Neurose Obsessiva Na Infancia
Neurose Obsessiva Na Infancia
Neurose Obsessiva Na Infancia
NEUROSE OBSESSIVA
NA INFNCIA
CONTRIBUIES
PSICANALTICAS
Resumo
Como parte da pesquisa sobre
a neurose obsessiva depois da
publicao das obras de Freud,
este artigo apresenta uma reviso bibliogrfica a respeito da
formao e o desenvolvimento
da neurose obsessiva na criana
no discurso ps-freudiano. O
material foi organizado em
temas: casos clnicos, origem
e desenvolvimento, perodo de
latncia e lugar da me. Diversos
pontos de vista so apresentados,
e discute-se se existe, de fato,
para os autores, neurose obsessiva como um quadro patolgico
propriamente dito na infncia.
A maioria dos autores se recusa
a aceitar a neurose obsessiva
na infncia enquanto quadro
realmente estabelecido.
Descritores: neurose obsessiva; infncia; psicanlise
com crianas; desenvolvimento
libidinal.
Introduo
durante a infncia), quanto das obsesses em torno das figuras do pai e da mulher
amada a ambas era dirigida a conhecida ideia da tortura pela redoma de ratos
aplicada no nus do sujeito. Sabe-se, pois, que Freud evidencia os elementos
sdicos, os elementos transferenciais do paciente e o sadismo de seus fantasmas.
Posteriormente, Lebovici (1985) se refere aos sintomas fbicos e obsessivos
de outro clssico o Homem dos lobos e a seu estado de tonalidade depressiva, com que conviveu durante toda a vida. Apesar de este quadro apresentar-se
com forte caracterizao anal, o autor nega-se a concordar com o diagnstico de
Freud de se tratar de uma neurose obsessiva. Diversos autores, afirma Lebovici
(1985), creem mais num carter psictico do que neurtico no desenvolvimento
libidinal desse paciente.
No entanto, h anotaes de Freud, no relato desse caso, que Lebovici
(1985) afirma aceitar. Uma delas a de que o perodo de latncia aquele com
maior ao do recalcamento na vida afetiva, suficiente para caracterizar o modelo
obsessivo de carter. Ora, o perodo de latncia distingue-se pela intensidade
do recalcamento, e isso, enquanto marca, um verdadeiro modelo de carter.
frequente, afirma o autor, que as neuroses que se instalam nessa fase tenham
aspectos obsessivos e isso pode repercutir na adolescncia.
Esse tipo de patologia pode apresentar-se durante o perodo de latncia de
trs formas: as obsesses do perodo de latncia, muito coercivas; os desarranjos
evolutivos graves ou pr-psicoses, acompanhados de sintomas obsessivos graves;
e o comportamento obsessivo que aparece no curso da evoluo das psicoses da
infncia. Lebovici (1985), portanto, acredita que os sintomas obsessivos podem
ser teis para outros quadros patolgicos, sobretudo psicticos.
A maioria dos autores consultados afirma, no rastro de Freud, que a neurose
obsessiva comumente observada e tem sua instalao no perodo de latncia deve-se considerar Lebovici (1985), Pichon e Parcheminey (1928/1987)
e Kalmanson (1957). A escolha de Fortin (1986), por outro lado, parece no
coincidir com essas afirmaes, uma vez que, no caso escolhido por ela, os sintomas instalaram-se a partir da adolescncia. Segundo a autora, durante o perodo
de latncia, a situao conflituosa no d sinais de ter chegado a um fracasso.
Deve-se considerar tambm o caso de Fredi, o paciente de Hitschmann
(1924), que apresentava sintomas obsessivos como a agressividade e a preocupao com a limpeza desde antes de completar cinco anos, sintomas que
atravessaram a fase de latncia chegando adolescncia.
interessante notar que em todos esses escritos o perodo ou a fase de
latncia tomado ao p da letra como perodo, fase ou mesmo idade. Talvez se
se considerasse latncia de maneira geral, essa discusso se esvazie. Ou seja, a
neurose apresenta latncia desde cedo e, de algum modo, est sempre a, mesmo
que apaream na adolescncia os primeiros sintomas.
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Alm disso, Lucas (2003) aponta que as manifestaes obsessivas muitas vezes no so identificadas pelos pais, mas a ateno
direcionada para outros problemas, como manifestaes fbicas,
comportamentos instveis e queda no rendimento escolar. Depois
que esses primeiros sintomas so tratados que se consegue visualizar
o mecanismo obsessivo que agiria nessa dinmica.
A criana permanece na escola por um longo perodo e est
sujeita a regras de conduta, o que pode iniciar, no difcil inferir,
o ritual obsessivo, tal como afirma Outeiral (1997). O autor afirma
que crianas, em geral, no falam sobre seus pensamentos obsessivos, talvez por no considerarem esse um assunto interessante aos
adultos ou por no saber que resultados tais pensamentos tero sobre
as pessoas que amam, sobretudo se por isso iro morrer ou adoecer.
Analisa-se, a seguir, a me.
O lugar da me (e da irm)
Uma temtica a ser ressaltada o lugar da me, posto que, depois
das publicaes de Freud, o lugar do pai na gnese e dinmica da
neurose obsessiva foi fortemente enfatizado.
