Dawsey - Victor Turner e A Antropologia Da Experiência PDF
Dawsey - Victor Turner e A Antropologia Da Experiência PDF
Dawsey - Victor Turner e A Antropologia Da Experiência PDF
cadernos
de campo
REVISTA DOS ALUNOS DE PS-GRADUAO
EM ANTROPOLOGIA SOCIAL DA USP
ISSN
0104-5679
A n o 1 4 2005
13
VICE-DIRETORA
Cadernos da Campo revista dos alunos de ps-graduao em antropologia social da USP. Programa de PsGraduao em Antropologia Social, Departamento de
Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias
Humanas da Universidade de So Paulo.
N. 13, ano 14, 2005 So Paulo: USP, FFLCH.
Publicada desde 1991.
DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA
Anual
ISSN 0104-5679
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
REITORA
CHEFE
COORDENADORA
COMISSO EDITORIAL
Cadernos de Campo revista dos alunos de ps-graduao em antropologia social da USP uma publicao anual
dedicada a divulgar trabalhos que versem sobre temas,
resultados de pesquisas e modelos terico-metodolgicos
de interesse para o debate antropolgico contemporneo
e que possam contribuir no desenvolvimento de pesquisas
em nvel de ps-graduao, no pas e no exterior.
Com-Arte Jr.
Comisso Editorial Cadernos de Campo
EDITORAO ELETRNICA E CAPA
Ricardo Assis
FOTO DA CAPA
Peter Fry
Famlia Fashu, aldeia Mangengwa, Zimbabwe, 1964
sumrio
editorial ..........................................................................................................................9
artigos e ensaios.....................................................................................................13
Vestindo o jaleco: reexes sobre a subjetividade e a posio do etngrafo em
ambiente mdico
............................................................................................15
Os caminhos da memria
....................................................................................
Ipanema e suas modas: passado x presente
............................................................................................
Filhos do Rei Sebastio, Filhos da Lua: construes simblicas sobre os nativos
da Ilha dos Lenis
.................................................................................
Nhanhembo: infncia, educao e religio entre os Guarani de MBiguau, SC
.......................................................................................
Oloniti e o castigo da festa errada: relaes entre mito e ritual entre os Paresi
.............................................................................................
Relendo Walter Benjamin: etnograa da msica, disco e inconsciente auditivo
- ..............................................
Imagens perigosas: a possesso e a gnese do cinema de Jean Rouch
......................................................................................................
artes da vida ............................................................................................................
Escrita urbana: a pixao paulistana
.......................................................................................
entrevista ..................................................................................................................
Entrevista com Peter Fry
, , , ,
.......................................................................................
tradues ..................................................................................................................
Jeanne Favret-Saada, os afetos, a etnograa
.......................................................................................................
Ser afetado, de Jeanne Favret-Saada
....................................................................................
Victor Turner e antropologia da experincia
. ..........................................................................................................
Dewey, Dilthey e Drama: um ensaio em Antropologia da Experincia (primeira parte),
de Victor Turner
............................................................................
resenhas ....................................................................................................................
FABIAN, Johannes. The Time and the Other: how anthropology makes its object.
..........................................................................................................
LEWGOY, Bernardo. O grande mediador: Chico Xavier e a cultura brasileira.
.......................................................................................................
informe
Os circuitos do NAU: informe das atividades desenvolvidas pelo Ncleo de
Antropologia Urbana da USP......................................................................................
instrues para colaboradores .....................................................................
nmeros anteriores..............................................................................................
contents
editorial ..........................................................................................................................
articles and essays ................................................................................................
Wearing the white coat: thoughts about the subjectivity and the ethnographers
place in a medical environment
............................................................................................
Ways of memory
....................................................................................
Ipanema and its vogues: past x present
............................................................................................
Children of King Sebastio, Children of the Moon: simbolic constructions about
Ilha dos Lenis natives
.................................................................................
Nhanhembo: childhood, education and religion among Guarani from MBiguau, SC
.......................................................................................
Oloniti and the punishment of the wrong party: relashionships between mith and
ritual among the Paresi
.............................................................................................
Rereading Walter Benjamin: ethnography of music, record and aural unconscious
- ..............................................
Dangerous images: possession and genesis of Jean Rouchs cinema
......................................................................................................
arts of life..................................................................................................................
Urban writing: the pixao in So Paulo
.......................................................................................
interview ....................................................................................................................
Interview with Peter Fry
, , , ,
.......................................................................................
translations ..............................................................................................................
Jeanne Favret-Saada, the feelings, the ethnography
.......................................................................................................
Being aected, by Jeanne Favret-Saada
................................................................................
Victor Turner and the Anthropology of Experience
. ..........................................................................................................
Dewey, Dilthey and drama: an essay in the Anthropology of Experience (st part),
by Victor Turner
........................................................................
reviews .......................................................................................................................
FABIAN, Johannes. The Time and the Other: how anthropology makes its object.
..........................................................................................................
LEWGOY, Bernardo. O grande mediador: Chico Xavier e a cultura brasileira.
.......................................................................................................
information
The NAUs circuits: information about the activities of Urban Anthropology
Group from USP ........................................................................................................
instructions to collaborators ..........................................................................
previous editions ...................................................................................................
editorial
Treize jeus un plaisir cruel de marreter sur ce nombre.
s vsperas de seu dbut, j que completando catorze anos de existncia, com uma espcie de prazer cruel que trazemos a pblico o
dcimo terceiro nmero de Cadernos de Campo,
revista editada pelos alunos de Ps-Graduao
em Antropologia Social da USP.
O nmero treze sempre esteve associado ao
infortnio, falta de sorte, ao risco, ao perigo.
De fato, contando com uma comisso editorial
quase que inteiramente renovada e ainda neta nas artes da editoria, os riscos e perigos que
corremos na formatao desse nmero foram
imensos. Da aquele prazer cruel, frmula paradoxal que talvez reita o nosso sentimento como
jovens editores, preocupados em realizar um trabalho condizente com a j consolidada tradio
da revista, em meio s diculdades impostas ao
longo dessa iniciao. certo que, durante o
processo, contamos com gentis ociantes, antigos editores sempre dispostos a nos ajudar na
superao dos percalos dessa jornada.
Mesmo estando sob um signo malfazejo, ou
mesmo por estar sob ele, arriscamos algumas
inovaes na revista. A comear pelo projeto
grco, procurando acertar mincias e incorporar as alteraes feitas nos ltimos cinco
anos, num trabalho de passar a limpo aquilo
que foi acumulado nesse perodo. Este esforo
est presente tambm nas esquecidas Instrues para colaboradores ao nal da revista,
onde procuramos tornar as informaes mais
objetivas, eliminando algumas ambigidades
constantes nas verses anteriores. Tais alteraes tm como norte os critrios Qualis (CAPES) de avaliao dos peridicos cientcos, na
tentativa de manter a boa avaliao que tivemos em 2004.
E j que revisvamos a revista, arriscamos
algumas ampliaes nas sees que compem
a Cadernos de Campo. Essas dizem respeito ao
nmero de tradues apresentadas nesta edio
e, especialmente, seo de artigos, que passa
a contar tambm com ensaios tericos, exerccios que jovens antroplogos tm empreendido
em conjunto com suas pesquisas empricas. J
a seo batizada com o potico nome Artes da
vida criada inicialmente para valorizar outras
linguagens que no o texto acadmico, mas que
nos ltimos nmeros restringiu-se aos ensaios
fotogrcos de pesquisadores em seus campos
de pesquisa , est agora aberta para outras
produes visuais que possam iluminar o debate antropolgico por novos e surpreendentes
ngulos, no intuito de retomar a sua proposta
de origem. Nossa nova poltica editorial tambm consagra s entrevistas uma outra dinmica, uma vez que aceitaremos, para o prximo
nmero, colaboraes de outros pesquisadores,
no apenas dos membros da prpria comisso
editorial. Uma ltima ampliao diz respeito
possibilidade da eventual publicao de trabalhos em lngua estrangeira (espanhol, francs e
ingls), com o intuito de expandir o leque de
colaboradores da revista, sobretudo nossos vizi-
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nhos hispano-americanos. Para usar uma frmula consagrada neste espao: Novos tempos,
novos desaos!
Mesmo que is ao objetivo de apresentar a
variedade de temas com os quais lidam os antroplogos do Brasil e do exterior, o presente
nmero traz trabalhos de autores ligados no
s aos programas de ps-graduao nas cincias sociais, mas tambm de colegas da rea da
sade, campo de estudos que h muito tempo
erta com a antropologia. com grande prazer
que publicamos tais trabalhos, e nos colocamos
assim abertos s contribuies que, em dilogo com a nossa disciplina, propem-se a ver o
mundo a partir de outras paragens. Assim, o
artigo que abre esta edio, Vestindo o jaleco: reexes sobre a subjetividade e a posio
do etngrafo em ambiente mdico, de Lilian
Krakowski Chazan, discute os procedimentos
de pesquisa que resultaram em seu trabalho
acerca da construo do feto como Pessoa,
mediada pela tecnologia da imagem a partir
da ambigidade de suas identidades como pesquisadora, mdica e antroploga.
J o texto de Maria Angela Gemaque lvaro, Os caminhos da memria, nos leva ao
modo com que foram elaboradas as memrias
sociais de duas famlias consideradas tradicionais em Belm (PA). A autora desvenda, pela
anlise de depoimentos orais e de verses escritas dessas histrias de famlia, como se d
a construo de lembranas, de relaes entre
passado e presente.
Por sua vez, Marisol Rodriguez Valle em
Ipanema e suas modas: passado X presente
reete sobre como os livros e a imprensa criaram representaes sobre Ipanema, comparando compreenses, passadas e atuais, deste
bairro carioca sobre modos de vida, percepes
de mundo, cones e espaos de sociabilidade.
Madian de Jesus F. Pereira, em seu artigo
Filhos do Rei Sebastio, Filhos da Lua:
construes simblicas sobre os nativos da Ilha
Favret-Saada, foi traduzido por Paula Siqueira e conta com uma apresentao de Mrcio
Goldman. J Dewey, Dilthey e drama: um ensaio em antropologia da experincia, de Victor
Turner, foi traduzido por Herbert Rodrigues e
discutido por John Cowart Dawsey.
As resenhas de Marcelo Tadvald e Ronaldo
Lobo, por sua vez, visam apontar para a relevncia da leitura dos livros de Bernardo Lewgoy,
O grande mediador: Chico Xavier e a cultura brasileira, e de Johannes Fabian, The Time and the
Other: how anthropology makes its object.
Por m, nossa ltima modicao para
atender as exigncias dos critrios Qualis foi
a reformulao de nosso Conselho Editorial.
Esse espao agora agrega especialistas no apenas da nossa prpria casa, mas privilegia o dilogo com professores de diferentes instituies
acadmicas, brasileiras e internacionais. Gostaramos, portanto, de agradecer o interesse dos
novos conselheiros que ao aceitar nosso convite, passaram a partilhar conosco tentando
aprimorar, sempre a Cadernos de Campo.
Ao ver a Cadernos 13, assim, pronta, s nos
resta agradecer aos autores que, acreditando em
nosso projeto editorial, conaram seus trabalhos em nossas mos, e aos pareceristas externos
que, com rigor e generosidade intelectual, nos
auxiliaram na escolha dos textos aqui apresentados. Ademais, uma srie de pessoas nos ajudou
a materializar essa edio. Agradecemos a colaborao da Prof Bela Feldman-Bianco, que
nos forneceu a lista completa dos critrios Qualis (CAPES); ao Prof. Peter Fry, que gentilmente
nos concedeu a entrevista e cedeu a imagem da
capa; ao Prof. Julio Assis Simes, que nos ajudou a organizar a entrevista com Fry; ao Prof.
Mrcio Silva, editor chefe da Revista de Antropologia, que forneceu dicas preciosas para o trabalho editorial; Prof Lilia Moritz Schwarcz,
que nos ensinou sobre os meandros de direitos
de traduo; e aos professores Jos Guilherme
Magnani e Vagner Gonalves da Silva, que,
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artigos
e ensaios
decorrer do trabalho de campo, parte da tese de doutorado, cuja temtica consiste na construo do feto
como Pessoa, mediada pela tecnologia de imagem.
Foram observadas ultra-sonograas obsttricas em
clnicas do Rio de Janeiro, RJ, e neste texto problematizado o fato de buscar um olhar antropolgico em ambiente mdico, sendo ela prpria mdica.
O pedido de que vestisse o jaleco em duas clnicas
gerou questes acerca da identidade da observadora,
como mdica e como antroploga. Discute-se como
esta dupla insero opera no decorrer da pesquisa,
em relao aos atores deste universo e no olhar da
observadora. A presena desta pareceu ser mais perturbadora para os mdicos do que para as gestantes.
O modo como a perturbao era expressa diferiu de
acordo com o gnero do ultra-sonograsta. A formao mdica facilitou a entrada no campo e a aceitao da pesquisa por parte de seus sujeitos e por
outro lado h uma tenso quando a pesquisadora
busca estranhar uma situao duplamente familiar.
palavras-chave pesquisa qualitativa; etnograa; observao participante; identidade do pesquisador; subjetividades.
Este texto uma segunda verso do trabalho apresentado na 24a Reunio Brasileira de Antropologia,
Olinda, PE, 2004, no FP 36: Antropologia, trabalho
de campo e subjetividade: desaos contemporneos.
16 |
Introduo
Neste texto so discutidos alguns aspectos
das relaes intersubjetivas surgidas no decorrer do trabalho de campo observando ultra-sonograas (US) obsttricas em clnicas privadas
designadas por A, B e C do Rio de Janeiro,
RJ, parte da pesquisa desenvolvida para a tese
de doutorado. O foco da investigao consistia
na construo social do feto como Pessoa mediada pela tecnologia de ultra-som, produtora
de imagens fetais.1 Ao longo da realizao da
etnograa surgiram diversas questes envolvendo a identidade prossional da observadora. O principal ponto em discusso neste artigo
consiste no fato de ser graduada em medicina
e buscar um olhar antropolgico em ambiente
mdico. Esta dupla identidade, por assim dizer,
necessariamente congurou meu olhar e o relacionamento com os atores do universo observado. Por um lado, facilitou os contatos iniciais
e a aceitao da pesquisa pelos responsveis pelas clnicas, por se tratar de uma colega.2 Por
outro, a familiaridade com o ambiente mdico
vez por outra dicultava o distanciamento e o
estranhamento necessrios para uma etnograa.
O fato de ser psiquiatra e psicanalista tambm
emergiu como uma questo identitria no campo mas, pelo prisma do estranhamento antropolgico, foi secundria duplicidade principal
de ser mdica e estar realizando uma pesquisa
antropolgica naquele ambiente.3 Na clnica A,
1. A partir de ns da dcada de 1980, a US obsttrica tornou-se uma prtica mdica considerada indispensvel
no pr-natal. Na dcada de 1990, na Amrica do Norte
e Europa, produziu-se uma srie de estudos antropolgicos sobre as prticas e os signicados da expanso do
uso do US na gravidez. A reviso desta literatura parte de minha dissertao de mestrado (Chazan 2000).
2. Aspas simples so minhas; uso aspas duplas para citaes de autores ou falas dos informantes, estas em
itlico.
3. Existe uma produo brasileira recente de etnograas
em ambiente mdico (Gonalves 2001; Rojo 2001;
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3 As clnicas
Alguns detalhes da decorao das trs clnicas, assim como os espaos de circulao e
das salas de exames eram signicativamente diferentes e remetiam ao nvel scio-econmico
da clientela atendida.26 Os donos das clnicas
B e C so os primeiros prossionais que se estabeleceram na rea de US no Rio de Janeiro.
O dono da clnica A investe pesadamente na
aquisio de equipamentos de ltima gerao
em diversas tecnologias de imagem mdica e
representaria, por assim dizer, o futuro em
termos de diagnstico por imagem no Rio de
Janeiro. De certo modo, sua credibilidade repousa parcialmente neste aspecto, em contraste com a autoridade mais calcada no peso da
tradio, das clnicas B e C. A preocupao
em estarem atualizados, com a compra de equipamentos cada vez mais sosticados, comum
aos trs, que investem grandes somas neste sentido. A clnica B uma lial modesta de uma
grande clnica de US, em cuja matriz esto os
equipamentos mais modernos.
A clnica A, denominada A-mulher, conforme o nome explicita destina-se exclusivamente
clientela feminina: realiza US ginecolgico e
obsttrico, mamograas e densitometrias sseas, sendo uma das unidades de uma clnica de
26. Em termos do nvel de especializao e procincia
dos prossionais, as trs clnicas se equivalem e, do
ponto de vista tcnico, so igualmente bem conceituadas entre ginecologistas e obstetras.
22 |
o dos espaos suscita algumas questes relativas privacidade oferecida para a troca de
roupa das gestantes; a exigidade e o relativo
desconforto da sala de laudos remetem a um
certo grau de desvalorizao dos prossionais,
tema que mais tarde surgiu na reclamao de
uma das mdicas, guisa de cooptao e de
cumplicidade comigo.
