso. Trata-se, pois, de um ato: o ato de ler.
Vale a pena chamar a ateno para alguns aspectos que vemos implicados na noo de
ato presente em Paulo Freire. Trata-se, sem dvida, de um acontecimento com forte acento
poltico e social, mas vemos tambm a nfase na constituio de sentido realizada por um
falante em determinada situao, que tem efeito criativo. isso que encontramos na passagem
seguinte: enquanto ato de conhecimento e ato criador, o processo da alfabetizao tem, no
alfabetizando, o seu sujeito (FREIRE, 1992, p. 13). Unem-se aqui elementos que so vitais
para a proposta de Paulo Freire.
Em complementao ao que apresentado em A importncia do ato de ler e com o
intuito de mostrar a importncia que tem a leitura na obra de Paulo Freire, selecionamos dois
verbetes presentes no Dicionrio Paulo Freire12 que so representativos para compreender a
construo terica do autor em relao temtica da leitura. O primeiro verbete, Leitura do
Mundo, diz que a leitura do mundo contextualiza, gesta e emoldura um sentido para a
palavra. Palavra que, ligada ao contexto, engravidamos de sentidos ntimos e coletivos [...]
(Dicionrio Paulo Freire, 2009, p. 240).
12
O Dicionrio foi organizado por um grupo de professores cuja inteno foi a de apreender as palavras, as expresses
e os conceitos presentes na obra de Paulo Freire.
21
13
A palavra tijolo, por exemplo, considerada um tema gerador para a alfabetizao de adultos trabalhadores na
constrio civil (Dicionrio Paulo Freire, 2009, p. 243). As palavras geradoras partiam do universo vocabular dos
alunos e da comunidade e serviam de base para as lies de alfabetizao.
22
23
14
Tornar o leitor apto compreender o(s) sentido(s) do texto(s) e a ser crtico e/ou criativo frente ao objeto lido e ao
mundo a que esse se refere (ZILBERMAN; SILVA, 2004, p. 115).
24
15
A interpretao no nica, pois so muitos os processos de leitura que sero ativados de acordo com os objetivos
de cada leitor.
25
Segundo Silva, so, portanto, vrios os fatores envolvidos no processo de leitura, mas,
acima de tudo, a leitura uma prtica social, e o seu ensino no pode estar desvinculado de
uma posio histrico-social, pois essa se liga natureza social do indivduo.
Ainda, nesse caminho, destacamos que, se h uma preocupao com a leitura em sua
dimenso social, h tambm uma histria para essa preocupao. Por isso trazemos, a partir
das palavras de Regina Zilberman (1989), essa histria. Achamos importante destacar que a
autora tem procurado desenvolver um trabalho de descrio a respeito da histria que envolve
a formao do leitor, assim como retrata muito a formao do leitor brasileiro. Segundo
Lajolo e Zilberman, a histria da leitura est ligada ao processo16 de nascimento do leitor, o
qual personagem da modernidade, produto da sociedade burguesa e capitalista, livre dos
traos de dependncia da aristocracia feudal e do estreitamento corporativista das ligas
medievais (1996, p.9).
Para Zilberman, desde o sculo XVIII, a sociedade tem mostrado, a partir da escrita,
uma nova realidade, principalmente pela ampliao do sistema escolar e, tambm, por
questes econmicas e polticas. Assim, temos que
[...] a sociedade europia, e ocidental, por extenso, vive sob o emblema da
revoluo duradoura, que se manifesta em diferentes nveis: no econmico,
persistem as consequncias da revoluo industrial, a que se associam profundas
modificaes tecnolgicas e cientficas; no plano poltico, a revoluo democrtica
determina o avano irrefrevel das formas de participao popular, na direo de um
sistema comunitrio apoiado na igualdade entre todos os seus membros. E, enfim,
desdobra-se uma revoluo cultural, assinalada pela expanso das oportunidades de
acesso ao saber. (ZILBERMAN, 1989, p.12)
16
A leitura uma das primeiras manifestaes da indstria do lazer. Processo que, de um modo ou outro, foi afetado
por fatores como individualismo da sociedade burguesa, como a viso de mundo antropocntrica estimulada pela
Renascena e difundida pela filosfica humanstica, como o processo tecnolgico, com o desenvolvimento da
imprensa, a expanso da escola e do pensamento pedaggico apoiado na alfabetizao, e como o fortalecimento de
instituies culturais, entre outros (Lajolo; Zilberman, 1996, p. 9).
17
Em nosso pas, a instalao da imprensa e das escolas est relacionada s necessidades geradas pela transferncia da
Corte portuguesa para o Brasil.
18
As primeiras obras literrias procuravam dar um lugar de destaque ao leitor com o intuito de lev-lo a dar
continuidade leitura. Assim fizeram Manuel Antonio de Almeida, Machado de Assis entre outros, procurando
estabelecer uma certa familiaridade entre autor e leitor (ZILBERMAN, 1989, p. 24).
26
19
No podemos deixar de destacar que o livro didtico considerado uma das condies para o funcionamento da
escola. Como apontam Lajolo e Zilberman, se a sociedade supe que a educao dos indivduos passa pela escola,
como j ocorria entre os gregos e os latinos, ento mister produzir livros para estudantes e dispor de professores,
esses tambm formados pelos livros e usurios profissionais desse instrumento (1996, p.121).
27
20
Para estes autores a concepo de sujeito deve, atravs da educao, estar imbricada na ideologia e, assim, levar a
vivenciar experincias que remetam compreenso do mundo.
28
Muito do que foi explicitado pelos autores at aqui contemplados dever retornar em
nosso captulo final (cf. captulo 6), uma vez que l faremos uma discusso mais ampla, que
visa a contemplar a leitura na realidade da escola. Por ora, no entanto, deixaremos em
suspenso os aspectos culturais, sociais e pedaggicos ligados ao ensino da leitura, uma vez
que, em nossa perspectiva, tal ensino decorre diretamente da problematizao em torno da
noo de lngua/linguagem.
A seguir, buscamos numa perspectiva lingustica stricto sensu elementos para saber mais
sobre a relao entre sujeito e leitura, questionamento esse que norteia nossa incurso pelas
teorias.
21
Sabemos que se trata de posicionamentos distintos no que diz respeito leitura cognitivo, psicolingustico,
interacional, metacognitivo, problemas de linguagem -, mas que, de uma forma ou outra, conduzem a um mesmo
objetivo, qual seja, tratar dos mtodos e estratgias de abordagem da leitura.
29
O termo social, nessa perspectiva, diz respeito considerao ao outro, a interao, enquanto que o social,
visto anteriormente, tem relao com a escola, com o contexto social. Neste caso, o social diz respeito a insero
do sujeito na sociedade, a incluso social, para a qual a leitura um caminho.
23
Modelos so, para Kato, concepes formalizadas do que ocorre em termos de comportamento do leitor ou no
interior inacessvel de sua mente (KATO, 1990, p. 60).
24
Segundo Teixeira havia, at bem pouco tempo, um consenso entre os linguistas de que o texto traz um sentido nico
dado pelo autor. Nesse caso, o texto deveria ser decifrado pelo leitor, o que significa reconhecer o ato de leitura apenas
como uma atividade de decodificao do sentido que est sempre no texto (TEIXEIRA, 2005, p. 8).
30
25
A palavra est sendo considerada, aqui, isoladamente, mesmo que a autora reconhea que, normalmente, as palavras
vm contextualizadas (KATO, 1995, p. 35).
31
26
32
27
A autora refere-se ao texto didtico, considerado o nico material acessvel para leitura em sala de aula. Sendo assim,
a ideia melhorar sua qualidade e apresentar hipteses sobre os fatores que constituem a dificuldade de leitura desse
tipo de texto.
33
34
contedo, mas reflete-o como um espelho. Um mesmo texto pode refletir vrios contedos,
como vrios textos podem refletir um s contedo (1996, p. 13), o que demonstra ser o
conceito de extrao de significado insuficiente para entender o processo de leitura e sua
definio.
Na segunda direo, leitura como atribuio de sentido ao texto, a direo do sentido
vai do leitor para o texto, um processo descendente. A realidade no est presente no texto,
apenas refletida por ele, pois essa leitura, que atribui significado, depende da experincia de
cada leitor, o que far com que cada um tenha, para um mesmo texto, leituras diferentes28.
Considerar esse tipo de leitura requer que se pense em um leitor que detenha, alm da
competncia lingustica29, competncia especfica da realidade histrico-social refletida pelo
texto (ibidem, p.160).
Leffa, ao descrever esse encontro do leitor com o texto, enfatiza que pensar o ato de
leitura a partir da importncia dada ao texto (extrao de significado) ou ao leitor (atribuio
de significado) no reconhecer a complexidade do processo, uma vez que preciso levar em
conta que ler interagir com o texto o que s ocorrer se houver entendimento do que se d
na relao entre o leitor e o texto. O autor compara o processo de interao a uma reao
qumica; ou seja, para que um ou outro acontea necessrio considerar no apenas os
elementos envolvidos como tambm as condies necessrias para que a reao se d. Desse
modo, para que haja a compreenso no so suficientes leitor e texto, h necessidade do
conhecimento prvio do indivduo e determinados dados da realidade. olhando para essas
condies que se reconhece os mltiplos processos envolvidos no ato de ler. Assim, deve-se
constatar que a interao o principal caminho para discutir o percurso que leva o leitor a
compreender um texto. impossvel falar de leitura sem discutir a interao que se institui
entre leitor e texto, leitor e autor ou leitor e outros leitores, considerando o que acontece entre
os envolvidos.
Pode-se, com Leffa, destacar o percurso, para compreender um texto a partir da
interao. Primeiramente, ele destaca a necessidade de o indivduo possuir uma representao
28
Dizer que cada leitor, a cada vez, faz uma nova leitura, construindo um novo significado, no significa que qualquer
leitura seja legtima ou possvel. Haver sempre um limite produo do leitor, limite este que ser especificado pela
prpria disposio dada ao texto pelo autor (ORLANDI, 1987).
29
35
do mundo, que se define como teoria de esquemas30, pois tanto o leitor deve possuir
conhecimento de mundo como o autor deve supor ter o leitor esse conhecimento. A base
dessa teoria est em que a compreenso acontece a partir de uma representao internalizada
de mundo que cada indivduo tem, sendo desnecessrio que o autor detalhe todos os aspectos
do texto, deixando espao para que o leitor contribua de modo a complementar as lacunas
deixadas pelo autor. O papel do leitor na compreenso , desse modo, acionar seu
conhecimento de mundo.
Outro aspecto abordado por Leffa a metacognio, habilidade do leitor de refletir em
relao a sua compreenso, mostrando a necessidade do uso de estratgias. A metacognio,
diferentemente da cognio, leva o leitor a uma postura de compreenso, ou seja, o leitor se
concentra, conscientemente, no processo que o levar ao contedo do texto. Esse processo
leva o leitor a definir objetivos para a leitura, a distinguir parte mais ou menos importantes do
texto, a avaliar, qualitativamente, seu entendimento, percebendo o momento em que deve se
concentrar mais, devido a alguma dificuldade, reconhecendo o momento de reler um trecho.
Como vimos em Leffa, o leitor, ao encontrar o texto, no deve apenas procurar o
sentido que ele pensa j ter sido determinado pelo autor; na verdade, o leitor, com seu
conhecimento e na interao com o autor e com o texto, que construir um sentido para esse
texto. Leffa apresenta alm de conceitos para o ato de ler, processos e estratgias que levam o
leitor a construir o seu significado.
Podemos dizer que, para essa perspectiva, o uso autnomo e eficaz de processos e
estratgias de leitura leva o leitor a, de maneira global, extrair o significado do texto,
reconduzir sua leitura, avanando ou retrocedendo no texto, conectar os novos conceitos com
os conhecimentos prvios o que lhe permitir incorpor-los a seu conhecimento.
Assim, desvendar e analisar os processos e as estratgias envolvidos na leitura atravs
de atividades de metacognio, como aponta Leffa, significa que os leitores devem ser
conduzidos na conscientizao dessas estratgias de modo que consigam verificar as relaes
ou as intenes estabelecidas entre autor e leitor; significa, tambm, reconhecer as variaes
lingusticas que possam constituir-se em indicadores da inteno do autor, e distinguir, na
estrutura do texto, um maior ou menor grau de dificuldade.
30
Os esquemas so estruturas abstratas, construdas pelo prprio indivduo, para representar a sua teoria do mundo. A
base da teoria dos esquemas est na aprendizagem que no vem apenas de fora, mas vem tambm de dentro, e tem
tradio na histria do pensamento ocidental, com Plato e com Chomsky (LEFFA, 1996, p. 26).
36
37
Esse conhecimento possibilita ao leitor construir o sentido do texto, o que o torna ativo
na construo da compreenso. Assim, o leitor no apenas um recebedor da informao uma
vez que a partir do conhecimento mtuo entre leitor e autor que se estabelece o sentido do
texto.
Porm no basta que o leitor contribua com seu conhecimento, outros caminhos
devem ser percorridos para alcanar a compreenso. Um dos caminhos so as estratgias
metacognitivas, que dizem respeito atividade consciente de reflexo e controle sobre o
prprio conhecimento, sobre o prprio fazer, sobre a prpria habilidade. Nesse caso o leitor
deve determinar objetivos especficos e finalidades para o ato de ler, a fim de que o texto
possa interessar-lhe, e, para isso, faz-se necessrio perceber que os objetivos devem ser
diferentes para cada tipo de leitura.
devido ao papel das estratgias metacognitivas na leitura que podemos afirmar
que, apesar das diferenas j discutidas, a leitura um processo s, pois diferentes
maneiras de ler (para ter uma ideia geral, para procurar detalhes) so apenas diversos
caminhos para alcanar o objetivo pretendido. (KLEIMAN, 1984, p. 35)
38
concluses sem troca direta com autor, necessrio reconhecer que tambm o autor trabalha
para manter a ateno do leitor. o autor que tenta argumentar adequadamente, escolhendo
os elementos formais de modo a abrir caminho para que o leitor possa alcanar seu objetivo:
compreender.
Pensar, portanto, na interao entre autor e leitor via texto requer de ambos, autor e
leitor, uma espcie de acordo, pois a compreenso31 no apenas um ato cognitivo, tambm
a relao social entre dois sujeitos que atravs do texto interagem entre si.
Os textos podem ser compreendidos levando-se em considerao o carter da
interao entre autor e leitor, pois o autor se prope a fazer algo, e quando essa
inteno est materialmente presente no texto, atravs das marcas formais, o leitor
se dispe a escutar, momentaneamente, o autor, para depois aceitar, julgar, rejeitar.
(KLEIMAN, 2004, p. 19)
preciso, portanto, reconhecer que o ensino de leitura deve estar centrado em uma
postura interacionista, relao autor/leitor via texto, considerando uma fundamentao
terico/prtica que reconhea o leitor enquanto sujeito e no simplesmente como
decodificador. Ler , portanto,
Apropriar-se de um conjunto de habilidades lingusticas e psicolgicas (cognitivas e
metacognitivas) que, alm de relacionar smbolos escritos e unidades de som, ,
principalmente, um processo de construir sentidos e relaes ((inter)textualidade),
interpretaes de textos diversos, dialogicamente no sentido bakhtiniano, adentrando
no dizer do outro. (COSTA, 2002, p. 58)
31
A compreenso est relacionada maneira como o autor constri o texto e de como o leitor constri e reconstri o
significado. Assim, o significado representado por um autor em um texto e construdo a partir de um texto pelo
leitor. O significado est, ento, no autor e no leitor.
39
Como possvel notar, fomos muito mais detalhados na apresentao dos aspectos
cognitivos da leitura do que fomos com relao perspectiva anterior. E isso se deve a uma
razo: as teorias que subsidiam essas reflexes so fortemente ancoradas nos estudos
lingusticos da linguagem, o que toma uma importncia singular no contexto desta tese,
tambm comprometida com os estudos lingusticos.
Ora, no podemos ignorar que, na perspectiva acima explicitada, h considerao
leitura por um vis bastante complexo, no qual esto presentes aspectos fundamentais do
processo de leitura: conhecimentos prvios de mundo e lingusticos; estratgias de leitura;
objetivos; aspectos interacionais, nos quais esto presentes autor/texto/leitor. Nessa
perspectiva a compreenso pode ser vista como um ato de construo, porque envolve todo o
conhecimento e a experincia do leitor sem, no entanto, desconsiderar as diversas abordagens
que servem de base para descrever tipos diferentes de leitor. O leitor atribui sentido ao texto
ativando um conjunto complexo e variado de habilidades lingusticas e cognitivas. Mesmo
que o sujeito leitor seja visto como o foco do processo, importante destacar a leitura como
interao entre leitor e texto e, mais ainda, o reconhecimento de que deve existir interao
entre os trs elementos: autor, leitor, texto32.
Assim, podemos responder nossa questo como a lingustica de base cognitiva
formula a relao entre sujeito e leitura? apontando que, nessa perspectiva, o sujeito que
est presente no processo de leitura um sujeito de conhecimento (prvio, lingustico etc.).
No apenas as noes de interao, ao e de cognio, metacognio se fazem
presentes nessa perspectiva, mas tambm discutida a relao do sujeito com a linguagem.
Para os autores da lingustica cognitiva, importa ressaltar, impossvel falar de leitura sem
discutir a interao que se constitui entre leitor e texto, leitor e autor ou leitor e outros leitores,
considerando o que acontece entre os envolvidos. O sujeito traz consigo fatores como
conhecimento de mundo, conhecimento lingustico, conhecimento prvio, motivo e interesse
32
Acreditamos que se fixar apenas na leitura como ato produtor de significados ou, ainda, pesquisar graus de
apreenso da informao presentes no texto, considerar nveis e mtodos para realizar a leitura de uma forma
aproveitvel no suficiente para que se apreenda o processo de leitura como um todo. A leitura no , pois, uma
forma de codificao ou de decodificao. Ler reconhecer trs elementos fundamentais: o autor (e a escritura), o
texto (e a escrita) e o leitor (e a leitura). Elementos indissociveis, ainda que possam, por motivo terico ou
metodolgico, serem separados (CARROLL, 1989, p. 53).
40
na leitura e, na interao com autor e texto, consegue construir um significado para o texto.
enfim um sujeito33 do conhecimento, um sujeito das estratgias e, como tal, deve assumir
uma posio ativa diante do texto.
Sem dvida, se estamos em busca de uma concepo de leitura, de base lingustica
stricto sensu, que contemple a relao sujeito/leitura, podemos dizer que os estudos agora
apresentados no escopo da viso cognitiva fornecem essa concepo. No entanto, adiantamos
que no assumimos essa perspectiva.
Que motivos nos levam ao distanciamento da abordagem cognitivista da leitura?
Ora, h muitas diferenas entre uma viso cognitiva e uma viso enunciativa base
desta tese. Ns precisaremos aqui apenas uma34, fundamental para a proposta que queremos
construir: a noo de sujeito, sujeito esse que se constitui na leitura a partir de sua
singularidade.
A discusso sobre leitura que apresentamos at aqui supe, como no poderia deixar
de ser, um sujeito cognitivo, de conhecimento que, conforme Maraschin e Shffer (1994),
refere-se construo de conhecimentos sobre o meio exterior e sobre ele mesmo a partir do
que so possveis, por exemplo, a gesto, a conservao e aquisio dos conhecimentos.
Como dissemos, esse sujeito, para ler, depende de estratgias, conhecimentos prvios etc.
Tal abordagem se distancia do que queremos propor: nossa tese busca ver a leitura
como um ato de enunciao decorrente da relao eu tu ele aqui agora atravs do
texto. Na direo que tentaremos desenvolver adiante, ler enunciar, ou seja, um
ato/processo que deixa marcas de quem o produz. Como se pode ver, h diferenas
epistemolgicas fundamentais.
Passamos, a seguir, a outra possibilidade de abordagem da leitura, essa, tambm,
bastante difundida nos estudos da linguagem no Brasil: a discursiva.
33
Pensar o sujeito leitor, nessa perspectiva, aponta para a identificao do leitor com o texto, considerando que o autor,
ao produzir o texto, pensa no leitor como coprodutor, pois tem a possibilidade de criar outros textos.
34
Haveria muitas outras, por exemplo: as noes de linguagem, contexto e interao. No entanto, neste momento, nos
interessa menos fazer uma argumentao de base contrastiva e mais ilustrar nossa diferena a partir de uma
especificidade: o sujeito.
41
35
Discurso como atividade de sujeitos inscritos em contextos determinados (MAINGUENEAU, 1998, p. 43).
Falando de discurso, articulamos o enunciado em uma situao de enunciao singular; falando de textos, destacamos
o que lhe d sua unidade, que faz dele uma totalidade e no uma simples sequncia de frases (MAINGUENEAU,
1998, p. 141-142).