Zetzel (1966) prope uma reinterpretao do Homem dos
ratos a partir no somente do texto clssico, como das notas informais de Freud.
A autora classifica o caso como de gravidade mdia e bastante
analisvel, como Freud mesmo o dissera. Mas, novamente Zetzel
afirma, nos anos 1960, que a psicanlise hoje j teria explorado melhor as relaes e poderia estabelecer que essa anlise estaria ligada
ao fato de o sujeito poder separar-se (Self) do objeto e poder manter
essa separao. Isso no teria sido explorado por Freud pelo fato de
que ele no teria teorizado essas relaes. Freud centraliza a anlise
na ideia do pai enquanto obstculo para a atividade sexual do filho. A
autora afirma, contudo, que isso no leva a falar dos relacionamentos
mais primrios, onde estaria a me e, no caso do Homem dos ratos,
a irm, sua sucednea enquanto objeto incestuoso.
As notas de Freud, contudo, mostrariam uma relao ambivalente
entre o Homem dos ratos e sua me e, ao mesmo tempo, uma
forte identificao com ela, sobretudo ao criticar o pai. A autora lana
algumas hipteses para explicar essa ambivalncia. Uma primeira
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seria a de que o nascimento do irmo, quando ele tinha 18 meses, ameaou suas
relaes materno-filiais. Como segunda hiptese, ter-se-ia que o sujeito, aos trs
anos, voltara-se fortemente para a irm, como objeto; e outra, ainda, seria a de
que, diferentemente, o paciente constitura um complexo de dipo normal at
a morte da irm, e isso, enquanto trauma, teria provocado uma forte regresso.
A perda do objeto incestuoso no perodo de apego, afirma Zetzel (1966), algo
que deixa consequncias perenes.
Alm da prpria morte de Katherina, tambm foi traumtico o intenso
sofrimento da famlia, sobretudo do pai, que acompanhou toda a doena que
a vitimou. Os insultos, ento, que o Homem dos ratos lanara contra o pai,
com base na teoria de Freud, seriam pelo fato de sua impotncia frente doena
de Katherina.
Haveria durante toda a vida do paciente uma forte denegao da morte da
irm, que, segundo a autora, o que estaria atrs da denegao da morte do pai,
de que afirma Freud, e seria o que tambm estaria atrs do medo de perder sua
amada Gisela, que tambm insiste Freud. A morte do pai, ento, ao reeditar a
perda mais precoce, teria provocado uma regresso mais intensa, o que acabou
conduzindo o sujeito ao consultrio de Freud.
Ora, e o complexo de dipo, sobre o qual Freud tambm insiste, est presente
nesse caso. Para Zetzel, no entanto, a rivalidade edipiana que se pode ler nas
manifestaes desse sujeito diriam mais respeito de buscar um pai mais forte,
mais poderoso, capaz de impedir o trauma, e fazer dele o ideal de eu.
Desse modo, Zetzel vai alm do pulsional e chama a ateno para o eu. Na
verdade, a ideia de ir a relaes objetais mais primrias diz respeito a ir s razes
da formao do eu.
Neurose obsessiva: um quadro patolgico propriamente
dito na infncia e na adolescncia?
Os autores apresentados basearam-se na teoria freudiana da discusso da
neurose obsessiva em crianas e adolescentes, aliando essas teorias s suas prprias, bem como sua experincia.
Apesar da diversidade de pontos de vista, parece haver um consenso com
relao a ser possvel identificar sintomas e mecanismos do modo de estruturao
obsessiva em crianas que, com a chegada da adolescncia, podem apresentar-se
como um quadro obsessivo propriamente dito.
Mesmo assim, permanece a questo: Existe neurose obsessiva como um
quadro patolgico na infncia e na adolescncia?
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nessa fase que o ego adquire maturidade e modifica suas relaes com
o real e, dessa maneira, possibilita
que os elementos obsessivos, que
j podem ser identificados desde a
primeira infncia, sejam sintetizados,
porm, em alguns casos essa regra
no pode ser aplicada e h, ento,
o desenvolvimento de uma neurose
obsessiva autntica, antes mesmo do
perodo de latncia. O caso de Erna
um exemplo abordado pela autora
como um caso de uma gravidade
incomum (Klein, 1932/1997a, p.
67) devido a outras caractersticas
prprias da criana e da maneira com
que ela foi criada.
Os sintomas obsessivos que, entre
outras coisas, privavam a criana quase
que inteiramente de sono, as depresses
e outros sinais de doena, e o desenvolvimento anormal do seu carter eram
apenas um plido reflexo da vida pulsional inteiramente anormal, extravagante
e desenfreada que estava por trs deles....
Pode-se afirmar com toda segurana que
o nico remdio em um caso assim um
tratamento psicanaltico no momento
oportuno. (Klein, 1932/1997a, p. 67)
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NOTAS
1. Na busca, no PsycInfo, utilizamos as palavras-chave: obsessional neurosis AND
psychoanalys. Esse material foi analisado em Ramos (2012).
2. Nos anos cinquenta, temos mais dois artigos, que aqui apenas mencionamos, e
isso por falta de espao. O caso Robert, de quatro anos e meio de idade, tratado pela
148 Estilos clin., So Paulo, v. 19, n. 1, jan./abr. 2014, 128-149.
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Recebido em maro/2013.
Aceito em outubro/2013.
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