A clnica B situa-se em um prdio comercial modesto na Zona Norte do Rio. A sala de
espera pequena, com uma TV de 10, sempre
ligada, de cor e imagem instveis. Na parede h
quadrinhos reproduzindo aquarelas com paisagens de Paris. Na bancada da recepo h um
computador e uma atendente. Atrs dela existem mquinas manuais para emisso de boletos
de carto de crdito, diversas pastas e, na parede, um cartaz: Vendemos tas de VHS.29 Os
bancos so em alvenaria, com encosto pregado
na parede; em um canto h revistas de generalidades.30 Ao entrar na clnica, direita, est a
porta de acesso para um pequeno corredor que
leva s salas de exames e sala de laudos, que
ampla e tem diversas funes: nela, prossionais e atendentes fazem refeies, preparam os
laudos, agendam exames, discutem casos com
outros mdicos pelo telefone, trocam de roupa
e fofocam.31 A multiplicidade de funes dessa
sala, permitindo uma razovel mistura de atividades, coerente com o aspecto mais marcante desta clnica: a inexistncia de qualquer
tipo de isolamento acstico entre os diferentes
compartimentos, provocando uma confuso de
sons anloga mistura de atividades da sala de
laudos, apesar do cartaz na parede solicitando
que se fale baixo. Esta situao se deve ao modo
29. Muitas gestantes trazem suas prprias tas de vdeo
para gravar US ao longo da gravidez. O consumo da
imagem, um aspecto pregnante deste universo, um
tema complexo e foge ao escopo deste artigo.
30. Veja, Isto , Casa Cludia.
31. Por acaso, s havia mulheres nesta clnica durante o
perodo em que realizei a observao.
cadernos de campo n. 13 2005
como os espaos da rea de exames foram distribudos: parece ter sido um nico recinto que
foi subdividido n vezes, com divisrias de eucatex, s vezes de modo oblquo; excetuando
a sala de laudos, todos os outros espaos so
exguos, fechados com portas sanfonadas. Das
duas portas de madeira a da sala de laudos e
a do corredor dos exames uma est despencando. O consultrio tem relativo conforto,
mas muito mais modesto do que a clnica
A, correspondendo ao padro scio-econmico da clientela, bem abaixo do da primeira. A
aparelhagem tem mais de 5 anos de fabricao,
o que, traduzido em termos nativos, signica ultrapassados, ou quase. A inexistncia de
isolamento acstico produz uma situao de
praticamente total falta de privacidade, a no
ser que se sussurre todo o tempo. A ausncia
de um espao bem delimitado para as gestantes
trocarem de roupa aponta para a mesma questo. Estas caractersticas, associadas decorao
modesta da sala de espera e ao tempo destinado
a cada exame, produzem a impresso de que ali
h um atendimento de massa.
A clnica C localiza-se em um prdio comercial de alto luxo, e s atende a clientes
particulares; logo na entrada h uma placa indicando que a clnica de US est vinculada a
uma de reproduo assistida. Entra-se por um
longo corredor com grandes quadros com fotos
coloridas de bebs gordinhos, fofos, trajados
de or e congneres32 e desemboca-se em um
balco perpendicular ao corredor, com alguns
computadores e atendentes. Para a direita e
para a esquerda da recepo se enleiram pequenos compartimentos separados por vidros,
como mini-salas de espera, cada uma com
capacidade para 4 pessoas sentadas, com bancos de alvenaria estofados e revistas materno32. A fotgrafa (Anne Geddes) que criou este estilo de
fotos registrou a marca que hoje movimenta fortunas,
com sites na Internet e toda uma indstria de artigos
para bebs, alm de livros, posters etc.
cadernos de campo n. 13 2005
24 |
4 Vestindo o jaleco
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|
fala bem da gente, a! [Aponta para minhas
anotaes]. (Clnica A).
28 |
de ter sido apresentada por ele como dra. Lilian. Percebi que, para elas, a minha presena podia signicar algo como uma 2 opinio,
mais abalizada sobre o assunto do que a dele;
neste caso eu estaria sendo percebida como
mdica e no como pesquisadora. Ao me dar
conta disso, sempre que se evidenciava alguma
ocorrncia similar eu parava de tomar notas e
dava a entender, implcita ou explicitamente,
que minha observao no se vinculava a motivos mdicos. Nas clnicas B e C, do momento
em que passei a pedir autorizao para assistir
ao exame, ou seja, ao me posicionar como etngrafa, tal no voltou a ocorrer. Ainda assim,
em momentos difceis,46 em respeito gestante, deixava para anotar depois, pois parecia-me
uma atividade inadequada para situaes de
tanta angstia e dor.47
Finalmente, o mini-chrio como um fator de interferncia. Inicialmente tomava notas ao chegar em casa, mas diante da variedade
e da quantidade de informaes, assim como
da rapidez com que as situaes se sucediam,
a partir do 3o dia de observao na clnica A
optei por mudar o mtodo. Senti que a nica
sada era tomar notas no local da ao, sob
pena de empobrecer muito a etnograa. Com
o tempo desenvolvi um tipo de registro quase
estenogrco. Nas trs clnicas, meu chrio
minsculo foi sempre uma fonte inesgotvel de
curiosidade, comentrios e gozaes por parte
46. Rero-me descoberta esperada ou inesperada de
patologias fetais durante o exame.
47. Menezes descreve o mesmo tipo de experincia (2004:
19-20). Aparentemente, nestas situaes, surge para o
pesquisador uma sensao de desconforto por estar
presente ali nesta condio, concretizada pelo ato de
anotar. Parar de tomar notas teria o signicado de,
diante de questes literalmente de vida ou morte,
colocar temporariamente em segundo plano uma
questo comparativamente menor a sua prpria
pesquisa. impossvel avaliar o quanto a formao
mdica minha e de Menezes modela essa escala
de valores.
prossional, visando evitar aumentar o sentimento persecutrio daquele. Todos eles cavam muito satisfeitos com esse procedimento
e muitos se surpreendiam: Nossa! Como voc
v tanta coisa acontecendo!, ou ento: A gente
ca s ali procurando imagens, nem repara nisso
tudo que voc viu. A reao dos prossionais
ao meu texto de certo modo me apontou de
que ele estaria na linha da co verdadeira
(true ction), delineada por Cliord e Marcus
(1986: 6). Um dia, dr. Slvio pediu-me o relato de certo exame que fora particularmente
difcil, pois pretendia discutir a situao com a
equipe; nessa ocasio quei satisfeita em poder
retribuir a acolhida que estava recebendo. O
pedido do mdico a quem eu j havia fornecido o relato de uma sesso validou que parte
da diclima transformao (Pratt 1986: 32)
do trabalho de campo mediado pelas notas
em etnograa formal encontrava-se em curso. Percebi ento que estava sendo vista como
algum que trazia um outro olhar de alguma
utilidade para os prossionais, fornecendo
subsdios a eles para uma reexo sobre sua
prpria prtica.49
30 |
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de Janeiro: Museu Nacional/UFRJ, 2004.
Os caminhos da memria*
MARIA ANGELA GEMAQUE LVARO
Mestranda pelo PPGCS/CFCH/UFPA e tecnologista em Anlise Scio-econmica do IBGE.
Artigo aceito para publicao em 19/09/05
34 |
I
A partir das lies de Halbwachs (1990)
sobre a articulao entre memria individual e
os grupos nos quais o indivduo toma parte,
farei uma abordagem sobre os processos sociais
que interferiram na formulao das lembranas
de duas famlias consideradas tradicionais no
contexto da cidade de Belm do Par: os Albuquerque e os Duvignaud.1
Trabalhei com dois grupos que, embora tenham um trao em comum o adjetivo
tradicional que lhes aplicado , apresentam
diferenas no que se refere trajetria e aos
vnculos com o Par, o que me permitiu vislumbrar duas construes distintas de memria. As diferenas se expressam nas imagens
formuladas acerca do passado do grupo, assim
como nos fenmenos que interferiram na estruturao das lembranas, e podem ser compreendidas com base no referencial fornecido
por Halbwachs (1990).2
1. Os nomes de famlia, assim como os nomes pessoais,
citados ao longo do trabalho so ctcios. Procedi dessa forma em virtude de alguns aspectos da memria
familiar terem sido tratados com parcimnia e certo
incmodo por alguns, havendo casos de solicitao
de no identicao pessoal. Procurei adotar nomes
que guardassem alguma proximidade com a nfase
dada pelos entrevistados s suas origens (francesa no
caso dos Duvignaud, e portuguesa/nordestina para os
Albuquerque). Esclareo, ainda, que quando utilizo o
termo famlia para falar dos Albuquerque e dos Duvignaud, estou delimitando os grupos a partir do nome de
famlia. Assim, investigo dois grupos de parentes que
se reconhecem enquanto tal por possurem um nome
de famlia em comum, o qual remete a uma histria
cuja divulgao ultrapassa o mbito do grupo.
2. Na teoria formulada por Halbwachs (1990) destacam-se
duas relaes: entre o passado e o presente e entre o indivduo e a sociedade. Ao considerar o ato de rememorar
como uma viagem ao passado que tem sempre como
referncia o tempo e o espao vivenciado por quem relembra, o autor deixa claro que a memria estabelece
uma relao entre esses dois tempos sociais. Essa relao
torna-se dialtica na medida em que o passado visto,
Nessa cidade, que chamaremos aqui de Remanso, ele se entronizou rapidamente nos quadros da elite local, o que conrmado pelo seu
matrimnio poucos anos depois com a lha do
principal chefe poltico da cidade, que, como
o prprio Pedro, podia citar uma ascendncia
nobilirquica em sua biograa: era, tambm,
neta de um baro do Imprio. No momento
em que se celebrava o casamento, a famlia Soares de Cabral, da qual provinha a noiva, vivia
em uma situao bastante favorvel, tanto do
ponto de vista poltico quanto econmico, em
funo de seu posicionamento ao lado dos personagens que dominavam a poltica paraense
e de suas participaes no negcio da borracha. Poucos anos depois, a queda do preo da
borracha amaznica no mercado internacional
reverteu esse quadro, respondendo pelo declnio econmico dos Soares de Cabral, agravado
ainda mais por mudanas na poltica local, que
afastaram seus antigos pares do poder. Para Pedro Albuquerque, que vivia ento na capital do
Estado, para onde havia obtido sua transferncia como promotor, as mudanas no cenrio
poltico lhe custaram o cargo.
Embora as diculdades nanceiras tenham
marcado sua trajetria, ele conseguiu construir
um nome a partir de sua atuao como professor da Faculdade de Direito do Par, como
advogado, como poltico e como homem das
letras (publicou vrios livros e inmeros artigos em jornais). Mais que isso, conseguiu
dar uma orientao bastante uniforme a sua
numerosa prole, basicamente masculina, que,
tendo como modelo a trajetria paterna, procurou consolidar sua posio no cenrio local,
articulando o exerccio de uma prosso liberal respeitada (medicina, direito, engenharia)
com funes pblicas (s vezes polticas) e com
a participao em instituies voltadas para o
campo intelectual (Academias de Letras, Institutos Histricos, Ordens Prossionais). A
visibilidade da famlia, e seu reconhecimento
36 |
II
Para os dois grupos familiares, entrevistei
pessoas prximas em termos de laos de parentesco e de convvio, enfocando para cada um
deles um grupo de siblings. No caso da famlia
Albuquerque, os entrevistados foram trs lhos
e dois netos de Pedro Albuquerque. Para a famlia Duvignaud, coletei depoimentos de trs
irmos, de uma prima destes, e da lha dela,
que era tambm esposa de um dos irmos entrevistados.
Pedro Albuquerque a gura central das
memrias de seus descendentes, e , tambm,
o grande articulador de prticas que ajudam
a preservar a memria familiar e torn-la conhecida entre os paraenses. Nota-se nas memrias especialmente na oral uma ligao
mais ntima com as razes nordestinas da famlia. As razes paraenses so mencionadas e
valorizadas (ttulos de nobreza, poder poltico
e econmico), mas os entrevistados no demonstram em relao a ela a mesma intimidade, a mesma riqueza de detalhes. Um dos
lhos de Pedro Albuquerque nos d indcios
que ajudam a esclarecer tal fato: a postura reservada da me, que falava muito pouco sobre
sua terra de origem, qual no mais retornou
aps o casamento, e, tambm, a disperso dos
parentes.
Halbwachs (1990) levanta a importncia
dos testemunhos para a formao e permanncia das lembranas. Na formao da memria
individual, sobressai o papel dos laos de convivncia que estabelecemos com os membros
dos diversos grupos que fazem parte do nosso
dia-a-dia e da nossa trajetria, e que permitem o
contnuo confronto entre nossas lembranas e a
Pedro Albuquerque foi promotor numa cidade pequena, onde gura pblica de destaque
tinha linha de parentesco consigo. Depois, tornou-se professor de Direito, numa faculdade
onde o corpo docente era, predominantemente, oriundo da Faculdade de Direito do Recife.
Alm disso, sua atividade de escritor conduziuo a tornar-se membro fundador da Academia
3. As palavras em itlico substituem outros termos utilizados pelos informantes em seus depoimentos, ou so
esclarecimentos que julguei necessrio fazer.
cadernos de campo n. 13 2005
38 |
Pollack (1992) indica que os acontecimentos, personagens e lugares so elementos constitutivos da memria, e podem resultar de um
conhecimento direto, quando fazem parte do
espao-tempo de uma pessoa e foram vivenciados ou conhecidos pessoalmente. Mas a
memria de uma pessoa pode, tambm, incorporar lembranas que correspondem ao legado
do grupo embora no advenham diretamente
de suas biograas , atravs de um processo de
socializao que leva a uma identicao com
determinado passado. Trata-se, neste caso, de
uma memria herdada, j que diz respeito a
experincias pessoais de outros.
O engenho um lugar conhecido e usufrudo pessoalmente pelos lhos de Pedro Albuquerque, mas sempre com referncia a personagens
e relaes passadas. A perda da importncia
econmica da regio, aps a queda da economia
aucareira, parece ter criado um nicho do passado, pois as narrativas revelam muitas permanncias, muitas continuidades. Nas descries
do engenho permanece a ausncia de certas comodidades, pois, como na poca dos antepassados, no havia sanitrios. Os lhos de Pedro
Albuquerque tiveram, tambm, a oportunidade
de conviver com personagens que acompanhavam a famlia h anos, como ex-escravos e seus
lhos. E o proprietrio, embora no dispusesse
|
mucamas em torno dela, com bilro, ela ensinando a fazer rendas. Ela cava na cabeceira e
botava as mucamas as moreninhas todas, ela
ensinando renda pra todas elas.
Assim, atravs das lembranas dos Albuquerque possvel resvalar o cotidiano da famlia, desde a poca do seu apogeu enquanto
parte da oligarquia canavieira nordestina, passando pelo seu declnio e chegando construo mais recente de uma tradio que enfatiza
a erudio do grupo e suas carreiras pblicas.
Os membros dessa famlia especialmente os entrevistados mais velhos conseguem
reconstruir verbalmente a trajetria da famlia, e de forma muito semelhante a como ela
est escrita e publicada em livros e crnicas.
Nota-se que, aqui e acol, aparecem informaes que demonstram a existncia, entre os
membros da segunda gerao, de um trnsito
de informaes e objetos de famlia fotograas, manuscritos, quadros, objetos pessoais e
aqueles que assinalam a distino dos antepassados , revelando que o passado se constitui
em matria de interesse a que continuamente
retornam. O fato de alguns membros da famlia terem se dedicado construo de uma
verso da histria familiar, no individualmente, mas atravs de um esforo conjunto, em
que contribuies particulares foram sendo
incorporadas, aps serem reveladas ao grupo
e se tornarem recorrentes talvez por exporem alguma faceta que se pretendia destacar ,
criou uma aproximao entre o registro escrito
da histria familiar e as memrias particulares
de seus descendentes. As vinculaes de vrios
deles a instituies culturais valorizadoras de
uma dada verso histrica, centrada nos grandes personagens e em biograas, foi tambm
importante na criao de uma uniformidade
no discurso.
III
Embora tanto os Albuquerque quanto os
Duvignaud sejam adjetivados de tradicionais,
percebe-se que se trata de duas construes
distintas de memria familiar. As diferenas
compreendem a extenso temporal que as lembranas recobrem, a intimidade com o passado
dos antecedentes e a imagem xada sobre as famlias a partir da. Tambm envolvem a nfase
dada ao retorno ao passado, e sua articulao
com estratgias de manuteno ou recuperao
de posio social. Considerando a memria
como um fenmeno social, compreende-se a
formulao dessas diferenas a partir da observao das trajetrias individuais e do grupo
familiar em suas relaes com o contexto
mais amplo.
A iniciativa de um dos membros da famlia
Duvignaud de pesquisar e registrar por escrito o passado de sua famlia, divulgando uma
verso, nos faz vislumbrar, na sua gura, um
guardio da memria familiar. Lins de Barros
nos fala destes sujeitos que, ciosos da importncia da famlia na construo da identidade dos indivduos, tomam para si a tarefa de
preservar os arquivos da memria familiar
(1989: 37).
Pollack (1989, 1992) destaca que toda
memria coletiva corresponde a um trabalho de enquadramento, no qual so estabelecidas as referncias sobre as quais
se constroem as fronteiras que denem a
identidade do grupo. Este trabalho apia-se
sobre a histria, material que permite diferentes interpretaes, sendo o limite dado
pelo reconhecimento, por parte do grupo, de
sua imagem na verso construda. Os guardies da memria agem como atores desse
processo, controlando a imagem do grupo
pela divulgao de uma dada verso, que s
se consolida e permanece, obviamente, enquanto o grupo se reconhece nela.
40 |
Dos cinco entrevistados, os trs irmos enfatizam apenas as marcas que caracterizariam os Duvignaud e denotariam sua distino. J nos outros
dois casos, me e lha reconstituem fragmentos
de trajetrias individuais de antepassados prximos, mas no sintetizam o percurso da famlia.
Remetendo, em especial, memria herdada
de uma antepassada comum, falam sobre comportamento, hbitos do cotidiano e interao de
um grupo de parentes que viveu o nal do sculo XIX e parte do sculo XX. possvel, assim,
enxergar aspectos da vida dos Duvignaud tanto
em seu perodo de apogeu, como num momento
j marcado pelo declnio de sua expresso mas
no qual os traos de distino social eram ainda
muito atuantes. Se no sintetizam a histria do
grupo, do vida a pedaos de uma histria familiar, ao traarem um perl dos antepassados, que
completa a descrio de Antnio Duvignaud,
voltada para a descrio de carreiras pblicas e
para a anlise do percurso da famlia.