42
Para Orlandi (2006), o ponto de partida considerar a leitura como produo, ponto
esse que surge de indagaes sobre a legibilidade de um texto38: o que faz com que um texto
seja legvel, e o que um texto legvel39? Essas questes servem para julgar qualitativamente
um texto, desconhecendo que, para falar de legibilidade, necessrio reconhecer a relao
entre autor e leitor mediados por sua histria. Assim, a linguagem no um produto, mas um
processo e, dessa maneira, no pode ser vista separada da sociedade que a realiza, pois o que
constitui o processo de significao o lugar social dos interlocutores.
A leitura, para a teoria da Anlise do Discurso, uma relao entre linguagem,
sujeitos e contexto histrico-social, e sua produo engloba autor e leitor, que se instauram
como sujeitos e que, em relao com o sentido, so elementos de um mesmo processo, o da
significao. Somente os sujeitos, inundados em um determinado contexto scio-histrico
(ideolgico), e em determinadas condies de produo, podem determinar a leitura.
36
Conceito tomado da Anlise do Discurso, de linha francesa, que se centra no social e no histrico como constitutivo
do discurso. Nessa perspectiva, o sujeito produz sentido a partir do lugar que ocupa.
37
A leitura, na perspectiva pedaggica, nunca livre, h sempre uma direo determinada para ler. Diferentemente a
leitura do leitor (de modo geral, no do aluno) que sempre livre porque no pode contorn-la, ela resiste sempre;
sempre diferente, sempre outra, pois as condies de leitura diferem de leitor para leitor. ele, o leitor, quem
produz os sentidos e no simplesmente os recebe, como se a linguagem fosse transparente (MUTTI, 2003, p.1314).
38
Na AD, o objeto terico o discurso, e o objeto emprico (analtico) o texto, definido pragmaticamente como uma
unidade complexa de significao, consideradas as condies de sua produo.
39
Grantham (2009), em estudo da leitura pelo vis da pontuao (2009, p. 36), acredita que no basta questionar sobre
a legibilidade de um texto. importante destacar, sim, que a legibilidade tanto pode estar como no estar no texto,
uma vez que esse problema deve ser pertinente para a relao que se estabelece entre o texto e quem o l.
43
importante que o leitor reconhea seu papel na produo de sentidos, assim como
entenda que na leitura o que ocorre so efeitos de sentido entre interlocutores, sentidos esses
que no pertencem nem ao autor nem ao leitor, pois se encontram na troca entre um e outro.
Referir a histria leva a entender os limites entre o que a autora explicita como leitura
parafrstica e leitura polissmica, considerando-se que permite ao leitor, no caso do primeiro
tipo de leitura, recuperar o sentido que se supe ser o do texto e, no segundo caso, criar
novos sentidos para o texto, sentido(s) sempre permeado(s) pela histria do sujeito leitor.
O sujeito-leitor aproxima-se do texto a partir de seu papel social, de sua posiosujeito, e o observa luz de seu contexto scio-histrico cultural, poltico e
econmico. Mas no apenas isso. Aborda-o igualmente ao abrigo de sua histria de
leituras e de outros discursos que ressoam desde o interdiscurso, atravessando-se em
sua leitura. (INDURSKY, 2001, p. 37)
40
Mesmo que se fale em mltiplos sentidos, h de se considerar que a linguagem regulada por fatores sociais: no se
diz o que se quer, em qualquer situao, de qualquer maneira (ORLANDI, 2006, p. 86).
44
41
Formao discursiva o lugar da construo do sentido. O sentido no existe a priori, mas determinado pelas
posies ideolgicas dos envolvidos na produo do discurso. um conceito-chave para o analista do discurso, uma
vez que ele que permite reconhecer o modo de inscrio histrico pelo qual uma disperso de textos pode ser
definida como um espao de regularidade enunciativa (ORLANDI, 2004, p. 73, cf. Maingueneau, 1984).
42
Formao discursiva, conceito base da AD, ligada diretamente ideologia, o espao da constituio do sentido.
Estabelecida a partir de certas regularidades, caracteriza-se tanto pela identidade quanto pela diversidade.
45
Retomando, ento, a questo que nos conduz sobre a relao entre sujeito e leitura,
podemos, com base nessa perspectiva terica, dizer que a concepo de sujeito muda muito
em relao s perspectivas anteriores. O sujeito (autor/leitor), apesar de no ser considerado
origem do seu dizer, o centro do processo, visto como (re)produtor de sentidos. O sujeito e o
discurso esto intrinsecamente ligados. O sujeito, constitudo ideologicamente, quem
determina a leitura, tendo em vista as condies de produo. O sujeito efeito de sentido,
inserido em um tempo e em um espao socialmente delimitados.
Podemos, assim, considerar que, pelo vis da Anlise do Discurso43, a leitura decorre
de uma atividade histrico-social constituda. A exemplo do que dissemos quando tratamos da
leitura em seus aspectos lingusticos e cognitivos, no nos opomos configurao terica
desenvolvida no campo da Anlise do Discurso. No entanto, ela tambm se distancia do ponto
a que queremos chegar. E isso por um motivo: a Anlise do Discurso enfatiza muito mais o
que chama de condies de produo da leitura que as operaes lingusticas implicadas pela
atitude de um sujeito no ato de ler. E esse ltimo ponto que mais nos chama a ateno.
Partimos do ponto de vista segundo o qual ler um ato de produo de sentidos no
qual a locutor marca-se como sujeito. Para ns, ler enunciar, e esse ato/processo tem
marcas: as marcas enunciativas da leitura. delas que trataremos mais adiante.
1.4 Encaminhamentos
43
Enfatizamos que a Anlise do Discurso se vale da lingustica como um dos eixos que a sustenta. Trata-se de estudos
discursivos que no so apenas lingusticos.
46
abordar a questo. Um caminho que se centre principalmente no sujeito e em sua relao com
a linguagem.
importante ressaltar que, com os progressos da lingustica, novas perspectivas se
abriram no que diz respeito leitura. No mais apenas pela decodificao ou pelo
entendimento dos elementos postos no texto que ir ser tomado o ato de leitura. Hoje em dia,
na lingustica brasileira, encontramos uma viso de leitura como ato de linguagem em que
autor e, principalmente, leitor cujo papel era ser passivo no processo passam a ser
considerados elementos essenciais para a produo dos sentidos para o texto.
Acreditamos, pois, que, se a leitura envolve aspectos sociais, cognitivos, culturais,
entre outros, no menos verdade que ela seja ato de constituio de sentido produzido por
um sujeito. Logo, nada mais pertinente do que verificar que aspectos de marcao do sujeito
esto envolvidos no ato de produo da leitura.
Contribuir teoricamente com a discusso, mostrar que h algo mais a acrescentar.
imprescindvel reconhecer que falta falar no sujeito, sujeito esse que se constitui na leitura a
partir da singularidade; ele l e, ao ler, constri outro texto, o seu texto.
Desse modo, buscamos contribuir teoricamente para a discusso do tema da leitura, ou
seja, somar algo ao j existente. Pensamos em mostrar que a leitura tambm uma produo
do sujeito e, como tal, pode ser explicada num referencial lingustico que se apoia no sujeito,
no caso, a enunciao.
Fazem-se, desse modo, relevantes as seguintes questes, agora, para continuarmos
nossa reflexo: que aspectos de marcao do sujeito estariam envolvidos no ato de produo
de leitura? Em que termos podemos pensar a leitura como um ato enunciativo?
A partir da discusso de como as diferentes abordagens pensam a relao entre sujeito
e leitura, de como o leitor participa ativamente do processo de leitura medida que constri
um novo texto, de como o leitor pode ser sujeito de seus prprios atos reconhecendo que ele
transforma e/ou recria um outro texto dando significados, podemos direcionar nosso trabalho
para a questo especfica do sujeito que l, tratando, especialmente, de temas como sentido,
referncia e sujeito.
Em sntese, a reflexo a ser levada ao prximo captulo diz respeito a elementos tais
como: o locutor como sujeito e como sua presena se caracteriza no discurso; o interlocutor,
sua presena e sua caracterizao no discurso, uma vez que esse produzido para ele; a
situao que considera as marcas do tempo e do espao da produo do discurso; e, ainda, a
47
referncia, pois importante saber de que trata o discurso. assim, considerando esses
elementos, que nos permitimos adotar a teoria de mile Benveniste como norte para tratar da
leitura. E justificamos nossa escolha: consideramos que a amplitude de suas reflexes nos
permite caminhar para outros estudos relacionados linguagem e no apenas para o que est
posto em sua obra.
Portanto, este trabalho, nos captulos seguintes, estar focado na apresentao de uma
teoria que considere o tratamento da relao entre enunciao e leitura, levando em conta que
para Benveniste o que interessa no a lngua no sentido de Saussure, mas a linguagem
considerada a partir do sentido e do discurso. Como podemos ver, pretendemos complementar
os estudos sobre leitura, no Brasil, apresentando uma reflexo sobre enunciao e leitura.
48
CAPTULO 2
No podemos deixar de enfatizar que Benveniste como linguista no deixou de tratar de tantas outras reas. Apenas
como exemplo podemos citar a filosofia, a antropologia, a sociologia e a psicanlise (FLORES, 2005, p. 43).
49
Como salientam Flores e Teixeira, a leitura fenmeno enunciativo uma vez que:
A pessoa que interpreta um enunciado reconstri seu sentido a partir de indicaes
nele presentes, o que no garante, no entanto, que o que ela reconstri coincida com
as representaes do enunciador. A relao intersubjetiva que se produz na leitura
sempre indita. O sentido, longe de ser imanente, se apresenta como o resultado
de um processo de apropriao do texto pelo leitor, que imprime a sua
singularidade na experincia de leitura. (2005, p.8, grifo nosso)
45
Parte-se do princpio de que a leitura um fazer de novo, um processo de (re)significao, ou seja, fazer de novo o
percurso da significao. Segundo Dessons (2006), pode-se tomar aqui um exemplo muito simples dessa
conceitualizao de um elemento comum a qualquer locutor francs, o do emprego do prefixo re- que se preenche, em
Benveniste, de um valor crtico. Assim, a sequncia, a linguagem re-produz a realidade, comentada desta forma: a
realidade produzida de novo por intermdio da linguagem. Glosado assim pela locuo de novo, re- de fato
portador de dois valores: iterao novamente e inveno de maneira nova.
46
Problemas de lingustica geral I e II renem artigos que abordam o estudo da lngua, relacionando-o
lingustica e a outras reas como a filosofia, a antropologia e a psicanlise. Ressaltamos que, no corpo do
trabalho, quando citarmos Benveniste, utilizaremos como referncia as datas originais dos textos acrescentando,
ainda, como referncia o ano das publicaes brasileiras de 1991 (PLG I) e 1989 (PLG II). Sempre que
necessrio, foram consultadas as edies francesas:
50
Ao tomarmos mile Benveniste como base terica para este trabalho, no podemos
deixar de trazer para nossa reflexo fundamentos tericos de autores como Michel Bral47 e
Ferdinand de Saussure48, aos quais Benveniste tem filiao.
Em nossa opinio, seria impossvel pensar um trabalho em lingustica enunciativa sem
retomar esses dois autores, os quais revelam conceitos e descries que servem de base ao
tratamento enunciativo da linguagem. Mesmo considerando-se que a teoria da enunciao
instaura um pensamento diferenciado acerca dos estudos lingusticos, reconhecvel em
Benveniste um retorno s questes de significao propostas por Bral e viso sistmica de
lngua oriunda da leitura de Saussure, inserindo a os estudos da enunciao, da subjetividade.
assim que Benveniste desloca as famosas dicotomias saussurianas para um novo enfoque, o
do discurso, do mesmo modo que toma a subjetividade presente nas ideias de Bral para
contribuir em suas reflexes nesse novo enfoque.
Bral o primeiro terico a usar o termo semntica. Tomamos como referncia o seu Ensaio de semntica,
publicado pela primeira vez em 1897. Neste trabalho, adotamos a verso traduzida por Eduardo Guimares, de 2008,
dividida em trs partes: As leis intelectuais da linguagem, Como se fixou o sentido das palavras e Como se formou a
sintaxe. Essa obra apresenta uma viso inovadora em relao s questes de significao, contribuindo, assim, para a
descrio de determinados fenmenos semnticos de lngua.
48
Saussure visto neste trabalho a partir do Curso de lingustica geral (CLG), organizado por Bally e Sechehaye,
publicado em 1916, mas tambm, quando necessrio, a partir de alguns leitores contemporneos que o consideram
com relao aos manuscritos encontrados e publicados sob o ttulo de Escritos de lingustica geral. O objetivo
destacar a relao do campo da enunciao com o Curso, como marco que foi de instaurao da cincia lingustica.
51
No so regras de como a vontade humana deve estar atrelada ao uso da linguagem, so explicitaes sobre a
questo. Para o autor so trs as leis: especialidade, repartio e irradiao. A primeira lei refere-se a noes
gramaticais; a segunda, ao contedo lexical das palavras; a terceira lei aponta para mudanas no significado atribudo
aos morfemas de uma palavra.
52
Ao continuar seu percurso pela obra de Bral, a autora destaca na segunda parte a
seguinte citao do autor:
A semntica, ao estudar o sentido, abrange o estudo da significao, podendo-se
entender que h primeiro a produo de um sentido numa situao comunicativa
concreta e, posteriormente, via estabilizao semntica, conseguida por meio da
repetio, a constituio de um novo significado. (BREAL, 2006, apud SEIDI, p.60).
A partir dessa citao, Seidi especifica que podemos entender que o significado o
contedo semntico estvel da palavra, sem considerar necessariamente sua utilizao, e o
sentido, determinado pelo uso concreto da linguagem, a referncia feita ao contedo
semntico e particular da palavra.
Porm, na terceira parte que nos deteremos para apontar os elementos de
convergncia entre Bral e Benveniste. Partimos desse captulo por encontrarmos nele o
estudo do que Bral prope chamar o lado subjetivo da linguagem, que podemos, hoje,
qualificar como o componente enunciativo, parte essencial de todas as lnguas, pois, para o
autor do Ensaio de semntica, a linguagem no possui realidade fora da atividade humana,
tendo por finalidade constitutiva compreender e ser compreendido. (BREAL, 2006. Apud
TAMBA-MECZ, p. 19-24).
O elemento subjetivo configura-se, ento, pela necessidade de o falante interferir
naquilo que est marcado, ou seja, pode ser definido como as marcas de sua interferncia,
como bem mostra Bral.
Se verdade, como se pretendeu algumas vezes, que a linguagem um drama em
que as palavras figuram como atores e em que o agenciamento gramatical reproduz
os movimentos dos personagens, necessrio pelo menos melhorar essa comparao
por uma circunstncia especial: o produtor intervm frequentemente na ao para
nela misturar suas reflexes e seu sentimento pessoal. (2008, p.157)
50
O conceito de elemento subjetivo de Bral apresenta-se como decisivo para as reflexes de Benveniste,
principalmente no que diz respeito intersubjetividade.
53
54
51
Esse retorno, conforme j salientamos, dar-se- pelo Curso de lingustica geral, que, mesmo com suas contradies
internas, conforme Flores (2003, p. 48), pode ser considerado marco no estabelecimento do pensamento estruturalista
a partir do sculo XX.
52
Para Eduardo Guimares, Benveniste pode ser considerado um estrito saussuriano pois procura manter o sistema
fechado, mas ao mesmo tempo rompe este fechamento ao introduzir em seus estudos a significao, apresentando a
subjetividade, ou melhor, a intersubjetividade da linguagem (GUIMARES, 2002, p. 45).
53
O termo signo aparece na obra de Saussure aps a especificao do que vem a ser linguagem e, consequentemente,
aps delimitar os termos lngua e fala. O termo no introduzido sozinho, mas, desde o inicio, na expresso sistema
de signos (CLAUDINE NORMAND, 2009, p. 62).
54
Nesse artigo, Benveniste, apenas pela leitura do Cours, reprova Saussure no que se refere ao conceito de
arbitrrio. Para Bouquet (1997), esse conceito aparece, no CLG, com uma viso distorcida, devido ambiguidade
ligada ao conceito de signo. Signo empregado por Saussure de duas formas: como entidade lingustica global e como
sendo apenas sua parte fonolgica.
55
Em notas de Tlio de Mauro, mais especificamente na nota de nmero 137, podemos reconhecer o porqu
dessa discordncia de Benveniste em relao ao conceito de arbitrrio presente em Saussure. Segundo o autor,
essa discrepncia se deve principalmente ao exemplo infeliz utilizado no Curso, o qual aponta vnculos com
um referente, exemplo este apresentado, no CLG, antes de Saussure ter introduzido as noes de significante e
significado.
56
Segundo Normand, no encontramos, na compilao dos artigos em 1966, mudana de posio de Benveniste em
relao a essa crtica (2009, p. 201).
57
A noo de valor se destaca quando explicitada a diviso entre um valor procedente do arbitrrio e um valor
procedente do fato sintagmtico, pois o arbitrrio lingustico, no sentido em que Saussure o tematiza, decorre daquilo
que ele concebe como valor lingustico (BOUQUET, 1997, p. 195). , pois, na combinao desses dois fatos que o
linguista v a essncia do fato semntico.
56
(BOUQUET, 1997, p. 228). Assim, o princpio bsico da lingustica de que a lngua forma
um sistema58, um sistema de signos, de relaes internas, de modo que cada elemento
depende do outro para ter seu sentido. O arbitrrio em Saussure, diz Bouquet, aponta tanto
para a relao entre significante e significado quanto para a relao que une entre eles os
termos do sistema de uma lngua dada (ibidem, p. 234).
A relevncia dessa discusso para os nossos propsitos est em reconhecer que existe
um eixo semntico no Curso de lingustica geral, eixo esse que est presente em Benveniste.
O que importa, ento, para entendermos essa ligao Saussure-Benveniste , segundo
Claudine Normand, saber de que semntica trata Saussure.
Como sabemos, Saussure considera que a linguagem tem um lado individual e um
lado social; no entanto, considerando a necessidade de um estudo cientfico da lingustica,
descarta a possibilidade de abordar as duas partes, mesmo reconhecendo que existe uma
lingustica da lngua e uma lingustica da fala, conforme o captulo IV da Introduo do
Curso.
Essa ateno dada noo de lngua como sistema de signos, presente nos estudos
saussurianos, leva-nos ao percurso terico de Benveniste que, ao apresentar suas reflexes
sobre a enunciao, retoma essa concepo de lngua. Em Benveniste, lngua e fala tm outro
enfoque, pois a enunciao no considera a possibilidade de estudar a lngua separadamente
da fala, assim como no considera estudar as irregularidades como definida a Lingustica
da Fala no CLG. na ideia de estrutura que se encontra uma nova forma de olhar para esses
termos, considerando-os no mais em oposio. Nessa nova forma de olhar para o par
lngua/fala, pertencem lngua os fenmenos enunciativos, mas no se encerram nela,
pertencem fala na medida em que s nela e por ela tm existncia e questionam a existncia
de ambas, j que emanam das duas (FLORES et al., 2008, p. 18).
Para Barbisan e Flores (2009, p. 17), em O aparelho formal da enunciao59,
comprova-se a interdependncia entre lngua e fala nos estudos enunciativos e, acreditam os
autores, j em Saussure h indcios de que a lngua comporta a fala e vice-versa, quando, no
CLG, ele trata das relaes sintagmticas como pertencentes ao discurso.
58
Saussure sempre usou o termo sistema, sendo o termo estrutura utilizado apenas na dcada seguinte (NORMAND,
2009, p. 12). Benveniste em artigos que trata da enunciao utiliza o termo sistema.
59
Segundo Flores (2008, p. 17), Benveniste fala em aparelho formal da enunciao como um dispositivo que as
lnguas tm que disponibilizado pela estrutura mesma da lngua para a atualizao que o sujeito faz do sistema no
uso. Portanto, essa ideia inclui a de lngua e a de fala, mas no se esgota nelas.
57
Para averiguar a validade dessa semntica, , pois, importante relembrar que, para
Saussure, o valor lingustico resulta da relao do significante com o significado60, e da
relao do signo com os outros signos e, ainda, que a semntica no uma lgica, pois no
pode haver duas etapas de anlise, uma da forma e outra do sentido. , assim, a partir de
60
Valor e significao no devem confundir-se. Pode, por um lado, a significao ser apenas um elemento do
valor, assim como, por outro lado, o valor ser um elemento da significao. Nesse segundo caso, a produo de
sentido infinitamente mais rica, pois rene as relaes complexas do termo lingustico com seu exterior. Devese reconhecer, ento, que o estudo do valor, mais amplo que a significao tradicional, e, sobretudo diferente,
porque imanente, no isolvel como tal (NORMAND, 1990).