Ressalto que as entrevistas que realizei no
negam, absolutamente, a imagem de distino
da famlia, tal como est traada no livro de
Antnio Duvignaud. Se fosse de outra forma,
a gura do autor no seria a de um guardio da
memria. Ou ento, isso indicaria modos diferenciados dos membros do grupo enxergarem
a si prprios, havendo mltiplas verses que,
provavelmente, disputariam entre si o papel de
verso vlida. Vale lembrar a aproximao feita
por Pollack entre memria e identidade, a partir da considerao da primeira como (...) um
elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva (1992:
204), chamando a ateno para o processo
contnuo de construo que as engendra. E isso
envolve uma permanente negociao entre os
agentes envolvidos nas denies construdas.
Mas, nesse caso em particular, as diferenas no
dizem respeito natureza das verses, e sim aos
graus de envolvimento do autor e dos entrevistados com o cultivo de uma memria familiar.
cadernos de campo n. 13 2005
Praticamente nada dito sobre os avs paternos. Como compreender que um passado to
prximo, j que vivido por pai e avs, chegue
at eles de forma to residual? A resposta parece
estar, em grande parte, nas rupturas que acompanharam a formao desse ncleo familiar. A
primeira delas o rompimento do pai, Olavo
Duvignaud, com sua primeira unio, que havia
sido realizada com pessoa de origem familiar
cadernos de campo n. 13 2005
42 |
que recebeu a maneira de se vestir, de se portar mesa, de pensar sua condio de mulher
e as reunies familiares em datas festivas.
A partir da av, surgem outras mulheres em
suas lembranas, que so pessoas prximas, tanto pelo parentesco e convivncia, como pelo estilo de vida. A entrevista de Vitria traz tona,
portanto, um mundo feminino. Nem os homens
que se pressupe mais prximos pai, av, irmo
tm espao em sua narrativa. Ela reconstitui a
histria da av desde as circunstncias privilegiadas em que passou a infncia e parte da juventude, assinalando os estudos feitos em Paris, seu
traquejo social e sua elegncia. Descreve, tambm, os percalos de sua vida, iniciados com um
matrimnio acordado pelo pai, e que se revelou
desastroso, no apenas pela ausncia de sentimentos, mas porque a trajetria do marido de Tereza
foi marcada pela runa econmica, seguida de sua
morte precoce. Desse casamento resultaram dois
lhos, uma mulher e um homem. Posteriormente, Tereza Duvignaud voltou a se casar e teve mais
uma lha, Flvia, me de Vitria.
Quando Vitria fala da av materna, a
descreve como uma mulher forte e articuladora de relaes, que mesmo j no tendo um
patrimnio que se igualasse a alguns de seus
parentes, manteve a proximidade com eles,
inclusive atravs do estilo de vida que cultivou. Esta proximidade converteu-a, primeiro,
em protegida e, posteriormente, em herdeira
do patrimnio da viva de um tio consangneo, a qual no possua herdeiros diretos.5
5. A proximidade dessa relao ca evidente no s neste
fato, mas tambm em outras informaes fornecidas por
Vitria e Flvia. O nascimento de Flvia, por exemplo,
ocorreu na casa desta senhora, tendo ela e o marido tornado-se seus padrinhos. J Vitria relata as freqentes
visitas de m de tarde a ela e a outra tia de sua av. Por
m, vale notar que esta senhora, ao repassar seus bens
para Tereza e sua lha Flvia, converteu em herdeiras
no parentes consangneas suas, mas sim de seu marido, j falecido. Por interveno de Tereza, coube a ela os
imveis e jias, sendo a fazenda repassada Flvia.
cadernos de campo n. 13 2005
44 |
IV
Conforme assinalei no incio deste trabalho,
ao levantar a memria oral e escrita de membros
das famlias Duvignaud e Albuquerque, encarei
a herana mnemnica de cada uma delas dentro da perspectiva de Halbwachs (1990), ou
seja, como uma construo em que indivduo
e sociedade desempenham, cada qual, seu papel
para que ela se efetive. O ritmo das lembranas,
os lapsos do discurso resultantes do ocultamento ou do esquecimento , a extenso temporal percorrida e o teor bsico das recordaes
so aspectos que podem ser entendidos quando
articulados trajetria do grupo e a traos especcos de vidas particulares.
Para evidenciar o papel que cabe ao indivduo na arquitetura da memria, ressaltei aqui o
papel dos guardies da memria, ou as especicidades de falas individuais no interior de um
discurso que retrata o grupo. Tereza Duvignaud
foi, sem dvida, uma guardi da memria familiar, e sua retomada do passado foi enriquecida
por sua vida social intensa e, em especial, pelo
cultivo das relaes com parentes. A manuteno de uma agenda com nomes e datas de nascimento de parentes, a vasta correspondncia que
manteve ao longo de sua vida, e sua constituio como uma gura adequada para lidar com
problemas familiares, mostra uma mulher para
quem a vida familiar extrapolava os limites de
sua residncia ou de sua famlia nuclear.
Em sua dedicao ao passado, os guardies
formam colees de objetos, fotograas, histrias que permitem entrever o passado, no
como fragmentos esparsos e exteriores ao sujeito, mas como vibraes que trazem tona a
atmosfera vivida pelos antepassados. Em suma:
em suas recordaes, o passado recriado de
cadernos de campo n. 13 2005
46 |
Referncias bibliogrficas
BOSI, Ecla. 1987. Memria e Sociedade: Lembranas de
Velhos. So Paulo: T. A. Queiroz/ EDUSP.
HALBWACHS, Maurice. 1990. A Memria Coletiva. So
Paulo: Vrtice.
LINS DE BARROS, Myriam Moraes. 1987. Autoridade
e afeto: avs, lhos e netos na famlia brasileira. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor.
_____. 1989. Memria e Famlia. Estudos Histricos. 2
(3): 29-42.
POLLACK, Michael. 1989. Memria, esquecimento,
silncio. Estudos Histricos. 2 (3): 200-215.
_____. 1992. Memria e identidade social. Estudos
Histricos. 10 (5): 3-15.
analyze the social construction of the quarter of Ipanema in the media. I carry trough a comment on
three books and three supplements of the press and
establish a comparison between the representations
of the past and the present of the quarter. I verify
the spaces, the personalities, the world visions and
the life style that characterize Ipanema of before and
today.
keywords representations, neighborhood, urban spaces, life style.
A provncia da ousadia
taxas de aluguel, condomnio e impostos. Muitas vezes me percebo como peixe fora dgua
nesse bairro, sobretudo ao constatar o elevado
padro de vida dos vizinhos ou quando passo em frente s vitrines das luxuosas grifes que
se encontram nos arredores. H, contudo, um
aspecto simblico muito forte em morar em
Ipanema, e a fora desse simbolismo se traduz nas prticas e nos projetos dos indivduos,
como foi o caso da escolha de minha me por
morar ali apesar das conseqncias que essa
deciso sempre acarretou. Em grande nmero de sociedades urbanas, e de forma muito
marcante no Rio de Janeiro, o espao constitui
elemento importante para a denio do status
dos indivduos. H, nessa cidade, uma ntida
hierarquia de bairros e, atravs desta, os indivduos percebem a sociedade e se situam dentro
dela (Velho 1978).
48 |
Um bairro carioca
Ipanema possui 1,67 quilmetro quadrado.
Seu territrio consiste em uma estreita faixa de
terra, de formato quase retangular, banhada ao
sul pelo oceano Atlntico e ao norte pela Lagoa
Rodrigo de Freitas. Em comparao com a maioria dos bairros do Rio de Janeiro, Ipanema pode
1. Os livros que constituem o material do trabalho so:
Ela carioca (1999), de Ruy Castro; Ipanema, se no
me falha a memria (2000) de Jaguar e Os degraus de
Ipanema (1997), de Carlos Leonam. Dentre as matrias publicadas na imprensa no ano de 2004, estipulei como critrio de seleo aquelas dedicadas ao
aniversrio de 110 anos do bairro de Ipanema. Utilizei como objeto de reexo suplementos dos jornais
O Globo, Jornal do Brasil e da revista semanal Veja
Rio que apresentavam Ipanema estampada em suas
capas. Trata-se, respectivamente de Caderno Zona
Sul Ipanema, 110 anos na vanguarda (O Globo,
22.abr.2004); Caderno H O garoto de Ipanema Ipanema 110 anos, edio especial (Jornal do
Brasil, 25.abr.2004) e Ipanema 110 anos: Histrias
e personagens do bairro mais charmoso da cidade
(Veja Rio 26.abr.2004-02.maio. 2004).
cadernos de campo n. 13 2005
: X |
A Ipanema do passado
Nos suplementos de imprensa pesquisados, a idia de moda recorrentemente utilizada para designar o passado de Ipanema: Nos
anos 60 e 70, Ipanema viveu uma espcie de
fase urea, exportando personagens, moda, artistas, posicionamentos polticos e modos de
vida (Jornal do Brasil: 4). O bairro qualicado como Laboratrio de moda... centro irradiador de tendncias (O Globo:18) ou Lugar
onde no faltaram musas, modismos, acontecimentos e polmica (Veja Rio: 12). Nos livros,
a idia tambm freqente. Jaguar acredita que
o bairro se intrometia na cidade e no estado,
ditava moda, hbitos e costumes para o Brasil e
o mundo; cagava regras (: 12).
A concepo de moda utilizada para qualicar Ipanema no se relaciona somente ao
sentido mais comum de inovaes nas vestimentas ou nos acessrios de uso pessoal; envolve tambm outros signicados. A associao
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: X |
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mais executadas do mundo a histria da criao dessa msica, que envolve os compositores
Tom Jobim e Vincius de Moraes, a musa inspiradora Hel Pinheiro e o bar Veloso, transformou-se em uma lenda do bairro, narrada
por todas as matrias analisadas:
Nenhuma cano nacional foi e continua sendo to executada quanto Garota de Ipanema.... A msica de Tom e Vincius, de 1962,
foi inspirada em Hel Pinheiro quando passava a caminho do mar em frente ao bar Veloso
hoje Garota de Ipanema (O Globo: 38).
Uma das mais executadas canes do mundo foi composta em 1962, na casa de Tom Jobim. A idia nasceu nas mesas do bar Veloso,
onde Tom e Vincius passavam horas bebericando, jogando conversa fora e observando
as mulheres, entre elas a musa Hel Pinheiro
(Veja Rio: 14).
A ligao entre o Cinema Novo e a Bossa Nova
com o bairro de Ipanema se faz pelo carter
vanguardista desses dois movimentos; ambos
so entendidos como estilos artsticos que romperam com os padres estticos e musicais tradicionais. Todavia, nota-se que o vnculo da Bossa
Nova com o bairro aparece de modo ainda mais
peculiar se comparado ao do Cinema Novo.
Como a prpria imprensa menciona, embora a
troca de idias entre os cineastas brasileiros se
desenrolasse nos botecos de Ipanema, os lmes
desse movimento voltaram-se para cenrios nada
parecidos com o bairro, como, por exemplo, o
serto nordestino. No caso da Bossa Nova, Ipanema aparece no apenas como um ponto de
encontro de seus principais representantes, mas
gura tambm como temtica de suas canes
mais famosas.
A construo simblica de Ipanema como um
bairro que lanou moda e que se consolidou
como vanguarda dos costumes e das manifes-
: X |
ltimos a sair. S amos embora quando os garons
comeavam a jogar baldes dgua nos nossos sapatos. Numa dessas madrugadas, no Degrau, estvamos tomando a saideira em p porque as cadeiras
j estavam empilhadas em cima da mesa. Carlinhos pagou a conta com um cheque que assinou
contra a parede. Teve um ataque de fria quando o
cheque foi devolvido; a assinatura Jos Carlos de
Oli no conferia. O veira restante estava escrito
na parede (: 31-32).
O trecho acima poderia representar uma descontinuidade nas representaes sobre o bairro
de Ipanema, j que o bar mencionado localiza-se no Leblon. Contudo, Jaguar insiste que,
embora o seu grupo freqentasse outros locais
da cidade, inclusive os bares da Lapa, Leblon e
Copacabana, o clima que emprestavam a esses
ambientes era marcadamente ipanemense:
As festas que Albino e eu dvamos na Estudantina Musical, na praa Tiradentes, no Silvestre,
em Santa Teresa, no Elite, na Praa da Repblica, e na Banda Portugal, na Presidente Vargas,
eram festas ipanemenses... A turma de Ipanema
aprontava no Degrau (Leblon)... no Alfredo
(Lido), no Bar Brasil (Lapa), na Gndola, Katakombe e Galeria Dezon (Copacabana)... e at
em Petrpolis (: 17).
Com base nessa idia de Jaguar, pode-se pensar que a categoria Ipanema, pensada como
um adjetivo que qualica pessoas, lugares e comportamentos, no precisa estar necessariamente
vinculada ao espao fsico do bairro. Da mesma
forma, ipanemense ou ipanemenho so identidades utilizadas para designar pessoas que no
tm, necessariamente, um vnculo direto com os
limites territoriais de Ipanema. Morar no bairro,
por exemplo, no uma condio necessria, nem
tampouco suciente, para que um indivduo assuma essa identidade. De modo anlogo, ipanemenses tpicos podem ser habitantes de outras
cadernos de campo n. 13 2005
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fritar bolinhos, monogamia e maridinho-provedor-do-lar. Elas estudavam, trabalhavam, moravam sozinhas, namoravam quem quisessem
e no davam satisfaes. Nada que zessem era
chocante em Ipanema (: 210).
Ao qualicar como ipanemenses a americana Isadora Duncan e as festas na Praa Tiradentes e em Santa Tereza, Ruy Castro e Jaguar
sugerem que os aspectos simblicos atribudos
Ipanema transcendem os limites territoriais do
bairro. Ao contrrio do que pode parecer, esse
aspecto somente comprova a importncia do
espao para a criao de classicaes sociais.
Como sugeriu Mauss (1974) ao pesquisar a
sociedade esquim e Halbwachs (1990) ao
reetir sobre o tema da memria o espao
uma categoria de pensamento que estrutura representaes e prticas sociais. Assim, embora
o imaginrio sobre Ipanema seja slido o suciente a ponto de se desligar das fronteiras do
bairro, somente em referncia quele espao
que esse conjunto de representaes e de memrias se consolida, adquirindo sentido.
So muitas as representaes evocadas pela
palavra Ipanema, podendo designar tanto
estilos de vida livres, transgressores e modernos quanto bomios, criativos e informais. De uma maneira ou de outra, Ipanema
uma categoria repleta de signicados, e vale
a pena pensar que, se por um lado, essas elaboraes so utilizadas para enaltecer o bairro,
por outro, elas tambm podem assumir valores
negativos e transformar a identidade ipanemense em uma categoria de acusao.
Para compreender de que modo Ipanema
simbolizou um rtulo negativo interessante
buscar alguns emblemas capazes de traduzir
aquilo que se considera como o esprito do
bairro em pocas passadas. Dentre todas as personalidades, acontecimentos e lugares recorrentemente citados nos livros e na imprensa,
acredito que a atriz Leila Diniz e o jornal O
: X |
No livro Os degraus de Ipanema, Carlos Leonam mostra que as crticas dirigidas aos ipanemenses eram uma preocupao para Jaguar,
fundador dO Pasquim, nas primeiras tiragens
do jornal. Em resposta ao pedido de Carlos
Leonam para colaborar com o tablide, Jaguar
teria advertido: queremos fazer um jornal que
no seja rotulado de ipanemenho (: 218). Segundo Braga (1991: 193), uma acusao freqente que se fez a O Pasquim que, apesar
de crtico e politicamente avanado, o jornal
era machista. De acordo com o autor, embora
O Pasquim abrisse espao para artigos escritos
por colaboradoras que participavam das lutas
da mulher, ele tambm ironizava as feministas
mais engajadas em algumas frases de capa como
Pasquim um jornal ao lado da mulher. E se
for o caso, sobre e sob; Pasquim Um jornal
cadernos de campo n. 13 2005
A Ipanema do presente
Os autores aqui investigados sugerem que
Ipanema no mais como antes pois os locais
56 |
A Ipanema atual retratada pela imprensa por meio das categorias luxo, charme e
sosticao. Essas noes ganham contornos
mais especcos quando se observam quais so
as localidades percebidas como luxuosas e
sosticadas. O Caderno H do Jornal do Brasil, por exemplo, fundamenta o glamour de
Ipanema quando ressalta que no bairro esto reunidas as joalherias mais sosticadas do
mundo como Amsterdam Sauer, H. Stern,
Mont Blanc, Cartier... (: 4). Os restaurantes,
as livrarias e algumas lojas tambm aparecem
como exemplos do carter moderno e requintado da regio. A importncia conferida a
esse novo comrcio para a nova feio do bairro
se manifesta atravs da freqncia com que os
proprietrios ou representantes desses locais so
solicitados pela imprensa. As matrias abrem
espao para os indivduos dessa categoria justicarem suas escolhas por Ipanema, e eles argumentam tratar-se de um local estratgico:
Hoje Ipanema fundamental para projetar uma
marca no pas e internacionalmente. Como a
Rua Oscar Freire em So Paulo, explica o estilista Tu Duek, que inaugura na tera uma megaloja da sua Forum na Praa Nossa Senhora da
Paz (Veja Rio: 14).