58
Saussure que Benveniste implanta uma anlise das formas como portadoras de sentido
(NORMAND, 2009, p. 100).
No que diz respeito a Benveniste, entendemos, em sua relao com Saussure, a
iniciativa de tomar a lngua como objeto da lingustica, mas em outro patamar. Para
Benveniste, interessa uma lingustica da linguagem, que inclui lngua e fala. Nessa lingustica,
tem lugar especial o sentido que leva ao discurso e, desse modo, linguagem. Benveniste,
centrado na enunciao, insere o sujeito nos estudos lingusticos. Percebemos, desse modo
que, assim como segue Saussure em suas bases tericas, Benveniste constitui um novo objeto:
a enunciao61.
Benveniste at pode ser apontado por alguns como o continuador de Saussure, ou
mesmo como o autor que ultrapassa os estudos saussurianos ao propor suas reflexes. No
entanto preciso destacar que Benveniste apresenta um pensamento absolutamente singular,
mostrando que a linguagem deve ser entendida pelo vis do sentido. Seu pensamento
converge para uma importante noo, a de enunciao. Segundo Flores et al.,
A Lingustica da Enunciao conserva muito dos aspectos oriundos da Lingustica
Saussuriana, e o principal deles , sem dvida, a noo de sistema, chamada de
estrutura pelos ps-saussurianos. Todos os lingistas da enunciao subscrevem a
ideia de que a lngua comporta uma estrutura. A palavra estrutura sobejamente
utilizada na literatura da rea (2008, p. 20).62
A ttulo de sntese desta parte, diramos que Benveniste parece ser duplamente
influenciado em sua reflexo. De um lado, inspira-se nos trabalhos de Bral sobre o elemento
subjetivo. V-se de Bral, principalmente, a tese segundo a qual possvel identificar marcas
que dizem respeito subjetividade na linguagem, o elemento subjetivo nos termos de Bral.
De Saussure, v-se uma referncia mais explcita, ancorada nas noes de sistema, signo e
valor.
Retornar a esses dois autores significa, sobretudo, reconhecer neles uma abertura para
a enunciao tendo como norte a subjetividade presente em Bral e o princpio de que a
lngua um sistema de signos, como bem aponta Saussure. Desse modo, podemos dizer, com
61
Segundo Flores e Teixeira (2009, p. 78-79), a expresso o homem na lngua usada por Benveniste para
nomear a quinta parte de seus Problmes de linguistique gnrale I e II um dos pontos de encontro com a teoria
do valor desenvolvida por Ferdinand de Saussure em seu Cours de linguistique gnrale.
62
Com estas palavras vimos surgir uma primeira viso de que a Lingustica da Enunciao, a partir da noo de
sistema, ou estrutura, como dizem os ps-saussurianos, pode nos direcionar para o entendimento de que a leitura pode
ser uma modalidade de enunciao, pois, conforme Barthes (2004, p. 33), toda a leitura ocorre no interior de uma
estrutura.
59
Normand, que Benveniste o mais saussuriano dos linguistas, uma vez que permitiu
resgatar, a partir de Saussure, uma lingustica da significao (NORMAND, 2009, p. 197).
Isso posto, passamos, a seguir, teoria benvenistiana propriamente dita como forma
de reunir elementos que nos permitam falar em leitura como uma modalidade de enunciao.
Falar em Benveniste, mais especificamente discorrer sobre sua teoria, , para ns,
ponto de partida e ponto de chegada63 para realizar o propsito de levar adiante nossa questo
a respeito da leitura, qual seja: de a leitura ser tratada como uma modalidade de enunciao.
Nesse caminho, trazemos, neste item, reflexes de mile Benveniste considerado um dos
primeiros linguistas a ressaltar o uso da lngua pelo locutor constantes em Problemas de
lingustica geral I e II (conforme havamos anunciado na Introduo). Pretendemos rastrear
os principais conceitos da enunciao que permeiam essa teoria, reconhecendo
interdependncia entre eles, pois, como sabemos, ao longo de sua trajetria, Benveniste
escreveu artigos que, tomados no conjunto de sua obra, configuram-se como uma Teoria da
Enunciao. Com a retomada desses conceitos queremos compreender como a leitura, mesmo
no prevista64 nesses estudos, pode ser uma modalidade de enunciao.
Segue-se, ento, a apresentao do que julgamos serem os principais conceitos
presentes na obra de Benveniste, tendo em vista nossos propsitos, a fim de instituirmos uma
relao entre eles que comprove que a leitura uso de linguagem e, como tal, uma
modalidade de enunciao. Antes, porm, vale fazer uma observao. Conforme Flores
(2011b)65, a teoria de Benveniste precisa ser lida como uma complexa rede de termos,
definies e noes que esto interligados entre si atravs de relaes hierrquicas
hiperonmicas e/ou hiponmicas , paralelas, transversais, entre outras. Segundo o autor,
63
Ponto de partida porque temos na teoria enunciativa nossa trajetria terica para apontar a leitura como uma
modalidade de enunciao; ponto de chegada porque nosso intuito estabelecer um caminho terico metodolgico
que d conta do processo de leitura a partir da teoria enunciativa benvenistiana.
64
Dizer que Benveniste no tratou da leitura no nos desautoriza a investir na questo, pois, como mostram Flores et
al. (2008, p. 35), pode ser estudado na enunciao todo o mecanismo lingustico cuja realizao integra seu prprio
sentido e que se auto-referencia no uso que o sujeito faz da lngua.
65
Cf. FLORES, V. N. Notas para uma (re)leitura da teoria enunciativa de Benveniste. No prelo. 2011b.
60
grande parte dos conceitos propostos por Benveniste tm valor primitivo, na medida em que
fazem parte de outros conceitos. Ou seja:
Os termos e as noes que integram um dado conceito contm, em si, outros termos
e noes e estes, por sua vez, esto contidos em muitos outros. Na verdade, h na
teoria benvenistiana uma rede de relaes conceituais em que cada conceito
constitudo por uma rede e parte integrante dela (FLORES, 2011b, no prelo).
61
do signo; ou seja, para o autor, preciso que o signo, como unidade semitica e constitudo de
um significante e de um significado, seja compreendido do ponto de vista da forma e do
sentido. Para Flores et al. (2008, p. 72), com forma-sentido se est no mbito do uso da
lngua, garantia de intersubjetividade, no s porque a lngua partilhada, mas tambm
porque a situao em que se est inserido a mesma: atribuio de referncia para coreferncia.
O segundo artigo, A semiologia da lngua, questiona o lugar da lngua entre os
sistemas semiticos, considerando as posies de Charles Sanders Peirce e de Ferdinand de
Saussure, e atesta que o primeiro, ao discutir essa noo, no se interessou jamais pela lngua
em funcionamento sendo o signo posto na base do universo inteiro: tudo signo. J para
Saussure a lngua que est no centro dessa problemtica, pois ela um sistema de signos dos
mais importantes, e, para Benveniste, o nico que comporta enunciao.
Esse artigo, um dos ltimos escritos por Benveniste, configura um programa de
semiologia universal que deveria se ordenar e se desenvolver sob a direo da lingustica. A
lngua vista, nesse artigo, pelo aspecto semiolgico e pelo aspecto semntico, o que
significa reconhec-la tanto como sistema de signos67 quanto pelo seu uso, isso quer dizer que
a lngua comporta signos que prevem a utilizao da lngua (FLORES et al., 2008, p. 74).
Nesse artigo, encontramos em Benveniste a substituio do termo frase pelo de enunciao,
como manifestao prpria ao mundo do discurso (ONO68, 2007, p. 54).
Com o intuito de retomar os principais conceitos enunciativos que servem de base
terica para nossa tese, delimitamos, ainda, um terceiro item (cf. 2.2.3), cujo ttulo A
enunciao. Nele, fazemos uma reflexo especfica sobre o estatuto geral da enunciao em
Benveniste, retomando todos os aspectos tratados anteriormente e apresentando a temtica da
enunciao, abordada por esse autor, principalmente, no artigo de 1970, O aparelho formal
da enunciao.
Esse texto, que compila as principais reflexes dos estudos enunciativos de Benveniste
e que define a enunciao como este colocar em funcionamento a lngua por um ato
individual de utilizao (PLG II, p. 82), pode contribuir para nossas hipteses iniciais as
quais preveem a leitura do ponto de vista enunciativo. Nele encontramos tanto a concluso de
muitos dos conceitos apresentados em artigos anteriores, quanto uma abertura para reflexes
67
68
62
que, ao tomar a lngua em uso, possibilitam outros desdobramentos que possam de alguma
forma ter a enunciao como base terica. Pensamos, ento, na seguinte passagem ao final do
artigo de 1970:
Seria preciso tambm distinguir a enunciao falada da enunciao escrita. Esta se
situa em dois planos: o que escreve se enuncia ao escrever e, no interior de sua
escrita, ele faz os indivduos se enunciarem. Amplas perspectivas se abrem para a
anlise das formas complexas do discurso, a partir do quadro formal esboado aqui
(PLG II, p. 90).
A passagem acima nos permite buscar a confirmao das hipteses previstas para este
trabalho e reconhecer que, sim, possvel traar um percurso uma nova perspectiva que
se abre a partir dos principais conceitos da enunciao que nos levam a um caminho tericometodolgico para o processo de leitura uma forma complexa do discurso baseado nas
concepes benvenistianas.
importante salientar que no estamos propondo uma clivagem radical entre os textos
apresentados em Problemas de lingustica geral I e II, uma vez que reconhecemos, com
Dahlet (1997), que o tema da enunciao permanente na obra benvenistiana; no entanto,
essa presena de grau e andamento diversos, no sistematizveis em uma s definio.
Assim, o desenvolvimento a seguir apresenta alguns textos de Benveniste que, julgamos,
apontam elementos que podem configurar um estudo enunciativo da leitura.
Finalmente, ainda duas observaes. Primeira: apesar de termos seguido uma ordem
cronolgica, a seleo dos textos tem em vista o detalhamento das ideias que achamos mais
importantes para os nossos propsitos. Segunda: consideramos uma visada da teoria que d
destaque a elementos que levam a estudar a linguagem como condio de existncia do
homem. Em suma, aproximamos nossa teoria enunciativa da leitura, derivada das ideias de
Benveniste, de uma viso antropolgica da linguagem (Cf. DESSONS, 2006).
Em O homem na lngua69
70
69
O homem na lngua uma parte dos volumes I e II de Problemas de lingustica geral, a quinta parte, na qual
Benveniste desenvolve anlises de fenmenos das lnguas naturais de um ponto de vista terico, explicitando o
processo de comunicao intersubjetiva e definindo determinadas categorias lingusticas.
63
estrutura do sistema pronominal pessoal e a enunciao. nessa parte que selecionamos, dos
seis artigos a postos, trs que se complementam e que fundamentam sua reflexo a respeito
do sujeito nos estudos lingusticos e a relao desse sujeito com o tempo e com o espao.
Para o autor, a subjetividade na linguagem se desvela a partir de marcas especficas
dentre as quais ocupa posio de destaque a teorizao sobre os pronomes pessoais como
elementos indispensveis para uma reflexo a respeito da incluso do sujeito nos estudos
lingusticos71, uma vez que a expresso de pessoa sempre est presente na lngua. A teoria da
enunciao, com esses conceitos centrais, implanta um pensamento diferenciado a respeito da
linguagem (FLORES, 2001, p. 30).
Benveniste aponta, no artigo Estrutura das relaes de pessoa no verbo (1946)72, que
tratar linguisticamente das pessoas verbais reconhecer a relao opositiva que se coloca
entre elas. Aqui, o autor mostra a importncia de estabelecer diferena entre essas pessoas,
pois, gramaticalmente, esses elementos se mostram como uma categoria homognea73.
necessrio, no entanto, que se caracterizem as oposies que ocorrem entre essas pessoas e de
que forma se aliceram, pois somente assim se pode entend-las. Reconhecendo, ento, que a
categoria de pessoa, sempre, de uma forma ou de outra, marcada no verbo, Benveniste
mostra que, para apreend-la como elemento da lngua, pode-se partir das definies usadas
pelos gramticos rabes: a primeira pessoa aquela que fala, a segunda, aquela a quem nos
70
Flores e Teixeira (2009, p. 79) lembram que Benveniste, no Avant-propos do Problmes I, chama a quinta
parte de seus PLG de O homem na linguagem. Para os autores, caberia indagar a que se deve este engano de
Benveniste: Por que oscila ele entre lngua (a palavra que efetivamente aparece no sumrio) e linguagem (a
palavra que aparece no Avant-propos) para nomear a parte de seu livro que reflete sobre a
subjetividade/intersubjetividade? (Ibidem). Conforme os autores engano sugere que as noes de lngua e
linguagem mas tambm a de lnguas so de suma importncia no pensamento de Benveniste, e que todas so
relevantes para o autor. Benveniste interessa-se pela linguagem, pela lngua e pelas lnguas simultaneamente.
Como exemplo disso Flores e Teixeira citam o artigo Da subjetividade na linguagem. Dizem os autores: a
intersubjetividade/subjetividade ali estudada inclui a ordem da linguagem o ttulo j atesta isso , a ordem da
lngua j que a anlise conclui em favor de uma generalizao sistmica da oposio pessoa/no-pessoa e a
ordem das lnguas j que h anlises de inmeras lnguas (o francs, certamente, mas tambm as lnguas do
extremo oriente das quais Benveniste era profundo conhecedor). Talvez, ento, o mais adequado seja supor que
Benveniste fala em homem na lngua, mas tambm na linguagem, j que isso sobejamente mostrado nas
anlises que faz das lnguas (Ibidem).
71
Para Guimares (2002), ao distinguir os pronomes, Benveniste est realizando uma descrio da lngua, apontando
que ela tem formas que marcam o elemento subjetivo quando se fala; desse modo, o autor coloca a questo da
subjetividade, j presente em Bral, como uma questo lingustica.
72
Esse texto reflete sobre categorias que fundamentam a teoria benvenistiana da enunciao esclarecendo, do ponto de
vista lingustico, uma distino entre pessoa e no-pessoa e apresentando termos importantes na teoria, como
intersubjetividade e dilogo.
73
O problema que a forma dita de terceira pessoa comporta realmente uma indicao de enunciado sobre algum
ou alguma coisa, mas no referida a uma pessoa especfica. A diferena reside nas correlaes que se apresentam. O
ele no tido como pessoa, e o tu, como pessoa, diferencia-se do eu, pois somente eu pode instituir o tu,
nesse caso, eu a pessoa subjetiva.
64
74
Essa questo tambm abordada por Dany-Robert Dufour quando questiona a relao entre trs termos, afirmando
que no se pode recompor uma estrutura de trs termos a partir de relaes binrias e, Benveniste, segundo ele, mesmo
tendo formulado o conjunto trinitrio dos pronomes pessoais, especifica a relao entre estes termos com o objetivo de
levar adiante suas reflexes. Podemos, segundo Dufour, observar que: Ele [Benveniste] cliva sua definio em dois
subconjuntos binrios: por um lado, ele analisa a dade formada pelo par eu e tu; por outro, em seguida, coloca
eu e tu juntos de um lado e ele de outro. A partir do conjunto binrio, ele obtm assim duas dades. Pode-se,
alis, notar que Benveniste no expe todas as relaes binrias geradas pela decomposio da estrutura de trs
termos, mas utiliza somente as dades que se prestam a seu propsito e deixa sombra as demais [...] (2000, p. 73).
65
Para Ono (2007), esta noo tem lugar importante na teoria de Benveniste, tendo em vista que serve para especificar
a dixis. Segundo a autora, os diticos esto relacionados ID em que so produzidos. relevante destacar que esta
noo aparece, principalmente, nos textos que se baseiam na relao da linguagem com o sujeito falante, atravs da
anlise dos diticos.
76
Conforme o Dicionrio de lingustica da enunciao (DLE), instncia do discurso o ato de dizer cada vez nico
pelo qual a lngua atualizada em fala pelo locutor. Instncia do discurso e enunciao so termos que aparecem quase
sempre juntos nos textos de Benveniste e so definidos de maneira muito prxima (DLE, p.142).
77
Essa questo pode ser, tambm, lida em Dufour, quando este escreve sobre A trindade e a lngua, conforme
passagem abaixo.
Eu e tu, estes dois signos vazios, no referenciais com relao realidade,
resolvem de maneira extremamente simples um problema muito complexo, o da
comunicao intersubjetiva: eles esto disposio de todo o mundo e basta que
algum fale para que essas conchas vazias se tornem cheias. Do mesmo modo, a
concha vazia dos ndices uma espcie de autentificao e de atualizao de nossa
capacidade de simbolizao (DUFOUR, 2000, p. 74).
66
67
H a, ento, uma condio de dilogo, uma troca, que aponta para a apropriao da
lngua por um locutor que passa a sujeito ao incluir o outro, que tem em comum a mesma
lngua. com os pronomes pessoais que se revela a subjetividade na linguagem, e com ela, ao
se instituir essa troca recproca em que eu s emprega eu dirigindo-se a um tu, a
intersubjetividade. Resumindo, podemos dizer que eu sempre a primeira pessoa, sendo
assim, o que muda a pessoa que ocupa esse lugar.
Diz Benveniste que os pronomes pessoais so, para a revelao da subjetividade na
linguagem, o primeiro ponto de apoio. Esses pronomes, mesmo estando na lngua, no
remetem a nenhum conceito. Pertencem, portanto ao mbito da enunciao.
Em termos de sntese, vale lembrar Aya Ono78 (2007, p. 45), que assim apresenta as
relaes configuradas nos textos da dcada de 1940 e 1950 que se dedicam a pensar a
intersubjetividade/subjetividade a partir do sistema pronominal:
no-pessoa
Subjetivo
Pessoa
eu
no-subjetivo
tu
ele
Esse quadro cumpre o papel didtico de mostrar como a categoria de pessoa pensada
por Benveniste e em que termos se d sua vinculao aos pronomes.
Benveniste
aponta
ainda
que
dessa
categoria
dependem
outras
classes
(demonstrativos, advrbios, adjetivos) que participam do mesmo status. Essas outras classes
indicadores da dixis tomam o locutor como ponto de referncia, definindo-se, assim, em
relao instncia do discurso na qual so produzidos.
Alm da categoria de pessoa, a enunciao est relacionada ainda s categorias de
tempo e espao, fundamentais na instncia de discurso.
As categorias de pessoa, tempo e espao so constitutivas da lngua e sua existncia
est ligada ao uso que o locutor faz dela, uma vez que so formas que s podem ser
reconhecidas no uso do discurso que as contm, possuindo, ento, referncia prpria.
78
68
69
para localizar todo o objeto em qualquer campo que seja, uma vez que aquele que o organiza
est ele prprio designado como centro de referncia e ponto de referncia (PLG II, p. 70).
Para Fiorin, o espao do discurso no remete nem a posies nem a movimentos
numa dimenso determinada nem se fecha numa subjetividade solipsista, mas funciona como
fator de intersubjetividade (2008, p. 263). A noo de intersubjetividade, portanto, no est
apenas atrelada categoria de pessoa.
O tempo e o espao so determinantes na questo da referncia em uma situao
enunciativa. Os signos, que s podem ser identificados na instncia do discurso que os
contm, ao serem empregados definem as coordenadas da instncia do discurso as noes
de pessoa, tempo e espao , e essa referncia, mediante estabelecimento de correlaes,
permite deslocamentos espaciais e temporais (FLORES; BARBISAN, 2009, p. 220).
Feito este percurso, reconhecemos que, em Benveniste, as noes de pessoa, tempo e
espao no se apresentam apenas como categorias da lngua, pois tm existncia somente
quando colocadas em uso; assim, so elementos que constituem a lngua, mas que tm sua
existncia na dependncia do uso que se faz delas.
Entendemos, ento, que a enunciao configura-se em um quadro enunciativo cuja
insero dos locutores na lngua envolve apropriao e atualizao, o que significa a presena
dos sujeitos, ou melhor, a noo de pessoa e a de situao correspondendo ao espao e ao
tempo, configurando-se, desse modo, o centro de referncia relativo enunciao.
Em termos de visualizao, poderamos sintetizar as relaes entre as categorias de
pessoa, tempo e espao na enunciao a partir do seguinte diagrama:
Enunciao como
centro de referncia
Categoria de
Tempo
Categoria de
Espao
Categoria de
Pessoa
70
80
Dufour, em Os mistrios da trindade, aponta que Benveniste foi um dos raros a terem empreendido uma descrio
sistemtica desse singular dispositivo intralingustico. Os homens que falam, diz ele, desde sempre tiveram, pois, que
esperar at meados do nosso sculo para tomar como objeto o dispositivo tcnico no qual cada um deve
necessariamente entrar para falar (2000, p. 70).