O prestgio conquistado por esse grupo envolvido com o novo comrcio do bairro tal
que eles so solicitados no apenas para discutirem o carter rentvel ou promissor de Ipanema, mas tambm para revelarem suas opinies
pessoais sobre o bairro:
Minha mulher est sempre descobrindo coisas
fantsticas por aqui, conta Rui Campos, o Rui
da Livraria da Travessa.... A gastronomia hoje,
sem dvida, um dos trunfos de Ipanema diz
Angela Hall, gerente da Louis Vuitton e moradora do bairro... um bairro cheio de vida,
arma a arquiteta Bel Lobo, que deu forma a
cadernos de campo n. 13 2005
: X |
vrios restaurantes e lojas da regio... (Veja Rio:
15-16).
No difcil imaginar que a imprensa demonstre outros interesses para alm da comemorao do aniversrio de 110 anos para
elaborar uma imagem positiva sobre Ipanema.
Seria ingnuo desconsiderar os interesses econmicos dos meios de comunicao nos empresrios atuantes no bairro. Nesse sentido, possvel
pensar que muitas matrias acabam cumprindo
uma funo publicitria que visa tornar mais
atrativos os servios dos anunciantes por meio
de uma exaltao do bairro onde estes se localizam. De qualquer maneira, possvel reetir que
se o passado do bairro conforme expressam os
livros elaborado por uma elite intelectual que
se coloca como protagonista das memrias do
bairro, a atualidade de Ipanema como revela a imprensa elaborada por uma elite comercial que tambm se inclui com destaque nas
representaes simblicas desse bairro. Pode-se
sugerir que os critrios que tornam determinadas pessoas legtimas para falar sobre Ipanema
variam segundo o recorte temporal que se pretende abordar. Enquanto os portadores das memrias autnticas ou do relato mais convel
sobre o passado so artistas e intelectuais, a hierarquia de credibilidade (Becker, 1977) se transforma quando o tema a atualidade, em que os
indivduos que ganham maior legitimidade so
os representantes do comrcio de luxo.
Dentre os prossionais ligados ao campo da
moda e da gastronomia, h dois indivduos que
merecem ateno por receberem destaque nos
trs suplementos analisados. So eles, Oskar
Metsavaht e Alexandre Accioly. O primeiro
proprietrio da cadeia de lojas Osklen, grife que vende roupas para um pblico jovem
de classe mdia/alta. J o segundo scio de
quatro restaurantes de elevado padro relativamente recentes no bairro. Ambos so descritos
como fortes investidores na regio:
cadernos de campo n. 13 2005
Esse empresrio foi eleito O garoto de Ipanema, aparecendo em uma enorme fotograa
de capa do Caderno H. Alto, de pele bronzeada
e aparncia jovial, o empresrio est vestido com
camisa social, calas compridas e chinelo, sentado noite no calado da praia de Ipanema.
58 |
o passar dos anos, o perl das musas de Ipanema tambm se modica. Se Leila Diniz foi
considerada musa do bairro na dcada de 1960,
a imprensa atual elege a apresentadora de um
programa televisivo de esportes como um cone
da Ipanema de hoje. Cntia Howlett j foi eleita
musa do vero e lembrada por habitar em
uma localizao de prestgio em Ipanema; em
um edifcio de frente para a praia do Arpoador.
Fotos ou depoimentos ligados a essa ipanemense so recorrentes em matrias sobre Ipanema:
Entre os rostos manjados de Ipanema est a
apresentadora Cntia Howlett, moradora do
Arpoador. Gerao sade, Cntia corre no calado, nada, anda de bicicleta na ciclovia. Minha
ginstica Ipanema, e isso no tem preo, observa. (Veja Rio: 16)
: X |
60 |
Referncias bibliogrficas
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Ipanema 110 anos: Histrias e personagens do bairro
mais charmoso da cidade. 26 abr. 2004-02 maio
2004. Veja Rio.
tion of the imaginary of an island considered enchanted: the Ilha dos Lenis (Lenois Island),
in the State of Maranho. It presents a symbology
about the islanders, principally about those individulized by body birthmarks, the albinos. It emphasizes the explanatory understanding of the discursive
practices of the outside universe (above all matters
transmitted in the press in a general way) and of the
inside universe (native representations) on two
denominations that synthesize the imaginary on the
albinos of the Ilha dos Lenis: children of the
Moon and children of King Sebastio.
keywords imaginary, discursive practices, albinos, enchanted island.
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, |
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, |
66 |
j em terras da Amaznia.[...] Ali conuem o
bafo quente do deserto e o verde da oresta. Da
memria ancestral saltam fantasiosas vises que
deram origem a lendas. Numa delas aparece o
rei D. Sebastio. Em noites de lua, o monarca
derrotado pelos mouros toma a forma de um
touro negro, com uma estrela na testa. [...] Navega tambm pelos furos, canais formados pelas guas das mars mais altas da nossa costa, que
invadem o continente e encontram os rios. [...]
A imensido de guas serve de refeitrio para
bandos de aves pernaltas de colorido avermelhado, smbolo dessas paragens. So os guars.
Estamos na costa oeste do Maranho, fronteira
com o Par. Bem-vindos s Reentrncias. Bemvindos oresta dos guars (Pavone. Disponvel
em http://www.jt.estadao.com.br/suplementos/
turi/2002/01/31/turi003.htm).
O Maranho uma terra de alma negra. Disso
no h dvida. As tradies africanas, trazidas
na pestilncia do navio negreiro, criaram razes
profundas na cultura regional, transformando
o Estado num pedao de Me frica no Brasil.
[...] H um lugar, porm, onde o Maranho ,
antes de tudo, branco, muito branco: na Ilha
dos Lenis, no Arquiplago de Maia. Para
comear, o panorama dominado pela palidez
monocromtica de dunas sem m, a Morraria,
segundo os locais. Os habitantes deste lugar,
alis, merecem destaque especial: so brancos,
branqussimos, mais at que as prprias dunas.
De to brancos que so, caram conhecidos
como os Filhos da Lua pelos poucos viajantes
que se aventuravam pela regio (Ajl. Disponvel em http://www.terra.com.br/turismo/diario/2003/03/14/).
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, |
lho duma prima minha. Tem outro lho que
parente da mulher. Eu sou lho do pai que
irmo do pai dele. Meu primo era lho do pai
que irmo do pai dele (18.01.1999).
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Mrio, como um castigo merecido para a coletividade pelo fato de determinados integrantes do grupo terem transgredido a uma lei: a
proibio do incesto. Porm, h de se levar em
conta que essa denio a mais fracamente
percebida no universo das representaes nativas sobre o albinismo; talvez porque seja muito
mais interessante os ilhus se pensarem enquanto uma raa privilegiada, Filhos do Rei
Sebastio, partcipes da corte encantada, a se
pensarem enquanto uma raa castigada.
O que est em questo que nas representaes nativas o albinismo sempre se manifestar: Essa raa dos brancos sempre vai ter,
porque acredito que isso do lugar. (Z Mrio
26.05.1999); ...uns morrem, outros j nascem:
assim que . (Seu Macieira 19.01.1999).
Independente da causa da morte, pessoa alguma falecida enterrada na Ilha dos Lenis,
a no ser natimortos, os anjinhos. Na Ilha
dos Lenis no h cemitrio. O receio, ento,
no s com as pessoas acometidas pelo cncer
de pele. Alguns depoimentos sobre a ausncia
de cemitrio na ilha fornecem representaes
sobre o fato:
O nado Sissi e a Zuca tentaram reunir algumas
pessoas do Lenol pra fazer um cemitrio, mas o
pessoal no tinha coragem de fazer o cemitrio
aqui no lugar. Morre uma pessoa tem que enterrar l no Bate-Vento... (D. Neusa 04.07.1999).
No tem cemitrio por causa do encante e porque a
terra anda muito. Eles tm medo. Eu tenho certeza
que Lenis encantado (Z Mrio 26.05.1999;
grifo meu).
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falar comigo. Disse que na sua terra havia muitos brancos e louros, mas ningum to branco
como meus lhos. E perguntou como eu explicava aquilo... A para no estender muito a
conversa, eu disse que quando as mulheres, nos
primeiros meses de gravidez, saam a passear nas
noites de lua cheia pelas dunas, o claro da lua
transformava os meninos, dando-lhes pele e
aos cabelos a brancura de sua luz... (in Manchete 1980: 38).
, |
Mulher Grvida
(Natureza)
(Humanidade)
(Natureza/Humanidade)
Se levarmos em conta que esta trade apontada seja uma operao de uma estrutura mtica,
logo devemos pelo menos suspeitar que haja em
seu conjunto uma mensagem cifrada que precisa
ser interpretada. O mito sobre os Filhos da Lua,
embora rechaado pelos albinos, possui um grande valor no em termos de uma verdade, mas
sim por possuir uma eccia ao criar e projetar
para o universo de fora uma imagem extica
dos ilhus descoloridos de Lenis. Imagem
essa reforada pelos princpios estruturais do
mito, no qual a gnese dos albinos no pressupe
um tempo cronolgico e marcada pelo desaparecimento de barreiras entre Natureza e Cultura
(Humanidade), e por isso a comunicao e a fertilidade entre esses planos tornam-se possveis.
cadernos de campo n. 13 2005
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das crianas no processo de valorizao da tradio na Aldeia Guarani MBiguau, SC. A partir
de uma abordagem etnogrca, discorro sobre a sua
atuao nas rezas, no coral e na escola, trs espaos
considerados fundamentais neste processo. Com
base nos pressupostos recentes da Antropologia da
Educao e da Infncia, mostro que a construo da
Op (casa de rezas Guarani), e mais especicamente, a formao do coral e a implantao da escola
revelam uma inteno pedaggica das lideranas na
organizao de espaos de ensino-aprendizagem da
tradio voltados para a educao das crianas.
Alm disso, demonstro que a participao das crianas nesses contextos est pautada numa noo de
educao que concebe o ensinar (mbo) e o aprender (nhanhembo) como aes que se constituem
mutuamente, de modo que tanto aquele que ensina
como aquele que aprende so considerados sujeitos
atuantes no ensino-aprendizagem.
palavras-chave antropologia da educao e
da infncia, ensino-aprendizagem, valorizao da
tradio.
Este artigo foi redigido com base em minha dissertao intitulada Kringue y kuery Guarani Infncia,
educao e religio entre os Guarani de MBiguau,
SC, defendida pelo Programa de Ps-Graduao em
Antropologia Social da Universidade Federal de Santa
Catarina em 2004. Apesar de ter estabelecido contato
com o grupo desde o ano 2000, o trabalho de campo
direcionado para a problemtica da dissertao foi realizado mais sistematicamente entre os meses de maro
e agosto de 2003. Os dados de campo so aqui apresentados como recurso de uidez textual. Agradeo aos
Guarani de MBiguau pela receptividade e colaborao em campo e a Antonella Maria Imperatriz Tassinari pela orientao e incentivo minha pesquisa.
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As crianas, quando choram, esto falando com
Nhanderu, esto indo longe. Do outro lado do
oceano elas olham... (Cano Kringu y kuery
Wher Tup / traduo Kara Djer)
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As crianas Guarani
Antes de abordar a atuao das crianas na
vida social da aldeia necessrio denir quem
so as crianas do ponto de vista Guarani. Um
caminho para o entendimento da categoria nativa
de infncia est na ateno ao modo pelo qual os
Guarani estabelecem os limites entre as diferentes
categorias de idade. Aqui, apresentarei uma breve
sistematizao das categorias de idade, tal como
so referidas pelos Guarani de MBiguau.
Tabela. Categorias de idade com distino de gnero.
Grifo na categoria Kyringu criana.
Idade aproximada Sexo masculino
Sexo feminino
0-3 anos
Mynta (nens)
Kringu
3-13 anos5
Ava (menino) Kunh (menina)
13-18 anos
Kunumy (moo)
Kunht (moa)
20-50 anos
Tudj (homem adulto) Vaivi (mulher adulta)
A partir dos 60 anos Tudj (velhinho)
Vaivi (velhinha)
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As crianas e a religiosidade
Em reconhecida obra sobre os ApapocuvaGuarani, Curt Nimuendaj ([1914] 1987), ao
descrever as atividades de reza entre os Guarani, em nenhum momento se refere atuao
das crianas, a no ser quando, atravs de um
desenho, mostra os movimentos de danas dos
homens e mulheres e indica em determinado
local do que chama casa de dana a presena
de crianas adormecidas. Em MBiguau as
Kringu participam de modo ativo das rezas
noturnas realizadas diariamente na Op.
As atividades de reza Guarani, chamadas
em MBiguau de mbora, incluem o canto,
devem manter durante o perodo de passagem e a
partir dele. Durante o perodo de passagem, rituais
especcos so realizados na Op, os quais no tive a
oportunidade de presenciar.
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partir de sua iniciativa prpria, s vezes seguidas por algumas Kunhta (moas), colocamse umas ao lado das outras prximas ao altar, e
com a cabea voltada para o leste9 comeam a
cantar, danar e bater no cho o takuapu, instrumento feminino que consiste num basto
feito de taquara e utilizado na marcao do
compasso das msicas. O canto/dana acompanhado pelo rav (rabeca) e mbaraka (violo),
tocado por homens.
Enquanto isso, o Kara, sentado em um
banco ao redor do fogo, prepara-se para a sesso de cura10, fumando petyngu junto a seus
auxiliares especiais, que so seu lho mais
velho, Kara O Kend, um neto adolescente
chamado Kara Wher e seu neto de oito anos
de idade, Kara Mirim. Os auxiliares mais
jovens so denominados Yvyraidja Kuery (pequenos yvyraidja: pequeno, kuery plural).
Kara OKend, auxiliar mais velho, chamado Yvyraidja Tenond (tenond: aquele que
est adiante).11
9. Kara O Kenda me disse que: O Guarani quando
reza deve car voltado para o leste, a direo do sol,
o Nhamandu, e se concentrar. Desta forma ele consegue ver atravs da parede, o sol e o mar. De acordo
com Nimuendaju ([1914] 1987: 100) os Guarani
realizam todos os seus atos religiosos com o rosto
voltado para o sol nascente.... Numa outra passagem
o autor arma: Mais de uma vez ouvi os Apapocuva
armarem que o sol o verdadeiro pai de tudo o que
existe na terra... (1987: 65).
10. Como j foi apontado por Littaif (1996), entre os
Guarani impossvel dissociar rezas e cura.
11. Nimuendaj ([1914] 1987: 42) arma que yvyrai j
o ajudante especial do paj. O autor tambm refere-se ao termo yvyraij (neste caso grifa-se tudo junto) para designar um tipo de melodia acelerada e com
forte marcao rtmica ([1914] 1987: 36). Segundo
Montardo (2002: 32-33): O termo yvyraija, etimologicamente, quer dizer dono da madeira pequena
e usado em vrias situaes. Uma delas a designao dos ajudantes do xam na execuo do ritual, bem
como dos ajudantes divinos, os mensageiros do heri
criador.[...]. As pessoas tm seus yvyraija tambm, seres que as acompanham e as protegem de situaes
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conversa Kara OKend me falou que, por serem mais puras, elas tm facilidade em receber msicas das divindades e que quando ouve
alguma criana entoando uma msica que ningum conhecia antes, sabe que foi recebida
em reza. Pelo que pude perceber, a msica recebida pelas crianas no possui letra.15
Atravs do que foi descrito acima se pode
observar que em MBiguau as Kringu participam de modo ativo das atividades religiosas
da aldeia e realizam elaboraes signicativas
a respeito das mesmas. Sustentam uma postura autnoma em toda sua atuao nas rezas. A
gura de Kara Mirim, o pequeno benzedor,
ilustra exemplarmente esta autonomia, pois sua
insero, bem como sua permanncia no cargo,
do-se a partir de uma escolha pessoal baseada
no seu interesse em participar. Ningum tem
o poder de coagir uma Kringu a assumir este
papel, nem a permanecer nele.
O modo autnomo pelo qual as Kringu
inserem-se na vida religiosa da aldeia pode ser
compreendido se atentarmos a uma caracterstica fundamental da religio Guarani, que
consiste na valorizao da experincia religiosa
pessoal e na crena de que o aprendizado das
rezas se d atravs de uma relao direta entre
o indivduo e Nhanderu. De acordo com Schaden (1974), os Guarani-Nandeva armaramlhe que no ensinam as rezas s crianas pois
estas so individuais e mandadas diretamente
pelas divindades. Assim, as crianas participam das cerimnias familiares e comunitrias,
aprendendo o que faz parte do patrimnio
grupal e esperando que suas rezas lhes sejam
enviadas durante o sonho. Clastres (1978), por
sua vez, destaca que para os Guarani as rela15. Durante a descrio de um ritual mbya e chirip,
Montardo (2002: 128) chama a ateno para o fato
de que um paj lhe falou que por ser muito jovem a
reza de determinado rapaz de quinze anos ainda no
tinha palavra. Tudo indica, poranto, que as rezas s
passam a ter palavra na idade adulta.
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armar que em MBiguau as Kringu tm escolhido seguir o bom caminho indicado por
este lder espiritual. Esta escolha acatada e incentivada pelos outros Guarani, que, partindo
da noo de que as Kringu so seres puros e
sagrados e fonte privilegiada de fora para o
bom rendimento dos processos curativos, consideram-nas seres aptos a lidarem com assuntos
de extrema importncia e delicadeza e de grande inuncia no bem estar de todo o grupo.
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gura central no contexto atual da aldeia, reconhecido como aquele que deve ser ouvido.
As Kringu valorizam esta insero da escola na vida alde, participando com entusiasmo
das atividades referentes tradio. No depoimento de uma kunh :
J estudei em outra escola, mas gosto mais daqui
porque a gente estuda Guarani e Portugus. Seno a gente fala s Portugus, e isso ruim, porque a gente perde nossa cultura. Na outra semana
vamos fazer histria de ervas que a gente conhece.
L em casa tem uma rvore bem grando que tem
uma folha assim... Meu pai tira, coloca na panela,
faz e a gente toma quando d dor de cabea. s
vezes eu sozinha vou no mato, buscar remdio,
quando minha me t doente. Na semana que
vem os professores vai tirar foto e a gente vai escrever. Vamos no mato e o tcherami vai pra tirar
o remdio. O remdio do ndio mais forte.
88 |
Referncias bibliogrficas
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Introduo
Os Paresi falam uma lngua da famlia Arawak e somam uma populao de cerca de mil
indivduos (OPAN 1996). Eles sero aqui chamados Paresi, termo que, embora no corresponda a uma autodenominao, veiculado
na literatura etnogrca pelo menos desde o
sculo XVIII, quando ocorreram os primeiros
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Etnografia do oloniti
Oloniti o nome dado principal festa dos
Paresi. Esse tambm o termo usado para a bebida fermentada, feita com o polvilho torrado
da mandioca brava (Manihot esculenta), servida
durante o ritual. A festa motivada pelos seguintes acontecimentos: nominao da criana,
iniciao feminina e cura de doenas. Apesar de
ocasies aparentemente dspares, h algo que
une esses momentos, pois em todos eles trata-se
de receber um nome, novo no caso do batizado,
reforado no caso da iniciao e da cura.
Assim, o rito tem um papel na produo da
pessoa, pois para os Paresi o nome o esprito
da pessoa e serve para dar vida (Costa 1985:
188). Liga-se ainda fertilidade da natureza,
uma vez que apresenta ntima relao com as
fases do ciclo produtivo. Ele realizado durante
a seca, entre os meses de abril e setembro, perodo de colheita da mandioca e no qual a caa
mais abundante (Rondon & Faria 1948: 58;
Costa 1985: 167; Rowan & Rowan 1972: 67).
A oferta de comida e bebida em grande
quantidade a condio material da realizao do ritual. J as condies sociolgicas e
cosmolgicas so garantidas pela presena dos
convidados que so, via de regra, indivduos de
grupos locais relativamente afastados no cotidiano e, como veremos, simbolizam os espritos que acedem ao ritual. Tais requisitos podem
ser depreendidos na maneira como feito o
convite para as grandes festas de chicha, oloniti
kalorec (kalorec = grande), ou seja, para aquelas em que concorrem vrias aldeias. Depois
que os caadores retornam da caada, o dono
da festa, harekahar, ou um outro homem da
aldeia, sai levando uma corda feita de tucum na
qual so feitos ns indicando os dias que faltam
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OLONITI
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Convidados e anfitries
A entrada das mulheres no ritual nos ajuda
a esclarecer melhor a posio de convidados e
antries na festa. Elas entram na aldeia depois
dos homens e so recebidas apenas pelas antris
que as encaminham para os locais onde caro
as redes. Os homens retornam ao ptio da aldeia
onde, empunhando outras varas, novamente atacam a casa onde esto agora todas as mulheres.4
Dessa perspectiva, os ataques s casas onde esto as mulheres nos levam a pensar que a clave antrio/convidado pode corresponder a uma outra,
de carter sexual, que ope mulheres e homens.
Como se viu, so todas as mulheres que vo para
casa (ocupando a posio de antries, de dentro),
enquanto os homens esto no ptio (na posio
de convidados, de fora). Alm disso, os antries
levam a chicha para os convidados, desempenhando uma tarefa que feminina no cotidiano.
Alm das questes de gnero, oloniti imprime tambm nas relaes entre convidados e
antries sentimentos de hostilidade prprios
aos ans. O canto chamado Zeratyalo em
que zerati signica cantar (Rondon & Faria
1948: 70), e cujo nome designa um dos tipos
de auta5 apresenta motivos que evidenciam
4. As convidadas, durante o ataque realizado pelos homens casa, permanecem ajeitando suas redes e os seus
pertences, enquanto as antris continuam seus afazeres, enchendo os baldes de chicha que os antries vm
apanhar, dentre outras tarefas. Dito de outro modo,
no interior da casa, o clima predominante no o de
temor pelos ataques sofridos da parte dos homens.
5. A informao que me foi dada em campo fazia aluso
a quatro tipos de autas, a saber, amore, tzyr, zertyalo, xhali. J Pereira (1986: 31) refere-se a, alm destas, outras nove: hit, hwerare, txeyxikahar, imkolo,
zolh, kaxie, tiryama, ayririkwar e walalos. Imkolo,
foi dito por um informante ser uma das varas com
as quais os homens atacam as casas. J walalos corresponde, segundo outro informante, a um momento
ritual que ocorre dentro da casa e tem como instrumento musical xhali, como veremos adiante. Kaxie
tambm o nome dado auta de P, Zer.
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OLONITI
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Essas e outras canes com as ymaka estendem-se at por volta das duas horas da madrugada, quando essas ltimas so guardadas na
casa das autas, e os homens ainda de braos
dados adentram a casa onde est a chicha. Com
a entrada dos homens na casa, as mulheres, que
at esse momento descansavam em suas redes,
preparam-se para danar o zolane, termo para o
qual no obtive traduo, mas que Rondon &
Faria (1948: 72) e Costa (1985: 183) armam
tratar-se de um instrumento musical.
A dana cessa nos momentos em que os antries oferecem bebida e comida aos cantadores
e danadores, precisamente as pessoas que mais
bebem durante uma festa. A obrigao de aceitar chicha est embutida na prpria designao de convidado, oloniti hoaher, aquele que
bebe chicha (Rowan e Rowan 1972: 67; Costa
1985: 170). A chicha (de mandioca e abacaxi)
trazida pelos festeiros bebida em quantidade
pelos convidados at provocar o vmito.
Esses oferecimentos, por sua vez, podem
apresentar um carter ambguo. De um lado, tal
obrigao parece ter conotao semelhante quela dos Wari descritos por Vilaa (1992), para os
quais as ofertas constantes de chicha aos convidados at que esses morram so tidas como
uma vingana pela destruio que provocaram s
casas dos antries. No caso aqui em questo, o
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mesmo parece se dar, pelo menos num determinado momento, j que, segundo Costa (1985:
181), os festeiros malvados, aqueles que primeiro
adentraram a aldeia empunhando as varas com as
quais batiam nas casas, bebem mais porque devem ser punidos por terem danicado as casas.
De outro lado, interessante contrapor aqui
um trecho retirado de uma cano enunciada
quando se fazia a preparao para a festa do Kotitiko. Diziam os cantadores: estamos cantando
bonito, nos d chicha. Nesse perodo da preparao apenas participam os co-antries, alm
de partes do ritual serem suprimidas, sobretudo
aquelas que simulam ataques guerreiros. Parece-nos, assim, que a diferena nos atributos associados bebida, ora como punio, ora como
graticao, corresponde a diferenas atribudas
aos participantes: para os primeiros, tidos nesse
momento como inimigos, a chicha viria a domestic-los; j para os segundos, parentes prximos, a chicha viria a gratic-los.
O momento ritual descrito at aqui parece
expressar-se, portanto, por uma certa agressividade e, conseqentemente, caracteriza-se pela
potencialidade dos conitos. Tal carter tornase mais evidente pelos acontecimentos que descreverei a seguir.
Estes fatos tm lugar apenas durante a primeira noite de execuo da dana no interior
da casa, num determinado momento em que
os cantos que tm como temas certos mitos so
substitudos por improvisaes que versam sobre
fatos do cotidiano, em especial relaes extraconjugais ou outros fatos geradores de intrigas e
desentendimentos que envolveram a platia presente, colocando em perigo o convvio social, e
que so relatados e discutidos abertamente.6 As
6. Assim, diferena das improvisaes que marcam os
cantos dos caadores guayaki, belamente descritos por
Clastres (1990), atravs dos quais esses homens procuram proclamar a sua individualidade, e, portanto,
uma armao do indivduo, so a vida em sociedade
e os problemas que colocam em risco uma convivncia
96 |
OLONITI
: |
por Lvi-Strauss (1970b: 54) sobre a distino entre rito e jogo. O jogo, por seu carter
disjuntivo, resulta em uma diviso diferencial
entre jogadores individuais ou equipes, que no
eram designados, a princpio, como desiguais.
No entanto, no m da partida, distinguir-se-o
em vencedores e perdedores. De maneira simtrica e inversa, o ritual conjuntivo, uma vez
que, de uma diferenciao inicial, institui uma
unio ao nal. Nessa perspectiva, nas partidas
de futebol paresi, terminada a competio, os
homens voltam s suas respectivas aldeias, alguns como vencedores, outros como perdedores. De modo inverso, percebemos nos jogos
que acontecem durante um ritual, que tero
continuidade em outras ocasies para que, enm, terminem empatado, ou seja, at que os
oponentes terminem iguais, como no ritual.
Essa igualdade est tambm relacionada
a um outro aspecto desse momento ritual, a
saber, preparao pelas mulheres, a partir da
mandioca dgua, do kazalo, em substituio
ao oloniti (chicha), no mais ingerido. Kazalo,
feito na tarde do segundo dia do ritual, uma
bebida doce servida quente. Ao contrrio do
oloniti, cuja ingesto exagerada provoca o vmito, kazalo no ingerido para ser vomitado. Do
mesmo modo como armou Dal Poz (1991)
para uma das bebidas rituais dos Cinta Larga
que, por ser bebida exageradamente e provocar
o vmito no serve como alimento, o oloniti
tambm possui o carter de anti-alimento.
Assim, a mudana do tipo de bebida consumida marca, ao meu ver, a distino entre dois
momentos do ritual. O primeiro descrito at
aqui, consistiu na chegada dos festeiros, bem
como na primeira execuo da dana no ptio
com as ymaka e da dana na maloca, cujo nal
culminou com a destruio dos bens dos antries por convidados bagunceiros. Uma segunda
fase, que j comeamos a descrever, tem incio
com os jogos entre as equipes formadas por antries e convidados, seguido pelo banho no rio
cadernos de campo n. 13 2005
Mito e ritual
O percurso seguido na descrio dos passos do ritual procurou evidenciar dois de seus
9. Nesse caso, o rito promove uma inverso da prtica
social, uma vez que a regra de uxorilocalidade temporria, seguida pelos Paresi, faz com que o homem se
mude para a aldeia do sogro e no o contrrio.
98 |
momentos que nos parecem distintos e correspondentes a atributos e comportamentos diferenciados que se associam aos convidados da
festa. H um mito, denominado O castigo da
festa errada (Pereira 1986: 424-26) que, por
conter a imagem invertida dos procedimentos considerados corretos no ritual, ajuda-nos
a elucidar esses aspectos do ritual. O mito, em
resumo, conta que:
As pessoas de uma aldeia preparavam-se para
dar uma festa. O dono da festa resolveu ento
sair para caar, enquanto as mulheres cavam na
aldeia preparando a chicha. Seu lho, que vivia
sempre junto das mulheres, no quis acompanh-lo. Quem seguiu o caminho do pai foi sua
lha, que estava perto da primeira menstruao.
Nesse caminho passou por um morro, uma
baixada at chegar ao mato, onde nalmente
encontrou o pai. Surpreso com a chegada da
menina, o pai a repreendeu pois estava perto
da menarca e por esse motivo no deveria estar
l, mas em casa. A menina respondeu que sabia
disso, mas quis vir assim mesmo e foram pescar.
Foi no rio que a garota menstruou, mas nada
disse ao seu pai. Dormiram beira do rio. Enquanto dormiam, seres espirituais denominados
homens do mato e homens da gua foram se
aproximando, at que mataram e comeram pai
e lha. Depois disso os espritos, transformados
nos humanos que haviam matado, tomaram o
caminho da aldeia.
L, sabendo da menstruao da menina, sua
me, que no percebeu que a lha havia se
transformado em homem do mato, mandou-a
para o quartinho de recluso. A menina dormia
muito e se recusava a tomar banho.
Nos dias seguintes comearam a chegar os convidados. O dono da festa-homem do mato, em
vez de faz-lo ele mesmo, mandou que os outros
levassem chicha aos convidados no acampamento da festa. De novo recusou-se a levar chicha
para os convidados que tocavam a auta secreta,
O mito acima descrito contm vrias passagens do ritual paresi de iniciao feminina, s
que os apresenta de maneira invertida ao modo
como deveriam ocorrer. Seno vejamos.
Em relao aos procedimentos correspondentes fase de preparao do ritual, a menina
deve permanecer em recluso, tendo contato
apenas com a me e a irm do pai at que chegue
a sua primeira menstruao. Sua sada do quarto,
onde esteve reclusa, s ocorre durante o segundo dia do ritual quando, acompanhada por dois
rapazes, corre em direo ao rio para banhar-se.
Posteriormente, a inicianda participa da festa,
devendo danar com os rapazes, numa atitude
de plena disposio para com os convidados.
Esses ltimos, durante a festa, devem fartar-se
de bebida, servida insistentemente pelo dono da
festa. Por m, os convidados pedem presentes
aos antries, para s depois irem embora.
Por sua vez, o mito, como para anunciar
um conjunto de inverses que vo se suceder,
tem incio com um absurdo, no apenas do
ponto de vista do ritual como da prpria vida
social, ao relatar que uma moa menstrua no
cadernos de campo n. 13 2005
OLONITI
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Tais contrastes, agrados na comparao entre mito e ritual merecem alguns comentrios:
cadernos de campo n. 13 2005
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GIOVANNI CIRINO
em seu ensaio A obra de arte na era da sua reprodutibilidade tcnica, diante das modernas tcnicas
de reproduo a arte v-se destituda de sua aura,
fundamento de sua autenticidade. Para o autor, s
seria possvel mostrar as condies sociais de tal decadncia entendendo-a no como perda de importncia da arte no mundo moderno, mas sim como
alteraes no medium de percepo contemporneo.
Tratando do cinema e da fotograa, diz Benjamin
que a reproduo tcnica tanto autonomiza a arte
de sua existncia no ritual, inserido-a agora numa
prxis poltica, como as obras que reproduz permitem acessar o inconsciente ptico da sociedade moderna. Partindo das sugestivas idias deste autor, e
tomando como objeto de reexo o disco, procuramos nesse trabalho explorar algumas possibilidades
de tratamento etnogrco do material fonogrco
no mbito de uma etnograa da msica, procurando neste material algo alm de sua capacidade de
testar hipteses.
palavras-chave teoria crtica e etnograa
da msica, reproduo tcnica da msica (disco),
medium de percepo contemporneo, inconsciente
auditivo.
say The work of art in the age of mechanical reproduction the arts aura, its autenticity basis, is
destroyed facing modern techniques of reproduction. For this author, we can show the social conditions of this decadence understanding it not as a
reduction of the importance of the art in the modern world, but as alterations on the contemporary
perception medium. Analysing the cinema and the
photography, Benjamin writes that the thecnical reproduction emancipates the art from its parasitary
existence inside the ritual, and puts it in the political praxis, as well as the works that it reproduces give
access to the optical unconscious of the modern society. From the suggestive ideas of this author, and
assuming the record as reection object, we would
like to explore some possibilities of ethnographic
treatment for phonographic material, in the range
of ethnography of music, searching in this material
something beyond its capability to test hypothesis.
keywords critic theory and ethnography of
music, technical reproduction of music (record),
contemporary perception medium, aural unconscious.
102 | -
Introduo
Apesar de realizarmos pesquisas um tanto
distintas (as prticas da msica popular instrumental na cidade de So Paulo e a experincia
do serto na obra fonogrca de Elomar Figueira Mello), temos nos discos um importante
material, o que nos colocou s voltas com um
problema comum:1 seria possvel um tratamento etnogrco deste material fonogrco ou, em
outras palavras, que lugar ele ocuparia no contexto de um empreendimento etnogrco? O
que por ora apresentamos so algumas ponderaes acerca das possibilidades de tal tratamento no mbito de uma etnograa da msica.
De incio, apresentamos a maneira como
Anthony Seeger (1992) e John Blacking (1995)
entendem a noo de etnograa da msica, salientando a posio que reservam aos discos e
outros meios tcnicos de captao e reproduo
sonora. Para esses autores, dada a capacidade
que trazem de iludir quanto essncia humana
da msica (o fazer musical), tais meios no forneceriam chaves signicativas para a compreenso da natureza do discurso musical, servindo
apenas como ferramentas no teste de hipteses
junto aos msicos e sua audincia. Indagamos ento se no seria possvel tratar esta iluso
auditiva produzida pelos meios tcnicos como
constituinte do fazer musical contemporneo,
tentando trazer os discos para o foco central
do empreendimento etnogrco. Nesta tentativa que encontramos amparo na (re)leitura
de Walter Benjamin, cujas idias so alvo de
ateno no segundo momento do texto.2
1. Agradecemos ao nosso orientador, professor John
Cowart Dawsey, por nos ter apontado esta comunho problemtica, sugerindo que trabalhssemos
juntos sobre ela. O presente trabalho surge, ento,
como tentativa de responder ao desao apontado.
2. Neste sentido, o presente trabalho dialoga com o ensaio do antroplogo Jos Jorge de Carvalho, Transformaes da sensibilidade musical contempornea
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104 | -
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ao indivduo apreender seu eu mais secreto, tomar conscincia das formas de atividade de seu
inconsciente individual, o cinema possibilitou
ao homem contemporneo acesso ao inconsciente da sociedade onde est inserido.