71
81
Em 1964, em Os nveis da anlise lingustica, a forma vista com relao a sentido e ambos so ligados noo
de nvel de anlise. Nesse texto, Benveniste descreve duas operaes fundamentais que comandam uma outra e das
quais todas dependem: a segmentao e a substituio. H a um princpio que se apresenta do seguinte modo: o
sentido de fato a condio fundamental que todas as unidades de todos os nveis devem preencher para obter status
lingustico (DLE, p. 123).
82
No texto de 1966, Benveniste apresenta a concepo de forma de outro modo. H dois domnios de forma, um no
semitico e outro no semntico, os quais esto inter-relacionados ou com o sistema de signos, ou com a atividade do
locutor que implica construo de referncia (DLE, p. 124).
72
Neste item, nosso interesse recai sobre outras noes, em especial as de forma e
sentido. A que se deve esse interesse? Ora, parece bvio que o que chamamos de texto o
que se l, portanto , constitui-se como uma relao de forma e sentido. No parece possvel
negar isso. Qualquer teoria que aborde o texto reconhecer nele relaes de forma e sentido.
O que especificamente se coloca para ns, no entanto, saber como essa relao
forma/sentido pode ser abordada na leitura, portanto, com relao aos aspectos da
intersubjetividade antes apresentados.
O leitor j deve ter percebido que nossa interpretao de Benveniste fortemente
guiada pelos objetivos que temos. Ento, podemos j antecipar: nosso entendimento da leitura
como modalidade de enunciao o que ser muito mais bem desenvolvido no captulo
seguinte supe que a relao entre a forma e o sentido somente pode ser vista no quadro
intersubjetivo da instncia de discurso. Passemos, agora, anlise mais detalhada desses
conceitos, em Benveniste.
O artigo A forma e o sentido na linguagem decorre de uma conferncia proferida em
1966 a filsofos, cuja reflexo norteadora a forma e o sentido na linguagem. Segundo
Benveniste,
forma
sentido
so
propriedades
conjuntas,
dadas
necessria
73
Para tomar esse ponto, preciso entender que a linguagem significa, que serve para
viver, que a atividade significante por excelncia, e que, se assim no o fosse, no haveria
linguagem. Nessa parte, percebemos a influncia de Saussure nas reflexes de Benveniste.
de Saussure que ele parte, do signo, reafirmando que a lngua um sistema de signos, e que
a ns compete ir alm do ponto a que chegou Saussure na anlise da lngua como sistema de
signos. Os signos da lngua significam e no uso da lngua que passam a existir (ibidem, p.
223-224).
H uma proposio que precisa ser esclarecida: dizer que a lngua feita de signos
dizer antes de tudo que o signo a unidade semitica (ibidem, p.224): ela [proposio]
contm uma dupla relao que necessrio explicitar: a noo de signo enquanto unidade e a
noo de signo como dependente da ordem semitica (ibidem, p. 225). O signo lingustico,
portanto, deve ser tratado a partir da descrio das unidades semiticas as quais devem ser
vistas sob dois aspectos: formal e semntico. H para a lngua dois modos de significar:
semitico e semntico, sendo que, para Benveniste, a significao, ligada ao uso da lngua,
est atrelada dimenso semntica da lngua. O signo visto como a unidade semitica, e a
palavra a unidade semntica.
O signo, como unidade semitica, tem forma e sentido, pois o seu significante o seu
aspecto formal, e o significado da ordem do uso, pois um signo s tem sentido se na lngua
tiver existncia, se for usado. Assim, h um princpio enunciado por Benveniste segundo o
qual o critrio que se possa identificar, no interior e no uso da lngua, tudo o que do
domnio do semitico. Enfim, para Benveniste, necessrio que se entenda que os signos se
dispem sempre e somente em relao dita paradigmtica.
H para a lngua duas maneiras de ser lngua no sentido e na forma. Acabamos de
definir uma delas a lngua como semitica; necessrio justificar a segunda que
chamamos de lngua como semntica. [...] no conseguimos encontrar termos
melhores para definir as duas modalidades fundamentais da funo lingustica,
aquela de significar para a semitica, aquela de comunicar para a semntica (PLG
II, p. 229, grifo nosso).
Se at aqui Benveniste procurou descrever uma das maneiras de ser lngua, a partir de
ento ele aponta para o enfoque semntico, o qual se efetiva a partir da insero do sujeito no
semitico. a lngua sendo usada para estabelecer relaes, para colocar o homem em
contato com o homem, o homem com o mundo (PLG II, p. 229). Nesse caso, a funo
comunicar, isto , produzir referncia. E, aqui, a unidade a palavra, que agenciada
sintaticamente pelo locutor para colocar a lngua em funcionamento; , portanto, a relao
sintagmtica que se forma, pois os elementos se ligam de modo a apontar para um sentido.
74
Trois (2004, p. 36), a esse respeito, diz que a semitica constitui uma propriedade da
lngua e a semntica, uma propriedade do locutor. As noes de forma e sentido,
anteriormente disjuntas, aparecem definidas e englobadas sob o enfoque semntico, pois na
converso da lngua em discurso o signo perde o lugar para o sistema em uso.
No aspecto semntico temos que a forma o agenciamento sintagmtico, e o sentido
a ideia que essa forma expressa. A referncia, na anlise semntica, essencial, uma vez que,
diferentemente da anlise semitica, a situao que constitui o sentido da frase, ou seja, dos
elementos que compem a frase, pois eles nada so se considerados individualmente. Como
aponta Benveniste, se o sentido da frase a ideia que ela exprime, a referncia da frase o
estado de coisas que a provoca. Complementa, ainda, o autor que a frase , ento, cada vez
um acontecimento diferente; ela no existe seno no instante em que proferida e se apaga
nesse instante (PLG II, p. 231).
Assim, os textos a partir do artigo de 1966, como bem aponta Normand (2009, p. 164),
se contentam em retomar os resultados das anlises precedentes e de devolv-los em uma
perspectiva filosfica. uma teoria da linguagem que se expe no texto de 1969, Smiologie
de la langue.
Portanto, essas questes no se encerram a. Dando continuidade s reflexes postas
no texto de 1966, Benveniste apresenta, em 1969, o artigo Semiologia da lngua, no qual
explicita sua perspectiva semntica ao definir os nveis semitico e semntico. Aqui, ao
apresentar um programa de semiologia universal, discute sobre o lugar da lngua entre os
sistemas de signos e, para especificar essa questo, inicia detalhando como o signo visto
tanto por Pierce quanto por Saussure.
O primeiro no se detm no funcionamento da lngua, considerando que a lngua se
reduz s palavras e que essas so igualmente signos. Para Pierce83, o signo colocado na
base do universo inteiro, onde todos os signos funcionam identicamente. Nessa teoria seria
83
Peirce e Saussure partiram do estudo do signo, na mesma poca, sem que um conhecesse o estudo do outro. Os
estudos de Peirce sobre as questes sgnicas iam alm da questo da linguagem. Como filsofo, cientista e
matemtico, Peirce desenvolvia uma teoria do signo que abarcasse uma relao tridica: signo, objeto e interpretante.
75
impossvel delimitar o lugar da lngua, pois essa no admite diferena entre o signo e o
significado. No temos, aqui, um sistema de signos que necessrio para a significncia (PLG
II, p. 45).
por esse vis que Benveniste retorna a Saussure, cujas reflexes partem da lngua,
seu objeto de estudo, a qual deve ser vista como o mais importante sistema formal de signos.
Para chegar a esse objeto, Saussure aborda a lngua84, delimitando dois princpios: o da
unidade e o da classificao. Segundo Benveniste, esto a os dois conceitos que iro
introduzir a semiologia:
O pensamento de Saussure, muito afirmativo sobre a relao da lngua com os
sistemas de signos, menos claro sobre a relao da lingustica com a semiologia,
cincia dos sistemas de signos. [...]. Mas preciso aguardar que a semiologia,
cincia que estuda a vida dos signos no seio da vida social, seja constituda para que
aprendamos em que consistem os signos, quais as leis que os regem. Saussure
devolve cincia futura o papel de definir o prprio signo. Entretanto ele elabora
para a lingstica o instrumento de sua semiologia prpria, o signo lingstico.
(Ibidem, p. 49)
Saussure separa lngua e linguagem tendo em vista a delimitao de um mtodo que aborde a questo pela unidade
que domina a multiplicidade de aspectos com que se apresenta a linguagem. a lngua o objeto das reflexes
saussurianas (PLG II, p. 47).
85
Apontamos aqui, que o signo para Benveniste no bem o de Saussure. um signo que j comporta o semntico.
86
Na msica e na arte, conforme Benveniste, no h nada de repetvel/regular/sistmico e por isso nessas reas h uma
semitica especfica (CAVALHEIRO, 2004, p. 47).
87
H aqui uma nova exigncia de mtodo: preciso que a relao colocada entre sistemas semiticos seja ela prpria
de natureza semitica. E, ainda, determinar se um sistema semitico dado pode se auto-interpretar ou se ele deve
receber sua interpretao de um outro sistema (PLG II, p. 54).
76
88
Sempre que referirmos ao Dicionrio de lingustica da enunciao usaremos o seguinte sistema: sigla DLE seguida
de pgina.
89
Benveniste apresenta quatro critrios que caracterizam um sistema semiolgico: modo operatrio, domnio de
validade, natureza e nmero de seus signos e seu tipo de funcionamento. Especificamente, o critrio de validade
aquele em que o sistema se impe e deve ser reconhecido ou obedecido (PLG II, p. 52).
77
90
Anlise translingustica de textos e de obras cuja base terica a semntica da enunciao (DLE, 2009, p. 165).
78
primeiro caso, perceber a identidade entre o anterior e o atual, de uma parte, e no segundo
caso, perceber a significao de uma enunciao nova, de outra (PLG II, p. 66).
Destacamos a seguinte passagem em Flores (2008), que esclarece as questes
anteriormente apresentadas:
As capacidades de reconhecimento e compreenso so relativas a um jogo que se
estabelece entre o geral e o especfico: a generalidade da forma que indica pertena
lngua, e a especificidade da forma no uso palavra , indicando um sentido relativo
situao enunciativa. Este jogo entre o geral e o especfico se d por
sintagmatizao-semantizao, ou seja, uma atividade com a lngua, tendo em vista
a atribuio de referncia e co-referncia (FLORES et al., 2008, p. 74).
Vislumbramos, ento, nesse trecho, que Benveniste parte para a dimenso do discurso,
apresentando questes relativas enunciao; agora, pois, no mais o estudo da lngua, mas
o do sentido e o do discurso. O que se apresenta a enunciao, cuja principal funo
atualizar o sistema de signos. Segundo Ono (2007), Benveniste ope o mundo dos signos
objeto da lingustica saussuriana ao mundo da enunciao.
Percebe-se, nos ltimos textos tericos de Benveniste, que o termo semiologia a base
de suas reflexes e configura, alm de um programa propriamente lingustico, uma teoria da
enunciao que est baseada na distino
79
Seguimos seu caminho, reconhecendo suas filiaes e entendendo seu retorno a Saussure
para, ento, definir a lngua enquanto sistema de enunciao.
Como bem aponta Ono (2007), so muitos os trabalhos que tomam os estudos
benvenistianos como base para suas reflexes; mesmo que o autor nunca tenha terminado91
seu trabalho, sua retomada fundamental para a histria da lingustica. No entanto, ainda que
se proclame uma teoria da enunciao em Benveniste, preciso reconhecer que essa noo
se forma no decorrer do tempo e dentro de diferentes problemticas da lingustica proposta
por esse autor, e como ela se articula com outras noes, tericas ou no (ONO, 2007, p. 19).
Tal como fizemos no item anterior, propomos abaixo um diagrama que d a ver as
relaes entre a forma e o sentido nos domnios do semitico e do semntico da lngua.
Forma/sentido
No terminar o trabalho diz respeito, segundo Ono, ao texto de 1970, ltimo escrito por Benveniste, tendo em vista
que o autor adoece e deixa de publicar. Mesmo considerando que nesse texto h um certo fechamento em relao a
suas ideias, preciso reconhecer que, caso no tivesse adoecido, Benveniste poderia ter dado continuidade a suas
publicaes.
80
2.2.3 A enunciao
Acreditamos, pois, que o recorte feito at aqui aponta, na obra de Benveniste, para
uma trajetria terica que o leva progressivamente a traar os contornos de sua teoria da
enunciao. Mesmo que na maioria de seus artigos a palavra enunciao no tenha sido
utilizada, percebe-se em suas elaboraes conceituais um percurso enunciativo presente no
conjunto de textos publicados em Problemas de lingustica geral I e II. Em Benveniste no h
uma diviso de textos que apontam separadamente para temas como lingustica, significao,
sujeito, ente outros, pois, em Benveniste, segundo Dahlet (1997, p. 196), h enunciao, de
parte a parte, porm, com um grau e andamento variveis, no sistematizada em um nico
conceito, mas que sistematiza coerncias mltiplas e parciais.
Para Ono (2007, p. 19), importante observar como a temtica da enunciao se
forma a partir das diferentes problemticas apresentadas por Benveniste ao longo de sua
trajetria, pois os artigos publicados por ele tratam tanto de teorizao geral, quanto de
gramtica comparada e, at mesmo, de antropologia lingustica.
Tudo acontece como se, para Benveniste, o estudo da linguagem no pudesse se
apresentar de uma maneira sinttica. O certo que, em um determinado momento de
sua carreira, bastante cedo, alis, Benveniste teve que experimentar o mesmo
embarao que teve Saussure antes dele: de acordo com o mestre genebrino, o ponto
de vista que cria o objeto lingustico. Publicar em coletnea ter sido a nica iniciativa de
Benveniste para dar forma a uma lingustica geral. (ONO, 2007, p. 19-20)
92
Apresenta-se como ltimo grande trabalho de Benveniste e pode ser considerado um trabalho de sntese, pois rene
todas as reflexes at ento propostas, de forma mais acabada.
81
93
Pode ser definido como uma espcie de dispositivo que as lnguas tm para que possam ser enunciadas. Este nada
mais que a marcao da subjetividade na estrutura da lngua. (FLORES; TEIXEIRA , 2005, p. 36)
82
O termo performativo aparece nas reflexes de Benveniste desde 1958, mas no artigo A filosofia analtica e a
linguagem que o autor apresenta o sintagma enunciado performativo como um ato nico e singular. Segundo Ono,
esse conceito no deve ser confundido com a noo de que a enunciao um ato individual de utilizao da lngua,
pois o ato performativo realizado pelo ato de enunciar a frase que contm um verbo que descreve essa atividade
(ONO, 2007, p. 86).
95
83
84
Resumindo, vimos que, nesse texto, Benveniste apresenta trs aspectos relativos
enunciao: vocal, semantizao e quadro formal, sendo o ltimo no que ele se detm para
explicar a enunciao como ato de utilizao da lngua. Assim, fazem parte desse quadro o
locutor, o alocutrio, a situao de tempo e de espao e, ainda, os mecanismos lingusticos
utilizados nessa utilizao.
Aps discorrer sobre os elementos da enunciao, e defini-la como o colocar em
funcionamento a lngua por um ato individual de utilizao, Benveniste aponta que muita
coisa ainda se pode estudar no contexto da enunciao, pois a lngua deve ser tomada como
um todo. Com isso, entendemos que h, nas reflexes de Benveniste, abertura para novas
perspectivas em relao s questes que tomam lngua/linguagem como objeto de estudo.
Este captulo, portanto, caracterizou-se por apontar que em Benveniste o estudo da
enunciao desenvolve-se a partir de uma srie de noes, as quais vo se interligando de
forma a mostrar que a estrutura terica, presente nos estudos benvenistianos, constitui-se em
uma semntica que d conta da lngua como um todo.
Na nossa leitura de Benveniste, a enunciao , portanto, um ato que implica a simultaneidade do semitico/semntico, da forma/sentido e das relaes entre pessoa, tempo e espao.
Com a figura abaixo, esperamos poder dar a ver, mesmo que de forma incipiente, as
relaes que supomos entre as noes desenvolvidas neste captulo.
S
E
M
I
O
T
I
C
O
PESSOA
Forma/sentido
Forma/sentido
TEMPO
ESPAO
S
E
M
A
N
T
I
C
O
85
lngua em discurso (PLG II, p. 83). Nesse caso, preciso considerar tanto o ato quanto as
situaes em que ele se realiza e os instrumentos dessa realizao.
Assim, na leitura nos interessa o ato, como apropriao do texto pelo locutor-leitor,
que passa, na sua relao interlocutiva com o texto/enunciado, a sujeito-leitor. Nesse ato o
sujeito se apropria de uma enunciao anterior, atualizando-a, atravs do uso de formas
especficas que situam o locutor em relao sua enunciao.
Enfim, preciso nesse ato considerar a lngua toda como o aparelho formal da
enunciao, o qual definido como dispositivo que permite ao locutor transformar a lngua
em discurso (DLG, p. 48).
Resumimos, a partir da leitura feita at aqui, que as noes apresentadas foram se
costurando de uma forma tal que nos levaram a compreender que em Benveniste h uma
teoria da enunciao. Tais noes, ao configurarem-se num quadro enunciativo, apontam para
a possibilidade de investigao de qualquer questo relativa linguagem a partir dessa teoria.
Algumas questes concludentes se fazem necessrias para que se possa, a partir da
teoria enunciativa de Benveniste, focar o tema da leitura.
necessrio entendermos como as noes que envolvem os estudos enunciativos
podem contribuir para a confirmao de nossa hiptese de que a leitura uma modalidade de
enunciao. E, ainda, que caminho metodolgico a abordagem enunciativa permite formular
para descrever a leitura como modalidade de enunciao. Essas so questes que permearo
nosso trabalho nos prximos captulos.
86
CAPTULO 3
Enunciao e leitura
Seguir uma abordagem enunciativa para tratar a leitura, conforme indica o ttulo deste
captulo, implica tomar como norte alguns pressupostos decisivos, de certa forma j
anunciados no decorrer dos captulos anteriores, quando, primeiramente, tratamos das
principais perspectivas de leitura trabalhadas no Brasil e, ainda, quando da descrio dos
principais conceitos enunciativos presentes na obra de mile Benveniste. Faz-se necessrio,
ento, retomar as questes at aqui levantadas com o intuito de balizar a discusso a ser seguida.
No primeiro captulo desta tese, mostramos a constituio do campo da leitura a partir
de diferentes concepes que colocam em relevo o conceito de leitura e os elementos
implicados nesse processo. A verificao das diversas teorias possibilitou-nos mostrar que as
diferenas envolvidas, em cada concepo acerca da leitura, s reforam a necessidade de
uma reflexo terica que aborde o processo como uma questo de lngua, mais
especificamente de linguagem, e que, nesse caso, o que tem de ser evidenciado a
significao, pois somente ela pode explicitar o funcionamento da lngua. Nesta parte,
permitimo-nos pensar sobre o sentido e apontar a falta de uma base terica que coloque a
leitura como uma modalidade de enunciao, pois consideramos o processo de leitura como a
colocao da lngua em uso pelo locutor, o que, provavelmente, os estudos que tm como
parmetro uma leitura com nfase no processo social, pedaggico ou apenas cognitivo no
possibilitam enfatizar.
No segundo captulo, j tendo reconhecido a necessidade de um embasamento terico
que tivesse como ponto de apoio o uso da lngua e para tal a necessidade de explicitar o papel
dos sujeitos envolvidos no processo de leitura, percorremos a teoria de Benveniste, a fim de
descrever seu percurso terico, pois entendemos que nessa teoria teramos encontrado o
87
embasamento necessrio para demonstrar que a leitura um ato enunciativo e, como tal,
coloca em pauta elementos como semitico/semntico, forma/sentido e as relaes entre
pessoa, tempo e espao.
Considerando-se as leituras feitas anteriormente para o primeiro captulo e tendo em
vista o percurso terico apresentado no segundo captulo, cujos elementos do conta de uma
teoria enunciativa, compreende-se como o processo de leitura, neste estudo, pode ampliar um
entendimento do papel da linguagem na produo do sentido, diferindo, assim, do que at
ento foi apresentado.
Nesse caminho, este terceiro captulo consiste, primeiramente, em situar os
embasamentos para o entendimento da leitura na perspectiva enunciativa. Faremos isso
destacando como os conceitos de intersubjetividade e subjetividade na estrutura
pessoa/tempo/espao, a relao forma e sentido associada a semitico/semntico e o conceito
de enunciao esto implicados em uma teoria da leitura a partir dos fundamentos da teoria
benvenistiana (cf. 3.1; 3.2; 3.3). A partir disso pensamos poder explicitar o nosso
entendimento da leitura na perspectiva enunciativa.
A partir do que havamos salientado (item 2.2.1), podemos dizer que na leitura est
posta a questo do locutor que l e que, ao ler, torna-se sujeito, sendo, ento, o campo da
leitura o da intersubjetividade, pois toda leitura procede de um locutor que se prope como
sujeito.