Para o autor, assim como o trabalho de
Freud6 permitiu isolar e analisar o que antes
passava despercebido no uxo do perceptvel,
como um lapso numa conversa que transcorre
supercialmente, levando agora abertura de
perspectivas profundas, o cinema teria como
conseqncia um aprofundamento semelhante
da apercepo, j que os desempenhos em um
lme podem ser analisados com maior exatido e sob mais pontos de vista do que aqueles
apresentados num quadro ou no palco. Arma
ento que atravs dos grandes planos, do realce de pormenores escondidos nos aspectos do
cotidiano, e na explorao dos ambientes mais
banais pela direo genial da objetiva, o cinema foi capaz de aumentar a compreenso das
imposies que regem nossa existncia, assim
como nos assegurou um novo campo de ao
imenso e insuspeitado. E no apenas porque a
cmara e seus meios auxiliares revelam motivos
conhecidos em movimento, mas antes por descobrir nesses movimentos conhecidos outros,
desconhecidos. E isso torna compreensvel que
a natureza da linguagem da cmara seja diferente da linguagem do olho humano. Diferente, sobretudo, porque ao invs de um espao
preenchido conscientemente pelo homem,
surge um outro preenchido inconscientemente
(Benjamin [1936] 1985d; [1955] 1992).7
Feita esta rpida apresentao do problema
em Benjamin, possvel indagar: a tcnica de
6. Benjamin se refere ao Psicopatologia da Vida Quotidiana, de Sigmund Freud. Para as relaes do pensamento benjaminiano com a teoria freudiana ver o
trabalho de Srgio Paulo Rouanet (1981).
7. Esta discusso j havia sido feita por Benjamin num
ensaio anterior: Pequena histria da fotograa
([1931] 1985b).
cadernos de campo n. 13 2005
reproduo sonora teria, na apercepo contempornea, um efeito anlogo tcnica cinematogrca? O ouvinte de discos, tas e rdios
seria capaz de se colocar no mesmo estado de
descontrao que o cinema exige de seu espectador? E sendo a linguagem do gravador diferente da linguagem do ouvido humano, seria
possvel falar num espao sonoro preenchido
inconscientemente? Neste ponto a leitura dos
textos de Theodor Wiesengrund Adorno nos
ajuda nessa difcil passagem da imagem ao som
tecnicamente reprodutvel.8
Para Walter Benjamin, o seu ensaio A obra
de arte na era da sua reprodutibilidade tcnica
([1936] 1985d; [1955] 1992) e o de Adorno
O Fetichismo na msica e a regresso da audio ([1963] 1983b), so duas abordagens diferentes do mesmo fenmeno, onde ele procura
articular os momentos positivos daquilo que o
outro ressalta como negativos, apontando para
uma possvel mediao dialtica entre seus pontos de vista na anlise do lme sonoro.9 Esta
8. Para uma brilhante e instigante exposio das convergncias e divergncias entre os pensamentos de
Benjamin e Adorno, neste e noutros confrontos que
marcaram ambas as produes, ver o trabalho de Flvio Ren Kothe (1978).
9. In my essay [The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction] I tried to articulate positive
moments as clearly as you managed to articulate
negatives ones. Consequently, I see strengths in your
study at points where mine was weak. (...) An analysis of the sound lm would constitute a critique of
contemporary art which would provide a dialectical
mediation between your views and mine (Benjamin
[1938] 1994: 140). Como lembrou Flvio Ren Kothe (1978), tanto Benjamin quanto Adorno, nestes
e em alguns outros ensaios da mesma poca, tinham
como preocupao comum decadncia como problema da arte moderna, apresentando todavia propostas diferentes no enfrentamento da questo. Nas
palavras de Flvio Kothe: Enquanto Adorno enfatiza
o desenvolvimento autnomo das tcnicas da obra de
arte, Benjamin enfatiza a ligao e o condicionamento delas em relao s tcnicas de produo social
(1975: 32).
106 | -
ida s idias de Adorno acerca da msica contempornea nos autoriza, na chave da relao
entre reproduo tcnica e inconsciente, pensar
num paralelo auditivo do inconsciente ptico
de Benjamin, mas que olhe positivamente para
a tcnica de reproduo musical, ou seja, vendo
a inovao tcnica na msica no do ponto de
vista do desenvolvimento autnomo das tcnicas da obra de arte, mas do seu condicionamento em relao s tcnicas de produo social.
No referido ensaio, Theodor W. Adorno
arma que a atual msica de massas encontra
na descontrao o seu modo de comportamento perceptivo, lembrando que a observao de Walter Benjamin quanto apercepo
de um lme em estado de distrao vlida
tambm para a msica ligeira. No entanto,
arma tambm que, se o lme enquanto totalidade adequado apreenso em estado de
descontrao, a audio desconcentrada torna
impossvel apreender uma totalidade (Adorno
[1963] 1983b). Assim, ao mesmo tempo em
que Adorno reconhece a possibilidade da apercepo musical na descontrao, ele aponta
que, ao contrrio do que Walter Benjamin v
no cinema, a tcnica de reproduo na msica no se apresenta como um progresso, mas
como um retrocesso.10 O autor parece dizer: h
um ouvinte descontrado, mas que incapaz de
10. A ttulo de ilustrao da maneira como os autores
entendem a relao entre tcnica e arte, citamos aqui
estes dois trechos: (...) o conceito de tcnica pode
ajudar-nos a denir corretamente a relao entre tendncia e qualidade (...). Se em nossa primeira formulao dissemos que a tendncia poltica correta de uma
obra inclui sua qualidade (...), porque inclui sua tendncia (...), possvel agora dizer, mais precisamente,
que essa tendncia (...) pode consistir num progresso
ou num retrocesso da tcnica (...) (Benjamin [1934]
1985c: 122-123); O que decide se uma determinada
tcnica pode ser considerada racional e constitui um
progresso, o sentido original, a sua posio no conjunto social e no conjunto da obra de arte concreta e
individual (Adorno [1963] 1983b: 189).
Em outras palavras, o ouvinte descontrado no capaz de perceber a totalidade porque o mecanismo de realizao dos desejos no
evidente. E isso acontece, segundo o autor,
dada a natureza no-conceitual da msica que,
a despeito de sua gura e sentidos prprios,
contribui para o que chama de ideologia do
inconsciente; e como esfera cultivada da irracionalidade em meio ao mundo racionalizado,
ela acaba por justicar a perpetrao da irracionalidade global (Adorno [1959] 1983a).
possvel perceber que aqui Adorno est
pensando com Max Weber e, seguindo com
ele, ressalta que a categoria da racionalizao
decisiva para a sociologia da msica, corroborando a tese weberiana de que a histria
da msica ocidental a de uma progressiva
racionalizao.11 No entanto, lembra o autor
11. Weber, Max. Os Fundamentos Racionais e Socio-
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que a racionalizao apenas um de seus aspectos sociais, como a racionalidade ela prpria
Aufklrung um momento na histria da
sociedade, e que no interior do movimento
progressivo de desencantamento do mundo do
qual participou, a msica foi tambm a voz do
que cara para trs no caminho dessa racionalidade, ou do que dela fora vtima. Diz ainda ser
esta a contradio social que est no centro da
msica, e tambm a tenso da qual a produtividade musical tem-se alimentado na sociedade
moderna. Feita esta crtica a Max Weber, o autor ento arma que:
Por seu puro material a msica a arte em que os
impulsos pr-racionais e mimticos se armam
irredutivelmente, entrando ao mesmo tempo
em constelao com as tendncias ao progressivo domnio da natureza e dos materiais. Da a
sua transcendncia em face da engrenagem cotidiana da auto-conservao (...). Se que efetivamente ela vai alm da mera repetio do que
j existe, ser por essa razo. Mas pela mesma
razo, por outro lado, que ela to apropriada
constante reproduo da estupidez. O que faz
dela mais que mera ideologia tambm o que
mais facilita a caricatura ideolgica. Como campo delimitado e cultivado da irracionalidade em
meio ao mundo racionalizado, ela se transforma
no estritamente negativo, tal como racionalmente planejado, produzido e administrado pela
indstria da cultura de massas em nossos dias. S
por fora da racionalidade a msica pode ultrapass-la (ibidem).
Mas voltemos ao dilogo com Walter Benjamin. Como transparece nestas palavras de
Cohn em referncia a Adorno, os dois autores
partem da comum idia que o contedo espiritual s se realiza nas obras de arte mediante
108 | -
categorias tcnicas,12 ou seja, pelo agenciamento de tcnicas de que o artista dispe para
levar suas aspiraes subjetivas a se superar
na objetividade do material e da forma. Mas
se para Benjamin a tcnica de reproduo no
cinema constitui um avano da tcnica cinematogrca, para Adorno ela constitui um retrocesso da tcnica musical, da ele chamar a
apercepo descontrada da msica ligeira de
audio regredida. Como apontam, tanto
o lme quanto a msica ligeira13 so adequados apercepo em estado de descontrao.
No entanto, como quer Adorno, s o primeiro possibilita a apreenso de uma totalidade
nesse estado, pois s nele o mecanismo inconsciente de realizao dos desejos se torna
evidente. Em outras palavras, a tcnica de reproduo s tecnicamente conseqente no
12. curioso como esta armao, a princpio to losca, dialtica e materialista, prxima daquela
feita por Marcel Mauss ao apresentar a importncia
da noo de habitus que introduz na discusso sociolgica: preciso ver tcnicas e a obra da razo
prtica coletiva e individual, l onde geralmente se v
apenas a alma e suas faculdades de repetio ([1950]
2003a: 404).
13. preciso considerar que, ao longo dos dois textos,
Adorno utiliza diversos adjetivos ao se referir msica sria, ligeira, de massas, de entretenimento e
artstica , que devem ser entendidos no como denies taxativas que separe esta daquela msica, e
sim como um conjunto de noes que devem ser
entendidas em suas relaes e oposies ao longo do
texto. Da a diculdade em especicar como ele entende cada uma delas. Mesmo assim possvel dizer,
num resumo empobrecedor, que nos dois trabalhos
msica sria e msica ligeira surgem em oposio,
sendo a msica sria (grande msica) entendida por
ele como a msica tradicional da Europa Ocidental, a
msica ligeira parece identicada msica popular e
em especial ao jazz; a msica de entretenimento est
associada ao jazz comercial, sendo ao mesmo tempo
msica ligeira e de massas; e por m a msica artstica
seria aquela que, realizando uma msica de massas
tecnicamente conseqente, afasta-se das massas, em
busca de seu prprio destino.
exatamente este exerccio nas novas percepes e reaes exigidas por um aparelho tcnico
que Adorno v faltar na atual msica de massas,
fazendo esta tecnicamente inconseqente:
Como quer que seja no cinema, a atual msica
de massas pouco apresenta deste progresso no
desencantamento. Neste tipo de msica nada
mais forte e mais constante que a aparncia
externa, e nada mais ilusrio do que a objetividade (Adorno [1963] 1983b: 188).
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todas as idades e dos dois sexos (Mauss [1950]
2003a: 411).
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Estamos em plena psicanlise, provavelmente
bastante fundamentada aqui. Em verdade, o
socilogo deve ver as coisas de modo mais complexo ([1950] 2003a: 417).
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essncia humana, como se operasse sem a agncia dos homens, no m das contas ao corpo
que ela novamente se dirige, exigindo uma nova
atitude, uma educao dos seus sentidos.
Em suma, e da mesma maneira que Benjamin havia apontado para uma superao
dialtica entre a sua posio e a de Adorno na
anlise do lme sonoro, possvel dizer que o
enfoque na formao de pares mecnicos poderia oferecer a mesma mediao entre a perspectiva sem instrumentos de Mauss e a perspectiva
com instrumentos de Benjamin. E isto porque,
tanto no possvel tratar das tcnicas do corpo sem fazer referncia aos instrumentos, como
impossvel falar da reproduo tcnica sem
lembrar do corpo. De qualquer maneira, nos
dois casos trata-se de
(...) ver tcnicas e a obra da razo prtica coletiva e individual, l onde geralmente se v apenas
a alma e suas faculdades de repetio (Mauss
[1950] 2003a: 404).
: , |
ao fazer musical. Com o perdo da palavra, chega a parecer ingnuo pensar que uma pessoa,
ao se distrair ouvindo um bom disco, acredite
mesmo que aqueles sons reproduzidos pelo seu
equipamento estejam sendo realizados sem a
agncia humana. De qualquer maneira, h de
fato uma iluso operando ali, j que o ouvinte
confrontado com o produto da atividade humana, da sua prpria atividade, mas de forma
emancipada, isto , como produto alienado do
trabalho humano, como j diria Karl Marx.
Buscando ento superar a diculdade apontada por Seeger e Blacking, Walter Benjamin
([1936] 1985d; [1955] 1992) nos oferece
como alternativa encarar os meios tcnicos
atentando para a diferena entre linguagem do
equipamento de registro e linguagem do corpo
humano. Desta perspectiva o disco, enquanto
obra de arte tecnicamente reprodutvel, no s
exige uma nova atitude a descontrao de
seu ouvinte, como permite acompanhar um espao sonoro que passa a ser preenchido inconscientemente o inconsciente auditivo. Com
isto a iluso auditiva, a auto-alienao humana
diante de um aparelho tcnico emancipado,
torna-se produtiva, j que
Com a representao do homem pelo aparelho, a auto-alienao humana encontrou uma
aplicao altamente criadora (Benjamin [1936]
1985d: 180),
pois no s exige do homem contemporneo uma nova atitude crtica diante das obras
que reproduz, como tambm, nesta mudana,
revela as condies sociais de sua poca. Ou
ainda, para usar os termos dos dois primeiros, a
iluso auditiva produzida pelos meios tcnicos
provoca alteraes na concepo, na execuo e
na apreciao das msicas que reproduz: mais
que iludir, demonstra uma outra maneira de
fazer e ouvir msica utilizada pelos membros
de uma sociedade determinada.
cadernos de campo n. 13 2005
114 | -
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116 |
dos Hauka, membros de uma certa seita religiosa que incorporam novos deuses. O texto
adverte ainda que as imagens fortes que seguiro foram lmadas a pedido dos sacerdotes e
que nenhuma delas proibida ou secreta, sendo assim abertas a todos que estiverem dispostos a assistir ao jogo violento que nada mais
seno o reexo de nossa civilizao.
Um corte abrupto nos leva a uma estao de
trem e, logo depois, ao cenrio urbano. Rouch
conta-nos, em voz o (como o far ao longo de
todo o lme), que estamos numa certa cidade
da frica Ocidental Accra, capital da ento
Costa do Ouro, colnia britnica, hoje Gana.
Vemos homens trabalhar so todos migrantes que vm de diferentes partes. Doqueiros,
estivadores, comerciantes, artesos, faxineiros,
mineiros, entre tantos outros compem essa
Babilnia Negra. A sobreposio de diferentes planos indica a convivncia de sons, cores e
religies. Em um bar, denominado Califrnia,
ouvimos o som do calipso. De um cortejo iorub passamos a uma manifestao de prostitutas,
destas s irmzinhas de Jesus que cantam nas
ruas a sua f e, por m, a uma fanfarra militar.
Chegamos ao mercado de sal, na periferia
de Accra, onde se encontram os Hauka. Rouch
explica que domingo o dia em que eles se renem para celebrar os novos deuses e, nesse
momento, oferece ashes de rostos em transe,
antecipando a matria do lme. So rostos desgurados que se confundem na escurido. Na
seqncia seguinte, j domingo. Logo cedo,
os Hauka deixam a cidade em direo ao stio,
onde ser realizado o ritual. Quem guia todos
Mountyeba, o sacerdote que, como os demais, um migrante vindo do Nger.
No stio, o velho casebre apresentado como
palcio do governador e l encontramos um
altar com o cone do governador britnico. O
ritual comea ento com a apresentao de um
novio, Gherba, que tem crises intensas em frente cmera todos sabem que ele est possudo
: |
operrios da Water Rocks, empresa de abastecimento de gua. Por ironia, eles trabalham numa
obra localizada em frente ao hospital psiquitrico municipal. Jean Rouch xa-se, ento, no
sorriso ingnuo de Gherba, o novio que foi o
secretrio geral e agora tem a cabea raspada.
E, sobre essa imagem, o lme nda com uma
indagao do prprio diretor: Provavelmente,
esses africanos conhecem certos remdios que os
permitem no serem anormais, mas justamente
se integrarem ao meio em que vivem. E estes remdios ainda nos so desconhecidos.
As luzes se acendem na sala de projeo do
Museu do Homem. A platia est atnita depois
de assistir aos apenas vinte e sete minutos do
lme. Alguns africanos presentes declaram que
as imagens vistas so uma afronta sua dignidade, que elas apresentam os nativos como selvagens. Marcel Griaule pede, ento, que Rouch
destrua o lme: aquelas imagens no poderiam
ser veiculadas, visto que eram demasiadamente perigosas. Elas jamais poderiam ser vistas por
no-iniciados, que no partilhassem aquele universo. Tampouco poderiam ser exibidas a iniciados, que, ao v-las, entrariam em transe.
Uma histria, contada por Rouch, bastante curiosa para falar do perigo dos espritos
Hauka e de suas imagens:
Entre a minha equipe estava um jovem chamado Tallou que depois viria a atuar em Cocorico Monsieur Poulet (1975). Ele cou chocado:
Tudo isso falso. Falso!. E Gherba disse a
ele: Tallou, tome cuidado. Voc no deveria
dizer isso, pois os Hauka podem se vingar.
Dito e feito. Trs semanas depois, Tallou foi
possudo. Foi um transe selvagem, que causou
muito problema, pois ele foi possudo no meio
de Accra e comeou a agredir os seus amigos.
Encontramos-no passando a noite num cemitrio fora da cidade, e eu o levei a Mountyeba,
o sacerdote, que disse: Sim, ele est possudo,
mas preciso esperar quem sabe um ano para
118 |
que ele seja nalmente iniciado. E disse tambm (mas s para mim): Voc reponsvel,
pois foi voc quem o trouxe aqui. O melhor
a fazer lev-lo de volta sua aldeia natal.
O sacerdote me deu um pouco de perfume e
outras coisas mais e me explicou como aquietar
Tallou se ele voltasse a ter uma crise. Ento eu
levei Tallou ao meu motorista, Lam, que, alis,
tambm atuou em meus lmes. Eles voltaram
ao Nger de trem e caminho, e durante a viagem ele foi possudo duas ou trs vezes. Lam
teve de o acalmar passando perfume em sua cabea. Isso foi dois anos antes de sua iniciao.
Um dos ltimos Hauka foi um general francs
que comandou o exrcito durante a guerra da
Indochina. Ele se chamava General Marseilles,
pois certas tropas africanas que partiam Indochina paravam em Marselha, Frana. Tallou foi
possudo por este general, o ltimo dos Hauka
(Rouch, Marshall & Adams, 1978: 1010; minha traduo).
Durante o debate, Luc De Heusch o nico a defender o lme de Rouch, apontando ali
um documento de grande importncia para a
antropologia.
Antecedentes e ecos
Para alm do Museu do Homem, Les Matres
Fous no teve melhor sorte. Foi rechaado pelas
autoridades coloniais britnicas, que acusaram o
autor de desrespeito ao Exrcito e rainha. Tendo em vista todas as objees, Rouch optou por
restringir a circulao do lme, exibindo-o apenas em um circuito alternativo de cineclubes.
Com todos esses pesares e mesmo por
causa deles Les Matres Fous tornou-se um
clssico. Inspirou rapidamente campos artsticos, como o cinema de co e o teatro. Claude Chabrol foi logo procurar Rouch para saber,
anal, como ele tinha adquirido tamanha tcnica na direo de atores. (O cineasta no
havia acreditado que aquilo pudesse ser um ritual). Jean Genet, de sua parte, inspirou-se na
possesso Hauka para escrever Os Negros, pea
em que um grupo de escravos se rebela contra
seus mestres. E Peter Brook usou as imagens
para treinar os atores de Marat/Sade.
De modo curioso, Les Matres Fous atraa, sobretudo, pelo seu lado dramtico. Como lme
etnogrco, no entanto, foi considerado, por
pares como o prprio Griaule, como incompleto, por ser breve demais e no contextualizar na
medida necessria o ritual apresentado, e perigoso, por no medir o efeito que aquelas imagens
poderiam ter para a audincia, africana e europia (Stoller 1994). Que seriam, anal, aqueles
homens negros ditos Hauka, que imitavam personagens coloniais e eram possudos pelos seus
espritos? Que pensar de uma cena escatolgica
como a do sacrifcio do co, em que se cogitou
a possibilidade de comer a carne crua? Acusava-se o lme de Jean Rouch de endossar justamente o que ele pretendia combater, ou seja, o
racismo, a idia de que a subordinao poderia
ser explicada pelo carter selvagem (portanto,
inferior) dos negros, que agiam na tela como
doentes mentais, incapazes de separar a realidade vivida da imaginao.
Apesar da recepo receosa por parte dos
antroplogos, Les Matres Fous no pode ser
dissociado do processo de pesquisa iniciado por
Rouch em meados dos anos 1940 no que viria a
ser a Repblica do Nger, e nesse ponto recobra
um lugar importante na histria da antropologia
e do cinema. Rouch formou-se em engenharia civil e se tornou supervisor da construo de estradas na colnia francesa ali estabelecida. Foi nesse
cenrio que conheceu Damour Zika, que se
tornaria um grande amigo e parceiro. Damour
trabalhou como tcnico de som em lmes como
o prprio Les Matres Fous, e protagonizou outros
lmes como Jaguar (1967) e Petit Petit (1969).
Tambm ali Rouch presenciou os primeiros rituais de possesso, que o conduziram a reetir
cadernos de campo n. 13 2005
: |
Os Hauka revisitados
As imagens dos corpos possudos por divindades coloniais pareciam sintetizar de
modo notvel a experincia de povos como os
Songhay em cidades algo cosmopolitas como
Accra. E, com efeito, elas atuaram na fundao
do cinema de Jean Rouch. Mas, como atentava Griaule, estas eram imagens perigosas e
descontextualizadas (Stoller 1994).
Trs anos aps o lanamento de Les Matres
Fous, em 1957, a Costa do Ouro tornava-se independente. A partir de ento, os Hauka que l
viviam retornavam ao interior do Nger, recuperando o estilo de vida aldeo. Seu panteo,
que congurava uma espcie de prtica fora da
lei, era aos poucos assimilado pelos sacerdotes
tradicionais. Intrigado pelas imagens de Rouch,
Paul Stoller, antroplogo norte-americano, voltou aos Songhay do Nger na dcada de 1980,
portanto no perodo ps-colonial. Ao contrrio
do que previu Rouch, Stoller (1989 e 1995) sustenta que a religio dos Hauka no cessou com o
m da colonizao, mas transformou-se no tempo e acarretou diferentes arranjos polticos. Basta aqui salientar que, com a independncia do
Nger, muitos Hauka tornaram-se membros do
Supremo Conselho Militar, um deles chegando
120 |
a ser eleito como presidente da Repblica. Notase tambm que, nesse novo perodo, os Hauka
foram responsveis pela legitimao de vrios
atos de violncia poltica. Segundo Stoller, que
perseguiu as metamorfoses dos Hauka na segunda metade do sculo XX, esses rituais de possesso no eram simplesmente um modo para
resistir colonizao, mas sobretudo para constituir uma memria do grupo e, assim, habitar
o tempo atual. E isso s era possvel mediante
um trabalho de inscrio no corpo. O autor
lembra tambm que, entre os Songhay, esse tipo
de memria incorporada (embodied) contrasta
com dois outros: uma tradio escrita, herdada
do Isl, e uma tradio oral-pica, concentrada
na gura dos griots, contadores de histrias e
guardies da tradio oral.
Em linhas gerais, o argumento de Stoller
reside na idia de que os rituais de possesso
Hauka imitam o homem branco e sua organizao militar para domestic-los, control-los.
Na esteira de Michael Taussig (1993), Stoller
(1995) pensa o poder mimtico embutido
nesses atos de incorporao. Povos como os Songhay teriam, assim, nos rituais de possesso uma
espcie de mquina de processamento dos episdios de contato com a alteridade, que remete
tanto a tempos imemoriais o tempo do mito
como a tempos datados a conquista muulmana, a incorporao de outros grupos tnicos
etc. Podemos concluir, com Stoller e Taussig,
que a possesso entre esses povos um ato a um
s tempo cognitivo, histrico e poltico, e isso
signica que esta maneira de habitar no mundo
de existir passa necessariamente pelo simblico ou, para usar um termo bastante frisado por
Rouch, pelo imaginrio, pela imaginao.
O fato de que os Hauka incorporavam elementos coloniais s suas prticas correntes para
poder, enm, domestic-los ou control-los segundo seus prprios termos deve explicar, por
exemplo, a permisso dos sacerdotes para lmar
o ritual. Rouch lembra, alis, que Les Matres
: |
Imagens possessas
Se as imagens de Les Matres Fous so mesmo
perigosas, isso ocorre sobretudo porque elas parecem estabelecer com a possesso uma associao
por contigidade. As imagens ambguas criadas
no ritual Hauka de colonizados que incorporam (espritos de) colonizadores no apenas
mimetizam elementos ocidentais, como querem
Taussig e Stoller, mas condensam e do visibilidade s contradies vividas na experincia cotidiana da poca.1 Ora, o lme etnogrco inspira-se,
1. Carlo Severi (2000) vai alm da idia de mmese, presente
em Stoller e Taussig, para pensar fenmenos hbridos,
tais os cultos Hauka, como resultado de um processo de
interao ritual e de condensao de imagens. O ponto
no seria apenas imitar os colonizadores, mas sobretudo
inserir o seu universo, sobretudo imagtico, dentro de
um contexto ritual j dado; no caso Hauka, a possesso.
122 |
da cmera. A essa verdade se acede, vale ressaltar, pelo imaginrio, pela imaginao.
Como o ritual, o cinema uma espcie de
explicitao de uma poro que permanece
oculta e que s pode ser acionada na suspenso
do cotidiano.2 A sala escura, como a possesso, permite que nos transportemos para outro
mundo, o que signica voltar e ver este mundo
j com outros olhos. Olhos de um recm-iniciado, tais aqueles que compem a ltima seqncia de Les Matres Fous.
: |
124 |
Com Rouch, o cinema deixa de ser mera iluso para se converter numa prxis capaz de descortinar uma verdade muito particular, jamais
dada na superfcie visvel das coisas, mas que deve
ser extrada, ou mesmo decretada, sob esforo da
imaginao. Tendo em vista esse notvel projeto,
Les Matres Fous, inquietante tanto pelo seu tema
quanto pela sua linguagem, permanece eternizado no panteo do cinema e da antropologia.
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artes da vida
Vandalismo, Sujeira e Poluio Visual, denies logo levantadas ao se discutir o que seria
esta forma de expresso urbana que vista por
quase toda a paisagem da cidade de So Paulo:
a pixao, escrita assim mesmo com x, conforme o uso feito pelos prprios pixadores. Fato
que poderia sinalizar apenas uma suposta ignorncia das regras gramaticais, visto que a graa
correta da palavra seria pichao com ch,
colocado pelos prprios pixadores como uma
maneira de diferenciar a sua prtica da denio comum de pichao. Pois o que fazem no
simplesmente pichar um nome, uma palavra
ou uma frase qualquer em um muro, mas sim
pixar a sua marca desenhada com letras estilizadas, contorcidas e com um formato anguloso.
As marcas que lanam nos muros, prdios, viadutos e monumentos da cidade so
geralmente nomes de grupos de pixadores. Estes nomes, no entanto, tm pouca importncia
quando esto inseridos no contexto mais geral da pixao. Os pixadores no se importam
muito com o que signica a denominao empregada por determinado grupo, embora esta
siga muitas vezes um certo padro no repertrio que utilizado para nome-los, tendo nas
idias de sujeira, marginalidade, transgresso e
loucura, temas a que se referem constantemente. Estes jovens, no entanto, do grande valor
ao formato impresso s letras, s guras que so
desenhadas entre as letras e estilizao adotada para se escrever, ou inscrever, aquela pixao
na paisagem urbana. No se pixa de qualquer
modo ou com qualquer letra, mas com um formato pr-elaborado, com tipos de letras criadas
cadernos de campo n. 13: 127-130, 2005
pelos prprios, demonstrando um padro esttico peculiar. Alm disso, h um dilogo com
o espao urbano, com o local onde esta marca
ser lanada: preciso que ela esteja em local
de grande destaque na cidade. Obter grande
visibilidade um outro fator que torna uma
pixao ainda mais atraente para os pixadores.
Porm, a idia de que h uma beleza nesta
escrita urbana, conforme outra denominao
dada s pixaes pelos seus prprios autores,
no compartilhada por grande parte dos cidados paulistanos, seno por todos. A pixao vista pela populao e pelo poder pblico
como vandalismo, sujeira e poluio visual,
devido, em grande parte, ao desconhecimento
da mensagem que ali transmitida e ao ato em
si que considerado um ataque propriedade
alheia. Por isso, a pixao e os pixadores so
vistos como um dos grandes viles da cidade.
As marcas que eles deixam pelos muros afora
so constantemente apagadas e alguns chegam
a ser presos ou espancados pela polcia se pegos
em ao. Dessa maneira, eles, alm de enfrentar o perigo de escalar edifcios e desaar a polcia, tm de lidar com a efemeridade do suporte
em que inserem suas pixaes, pois a qualquer
momento elas podem ser apagadas. Uma das
formas encontradas para solucionar essa questo a troca das folhinhas, folhas de papel
em que eles inscrevem as marcas que deixam
na cidade. Os pixadores trocam estas folhinhas
entre si e as colecionam em pastas. Alguns tm
verdadeiros acervos de folhinhas em que xam
em um outro suporte suas inscries to malvistas e efmeras na cidade.
entrevista
Antroplogo formado em Cambridge, Peter Fry fez sua primeira pesquisa de campo nos
anos 1960 entre os Zezuru da Rodsia do Sul
(atual Zimbbue), ligado Universidade de
Londres e a sua associada na frica, a University
College of Rhodesia and Nyasaland. Defendido
seu doutorado, Fry veio para o Brasil em 1970,
onde ajudou a fundar a UNICAMP e se integrou vida acadmica local, pesquisando no
pas temas relacionados a relaes raciais, homossexualidade e religio. Entre 1989 e 1993,
retornou frica como representante adjunto
da Fundao Ford e, de volta ao Brasil, passou a integrar o corpo docente da UFRJ, onde
permanece at hoje. Sua produo mais recente concentra-se no campo das discusses sobre
sexualidade e na anlise das conseqncias da
utilizao de categorias como raa, diversidade e outras, correntes no mtier antropolgico,
nas polticas pblicas para a populao negra
implementadas nos ltimos anos. Textos sobre
este assunto foram reunidos em A persistncia
da raa,1 livro que nos serviu de mote para a
realizao desta entrevista realizada em 24 de
agosto de 2005, em Campinas, que discorre
sobre muitos pontos polmicos e revela uma
profunda delidade do antroplogo a certos
pressupostos de nossa disciplina.
1. FRY, Peter. 2005. A persistncia da raa: ensaios antropolgicos sobre o Brasil e a frica Austral. Rio de
Janeiro: Civilizao Brasileira.
cadernos de campo n. 13: 133-146, 2005
134 |
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A Study in African Resistance,5 saiu logo em seguida) que sobre a rebelio dos negros contra os brancos em 1896. Os brancos do Cecil
Rhodes6 chegaram em 1890, e em 1896, apenas
seis anos depois, houve uma revolta coordenada
em vrios lugares do pas. Ningum conseguiu
entender tal articulao porque no havia governos centralizados no norte. Descobriram, no
nal, que foram os mdiuns que organizaram a
rebelio, porque eles mantinham uma rede de
comunicao que perpassava as fronteiras polticas territoriais. Eu pensei: isso que est
acontecendo aqui. Estou vendo o repeteco dessa mesma situao. Ficava cada vez mais claro
que aqueles jovens estavam em um processo de
rejeio da religio crist; para eles, Jesus Cristo
era apenas um profeta ou um antepassado dos
brancos, no dos negros, e que eles tinham de
voltar para os seus antepassados, e no para os
antepassados dos brancos. Essa idia estava intimamente ligada mensagem poltica, uma espcie de nacionalismo cultural. Quando voltei
para a Universidade, disse a Van Velsen: Isso
est acontecendo na minha frente e no posso
evitar de escrever sobre isso. Assim, escrevi sobre religio em um contexto contemporneo de
luta poltica. Depois saiu um segundo livro de
outro antroplogo, David Lan,7 conrmando
tudo que eu suspeitava: de fato, essa rede de comunicao entre os mdiuns era utilizada para
coordenar a guerrilha que eclodiu no norte do
pas depois da minha volta para a Inglaterra.
CC: O senhor fala de sua experincia na
frica e como ela inuenciou, em um primeiro
5. RANGER, Terence O. 1967. Revolt in Southern Rhodesia 1896-7: A Study in African Resistance. London:
Heinemann.
6. Poltico e empresrio, Rhodes considerado o fundador da Rodsia.
7. LAN, David. 1985. Guns & Rain: Guerrillas & Spirit Mediums in Zimbabwe. Harare: Zimbabwe Publishing House.
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9. Primeiro presidente de Moambique, Machel governou este pas entre 1975 e 1986.
cadernos de campo n. 13 2005
em 1975, possibilitando uma situao relativamente relaxada, e eu pessoalmente me senti muito mais vontade naquele ambiente do
que em Zimbbue. Com isso, comecei a fazer
uma crtica dos pressupostos do colonialismo
britnico que nunca havia feito antes. E pensei:
Meu Deus, talvez o Gilberto Freyre ao menos
tivesse razo quando reconhecia dois estilos de
colonizao e que certamente a maneira pela
qual se compreende as diferenas no a mesma em Zimbbue e nesses pases (Moambique
e Brasil). A mudana de perspectiva na anlise
foi uma combinao no tanto pelo que eu li,
mas pela experincia pessoal mesmo. Foi uma
experincia comparativa; penso que a melhor
maneira de estranhar qualquer instituio
ter o conhecimento de outra, de uma sociedade em relao a outra, pessoal ou atravs dos
livros. Certamente foram aquelas experincias
de Zimbbue e Moambique que me chamaram a ateno para essas questes. Foram experincias existenciais, de distanciamento de
viver. Eu ansiava voltar para Moambique o
tempo todo. E o interessante que este pas
agora cresce 12% ao ano, enquanto Zimbbue
decresce 20% ao dia! Moambique vai de vento
em popa; com o nal do socialismo se liberou
uma energia reprimida muito positiva. E no
um pas de rano. Tem diculdades inter-tnicas, inter-raciais, claro que tem, todo lugar do
mundo tem, mas no so empecilhos, e penso
que l as pessoas sabem conviver.
CC: Ainda sobre este assunto, como a sua
experincia como representante adjunto da
Fundao Ford o ajudou a pensar sobre as relaes inter-raciais nos pases de colonizao
inglesa e portuguesa?
PF: A Fundao Ford americana e bastante
racializada, ento a minha experincia naquele
escritrio foi fundamental. Eu tinha um companheiro de trabalho, Michael Chege, negro
cadernos de campo n. 13 2005
140 |
e certas situaes que deveriam ser compreendidas. Ou seja, no uma ideologia, um mito
no sentido antropolgico do termo; um guia
para a ao social, bem malinowskiano mesmo.
Assim, entrei na contra-corrente dos meus velhos amigos. Por isso, no consigo assinar embaixo de uma reengenharia social que fortalece
aquilo no qual discordo e tenho a mesma ojeriza que tenho para com a acusao de bruxaria,
por exemplo. Porque alis, bruxaria e racismo
so casos muito parecidos.