Tratar da intersubjetividade e da subjetividade atreladas ao processo de leitura
significa, neste momento, avaliar a importncia da presena do locutor nos estudos
lingusticos e, com isso, especificar como essa presena pode estar relacionada ao
ato/processo de leitura. Portanto, aqui, interessa-nos esclarecer essas noes de modo a
reinterpret-las a partir do fenmeno da leitura.
Vimos na teoria enunciativa de Benveniste uma ampla reflexo a respeito da
linguagem96, principalmente no que diz respeito a uma descrio sistemtica dos pronomes.
96
Os termos linguagem e lngua, na teoria de Benveniste, no se revestem teoricamente, mesmo que em alguns
contextos de seus artigos possamos coloc-los em relao de sinonmia. Assim, o termo linguagem, em
88
Benveniste, ao desenvolver essa descrio, inseriu o sujeito nos estudos lingusticos, o que o
levou a tratar da lngua em funcionamento. Para o autor, cada enunciao um acontecimento
que no se repete, pois a intervm as categorias de pessoa, tempo e espao, condies que
revelam a intersubjetividade na linguagem. Com base, portanto, nessa viso de lngua o nosso
movimento em direo a uma leitura enunciativa, que tem por ponto de partida o locutorleitor, dar-se- a partir da intersubjetividade/subjetividade que em Benveniste central. O
autor enfatiza que a intersubjetividade permite o uso da lngua. Somente porque h
interlocuo ou seja, porque um locutor se prope como sujeito e, ao se propor como tal,
promove a existncia de um alocutrio que se pode falar no uso de lngua.
Para Barthes, Benveniste trata a enunciao como ato sempre renovado pelo locutor
que, ao tomar posse da lngua, torna-se sujeito quando fala. Barthes salienta a importncia que
Benveniste d intersubjetividade, uma vez que o sujeito s se torna sujeito na medida em
que fala (e, portanto, no h subjetividade); h s locutores; bem mais [...], h s
interlocutores (2004, p. 211-212).
Retomando o que dissemos anteriormente, entendemos que rever os conceitos de
intersubjetividade e subjetividade, assim como outros conceitos presentes na teoria
benvenistiana forma/ sentido, semitico/semntico e enunciao , seja o ponto de partida
para tornar mais clara a viso de uma abordagem da leitura na perspectiva enunciativa.
Enfim, que deslocamentos devemos operar na teoria enunciativa de Benveniste, tal
como a apresentamos no captulo anterior, para produzirmos uma perspectiva de anlise do
ato/processo de leitura? A busca de respostas a tais questes ser a nossa condutora a seguir.
Passemos aos deslocamentos que operamos porque, com eles, pensamos poder fundamentar
nossa tese de que ler enunciar.
Benveniste, pode ser compreendido como faculdade de simbolizar inerente condio humana (DLE, p. 152).
Ou seja: assim entendida, a linguagem est diretamente ligada intersubjetividade, uma vez que, como uma
faculdade de simbolizar, ela condio de existncia do homem e como tal sempre referida ao outro (DLE, p.
152). Ou ainda: A linguagem constitutiva do homem na justa medida em que a intersubjetividade lhe
inerente. Dessa forma, pode-se considerar que a vinculao entre linguagem e intersubjetividade constitui uma
espcie de a priori da teoria benvenistiana (DLE, p. 152). O termo lngua, por sua vez, remete a outras noes
tericas: o DLE a entende como um sistema que inter-relaciona valor distintivo das formas e valor referencial
relativo situao enunciativa (DLE, p. 150). Dessa forma, podemos ver que a linguagem uma condio
constitutiva do homem, que se manifesta na lngua e, consequentemente, nas lnguas. Isso evidente quando
Benveniste alterna o termo linguagem com lngua e com lnguas. Por exemplo, em A linguagem e a experincia
humana, texto de 1965, em que afirma a respeito da temporalidade: Chega-se assim a esta constatao
surpreendente primeira vista, mas profundamente de acordo com a natureza real da linguagem de que o nico
tempo inerente lngua o presente axial do discurso, e que este presente implcito. [...] Esta parece ser a
experincia fundamental do tempo, de que todas as lnguas do testemunho sua maneira (PLG II, p. 76). Nesta
tese, seguiremos essas indicaes para o uso dos termos linguagem, lngua e lnguas.
89
Como podemos ver, no DLE a noo de locutor embasa a de sujeito, isto , permite
um movimento de passagem de uma noo outra, o que ilustrado com alguns textos como,
por exemplo, A natureza dos pronomes, em que afirmado que se identificando como
pessoa nica pronunciando eu que cada um dos locutores se coloca como sujeito (PLG I,
p. 280-281). Em Da subjetividade na linguagem, encontramos tambm: A linguagem s
possvel porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo a ele mesmo como eu no
seu discurso (PLG I, p. 286). E conclui o DLE: [...] a noo de locutor necessria para que
Benveniste possa formular a noo de sujeito, uma vez que sua teoria dedica-se bastante a
estudar a subjetividade entendida como capacidade do locutor para se propor como sujeito
(PLG I, p. 286).
No DLE encontramos que, quanto a sujeito, o termo aparece em Benveniste com
diferentes sentidos. H usos prximos a estudos da tradio gramatical ou relativos sintaxe
em seu aspecto formal, h usos relativos a indivduo que fala, e h usos cujo sentido decorre
da alternncia com outros termos, tais como: locutor, pessoa, eu e homem. Vale citar na
ntegra o que apresenta o DLE:
H, tambm, usos cuja especificidade decorre da alternncia com outros termos.
Como em Estrutura da lngua e estrutura da sociedade, de 1968, em que a
especificidade de sujeito decorre da alternncia com falante: Para cada falante o
falar emana dele e retoma a ele, cada um se determina como sujeito com respeito ao
outro ou a outros. (BEN89: 101). As nuances de sentido podem se complexificar
ainda mais em funo dos termos que co-ocorrem com sujeito. Observe-se a
passagem a seguir, presente em A natureza dos pronomes, em que Benveniste
utiliza, primeiramente, a expresso sujeito falante entre aspas e, em seguida, diz:
identificando-se como pessoa nica pronunciando eu que cada um dos locutores
se prope alternadamente como sujeito (BEN95: 280-281) [grifo nosso]. H aqui
termos que no se recobrem teoricamente: sujeito falante, pessoa, locutores e
sujeito. Por motivos bvios, o termo adquire grande relevncia terica em Da
subjetividade na linguagem, de 1958. Nesse texto, Benveniste parece deixar
entrever que o sujeito no nem homem na linguagem e pela linguagem que o
homem se constitui como sujeito. (BEN95: 286) , nem locutor A
subjetividade de que tratamos aqui a capacidade do locutor para se propor como
sujeito. (BEN95: 286). Ou ainda: A linguagem s possvel porque cada locutor
90
91
Lembramos, aqui, o texto de Normand (1996), no qual a autora salienta o fato de Benveniste no desenvolver uma
teoria do sujeito, o autor jamais usou a expresso sujeito da enunciao, mesmo que muitos tenham atribudo esta
noo ao autor.
98
92
esto disposio de todo o mundo e basta que algum fale para que essas conchas vazias se
tornem cheias. Assim sendo, a leitura enunciativa caracteriza-se pela intersubjetividade, por
essa troca constitutiva do eu-tu.
As relaes entre as pessoas eu-tu so descritas por Benveniste como recprocas,
uma vez que eu-tu so, alternativamente, protagonistas da enunciao, ou seja, ambos tm a
mesma importncia.
Em nossa opinio, na leitura, h uma dupla instncia de reciprocidade: em um
primeiro momento, o locutor-leitor se apropria do enunciado e, com ele, coloca-se em uma
relao de dilogo. O locutor, em nossa viso, dialoga com o enunciado, o texto. No seria
absurdo, portanto, considerar que, ao menos em certo sentido, o enunciado um tu da
relao eu-tu. O enunciado, nesse processo, um tipo de interlocutor. com ele que o
locutor-leitor estabelece uma troca propondo-se como sujeito, o sujeito-leitor.
O enunciado tem existncia no exato momento em que a lngua mobilizada, ou seja,
no exato momento em que o locutor se apropria da lngua. O que equivale a dizer que, em se
tratando de leitura, esta somente existe quando o leitor aqui entendido como locutor-leitor
produz leitura, implicadas as noes de pessoa, tempo e espao.
Entendemos, assim, que o interlocutor que no caso da leitura no pode ser pari passu
relacionado a um indivduo de existncia emprica o enunciado com quem o sujeito-leitor
estabelece relao, no ato/processo de leitura. Podemos dizer, ento, que se encontram
implicados o eu e o outro. O eu como aquele que enuncia, ou melhor, que ao ler se
enuncia, e com esse ato dialoga com tu, o enunciado99.
E h mais: quando o locutor-leitor se prope como sujeito a partir de um dilogo com
o texto, instaura-se uma referncia, um certo ele. H aqui implicados, ento, eu-tu-eleaqui-agora.
Essa situao se complexifica ainda se pensarmos que o enunciado lido, o que estamos
chamando de tu da leitura, ele tambm constitudo de uma relao eu-tu-ele com suas
marcas espao-temporais.
99
Diremos aqui que o leitor e o texto so, simultaneamente, um eu e um tu. O leitor o eu, quando produz
interpretao e o tu, quando alvo do texto; quando o leitor dialoga como o texto, este tu, quando proporciona
sentidos ao leitor, o eu. A se configuram as caractersticas da unicidade e da reversibilidade entre as figuras
enunciativas presentes no ato/processo de leitura.
93
Em
resumo,
para
que
fique
bem
claro,
pensamos
que,
quanto
94
95
101
Dufour apresenta eu como aquele que fixa as referncias da alocuo atual, e que permanece em seu lugar; tu
aquele da alocuo atual, dir eu na prxima. Ele da alocuo atual dizia eu na precedente. H uma srie de trs
alocues (2000, p. 57).
96
97
Poderamos sintetizar isso com a figura abaixo, de forma a dar a conhecer como se
constitui o primeiro deslocamento terico que fazemos para o processo subjetivo/
intersubjetivo da leitura.
ELE
(referncia construda no aqui-agora)
Pessoa
EU
TU
(Locutor-leitor)
Tempo
Espao
Neste item no pretendemos retomar tudo o que foi dito a respeito da forma e do
sentido presente nos estudos de Benveniste. Lembramos que isso j est feito no item 2.2.1,
quando realizamos uma retomada global sobre a questo. Resgatamos os conceitos de forma e
98
sentido apontando que, no funcionamento da lngua, ambas as noes implicam uma questo
mais ampla, que a significao. Cabe, aqui, reter essa relao tal como foi concebida por
Benveniste, ligada de leitura, o que implica considerar que, do ponto de vista enunciativo, a
leitura acontece tambm na relao entre forma e sentido estabelecida pelo locutor.
Trazemos, ento, o conceito de que a lngua um sistema de signos, e de que o signo
apresentado no mbito da forma, a unidade da lngua, porm no a nica. Essa noo
relacionada de sentido. Forma e sentido, em Benveniste, so termos que apresentam um
novo contexto para a teoria do signo de Saussure. o signo est ligado ao modo semitico da
existncia da lngua e, nesse modo, ele tem forma e sentido (DLE, 2009, p. 212). A surge a
questo da significao, que existe somente na e pelas formas, ela que estrutura a lngua
(NORMAND, 2009, p. 174). A significao se prope no apenas a partir do semitico, mas
tambm do nvel semntico. So, portanto, dois nveis, semitico e semntico, ambos com
forma e sentido. No primeiro nvel, intralingustico, cada signo sendo distintivo, com valores
opositivos e genricos, em relao paradigmtica. O segundo, diz respeito atividade do
locutor com a lngua e se coloca em relao sintagmtica. Nesse ltimo nvel a referncia
definidora do sentido.
A leitura, no modo como a estamos abordando, leva em conta a posio de Benveniste
sobre as formas, sobre sua funo significante, na relao entre particularidades formais e
semnticas.
As reflexes, a postas, dizem respeito semantizao da lngua no processo de
sintagmao, e isso provavelmente deve de algum modo nos guiar na abordagem da leitura
pelo vis da enunciao.
A semantizao da lngua est dentre os aspectos que dizem respeito enunciao e
significa que nesse processo a lngua convertida individualmente em discurso. Compreender
esse aspecto leva-nos ao entendimento da problemtica do signo e da significao. O sentido,
portanto, deixa de estar apenas atrelado s unidades do sistema e passa a ter uma nova
perspectiva medida que se consideram as especificidades da frase, como unidade de nvel
superior. Desse modo, inaugura-se uma lingustica que, ao tratar da frase, aborda o aspecto
semntico, sem, no entanto, deixar de tratar da lingustica do sistema.
nesse sentido que entendemos a leitura enunciativa, pois a esto postas as noes de
forma e sentido no uso da lngua. Portanto, se a lngua antes de tudo significa, e isso depende
do uso, pelo arranjo formal dos elementos lingusticos que a lngua usada, olhando para a
99
maneira como essas formas produzem sentido. Benveniste desenvolve seu trabalho, portanto,
reconhecendo que os estudos lingusticos devem ir alm das formas, pois essas tm a
incumbncia de explicitar os sentidos.
O que retemos aqui dessas noes, e que importa para o entendimento de uma leitura
enunciativa, entender que no uso da lngua que o signo existe e nesse uso que deve ser
identificado, uma vez que ele s a tem existncia. Desse modo, ao reconhecer que a lngua
tem dupla significncia (semitica e semntica), apontamos que a leitura enunciativa no tem
em vista uma anlise centrada apenas no nvel semitico, mas uma anlise que revele, a partir
do uso, que o enunciado a ser lido deve ser considerado em seu todo.
A lngua, ento, estruturada pela significao, e esta existe somente na e pelas
formas (NORMAND, 2009, p. 174). Entendemos, pois, que o enunciado constitui-se de uma
forma cujo entendimento se dar a partir do sentido. Ler, portanto, significa reconhecer a
forma e compreender o sentido. A atividade de reconhecimento necessria para distinguir
um signo como pertencente ao sistema, no entanto, no o bastante; ela deve estar atrelada
atividade de compreenso, pois indispensvel que o sistema seja comum a locutor e
alocutrio, e que a situao discursiva tambm o seja. Essas duas atividades instituem a
relao entre a significao do j-conhecido e a significao atual (DLE, p. 197).
Para que a leitura efetivamente se realize, necessrio que o locutor-leitor transite
entre o nvel do reconhecimento e o nvel da compreenso. Leitura lngua em uso, e a lngua
implica a significncia dos signos e a significncia da enunciao. Compreender , por
conseguinte, o trabalho de constituio de novos sentidos a partir de cada situao de uso. O
sujeito-leitor, no ato/processo de leitura, deve reconhecer que as formas, presentes no
discurso, expressam sentidos dependentes de sua atitude como leitor e da sua situao no ato
enunciativo. Compreender, segundo o DLE, pressupe reconhecimento da lngua com
sistema de signos distintivos, os quais, em uma situao enunciativa, no caso a leitura, tem
referncia nica, relativa a eu-tu-ele-aqui-agora, indicadores das categorias de pessoa, espao
e tempo (DLE, 2009, p. 63).
Nesse caminho, retomamos os dizeres de Benveniste: h duas maneiras de ser lngua
na forma e no sentido, e a partir destas maneiras que olhamos para a leitura. A leitura ,
conforme salientamos anteriormente, a capacidade de reconhecer o geral da forma, a lngua
enfim, e o especfico, que se apresenta no uso, diz respeito situao enunciativa. Esse
processo todo se d pela sintagmatizao e pela semantizao, ou seja, a leitura acontece pelas
100
relaes que se colocam atravs da lngua e pelo momento enunciativo em que o locutor se
torna sujeito da leitura. Portanto, para que o leitor seja sujeito desse processo, deve
reconhecer que, para a leitura, h forma do enunciado e h tambm sentido que se produz
corroborado nessa forma.
Com a articulao semiticosemntico, podemos reconhecer o ato de leitura como a
lngua em uso, considerando nessa articulao que esse ato s acontece porque o leitor
reconhece as relaes diferenciais que se constituem no interior do sistema, assim como
compreende que as palavras, semantizadas pelas relaes que estabelecem no interior da
frase, so os instrumentos da expresso semntica. A leitura, portanto, decorre da forma como
as palavras se organizam e se relacionam no interior de uma determinada configurao
sinttica. Significao, na/para a leitura, no apenas o reconhecimento de pertencimento ao
sistema, mas sim, o chegar compreenso tendo primeiramente o reconhecimento como
organicamente relativo ao sistema.
A leitura, portanto, s ocorre porque o leitor, em seu ato, consegue transitar,
conjuntamente, entre as funes da lngua de significar e de comunicar sem necessidade de
reconhecer esse trnsito, pois o leitor utiliza a lngua para se enunciar e produzir discurso, no
caso, leitura.
Na leitura reconhecemos a noo de ato, que deve tambm ser levada em conta
quando se enfatiza o aspecto da lngua em funcionamento. Nesse caso, a lngua toda, sob a
perspectiva enunciativa, com destaque s noes de palavra e frase, esta como unidade do
discurso, como atualizao, concebida como a lngua em ao. O que temos que os signos
que se apresentam no enunciado surgem a como palavras que tm referncia, portanto,
submetidas enunciao.
Se at um determinado momento semitico e semntico aparecem como dicotomia,
para o tratamento da lngua em uso e, principalmente, para o da leitura, reconhecemos que
essas duas maneiras de ser lngua so apresentadas como complementares por Benveniste.
Considera-se que os signos da lngua so usados em um agenciamento que se materializa na
frase.
assim que entendemos a leitura como uma modalidade da enunciao. Ler significa
no apenas o ato de apropriao do enunciado num determinado momento e numa
determinada situao. A leitura depende da estrutura, e essa se apresenta a partir dos nveis
semitico e semntico, j fundidos ao se tratar do discurso, ou seja, da lngua em uso. Para
101
que haja leitura, o sujeito-leitor deve reconhecer que a palavra, unidade do discurso, forma e
sentido e deve ser considerada no uso da lngua em sua relao com as outras palavras; de
outro modo, seria apenas um signo. A frase, por sua vez, tem seu sentido a partir do
agenciamento das palavras. Ela no integra uma unidade de nvel superior.
Ler reconhecer todas as palavras (signos) que fazem parte do enunciado como tendo
ou no um sentido e, a partir de ento, compreender que essas palavras, em um encadeamento
no enunciado, uma vez que esto em uso, apresentam um sentido que est atrelado ao
agenciamento, s circunstncias, ao sujeito. No primeiro caso, o nvel semitico, no
segundo, o nvel semntico, porm interdependentes, pois somente ao tomarmos os dois
nveis podemos determinar o ato de leitura, ou melhor, o encaminhamento que o sujeito-leitor
dar ao texto. A leitura no se reduz ao entendimento das unidades separadamente; no
conjunto que, visto globalmente, surgir o sentido.
Retomamos a seguinte passagem em Flores et al. (2008), que muito bem esclarece as
questes anteriormente apresentadas.
As capacidades de reconhecimento e compreenso so relativas a um jogo que se
estabelece entre o geral e o especfico: a generalidade da forma que indica pertena
lngua, e a especificidade da forma no uso palavra , indicando um sentido relativo
situao enunciativa. Este jogo entre o geral e o especfico se d por
sintagmatizao-semantizao, ou seja, uma atividade com a lngua, tendo em vista
a atribuio de referncia e co-referncia (FLORES et al., 2008, p. 74).
Produzir leitura significa, ento, olhar para o sentido do texto como uma forma que
se define pela totalidade de seus usos, por sua distribuio e pelos tipos de relao de que
resultam (NORMAND, 2009, p. 155).
Ler construir um discurso, uma vez que o sujeito passa a converter essas formas da
lngua a partir da apropriao de um discurso anterior para atualizao de sentidos novos no
ato de leitura, levando a surgir sempre um novo discurso. a semantizao da lngua, diz
Benveniste, que est no centro da enunciao como converso individual da lngua em
discurso, e ela que conduz teoria do signo e anlise da significncia (PLG II, p. 83).
Conclumos, pois, que a leitura enunciativa significa atividade do leitor com a lngua,
de modo que essa atividade sempre produza sentidos novos a cada situao de uso. A leitura
significa compreenso medida que o leitor, ao reconhecer as formas integradas no
enunciado, produz sentidos relativos a sua atividade de sujeito-leitor e em relao situao
enunciativa. Desse modo, a leitura, como acontecimento singular e irrepetvel da lngua,
apresenta-se pela relao entre locutor, alocutrio, considerando sempre as instncias do
102
tempo e do lugar de uma determinada enunciao. A leitura, desse modo, produz referncia.
Ler , portanto, um ato cada vez nico de produo de sentidos, tendo como base a forma e o
sentido.
A ttulo de ilustrao didtica, assim representamos as relaes entre a forma e o
sentido na leitura:
Leitura
Semitico
Semntico
Forma/sentido
Semantizao
103
escritor interagem mutuamente; pode, ainda, a leitura ser vista como um ato social entre leitor
e autor os quais contribuem para construir o sentido. No entanto, todos esses conceitos ainda
no abarcam plenamente o papel da linguagem assumida por um sujeito, o que faz da leitura
uma atividade de construo numa relao produtiva de interao entre o texto e o leitor.
No item 2.1, vimos que Benveniste segue Bral e Saussure em suas bases tericas.
Porm, neste momento, importante destacar que, a partir dessas bases, Benveniste apresenta
uma lingustica da linguagem voltada para o uso e para o sujeito. O objeto no nem a
lngua nem a fala, mas a enunciao, ato de passagem da lngua ao discurso pelo qual o
sujeito semantiza a lngua (TEIXEIRA, 2005, p. 199). Nessa lingustica tem lugar o sentido
que leva ao discurso e, desse modo, linguagem; uma lingustica da enunciao, na qual
Benveniste insere o sujeito nos estudos lingusticos.
So, portanto, questes de linguagem que apontam para um eixo de interesse sobre a
leitura como modalidade de enunciao, ou seja, a leitura passa a ser definida como ato de
apropriao do sentido, pois, como aponta Teixeira, conceber a leitura como ato enunciativo
conceb-la como um ato do sujeito-leitor, mediante o qual ele institui uma relao com o
texto para produzir sentido no momento da leitura (2005, p. 200).
preciso entender que a leitura requer um tratamento contextualizado para a lngua,
que no mais pode ser vista como um sistema de elementos combinados, sem ser considerada
em seu uso. lngua e discurso que se complementam para que o sentido, que se produz a
partir da singularidade de cada leitor, estabelea-se. Portanto, importante levar em conta,
para a leitura, as relaes presentes na lngua, entre seus elementos e seus significados, pois a
leitura se caracteriza como um ato singular, ato do sujeito-leitor, cuja interpretao no pode
ser nica nem definitiva, pois depende do sentido dado por cada leitor no momento da leitura
do texto102.
Trazemos, ento, a leitura como apropriao de sentido, o qual , essencialmente,
determinado pela subjetividade, cujo fundamento est no exerccio da lngua. Falamos em
ato/processo enunciativo de leitura com base em Benveniste, que, em O aparelho, define a
enunciao simultaneamente como ato e como grande processo.
Assim sendo, tomamos a leitura a partir de dois deslocamentos anteriormente
previstos em relao s teorias de leitura descritas (conf. captulo 1), quais sejam: 1) a leitura,
agora, como ato/processo de enunciao, e 2) as figuras enunciativas de interlocutor, texto,
102
104
A leitura particular, e, por isso, cada um deve ater-se a sua leitura, como sujeitoleitor, que imprime sua postura ao texto. A leitura constitui-se de um campo plural de
prticas diversas e de efeitos irredutveis, pois como bem diz Barthes, no h uma anlise da
leitura e no h um Propp para a leitura (BARTHES, 2004, p. 30).
Ao considerar que a leitura no dispe de um mecanismo para ser entendida, que esse
processo sempre particular e que depende de fatores variados para que acontea,
empreendemos nosso objetivo de apontar a leitura pelo vis da enunciao.
Seguindo o percurso feito nos captulos anteriores, cabe, aqui, uma pergunta capital
para o prosseguimento das reflexes: a leitura, tal como a estamos supondo, pode encontrar na
enunciao um lugar terico que d suporte para o entendimento de seu ato/processo? Vamos,
ento, a essa empreitada, mostrando a leitura como ato de enunciao ancorada nos
fundamentos tericos benvenistianos.
Partimos, pois, do conceito de enunciao como este colocar em funcionamento a
lngua por um ato individual de utilizao (PLG II, p. 82). Falar em ato de leitura,
considerando a teoria da enunciao, implica falar em sujeito e em atualizao. reconhecer
que a leitura subjetiva, pois o locutor-leitor, a partir de sua singularidade, usa a lngua,
103
Usamos o hfen por considerarmos que so termos que se complementam, no podendo um ser concebido sem que
esteja em relao com o outro. Semitico e semntico ao mesmo tempo que se distinguem, se integram.
105
assumindo, ento, o seu papel de sujeito-leitor. Isso significa que a lngua passa a funcionar
pelo ato individual de utilizao da prpria lngua, pois eu signo que usado para atribuir
referncia quele que como eu se prope (FLORES et al., 2008, p. 51).
A leitura um ato de linguagem e se configura em uma enunciao de retorno a partir
de um enunciado anteriormente construdo; trata-se de uma segunda alocuo, em que o leitor
produz algo a respeito de uma enunciao anterior.
No ato/processo da leitura, o locutor se prope como sujeito ao assumir a lngua para
produzir seu sentido. Esse ato sempre um acontecimento nico, pois a situao sempre
nica. Esse ato fugaz e irrepetvel por isso s possvel reter algo dele a partir do enunciado
que o produto da enunciao. , portanto, pelo enunciado que podemos analisar a
enunciao considerando os elementos lingusticos disponveis, a situao do aqui e agora e,
principalmente, a presena do sujeito que enuncia.
Dizer que o sujeito-leitor usa a lngua nos leva a reconhecer que a leitura, como afirma
Normand (2009, p. 180), investida de propriedades semnticas e que ela funciona como
uma mquina de produzir sentido. Essa ento a teoria da Enunciao que tomamos como
base para entender o quadro da leitura. A lngua considerada a partir tanto do aspecto
semitico quanto do aspecto semntico, agora integrados, pois somente desse modo podemos
tratar da leitura como modalidade da enunciao.
A leitura, sob o ponto de vista enunciativo, portanto, apresenta uma estrutura por se
apresentar como um ato de utilizao do sistema da lngua, a partir de um quadro formal que
pertence lngua. A estrutura comporta sujeito que enuncia, sendo, do ponto de vista
enunciativo, sempre permeada pela subjetividade do leitor, cuja passagem a sujeito da
linguagem deixa marcas no prprio ato enunciativo da leitura. Essa estrutura parte, ainda, da
integrao semitico-semntico, o que quer dizer que as particularidades formais e
semnticas, necessrias para a produo de leitura, devem ser vistas na sua funo
significante. Portanto, a leitura parte dos nveis do comentrio e da descrio, considerando,
nesses nveis, a presena do sujeito que, ao se apropriar do texto, via lngua, produz sentido.
Ainda nas palavras de Normand (2009), encontramos o modo de explicitar como
podemos considerar um quadro formal de leitura:
A anlise do semntico (anlise desta ou daquela unidade do discurso) associa uma
anlise semitica do enunciado a um comentrio sobre a situao cada vez particular
da enunciao (tal sujeito, tal tempo, tal referente, tal interao) cujas marcas fazem
parte da descrio semntica (NORMAND, 2009, p. 182).
106
107
Ou seja, a leitura se constitui como processo de produo de sentido que se inicia no nvel
semntico e corroborado pelo nvel semitico, destacando-se que a leitura, do ponto de vista
enunciativo, centrada no processo, isto , no que lido no momento em que lido e no no
produto, o texto. Portanto, abordar, do ponto de vista enunciativo, o fenmeno da leitura
requer que se estabeleam os mecanismos presentes nesse fenmeno que levem produo de
sentido.
Por fim, podemos dizer que, para apontar a leitura como uma modalidade enunciativa,
importa reconhecer, primeiramente, a noo de subjetividade na linguagem ligada de leitor,
o que implica ser o leitor, do ponto de vista enunciativo, um locutor que se transforma em
sujeito na linguagem. Assim sendo, apontamos, no item 3.1, as marcas da passagem do
locutor a sujeito no ato enunciativo da leitura. Em seguida, apresentamos a relao entre a
forma e o sentido, tal como concebida por Benveniste, agora ligada noo de texto, o que
leva a considerar que o texto, do ponto de vista enunciativo, uma relao entre forma e
sentido estabelecida pelo locutor. E, agora, na concluso de uma trajetria enunciativa para a
leitura, apresentamos as noes de enunciao e instncia de discurso ligada de contexto da
leitura, o que leva a considerar que o ato de leitura remete a uma dada situao espao
temporal.
Em sntese, a reflexo aqui apresentada diz respeito a elementos tais como: o locutorleitor que assume o papel de sujeito-leitor, configurando sua presena no discurso; o
interlocutor, sua presena e sua caracterizao no discurso, uma vez que esse produzido para
ele; a situao que considera as marcas do tempo e do espao da produo de leitura; e, ainda,
o referente, pois importante saber de que trata o discurso. A leitura , ento, um processo de
(re)significao, ler (re)significar no sentido de fazer de novo o percurso da significao,
um fazer de novo.
, portanto, considerando esses elementos que nos permitimos tomar a teoria de
Benveniste como norte para tratar da leitura. E justificamos nossa escolha: consideramos que
a amplitude de suas reflexes nos permite caminhar para outros estudos relacionados
linguagem e no apenas para o que est posto em sua obra (cf. 1.3).
108
CAPTULO 4
Metodologia da anlise enunciativa da leitura
109
Entendemos, desse modo, que cabe ao pesquisador eleger os fatos de lngua a serem
analisados, e que, no nosso caso, o fato de lngua estudar a leitura do ponto de vista
enunciativo, trat-la como ato e como discurso.
Nesse caminho, este captulo compreende o estabelecimento do corpus a ser analisado,
sua constituio e o mtodo de anlise a ser utilizado. Trataremos ainda de especificar o que
vm a ser os fatos lingusticos e como abord-los na relao enunciao-leitura, tendo em
vista que estudar a linguagem do ponto de vista enunciativo tratar do produto de um
construto terico.
104
Estes nveis de avaliao de redao do vestibular esto especificados no Manual do Avaliador, 2011, elaborado
pela coordenao geral e pelos coordenadores de equipe.
105
Uma das possibilidades de candidato receber zero nas modalidades de avaliao por fuga ao tema, ou seja, o
candidato no desenvolver a redao de acordo com a proposta formulada.
110
111
112
Pela proposta, percebemos que o candidato/leitor deve, alm de ler a proposta em si,
ler, tambm, outros dados constantes da prova de redao. A leitura da proposta indica que h
quadros de oferta de vagas e nmero de candidatos inscritos nos vestibulares de 2005 e de
2011 para os cursos de Licenciatura da UFRGS. Diz, ainda, que o leitor/candidato deve
avaliar, a partir desses quadros, o desprestgio da profisso de professor entre os jovens. Para
essa avaliao, ele deve usar, como ilustrao, uma pesquisa realizada pela Fundao Carlos
Chagas e, alm disso, os dados comparativos de 2005 e 2011 de um ou mais cursos da
UFRGS, constantes dos quadros apresentados pelos organizadores da prova.
Evidentemente, em situaes como as de produo de texto de vestibular, h uma
expectativa de leitura. No caso da proposta do CV/UFRGS, 2011, o grupo de
coordenadores106 estabeleceu, a partir da amostragem107, que a leitura da banca deveria olhar
para abordagem do tema considerando-o excelente no caso de o candidato avaliar por que a
profisso de professor se encontra desprestigiada entre os jovens e/ou avaliar as causas do
desprestgio da profisso de professor na sociedade, ilustrar sua avaliao mobilizando os
dados fornecidos na proposta e sugerir estratgias para a revalorizao da profisso de
professor na sociedade.
No entanto, caso o candidato no cumprisse o requisito de sugerir estratgias, mas
cumprisse o de avaliar e o de ilustrar, o texto seria classificado no nvel satisfatrio. Ou,
ainda, estariam no nvel satisfatrio os textos em que o candidato avalia e sugere, mas no
ilustra sua avaliao, ou os textos em que o candidato apenas avalia, no sugere nem ilustra.
Como nvel no-satisfatrio foram considerados textos em que o candidato: apenas
ilustra, isto , mobiliza os dados fornecidos na proposta, e sugere estratgias para a
revalorizao da profisso de professor na sociedade; ou apenas mobiliza os dados, para
ilustrar, fornecidos na proposta; ou, apenas sugere estratgias para a revalorizao da
profisso de professor na sociedade; ou ainda, apresenta generalizaes sobre a profisso de
professor.
106
107
O grupo de coordenadores, a partir de redaes selecionadas aleatoriamente, realiza uma leitura a fim de
estabelecer a abordagem do tema. Com esta leitura, consegue-se ter uma viso dos ngulos de abordagem do
tema.
113
Ficou estabelecido que o zero (0) por fuga ao tema108 seria atribudo ao candidato que
abordasse assunto no relacionado com o tema proposto, isto , quando no avalia por que a
profisso de professor se encontra desprestigiada entre os jovens e no avalia as causas do
desprestgio da profisso de professor na sociedade.
Considerando todos os quesitos propostos pelos coordenadores da redao do
vestibular, entendemos que a produo do texto de vestibular, aqui visto como produto da
enunciao do candidato, parte da proposta/tema e deve demonstrar que o candidato, na
leitura dessa proposta, inseriu-se como sujeito-leitor reconhecendo o texto em sua forma e
compreendendo seu sentido.
Esse sujeito-leitor se produz na resposta dada proposta, ou seja, se produz pelo
ato/processo de leitura, qual seja, o de produzir o texto, que, nessa situao, deve levar em
conta uma instncia enunciativa em que a leitura um ato de interpretao, uma tentativa de
re-constituio de um sentido. Esse ato marca a apropriao do texto pelo leitor.
O objeto de estudo neste trabalho , portanto, o processo enunciativo que se instaura
na produo do texto de vestibular, considerando como o ato de enunciao em que um
locutor, tendo em vista seu interlocutor, se prope como sujeito desse ato.
Entendemos, pois, que a prova de redao do vestibular se constitui em enunciado
que, ao ser lido pelo candidato/leitor, tem retorno pelo texto produzido e que em outro
momento, tambm, passa a ser enunciado de leitura por outros sujeitos, no caso a banca
avaliadora. No entanto, nosso interesse, com este trabalho, olhar para a instncia enunciativa
em que o sujeito leitor, candidato, institui seu processo de leitura da prova de redao.
Cabe lembrar que, no terceiro captulo, nos esforamos para explicitar como
entendemos que se produz o ato enunciativo de leitura. Em outras palavras: o terceiro captulo
assume preponderantemente uma atitude de entendimento da produo da leitura. Assim, em
nossa perspectiva, a leitura um ato de enunciao porque:
108
Os demais tipos de zero so atribudos segundo critrios de pouca relevncia para o nosso estudo. Por exemplo:
nmero insuficiente de linhas.
114
115
Como se pode notar, o filsofo dirige a Benveniste uma questo cuja resposta, como
ele mesmo diz, orientaria a lingustica em seu conjunto. Obviamente, no temos nem a
pretenso de respond-la, nem a de orientar a lingustica em seu conjunto. Nosso propsito
bem mais modesto. Trata-se apenas de construir uma perspectiva enunciativa de anlise do
que estamos chamando de ato/processo de leitura. Em nossa opinio, a leitura se prestaria ao
estudo sugerido por Piguet. Vejamos, ento:
a) a anlise da leitura dependeria da coexistncia metodolgica do semitico e do
semntico, ou, nas palavras de Piguet, do analtico e do global Pensamos que
contemplamos isso no conjunto dos itens acima: o analtico est previsto no item
5, e o global nos demais;
b) ainda, tais planos dependem, seno de mtodos, ao menos de ideias
epistemolgicas ou metodolgicas distintas. Isso significa que a leitura um
ato/processo complexo que no poderia ser estudado somente por um nico ponto
de vista (o global ou o analtico);
c) Assim, a anlise enunciativa da leitura depende da coexistncia metodolgica do
analtico com o global sem que um se dissolva no outro.
De certa forma, com esse encaminhamento seguimos tambm aqui as orientaes de
Normand (2009), quando, ao avaliar a presena dos termos semiologia, semitica e semntica
na obra de Benveniste, diz que a descrio do sistema semitico conserva um alcance geral
que o inscreve nos princpios de uma anlise lingustica (Normand, 2009, p. 181). Por outro
lado, no semntico, o que temos so frases particulares, trocadas por locutores nesta ou
naquela circunstncia, remetendo a este ou aquele objeto (ibidem, p. 181). Em outras
palavras, o sentido [...] depende de todos esses parmetros que atualizam em discurso os
valores lingusticos e seu sentido inerente (ibidem, p. 181).
116
A vantagem que vemos na proposta de Normand com relao de Piguet diz respeito
ao fato de que a autora no trata semitico e semntico em termos de analtico e global
noes mais ligadas tradio filosfica do que lingustica , mas em termos de
generalizvel e no generalizvel. Para ela, a anlise do semitico supe a possibilidade de
generalizaes, uma vez que a descrio se detm em aspectos da lngua em seu sentido
inerente; a anlise do semntico, por sua vez, no generalizvel j que seria produto de um
ato de interpretao do analista.
Para Normand, a distino semitico/semntico, portanto, somente levaria a lembrar
da necessidade de considerar aquele que fala (o sujeito) e, por consequncia, de no pretender
dizer o todo do sentido do que ele enuncia que nenhuma anlise pode encerrar (ibidem, p.
182). O programa de anlise da linguagem que associa semitico e semntico, ento,
conduziria descrio do particular, da diversidade do que a lngua permite a servio de
sujeitos vivos e falantes na interao subjetiva [] (ibidem, p. 182).
A partir disso, a anlise que propomos do ato/processo de leitura deve, em nossa
opinio, associar semitico e semntico, generalizvel e no generalizvel, analtico e global
ou, como diria Benveniste, sobre este fundamento semitico, a lngua-discurso constri uma
semntica prpria (PLG II, p. 233). A leitura tem uma semntica prpria.
Em resumo, nossa anlise dar-se- em dois momentos, observados os princpios
norteadores acima (cf. itens 1-6):
a) em um primeiro momento (cf. 5.2), fazemos um comentrio geral sobre o ato
enunciativo instaurado pela produo do texto do aluno no contexto do vestibular.
Nesse momento, enfocaremos as relaes enunciativas instauradas no processo
em si, sem nos determos em um texto em particular;
b) em seguida (cf. 5.3), descrevemos o ato/processo de leitura de cada texto
analisado, em particular. Para isso, fazemos o levantamento nos planos
morfolgico, lexical, sinttico, entre outros dos instrumentos lingusticos atravs
dos quais o locutor constri a relao interlocutiva no texto
117
Esses dois momentos no devem ser entendidos como etapas separadas da anlise. Na
verdade, eles estaro sempre juntos. A diviso que fazemos aqui tem apenas valor
metodolgico.
Essa anlise inicial, esperamos, deve contemplar os aspectos da singularidade
envolvidos no ato/processo de leitura. De certa maneira e guardadas as especificidades, esse
momento diz respeito ao que Normand considera ser da ordem do no generalizvel, o
global de Piguet.
Antes desses dois momentos da anlise, fazemos (cf. 5.1) um comentrio geral sobre o
ato individual de produo de leitura sem nos determos em um texto particular. Nossa
inteno , preponderantemente, falar sobre o ato enunciativo instaurado pela leitura de um
texto.
Desse conjunto resulta a anlise enunciativa do ato/processo de leitura.
O tema a ser abordado nesta tese a leitura, vista sob a perspectiva enunciativa, o que
significa, nesse caso, considerar que a linguagem em uso, est atrelada a um sujeito, e a sua
situao enunciativa. O que queremos dizer que a leitura, vista como fato de lngua, um
ato/processo de constituio de sentidos. Nesse processo preciso levar em conta a relao
singular que se estabelece entre leitor e texto.
Assim, aqui, empreender um trajeto para entender o ato de leitura como um ato
enunciativo tratar dos fatos relativos ao leitor, o qual, do ponto de vista enunciativo ,
primeiramente, um locutor que, no ato de leitura, coloca-se como sujeito; ao texto, como uma
entrelaada rede de relaes entre formas e sentido; e leitura considerada como o instante
em que a lngua colocada em uso pelo sujeito. Enfim, pensar esse ato de leitura luz da
estrutura enunciativa.
O que apresentamos neste trabalho um estudo que se constitui em uma abordagem
para um tratamento enunciativo da leitura. Percebemos, a partir de uma retomada conceitual
da teoria benvenistiana, que a leitura se constitui em um ato/processo que envolve o sujeito e
sua situao de tempo e de espao. Acreditamos na condio de intersubjetividade/subjetividade para entender esse ato/processo, do mesmo modo como entendemos que olhar para
118
a leitura nessa perspectiva significa reconhecer que o enunciado se atualiza sempre no aqui e
agora do sujeito-leitor. Entendemos, ainda, que as noes de forma e de sentido tm papel
decisivo para compreender que texto/enunciado s pode ser apreendido na sua relao
forma/sentido, uma vez que tem seu sentido dado pela ideia global, ou seja, percebido
semanticamente, enquanto a forma do texto uma questo analtica, pois ocorre a partir da
dissociao do todo em unidades semiticas.
Podemos apontar que todos esses conceitos enunciativos podem e devem ser
considerados para tratar a leitura pelo vis da enunciao, especificamente a teoria
enunciativa de Benveniste. A leitura, por esse prisma, dever sempre ser vista como um
processo de produo de sentido em que se integram sujeito, tempo e espao. Ou seja, a
leitura um processo de produo de sentido que parte do nvel semntico e se comprova no
nvel semitico, centrada no processo em si e no no produto, o texto.
Para esse trabalho, apresentamos, como forma de analisar o ato/processo de leitura,
textos produzidos por candidatos ao concurso vestibular, por entendermos que esses textos
so o produto de um ato/processo de leitura, ou seja, o sujeito se constitui como tal na leitura
a partir da singularidade, ele l e ao ler constitui outro texto, o seu texto.
A frase, segundo Benveniste, no texto sobre os nveis de anlise lingustica, a
unidade da linguagem em ao, ela um produto da enunciao. Para o autor, a unidade de
anlise em uma perspectiva enunciativa deve levar em conta a articulao entre forma e
sentido. Para ns, portanto, o texto a ser analisado essa unidade, pois por ser uma unidade
completa constitui sentido e referncia.
preciso lembrar que para Benveniste o que est em jogo no o enunciado, mas sim
a produo do enunciado, desse modo, o nosso objeto no o enunciado, mas esse ser
analisado com vistas enunciao, portanto, o objeto do analista da enunciao, em nosso
caso, deixa de ser o processo de produo do texto para enfatizar o ato/processo de leitura.
119
CAPTULO 5
A frase pertence ao discurso. por a mesmo que se pode defini-la: a frase a unidade do discurso. (PLG, I, p.
139)
120
110
A atividade de anlise, aqui, apresentada no compreende um mtodo nico de atividade enunciativa de leitura.
Pretendemos apenas mostrar que h possibilidade de, a partir de qualquer leitura, realizar a anlise enunciativa, que
sempre ser nica e irrepetvel.
121
isso que encontramos em uma declarao de Joo Ubaldo Ribeiro, dada em resposta
ao jornalista Alberto Quartim de Moraes, no programa da TV Cultura de So Paulo, Roda
Viva, em 19 de fevereiro de 2001111, a respeito da obrigatoriedade de leitura preparatria para
exames vestibulares. Reproduzimos abaixo a transcrio feita pela prpria emissora:
Joo Ubaldo Ribeiro: No, que obrigam a ler, no. Que transformam numa tarefa odiosa.
Eu j peguei livros... para no falar em clssicos, para no falar num [Os] Lusadas, em
coisas desse tipo, para no falar em Machado de Assis que escrito em lngua antiga, e
assim por diante. Mas um livro de um autor contemporneo, o menino l aquilo to tenso,
para poder responder a perguntas abstrusas. Eu sei, porque eu, por exemplo j fui adot...
livros meus foram adotados para vestibular, e eu seria incapaz de responder s perguntas a
respeito de meus prprios livros.
[Risos]
Joo Ubaldo Ribeiro: Seria incapaz. E no sou metido a ignorantao primitivo, no. Pelo
contrrio, sou uma pessoa intelectualmente sofisticada, no sou nenhum analfabeto. Mas
no responderia s perguntas.
Cynara Menezes: As interpretaes de texto so coisas bastante subjetivas.
Joo Ubaldo Ribeiro: Mete medo nas crianas. As pessoas odeiam os livros. No meu
tempo, j se fazia isso: voc era criado para odiar os clssicos. Era criado para odiar
[enfatiza]. E muita gente ainda odeia.
[grifos nossos]
Ora, Joo Ubaldo Ribeiro testemunha exatamente o que estamos querendo dizer: a
leitura um ato de interpretao que, mesmo que parta de indicaes presentes no texto, no
pode ser reduzido a elas. O sentido que deriva desse ato no coincide integralmente com as
representaes do enunciador do texto. por isso que ler um ato de reconstituio de
sentido intimamente no-coincidente.
b) O texto lido tem sua histria enunciativa.
Para ilustrar esse princpio, partamos de mais uma declarao de um autor. Desta vez
o psicanalista Contardo Calligaris quem nos auxilia. Em entrevista ao mesmo programa, Roda
Viva da TV Cultura, exibida em 27 de abril de 2008, diz o psicanalista ao ser questionado
pela jornalista Mnica Teixeira:
Mnica Teixeira:Voc acompanha, hoje, no Roda Viva, a entrevista com o
psicanalista, psicoterapeuta e ensasta Contardo Calligaris. Contardo, agora voc fez um
romance, escreveu um romance. Sobre o que o seu romance?
Contardo Calligaris: Ah! Escrevi um romance que se chama O conto do amor.
Por vrias razes. Sempre acho que a gente escreve... que qualquer fico responde ao fato
de que tem coisas na vida com as quais a gente no sabe direito o que fazer. Perguntas que
ficam assim, em silncio, em suspenso. No caso especfico foi uma maneira de responder a
uma conversa com o meu pai no leito de morte. Uma confisso no leito de morte dele,
claro, e uma confisso que ele me fez. O primeiro captulo do romance totalmente
111
A entrevista na ntegra
joao_ubaldo_ribeiro_2001.htm.
encontra-se
em:
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/524/entrevistados/
122
autobiogrfico at os mnimos detalhes. Confisso muito estranha, pois ele me disse que
tinha a certeza de ter, de ser a reencarnao do ajudante de um pintor da Renascena
italiana. Uma coisa muito estranha, porque meu pai no era esprita, no acreditava em
reencarnao e era completamente agnstico do ponto de vista da religio.
[grifos nossos]
O psicanalista claro: seu texto tem sua historicidade, faz parte de uma outra relao
eu-tu-ele-aqui-agora. No diagrama 4 (cf.p.97), tentamos ilustrar o princpio de que o texto
lido tem sua historicidade de leitura. Nesse diagrama, mostramos que o locutor-leitor dialoga
com um tu que , num primeiro momento, o texto, o enunciado lido. Mas, no esqueamos,
constitutiva desse tu uma srie de relaes, representadas no diagrama por um tringulo
pequeno que sintetiza o eu-tu-ele-aqui-agora do enunciado lido.
c) O ato enunciativo de ler decorre da apropriao do enunciado lido a partir da qual se
constri a referncia
As relaes explicitadas nos pontos a e b so irrepetveis. Eis um outro princpio.
Sendo eu e tu nicos em cada instncia espao-temporal, e sendo a enunciao um
processo intersubjetivo, a leitura, vista pela tica da enunciao, o ato/processo de uma
troca em que o leitor-locutor, na relao com o enunciado e atravs de seu lugar singular,
constitui um sentido novo vinculado a sentidos j existentes, para se propor como um sujeitoleitor.
Assim, a leitura decorre de uma apropriao, e consequentemente de uma
atualizao, em que o enunciado construdo previamente por um locutor anterior, ao ser
tomado pelo locutor-leitor, se atualiza a partir de suas referncias. Na leitura surge sempre um
significado novo, que resulta da relao de um locutor e de um interlocutor.
Toda a leitura uma enunciao, um se apropriar do enunciado para, a partir dele, o
eu se tornar eu e construir a referncia.
O apropriar-se de que falamos aqui o tornar prprio inerente a todo o ato que
suponha sujeito. S sujeito quem torna, mesmo que fugidiamente, algo prprio a si. isso
que to claramente afirma o aforismo de Benveniste: ego quem diz ego.
disso que fala Nlida Pion, com muito mais propriedade do que poderamos fazer,
em entrevista112 dada em seu site oficial, na ocasio de ter ganhado o prmio Jabuti em 2005
nas categorias Romance e Melhor livro do ano com o livro Vozes do deserto:
112
123
Como o homem foi se organizando para poder pensar. Uma coisa que me fascina a
imaginao. Um brasileiro pode ter uma imaginao poderosa, mas, se ele no souber
trabalhar isso, ela ficar limitada a uma imaginao folclrica, a uma rvore de 60 metros
na Amaznia. preciso que essa rvore tenha um significado simblico, que o escritor se
aproprie de toda essa dimenso potica da vida, da Terra e do universo. E o que ele vai
fazer com todo esse material catico, que extraordinrio? O caos faz parte de seu
legado. Cada vez que voc faz uma opo, no s esttica, uma opo moral com a sua
imaginao.
[grifos nossos]
124
caminho que deseja seguir dentre os encaminhamentos que o tema suscita, lembrando,
sempre, que esse texto tem um interlocutor, ou seja, a banca que o avaliar.
O texto de vestibular, ento, uma cena enunciativa que duplamente conjugada, para
lembrar Benveniste: a) o texto de vestibular o registro de uma leitura de um texto anterior,
com toda a complexidade que isso implica (tal como explicamos acima); b) o texto de
vestibular dirige-se a um interlocutor, a banca de avaliao.
Flores e Mello (2010), investigando, na perspectiva enunciativa benvenistiana, o texto
de vestibular, dizem tambm que h uma dupla cena enunciativa concomitantemente
instaurada nesse contexto: a) h a cena na qual esto em relao o locutor (eu) e a proposta do
tema do CV-UFRGS (tu): o texto produzido , em um primeiro momento, produto da
interlocuo estabelecida com a proposta (na qual esto contidos o tema do texto, o gnero
solicitado, entre outras questes). Para os autores, da relao entre eu e tu, nessa instncia,
decorre o entendimento que o aluno tem da proposta em seu conjunto; b) h uma interlocuo
entre o locutor (eu) e a banca avaliadora (tu). Para os autores, dessa interlocuo decorrem as
tentativas de xito materializadas no texto. Nessa segunda relao, vemos que o texto
instancia uma expectativa de saber sobre a lngua (uma expectativa no raras vezes
normativista).
Interpretar a proposta e buscar subsdios que deem conta do conjunto de referncias
que se identificam com o tema, significa acionar o ato/processo de leitura. Isso aponta para o
fato de que a produo de leitura e de escrita constitui um nico eixo. Compreender, portanto,
como se d esse processo de escrita, leva-nos a entender o ato/processo de leitura realizado
pelo candidato.
Em relao ao tema, de modo geral, o candidato/sujeito deve direcionar sua
enunciao, singular, cujo produto (o enunciado/texto) apresentado por um sujeito em uma
situao especfica, e, por isso, deve dar conta da proposta ao selecionar as palavras para
expressar uma ideia que sua e que aponta para sua atitude e para a situao enunciativa. Isso
significa que, nesse produto, constituem-se as referncias enunciativas instanciadas a partir
do tema da redao e do processo de apropriao das formas da lngua para constituio de
sentidos no discurso (SILVA, 2010, p. 56).
Alm da temtica, na Prova de Redao, o sujeito/candidato deve atentar em sua
leitura para a modalidade do texto a ser produzido: a dissertao. Nesse caso, deve considerar
fatores tipolgicos, a partir de suas referncias de produo e de leitura de textos,
125
apropriando-se delas para empreender um processo de escrita que d conta de sua leitura a
respeito do carter dissertativo solicitado. Dissertativo, no entanto, nesse contexto, significa
no apenas aferir a estrutura formal, mas ser capaz de garantir, argumentativamente, sua viso
do tema proposto na forma de um texto, produto de sua leitura.
Nesse caminho, h necessidade de reconhecer as condies de enunciao do texto de
vestibular. Em primeiro lugar, a circunstncia de escrita se configura como uma situao
especfica de texto produzido para um determinado fim, qual seja, ser aprovado no vestibular,
o que leva a reconhecer a presso qual esto submetidos os candidatos a uma vaga na
Universidade. Nessa situao, o candidato deve desenvolver seu texto de modo a convencer o
leitor, a banca, da sua competncia de leitura da proposta, apresentando sua produo, a fim
de ser analisada a partir dos quesitos propostos pela comisso de vestibular113. Os
vestibulandos, sujeitos-leitores envolvidos em um ato de leitura da prova de redao,
constituindo, assim, a instncia enunciativa atual114 do processo, escrevem, ento, o texto
porque esse necessrio para seu ingresso na Universidade, tem carter, portanto,
institucional; e a banca, sujeito em uma nova instncia enunciativa, l esse texto com o fim
avaliativo. Porm, mesmo considerando tratar-se de uma situao dita artificial, em um
contexto seletivo do qual o candidato participa, ou ainda, uma imposio com base nas regras
do sistema que rege o processo, reconhecemos que se instala a uma situao de interlocuo:
proposta, candidato, texto e avaliador.
preciso considerar que nessa situao o texto de vestibular , como produto da
leitura enunciativa do candidato, uma estrutura que comporta locutor e interlocutor, ou seja,
configura um quadro intersubjetivo da linguagem. Assim, a prova do vestibular aparece como
uma locuo anterior que traz para o vestibulando um sistema de referncias e o convoca, de
certa forma, pela consecutividade interlocutiva, a tambm referir-se (co-referir) (SILVA,
2004, p. 56-57).
Devemos, ento, entender a prova de redao como um processo interlocutivo, em que
possvel reconhecer vrias instncias enunciativas, considerando na primeira instncia a
prova de redao como uma alocuo anterior e a redao, produto enunciativo da leitura
realizada pelo vestibulando, como uma alocuo atual. Silva (2004) apresenta essa reflexo a
113
Expostos em planilha formulada para o CV/UFRGS 2011 que elenca o conjunto de critrios para avaliar os textos
produzidos neste concurso vestibular.
114
O texto/enunciado sempre nico, sua configurao singular uma vez que relativa a expresso de uma ideia
que tem a instncia de discurso como referncia (FLORES, et. al. 2008, p. 72).
126
partir de Dufour, ao apontar que o grupo eu-tu-ele traz, alm da simultaneidade (sincronia), a
consecutividade (diacronia), pois tal conjunto sincrnico tem, como equivalente diacrnico, a
sucesso de trs alocues (SILVA, 2004, p. 57).
Para ns, dessa forma que se configura o quadro enunciativo presente no processo de
redao do vestibular. H, sim, vrias instncias imbricadas em todo o processo, pois a
produo de redao do vestibular tanto instaura um dilogo entre eu (leitor) tu (prova de
redao) no presente da enunciao, quanto institui um dilogo com um locutor precedente, o
eu que props a prova de redao. Assim, entendemos que a alocuo atual supe sempre
uma alocuo anterior, j que o eu que fala s obteve sua posio de locutor atual por ter sido
um alocutrio (tu) na alocuo precedente. Portanto, o ato de escrita da redao supe locutor
e alocutrio, respectivamente autor (nesse caso, o candidato) e leitor (aqui, nesta instncia a
banca avaliadora), que referem e co-referem no discurso.
Para retomar o aspecto geral sobre a redao de vestibular, precisamos considerar que
se trata de uma produo especfica em que locutor e interlocutor no se encontram face a
face, mas que, para ocupar um lugar na estrutura enunciativa, devem constituir o movimento
de referncia e de co-referncia. Desse modo, o locutor deve, portanto, considerar o outro da
sua alocuo e o sistema de valores culturais em que se inscreve a redao do vestibular, para
ento fazer as escolhas lingusticas e selecionar os modos de dizer previstos para essa situao
de enunciao particular (SILVA, 2010, p. 60).
Esse , portanto, um processo individual de apropriao da lngua, e, desse modo, o
locutor-leitor, para enunciar sua posio de sujeito-leitor faz uso do aparelho formal da lngua
a fim de enunciar sua posio de locutor por meio de ndices especficos e de procedimentos
acessrios.
Situamos, pois, nossa anlise no campo dos estudos enunciativos, a fim de
verificarmos como o sujeito vestibulando apresenta sua resposta de leitura produzida a partir
da proposta para a redao. No caso da proposta de redao do CV/2011, o candidato tem
como encaminhamento a necessidade de produzir um texto dissertativo sobre o desprestgio
da profisso de professor entre os jovens, tendo por orientao que esse texto deve avaliar,
ilustrar com dados (apresentados na prova), e ter carter dissertativo, o que significa, no caso
dessa prova, justificar e defender um ponto de vista.
Assim, o ato enunciativo estabelecido pela leitura enunciativa do candidato (eu) da
proposta de redao (tu), concretiza-se na produo escrita ao desenvolver o tema de acordo
127
com o que foi proposto e ao atender a solicitao do gnero solicitado. Nesse contexto, a
leitura enunciativa se constitui tanto como apropriao, quanto como atualizao. H,
primeiramente, um enunciado que, construdo previamente por um locutor anterior, ao ser
tomado pelo locutor-leitor, se atualiza a partir de suas referncias. Nessa leitura surge sempre
um significado novo, que resulta da relao de um locutor e de um interlocutor. Toda
enunciao eu postula um tu, mas este tu ao se apropriar do enunciado e se tornar eu,
pode ou no manter o mesmo sentido, a mesma referncia, pode ou no co-referir.
Isto o que veremos a seguir: que sentido o sujeito mantm, ou no, ao se apropriar da
proposta. Para esse fim, preciso compreender o caminho singular que cada candidato
estabeleceu para desenvolver sua prova.
Tendo feito esse primeiro levantamento geral sobre o ato enunciativo instaurado pela
produo do texto do aluno no contexto de vestibular, descrevemos, neste momento, o
ato/processo de leitura de cada texto analisado, em particular, de modo a contemplar os
aspectos da singularidade envolvidos nesse ato/processo de leitura. Nesse momento,
considerando-se a enunciao como referncia, buscamos apresentar as atitudes do sujeito
que, na e pela enunciao, evidenciam-se no enunciado. Nosso intuito situar como cada
aluno leu a proposta de redao do vestibular e apontar o caminho seguido pelo leitor e os
instrumentos lingusticos com os quais o candidato constri a relao interlocutiva no texto.
Esses dois momentos, repetimos, no devem ser entendidos como etapas separadas da anlise,
eles estaro sempre juntos, pois a diviso que fazemos tem apenas valor metodolgico.
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Em uma sociedade movida pelo dinheiro, onde prestgio quase sempre medido
em reais, evidente que, no que se deixa uma prestao de servio passar a ter uma
m remunerao, a procura por esta diminui. Isso explica a razo pela qual, segundo
uma pesquisa feita pela Fundao Carlos Chagas, 67% de 1501 jovens que foram
intrevistados, cursantes do 3 ano do Ensino Mdio, jamais pensou em ser professor. O
que no , entretanto, de gerar estranhamento, visto que a remunerao , para a
maioria das pessoas, um fator decisivo na escolha profissional.
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Portanto, fica claro que necessrio que sejam tomadas medidas para incentivar a
procura por cursos de Licenciatura. O estmulo que realmente produziria resultado
seria o aumento significativo do salrio base dos professores. Essa uma medida que
deve vir do governo e com a enorme urgncia que esse assunto demanda, j que os
professores assumem no sistema educacional o papel que os produtores tm em uma
cadeia alimentar, ou seja, constituem a base.
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130
Outro movimento de leitura que pode ser destacado o que, na falta de melhor
designao, consideramos como sendo um plano no qual se produz uma espcie de retomada
da materialidade da proposta. Com esse mecanismo, o locutor traz para o seu texto elementos
presentes na proposta e, para isso, recorre a diferentes submecanismos. evidente, nessas
passagens, a apropriao que o sujeito faz da lngua e a atualizao que se estabelece via
sentido. O leitor se marca singularmente, desse modo, no ato de leitura.
Por exemplo: em A profisso de professor apesar de sua indiscutvel importncia
para o desenvolvimento das civilizaes (L. 01-02) considerando-se indiscutvel que o
professor fundamental para o progresso de qualquer sociedade, presente na proposta
vemos: a) o mecanismo da repetio lexical a profisso de professor por professor; b) o
mecanismo da repetio lexical com deslocamento de funo sinttica indiscutvel
(perifrico no sintagma) por indiscutvel (ncleo da predicao); c) a parfrase em
desenvolvimento das civilizaes por progresso de qualquer sociedade.
Mas h mais: no plano que diz respeito ao atendimento do imperativo da proposta
avalie, ilustre e sugira a leitura feita pelo locutor do texto 1 parece enfatizar apenas o
ilustre. a esse imperativo que atendem as exemplificaes: segundo uma pesquisa feita
pela Fundao Carlos Chagas, 67% de 1501 jovens que foram intrevistados, cursantes do 3
ano do Ensino Mdio (L.08-10); o decrscimo de 47,9%, de 2005 para 2011, no nmero de
candidatos para o mesmo nmero de vagas do curso de Letras da UFRGS (L. 13-15).
O campo do sugira parece restringir-se a necessrio que sejam tomadas medidas
(L.19). O imperativo avalie por que a profisso de professor encontra-se desprestigiada, no
contemplado plenamente, mas os dados que so retomados da proposta que so avaliados.
Por exemplo, em: O que no , entretanto, de gerar estranhamento (L. 10-11) e Esse um
fato extremamente preocupante (L. 15).
Finalmente, o locutor-leitor lana mo de uma vasta lista de modalizadores cuja
funo avaliar os termos pelos quais se pode admitir que a causa/explicao da
desvalorizao a baixa remunerao. Isso pode ser comprovado nas seguintes passagens:
sem dvida (L. 03); servio merc (L. 04); evidente (L. 07); jamais (L.10); um
fator decisivo (L. 12); extremamente preocupante (L. 15); drasticamente (L. 17);
realmente (L.20); significativo (L. 22); a enorme urgncia (L.23), entre outros.
Essa retomada da materialidade lingustica, aponta para a dupla instncia conjugada
no ato/processo de leitura, pois h o locutor que l e o sujeito que se marca singularmente no
131
ato processo de leitura. Nesse caso, o leitor estabelece um dilogo com o texto lido e, ao reconstituir o sentido ali presente, apropria-se do texto, tornando-se sujeito. Esse sujeito est
presente nos elementos postos no texto de forma a dizer algo sobre o que foi lido. , portanto
um ato de interpretao, uma tentativa de re-constituio de um sentido, nem sempre
coincidente. As formas escolhidas para essa re-constituio so atualizadas em uma nova
sintagmatizao revelando, a partir das referncias do sujeito, uma re-significao.
Ao realizar a anlise do texto 1, anlise essa que tambm um processo de leitura em
outra instncia, a do pesquisador, selecionamos as marcas que indicam o caminho singular
que o candidato instituiu para desenvolver seu texto. Nessas marcas, constituem-se as
referncias enunciativas instanciadas a partir do tema da redao e do processo de apropriao
das formas da lngua para constituio de sentidos. De todo modo, podemos dizer que o
sujeito refere e co-refere, no entanto, o caminho escolhido singular, traz novas referncias,
constri um novo texto.
Desse modo, os elementos destacados do conta do ato enunciativo instaurado pelo
leitor, contemplando a singularidade envolvida nesse ato/processo, nos planos morfolgico,
lexical, sinttico, entre outros, como instrumentos lingusticos atravs dos quais o locutor
constri a relao interlocutiva no texto, que diz respeito ao estudo do generalizvel, do
analtico. Nesse texto, especificamente, percebemos pelas marcas destacas, que o sujeito, ao
se apropriar da proposta, mantm o sentido da desvalorizao, de que h motivo para os
jovens no quererem seguir a profisso de professor, mas produz tambm um novo sentido,
ou seja, h o processo de atualizao a partir de suas referncias. O leitor apresenta que o
problema da desvalorizao est atrelado remunerao, desenvolvendo assim, um novo
caminho para sua enunciao.
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vocbulo professor pode ser intercambivel por futuro? H, nessa suposta relao
sinonmica, dois pontos que valem a pena precisar: de um lado, o locutor d a ideia da
importncia dessa profisso e de sua valorizao. Nesse caso, o de que instaura a ideia de
ser uma profisso promissora, de crescimento. De outro lado, dizer que professor sinnimo
de futuro parecer ir contra a proposta que, na verdade, fala em desvalorizao, em
desprestgio. De certa forma, ento, o locutor instaura um vis distinto da expectativa que,
inicialmente, se poderia ter da proposta. Sem dvida, esse duplo movimento do locutor
apresenta, j no ttulo, uma marca de leitura que aponta que o locutor, que se apropria de um
texto, passa a sujeito ao estabelecer uma re-constituio do sentido presente na primeira
citao posta na prova de redao.
133
Desse modo, esse ttulo, caracteriza-se por um ato de interpretao a partir do qual o
locutor faz referncia a passagens, presentes na proposta, tais como: professor fundamental
para o progresso de qualquer sociedade, ou ainda, que preciso olhar para o professor com
olhos de quem quer ver um pas melhor (cf. proposta, primeiro pargrafo). A referncia que
a se constri parte da apropriao do enunciado lido, para a atualizao do sentido posto na
prova de redao. O texto lido pelo candidato instancia essa expectativa,
H co-referencialidade entre a leitura do candidato e a prova de redao. Ao intitular
seu texto, o leitor, em seu ato/processo de leitura, toma por base o primeiro pargrafo da
proposta e se marca singularmente no ttulo, em uma tentativa de evocao de um sentido
subjacente (ser a carreira de professor algo de futuro). Essa leitura configura uma relao
intersubjetiva na medida em que aponta para a relao do locutor com o enunciado lido. Esse
leitor consegue, portanto, retomar o sentido presente no enunciado lido, reconhecer suas
formas e, ento, no seu ato de leitura, restituir um novo sentido a partir de novas formas.
H na proposta de redao um encaminhamento que parte da ideia de importncia
para a ideia de desprestgio, e esta ideia est presente no primeiro pargrafo do texto 2. O
locutor continua a justificar a importncia da profisso de professor (l. 01-03), no entanto, na
linha 3, com o trecho lamentavelmente [os jovens] no pensam desta maneira e tm
escolhido outro caminho, ele apresenta a especificidade de sua leitura do tema da redao,
qual seja, a profisso de professor se encontra desprestigiada entre os jovens.
No primeiro pargrafo do texto 2, o locutor coloca como irrefutvel o fato de ser a
profisso de professor das mais importantes, marcando sua posio atravs do modalizador
Indubitavelmente (l. 01). J com o uso de lamentavelmente (l. 03), o candidato avalia,
negativamente, o fato de os jovens no quererem seguir essa profisso que ele afirma ser das
mais importantes, apontando que os jovens tm escolhido outros caminhos (l.03), o que
assinala j para os dados apresentados na prova de redao. O locutor se move entre
indubitavelmente e lamentavelmente, instaurando simultaneamente uma ideia de certeza
e de adversidade. Percebemos aqui a passagem de locutorleitor a sujeito-leitor, uma vez que
o candidato, a partir de sua leitura singular, constitui o seu sentido para o texto, fazendo uso
de outras formas da lngua. , portanto, com sua posio enunciativa de sujeito, que o leitor
consegue dar conta da proposta, atravs de um ato sempre renovado, tendo em vista a situao
enunciativa em que se coloca.
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da repetio impe-se como marca da trajetria de leitura feita pelo locutor. Esse mecanismo
de repetio que, de certa forma, tambm presente na leitura feita pelo locutor no texto,
apresenta, nesse caso, uma propriedade especfica: se, no texto 1, a repetio uma base para
que o locutor possa constituir o seu modo de ver as relaes instauradas na proposta, pois
assim o sujeito-leitor integra as formas da proposta para produzir novos sentidos, no texto 2,
a repetio cumpre outra funo, qual seja: o mero preenchimento de palavras sem
aprofundamento qualitativo. Esse preenchimento apenas evidencia sua dificuldade em se
propor como sujeito a partir de uma maneira distinta.
Profisso desprestigiada
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Os pais sempre desejam o melhor para seus filhos e isso inclui at na hora de
escolher uma profisso. Assim, boa parte dos filhos so convencidos a se tornarem:
mdicos, advogados, jornalistas, odontologos, engenheiros, contra a sua vontade, mas
esse fato um agrado a seus pais. Desta forma j temos uma bela parcela da populao
colegial que no far uma licenciatura visando se tornar professor. Um exemplo o
vizinho dos meus pais, Sr. Henrique, 59 anos, mdico, que entregou o convite para sua
formatura em Letras. Aps o questionamento do meu pai sobre os motivos que o
levaram a fazer e concluir o curso, ele respondeu: ser professor de portugus a
realizao do sonho de minha vida, fiz medicina porque fui obrigado pelo meu pai.
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21.
Outro grande fato que leva a pouca procura pelos cursos para a rea da
Pedagogia os baixos salrios; assim no tem o Status de outras profisses que
proporcionam melhores remuneraes. As pssimas condies de trabalho como: salas
de aulas precrias, materiais didticos de baixa qualidade ou escassos e a falta de
segurana e de respeito no trabalho tambm contribui para essa pouca procura. E se
no basta-se isso, ainda temos todos os dias alguma notcia desagradvel publicada em
nossos jornais e revistas, apresentando a dura realidade vivida por parte desses
22.
23.
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25.
26.
27.
Com a vontade de boa parte dos pais na escolha da profisso, combinada com
os fatos ruins mencionados sobre a realidade dos professores (sendo que esse fatos
sempre tero um peso maior), temos como resultado o desinteresse na procura por esse
cursos de graduao. Isso uma pena, pois temos uma tima matria-prima para a
confeco de grandes professores, mas essa realidade afasta uma boa parcela de moas
e rapazes que desistiam dessa carreira antes de come-la.
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Esse texto, j em seu ttulo, mostra a leitura feita da proposta. O candidato aponta que
h uma profisso desprestigiada, no caso, considerando o tema proposto, a profisso de
professor. O locutor instaura uma espcie de oposio entre cursos de primeira grandeza (l.
02) e cursos desprestigiados (l.04). O texto, em seu desenvolvimento, permeado pela
adjetivao, a fim de dar conta dessa oposio, o que pode ser considerado uma marca muito
rica da presena do sujeito leitor ao longo do texto.
Os adjetivos, portanto, configuram a subjetividade do locutor-leitor que, ao constituir
o sentido para o texto, o faz por adjetivao propondo uma relao positiva x negativa, como
por exemplo: primeira grandeza (l. 02), status (l. 03), melhor (l. 06), boa parte (l. 07),
agrado (l. 09), bela parcela (l. 09), melhores remuneraes (l. 17), todos esses
enfatizando o aspecto positivo de optar por outro curso de graduao. J os adjetivos,
negativos, desprestigiados (l. 04), precrias (l. 05), baixos salrios (l. 16), pssimas
condies (l. 17), desagradvel (l.20), dura realidade (l.21), fatos ruins (l. 23),
desinteresse (l.24), dizem respeito opo pelos cursos de licenciatura. Esses elementos
configuram a instncia enunciativa da leitura, marcando o sujeito em seu ato enunciativo de
leitura, sempre renovado, e apontando para a significao estabelecida nesse jogo de forma e
sentido. nesse arranjo formal, aqui, de adjetivos, que a lngua usada. Nesse caso, o leitor
ao fazer uso desses elementos, produz discurso.
Outra particularidade do sujeito-leitor fazer referncia a um exemplo de sua
realidade: o vizinho dos meus pais, Sr. Henrique, 59 anos, mdico, que entregou o convite
para sua formatura em Letras. Aps o questionamento do meu pai sobre os motivos que o
levaram a fazer e concluir o curso, ele respondeu: ser professor de portugus a realizao do
sonho de minha vida, fiz medicina porque fui obrigado pelo meu pai (l. 10-14). Com essa
passagem o sujeito ilustra sua avaliao sobre o desprestgio da profisso de professor,
mostrando que os pais no permitem que os filhos cursem a licenciatura.
Essa ilustrao distingue esse texto dos demais apresentados anteriormente. H, aqui,
uma apropriao do locutor no que diz respeito ao imperativo ilustre e toma como exemplo
uma referncia prpria, estabelecendo uma relao de causalidade, que aponta para uma
espcie de preconceito dos pais em relao profisso de professor. Essa relao se configura
como a causa principal para que os jovens no escolham a profisso de professor. O que
caracteriza o ato/processo de leitura em que o locutor passa a sujeito sua atualizao da
proposta, ou seja, este locutor aponta o preconceito dos pais como sua interpretao do
desprestgio que est na proposta. O que faz, portanto, o leitor nesse processo enunciativo,
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CAPTULO 6
A teoria enunciativa da leitura: uma contribuio
A leitura uma fonte inesgotvel de prazer,
mas por incrvel que parea a quase totalidade
no sente esta sede.
Carlos Drummond de Andrade
Este captulo uma espcie de prlogo do fim. Com ele, pretendemos retomar os
principais aspectos tratados nesta tese com a finalidade de capturar todas as questes
enfatizadas no percurso traado at aqui e, com elas, dar conta do ato/processo de leitura.
Comprovar que a teoria benvenistiana pode contribuir terica e metodologicamente
para apresentar a leitura como um processo enunciativo a nossa finalidade. Portanto, a
importncia desta retomada est atrelada ao fato de que a leitura processo fundamental da
prtica pedaggica e, como tal, deve possibilitar ao aluno uma reflexo sobre o uso da
lngua/linguagem, principalmente, no sentido de constituio de sentidos a partir deste uso.
Assim, tem sido tarefa da escola a insero dos alunos no processo de leitura. No uma
tarefa fcil, uma vez que a prtica pedaggica ainda se detm na leitura como um mero ato de
decodificao. A leitura um ato subjetivo e, na prtica, deve ser entendida como um ato que
implica o sujeito que se apropria da lngua para se relacionar com o mundo, portanto
essencial considerar a presena do sujeito nos estudos lingusticos, para que se possa
realmente ter uma atividade produtiva de leitura em sala de aula.
Tendo em vista, pois, um caminho terico metodolgico para apresentar a leitura
como atividade produtiva de uso da lngua, propusemo-nos, primeiramente, a apresentar
algumas das principais perspectivas sobre leitura presentes na literatura brasileira. Com esse
levantamento, apuramos que a leitura tem sido tratada em seu aspecto social, cognitivo e
discursivo. Todas as perspectivas abordadas apontam para uma forma especfica de tratar a
leitura, no entanto, pedagogicamente, o que se tem presenciado a fragmentao desses
aspectos, sem que se tenha clareza de como elas esto sendo aplicadas no ensino.
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Vimos, portanto, a necessidade de expandir esse entendimento, uma vez que a leitura,
como processo complexo que , deve ser primeiramente tratada como um ato de apropriao
da lngua pelo sujeito. Nesse caminho, delimitamos nossa pesquisa para a questo do sujeito.
Assim, em todas as perspectivas estudadas (cf. captulo 1), nos perguntamos sobre a relao
entre sujeito e leitura. Na resposta a essa questo, encontramos (item 1.1) um sujeito de
natureza social, cujo ato de leitura visto como transformador. Esse sujeito um sujeito de
natureza social, enraizado na escola e oriundo de uma realidade scio-histrica complexa.
As perspectivas cognitivistas (item 1.2) tambm conseguem estabelecer uma relao
sujeito-leitura, respondendo a nossa questo sobre essa relao. Aqui, o sujeito se apresenta
em uma perspectiva social, porm, um social distinto, relacionado s relaes entre os
envolvidos no processo de leitura, a interao. o conhecimento, as estratgias que
caracterizam essa relao sujeito-leitura.
No item 1.3, resgatamos, na perspectiva discursiva, tambm a relao sujeito-leitura,
buscando uma resposta para a questo. Nessa perspectiva, o sujeito constitudo
ideologicamente, ele que determina a leitura, sendo aqui o sujeito intrinsecamente ligado ao
discurso , um (re)produtor de sentidos.
Mesmo que todos tenham por objetivo especificar o fenmeno da leitura, que
apresentem uma resposta a questo da relao sujeito e leitura, nossa questo est em
estabelecer uma relao entre sujeito e leitura tendo em vista uma viso lingustica da
linguagem. Apontamos que o ato/processo de leitura s se constitui se for levado em conta o
uso da linguagem pelo sujeito. o sentido que est em jogo nesse ato processo de leitura e
esse depende do sujeito e de suas condies de produo.
Diferentemente do que se apresenta em outras perspectivas que abordam o processo de
leitura, a teoria benvenistiana, cujo fundamento est em estudar a presena do sujeito na
linguagem, apresenta-se para ns como o envolvimento do aluno como sujeito-leitor, sendo,
portanto, a leitura, um processo altamente subjetivo.
Retomando, no segundo captulo, os principais conceitos da teoria enunciativa de
Benveniste, situamos, teoricamente, que ler significa pensar a leitura como um ato/processo
que procede de um locutor que se prope como sujeito. Nesse sentido, est posta, na leitura, a
questo da intersubjetividade. Isso significa dizer que o leitor, ao contatar um enunciado
anterior, produto de uma enunciao em outra instncia, se marca singularmente, produzindo
referncias.
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portanto, vimos a relao que o locutor-leitor tem com o enunciado e com os elementos que
constituem esse enunciado, em um dado aqui-agora.
Como terceiro deslocamento retomamos as reflexes benvenistianas sobre forma e
sentido e as atrelamos s noes se semitico e semntico, considerando-as em uma questo
maior, a da significao. a lngua em uso que se destaca nessa questo, pois com o arranjo
formal dos elementos lingusticos e com o sentido que da se constitui que a lngua usada.
Entendemos que na leitura enunciativa h o reconhecimento da forma e a compreenso do
sentido. Reconhecer e compreender so duas atividades que estabelecem a relao entre a
significao do j-conhecido e a situao atual. Desse modo, o leitor l um enunciado que
contem ele mesmo uma forma e um sentido, fazendo com que, na sua passagem a sujeito, esse
leitor estabelea novas formas para re-significar o texto. O leitor deve, portanto, em seu
ato/processo de leitura, reconhecer a forma, compreender o sentido e, ento, como sujeito, em
sua instncia discursiva atual, instituir, uma nova significao, singular, pois contm as suas
marcas.
No que diz respeito anlise realizada, com base nesse terceiro deslocamento, em
todos os textos produzidos, ou seja, o produto de enunciao do leitor, pudemos comprovar
que o locutor ao reconhecer as formas da lngua e compreender seu sentido, conseguiu, a
partir da apropriao de um discurso anterior, atualizar os sentidos novos em seu ato de
leitura.
E, por fim, apresentamos um quarto deslocamento que trata especificamente da leitura
como um processo enunciativo, como um ato que envolve constituio de sentido, atualizao
das unidades, enquanto palavras, presentes no enunciado. Esse ato prev re-constituir o
caminho percorrido pelo locutor-leitor associando a anlise do semitico ao semntico.
Em nossa anlise, portanto, tomamos a leitura como ato de constituio de sentido, ato
singular, propondo que esse sentido se comprova com a descrio do caminho seguido pelo
leitor e com os instrumentos lingusticos com o quais ele constri a relao interlocutiva
presente no processo de leitura. Esperamos, com a anlise, ter dado conta do locutor e das
formas lingusticas de sua presena no discurso; do interlocutor (alocutrio) e das formas
lingusticas de sua presena no discurso; da instncia de discurso e s formas lingusticas de
sua presena no discurso, para com isso confirmar que a leitura um ato/processo enunciativo
e dessa forma deve ser pensada terica e metodologicamente na relao entre sujeito e leitura.
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CONSIDERAES FINAIS
Este um trabalho de pesquisa lingustica e, como tal, teve o percurso traado pela
explicitao de um grande processo que envolve a lngua em uso: a leitura, a leitura
enunciativa que d conta do sujeito inscrito na linguagem e que no convoca a exterioridade
lingustica.
Nesse sentido, apontamos alguns parmetros sobre algumas das principais
perspectivas que abordam a questo aqui tratada e vimos necessidade de olhar para a leitura
por um novo ngulo, por considerarmos ser esse processo altamente complexo, pois envolve
mais que o texto e o leitor, envolve elementos essenciais para que se torne realmente um
ato/processo de leitura. , sim, uma situao de dilogo, dilogo que se estabelece entre o
leitor e o enunciado, em uma instncia do eu-tu-ele-aqui-agora, porm preciso entender
como isso ocorre.
Entendemos a leitura como um ato enunciativo, como um colocar a lngua em
funcionamento por um ato individual de utilizao. Esse entendimento um grande passo
para a explicitao desse processo to complexo. A leitura, portanto, deve ser vista como um
ato de constituio de sentido.
Nesse caminho, acreditamos que o nosso percurso foi profcuo, tendo em vista a figura
de leitor que nele se desenhou. Um leitor que passa a agir no ato/processo de leitura, tendo o
papel de re-constituir os sentidos postos no enunciado, reconhecer as marcas ali presentes de
uma enunciao anterior, e, com isso, constituir seu sentido, deixando marcas de sua
presena. Esse leitor (eu), que dialoga com o enunciado (tu), utiliza a lngua para se enunciar
e desse modo produzir sentido, no caso, leitura.
Aplicar este trabalho na atividade docente, portanto, ser o prximo desafio, uma vez
que um professor, que se proponha a pesquisar com mais afinco o tema da leitura, deve fazer
com que essa pesquisa chegue escola. Somente desse modo essa etapa estar finalizada, mas
no totalmente, uma vez que acreditamos que um final sempre um re-comeo.
Se, em sua prtica docente, o professor conseguir mostrar para o aluno que ele precisa
apropriar-se do texto, em todos os nveis, via lngua, ento ser possvel faz-lo entender que
a leitura depende dele, de suas referncias, de sua colocao como sujeito-leitor.
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