CC: O senhor trabalha em seu livro com
a idia de democracia racial a partir de trs
formas. A primeira como falsidade, aquilo
que encoberta uma realidade social. A outra,
mais ligada antropologia britnica, como
um modo de justicar contradies postas por
um grupo social. E a terceira como utopia,
um ideal a ser alcanado. Gostaramos que o
senhor relacionasse um pouco mais essas trs
idias.
PF: A segunda forma tem a ver com a terceira, e baseada em toda aquela mudana
da antropologia nas dcadas de 1960 e 1970,
quando se quebra com o estrutural-funcionalismo e com a relao direta que ele faz entre as
relaes sociais e as representaes (a infra-estrutura e super-estrutura dos marxistas, mais ou
menos). Tudo comea a car no mesmo plano
analtico quando se percebe as interaes entre
representaes, ao e prtica. Quem ajudou
muito foi Michel Foucault. Eu nunca consigo
v-lo como arauto do ps-modernismo, sempre o vi como um antroplogo olhando para a
histria. A idia da positividade do discurso era
muito importante; por isso, eu acho que se no
tivesse existido esse discurso da democracia racial, certas situaes seriam impossveis, como
o futebol, o carnaval etc. Quando meus amigos
sul-africanos vm aqui, eles no acreditam: eles
acham que foi forjado, porque l eles tm de
forjar. No entanto, esse mito concorre com outro o da inferioridade africana que produz
a situao de desigualdade e um certo apartheid
que se v sobretudo nos mercados imobilirio
e de trabalho. Acho que esses dois mitos produzem a situao contraditria em que a gente
vive. Mas necessrio entender os dois; s um
complicado. A terceira forma de entender a
idia de democracia racial a que diz qual o
caminho pela frente, ou seja, evidentemente
atacar o segundo mito e enaltecer o primeiro.
Este mito, ento, se torna utopia; o outro, por
sua vez, tem de ser demonizado.
CC: No livro, o senhor trabalha com trs
conceitos-chaves. O primeiro o de diversidade como conceito nativo, mas importado das
naes anglo-saxs especialmente via agncias
de fomento pesquisa. O segundo o de mestiagem, mistura ou cadinho como categoria
cultural existente no Brasil. O terceiro o de
sincretismo e hbrido, que seria um conceito
analtico do pesquisador. Cada uma dessas
categorias revela reexes diferentes, mas que
tm como questo de fundo uma tenso entre
cultura nacional homognea e cultura nacional
segregada. possvel, ento, falar de cultura
nacional em termos analticos, sem correr o risco de essencializar essa categoria?
PF: Se a gente for ver a constituio das
burguesias nacionais na Europa, elas se construram como cosmopolitas, incentivando,
incitando e produzindo diversidade cultural
local. As naes metropolitanas aplicavam
esse conceito de diversidade em suas colnias,
os ingleses mais que os portugueses. Se confrontado o modelo de assimilao contra o de
segregao, de fato, os portugueses eram muito
mais assimilacionistas que os ingleses. Isso no
quer dizer que os portugueses tambm no fossem segregacionistas, ou no incitassem certa
diversidade. Mas o resultado desses processos
cadernos de campo n. 13 2005
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Geograa da Universidade de Braslia, diz assim: Ns temos que ter polticas pblicas nos
quilombos, evitando que os jovens saiam, porque se os jovens saem vo perder a tradio.
Isso foi exatamente a poltica do apartheid, que
connou as pessoas nas suas tradies. Quer
dizer, para ns, elite, bom falar ingls, francs, portugus; para os outros no. Claro que
isso tem a ver com os nossos tempos: acho que
estamos assistindo a uma situao foucaulteana
mesmo, onde h um discurso sobre diversidade sendo produzido e repetido. E h instituies dedicadas produo desse discurso que
classicamente lembram a idia da Microfsica
do poder,11 sobretudo a Secretaria Especial de
Polticas de Promoo da Igualdade Racial
(SEPPIR). um pequeno grupo, mas que est
em todos os lugares, nos Municpios, nos Estados, em todos os Ministrios. Qualquer projetinho tem a mo dessa Secretaria, que produz e
retroalimenta todo esse discurso, que se repete
at nos lugares mais capilares da sociedade. De
repente, a D. Zuleika acorda como uma quilombola. Antes ela no era, de repente ela ,
assim como de repente a lha da D. Zuleika
vai ter uma educao especca. No sei como
ser, como tampouco no sei o tipo de sade
especca que eles tero...
CC: Mas, ao mesmo tempo, o que faremos,
j que necessrio o laudo antropolgico para
garantir o direito dessas populaes terra?
PF: Esse o grande paradoxo, exatamente. Uma amiga minha, Suzana Viegas, quando
estava escrevendo sua tese de doutorado sobre
os tupinamb, foi responsvel pelo laudo de
demarcao das terras desse grupo. Quer dizer que ela sabe o processo atravs do qual esse
grupo indgena se nomeia o mais famoso da
histria do Brasil. Ela fez o laudo, pois se ques11. FOUCAULT, Michel. 1984. Microfsica do Poder.
Rio de Janeiro: Graal.
cadernos de campo n. 13 2005
144 |
146 |
tradues
150 |
se consideram parte das elites, no se pode esperar muita coisa quando o tema em questo
parece desaar suas certezas e at mesmo sua
dominao.
O passar do tempo, entretanto, no apenas o passar do tempo. Esse falso trusmo conduziria apenas s banalidades que repetem que,
com o tempo, os nativos se acostumam com
a presena dos etngrafos e passam a se comportar mais normalmente e at mesmo a relatar
a eles seus segredos mais ntimos.
Em lugar de supor que o tempo apenas
fornece um meio externo para as relaes humanas, preciso compreender que ele , ao
contrrio e em si mesmo, uma relao. Pois
apenas com o tempo, e com um tempo no
mensurvel pelos parmetros quantitativos
mais usuais, que os etngrafos podem ser afetados pelas complexas situaes com que se deparam o que envolve tambm, claro, a prpria
percepo desses afetos ou desse processo de ser
afetado por aqueles com quem os etngrafos se
relacionam. Foi apenas quando algum diagnosticou que a etngrafa fora pega (prise) pela
feitiaria que passou a fazer algum sentido falar
com ela sobre o assunto.
No se trata, contudo, de imaginar nenhum
crdulo local que, para a felicidade de uma pesquisadora que permaneceria distante e inclume em sua objetividade de cientista, tivesse
decidido acreditar que ela tambm fora enfeitiada. Na verdade, Favret-Saada tinha seus
sintomas, de repetidos acidentes de automvel
a um certo tremor das mos e um brilho diferente no olhar. Sintomas que permitiam levantar a hiptese do enfeitiamento. Por outro
lado, indagar se ela tambm acreditava na feitiaria igualmente um exerccio cheio de inutilidade, uma vez que no se trata, justamente,
de crena, mas como o leitor aprender no
texto da autora aqui traduzido em tima hora
de afeto. No de afeto no sentido da emoo
que escapa da razo, mas de afeto no sentido
-, , |
152 |
uma vez remetido ao social; a adoo de noes como a de crena ou de ideais como objetividade e cienticidade. Isso no signica,
claro, que o antroplogo no possa estudar a
sociedade a que pertence, apenas que isso deve
ser feito com os cuidados e os distanciamentos
necessrios; ou que arquivos e elites tenham
de car, necessariamente, fora da investigao,
apenas que devem ser colocados em seu devido
lugar; ou que as situaes de enunciao, que
no se confundem com simples contextos,
no sejam fundamentais para a anlise; ou que
as representaes nativas, assim como o ideal de
conhecimento do antroplogo, no tenham que
ser respeitados, uma vez que trata-se sempre, na
etnograa, de uma espcie de alinhamento entre esses programas de verdade (cf. Favret-Saada
1977a: 287, passim).
Se fosse, ento, inteiramente verdadeiro
que Jeanne Favret-Saada autora de um livro, e
se esse livro for Les Mots, la Mort, les Sorts, isso
j seria bastante. Entretanto, e evidentemente,
no bem assim que as coisas se passam. Na
verdade, os primeiros trabalhos de FavretSaada (reapresentados em Favret-Saada 2005)
como antroploga remontam ao nal da dcada de 1950, quando investigou sistemas segmentares rabes e brberes no norte da frica,
em campos relativamente prximos a seu local
de nascimento no sul da Tunsia (em 1934, em
uma famlia de origem judaica). Aps a independncia da Arglia, Favret-Saada mudou-se
para a Frana, onde os acontecimentos de maio
de 1968 zeram com que decidisse concentrar
sua pesquisa, tendo em vista no deixar o pas
em um momento que, como militante poltica,
considerava fundamental. Dessa deciso, e de
modo algo tortuoso, nasceu a pesquisa sobre
feitiaria na regio do Bocage francs.
Entre as duas temticas, despontam alguns
pontos de contato o mais sugestivo sendo,
sem dvida, uma certa relao de redundncia entre segmentaridade e desenfeitiamento.
-, , |
edio de parte de suas notas de campo Favret-Saada 1981a) acerca das relaes entre o
cristianismo e os judeus na Europa nos ltimos
dois sculos. Assim como ao que deve ser seu
prximo livro, que examinar como, a partir
de 1880, as apresentaes teatrais da Paixo de
Cristo passaram a ser condenadas por diversas
igrejas protestantes, s quais, no obstante, no
apenas no estendiam essa condenao s exibies cinematogrcas da mesma Paixo, como
at mesmo as incentivavam.
No difcil, pois, perceber que na obra
de Jeanne Favret-Saada agenciam-se, de forma
muito singular, afetos muito diferentes: alguns
ligados sua histria pessoal, outros s suas opes ticas e polticas, outros, ainda, relacionados com a antropologia como campo de saber,
e assim por diante. Mas uma das originalidades
de seu trabalho talvez resida no fato de que o
principal operador desse agenciamento sejam
os afetos suscitados ou revelados em uma experincia vivida da alteridade, seja no trabalho de
campo, seja por outros meios. O que produz
resultados que, evidentemente, reagem sobre
os prprios afetos agenciados: h, em mim,
uma espcie de perptua retroao entre um
modo no partidrio de ser em poltica e um
modo no escolar de fazer a pesquisa (FavretSaada 1984).
Referncias bibliogrficas
Alm dos textos acima citados, esta bibliograa, ainda que incompleta, rene a maior
parte dos trabalhos de Jeanne Favret-Saada. Seu
ltimo posto acadmico foi o de diretora de pesquisa na cole Pratique des Hautes tudes, titular
da cadeira de etnologia religiosa da Europa.
1966. La Segmentarit au Maghreb. LHomme, VI:
105-111.
1967. Le Traditionnalisme par Excs de Modernit. Archives Europennes de Sociologie, VIII: 71-93.
PAULA SIQUEIRA
156 |
elites locais (o grupo menos bem situado para saber alguma coisa sobre o assunto) ou enviandolhes questionrios, interrogando tambm alguns
camponeses para saber se ainda se acreditava
nisso. As respostas recebidas eram to uniformes
quanto as questes: aqui, no, mas na aldeia vizinha, so uns atrasados. Seguiam-se, ainda,
algumas anedotas cticas ridicularizando os crentes. Para ir direto ao ponto, digamos que os etnlogos franceses, desde que se tratasse de feitiaria,
dispensavam-se tanto de observar como de participar (situao que permanece, alis, a mesma,
ainda em 1990). Os antroplogos anglo-saxes
pretendiam, ao menos, pr em prtica a observao participante. Levei um certo tempo para
deduzir dos seus textos sobre feitiaria que contedo emprico podia-se atribuir a essa curiosa
expresso. Em retrica, isso se chama oxmoro:
observar participando, ou participar observando,
quase to evidente como tomar um sorvete fervente. No campo, meus colegas pareciam combinar dois gneros de comportamento: um, ativo,
de trabalho regular com informantes pagos, os
quais eles interrogavam e observavam; o outro,
passivo, de observao de eventos ligados feitiaria (disputas, consultas a adivinhos). Ora,
o primeiro comportamento no pode de forma
alguma ser designado pelo termo participao
(o informante, ao contrrio, quem parece participar do trabalho do etngrafo); e, quanto ao
segundo, participar equivale tentativa de estar
l, sendo essa participao o mnimo necessrio
para que uma observao seja possvel.
Portanto, o que contava, para esses antroplogos, no era a participao, mas a observao.
Desta, eles tinham, alis, uma concepo bastante estreita: sua anlise da feitiaria reduziase quelas das acusaes, porque, diziam eles,
so os nicos fatos que um etngrafo pode
observar. Acusar , para eles, um comportamento, at mesmo o comportamento por
excelncia da feitiaria, j que o nico empiricamente vericvel, todo o resto sendo somen-
, - |
Pois ento, eles falaram disso comigo somente quando pensaram que eu tinha sido pega
pela feitiaria, quer dizer, quando reaes que
escapavam ao meu controle lhes mostraram
que estava afetada pelos efeitos reais freqentemente devastadores de tais falas e de tais
atos rituais. Assim, alguns pensaram que eu era
uma desenfeitiadora e dirigiram-se at a mim
para solicitar o ofcio; outros pensaram que eu
estava enfeitiada e conversaram comigo para
me ajudar a sair desse estado. Com exceo
dos notveis (que falavam voluntariamente de
feitiaria, mas para desqualic-la), ningum
jamais teve a idia de falar disso comigo simplesmente por eu ser etngrafa.
Eu mesma no sabia bem se ainda era etngrafa. Certamente, nunca acreditei ser uma
proposio verdadeira que um feiticeiro pudesse
me prejudicar fazendo feitios ou pronunciando encantamentos, mas duvido que os prprios
camponeses tenham algum dia acreditado nisso dessa maneira. Na verdade, eles exigiam de
mim que eu experimentasse pessoalmente por
minha prpria conta no por aquela da cincia os efeitos reais dessa rede particular de
comunicao humana em que consiste a feitiaria. Dito de outra forma: eles queriam que
aceitasse entrar nisso como parceira e que a
investisse os problemas de minha existncia de
ento. No comeo, no parei de oscilar entre
esses dois obstculos: se eu participasse, o
trabalho de campo se tornaria uma aventura
pessoal, isto , o contrrio de um trabalho; mas
se tentasse observar, quer dizer, manter-me
distncia, no acharia nada para observar. No
primeiro caso, meu projeto de conhecimento
estava ameaado, no segundo, arruinado.
Embora, durante a pesquisa de campo, no
soubesse o que estava fazendo, e tampouco o
porqu, surpreendo-me hoje com a clareza das
minhas escolhas metodolgicas de ento: tudo
se passou como se tivesse tentado fazer da participao um instrumento de conhecimento.
158 |
Nos encontros com os enfeitiados e desenfeitiadores, deixei-me afetar, sem procurar pesquisar, nem mesmo compreender e reter. Chegando
em casa, redigia um tipo de crnica desses eventos enigmticos (s vezes aconteciam situaes
carregadas de uma tal intensidade que me era
impossvel fazer essas notas a posteriori). Esse
dirio de campo, que foi durante longo tempo
meu nico material, tinha dois objetivos:
O primeiro era a curto prazo: tentar compreender o que queriam de mim, achar uma
resposta a questes urgentes do gnero: Por
quem X me toma? (uma enfeitiada, uma
desenfeitiadora), O que Y quer de mim?
(que eu o desenfeitice). Eu tinha interesse
em achar uma boa resposta, j que no encontro seguinte, me pediriam para agir. Mas, em
geral, no tinha os meios necessrios para isso:
a literatura etnogrca sobre feitiaria, tanto
anglo-sax quanto francesa, no permitia que
se representasse esse sistema de lugares em que
consiste a feitiaria. Eu estava justamente experimentando esse sistema, expondo-me a mim
mesma nele.
O outro objetivo era a longo prazo: por
mais que vivesse uma aventura pessoal fascinante, em nenhum momento resignei-me a
no compreender. Na poca, alis, no sabia
muito para que ou por que queria poder compreender, se para mim, para a antropologia
ou para a conscincia europia. Mas eu organizava meu dirio de campo para que servisse
mais tarde a uma operao de conhecimento:
minhas notas eram de uma preciso manaca
para que eu pudesse, mais tarde, realucinar os
eventos, e ento como eu no estaria mais
enfeitiada, apenas reenfeitiada compreend-los, eventualmente.
Os leitores de Corps pour Corps tero notado que no h nada neste dirio que o assemelhe queles de Malinowski ou de Mtraux. O
dirio de campo era para eles um espao ntimo
onde podiam enm se deixar livres, reencon-
, - |
160 |
, - |
164 | .
determinados instantes, tenses aoram. Elementos no resolvidos da vida social se manifestam. Irrompem substratos mais fundos do
universo social e simblico. As relaes sociais
iluminam-se a partir de fontes de luz subterrneas.
Victor Turner produz um desvio metodolgico no campo da antropologia social britnica. Para se entender uma estrutura, preciso
suscitar um desvio. Busca-se um lugar de onde
seja possvel detectar os elementos no-bvios
das relaes sociais. Estruturas sociais revelam-se com intensidade maior em momentos
extraordinrios, que se conguram como manifestaes de anti-estrutura. O antroplogo
procura acompanhar os movimentos surpreendentes da vida social.
Experincias que irrompem em tempos e
espaos liminares podem ser fundantes. Dramas sociais propiciam experincias primrias.4
Fenmenos suprimidos vm superfcie. Elementos residuais da histria articulam-se ao
presente. Abrem-se possibilidades de comunicao com estratos inferiores, mais fundos e
amplos da vida social. Estruturas decompemse s vezes, com efeitos ldicos. O riso faz
estremecer as duras superfcies da vida social.
Fragmentos distantes uns dos outros entram
em relaes inesperadas e reveladoras, como
montagens. Figuras grotescas manifestam-se
em meio a experincias carnavalizantes (Turner
1967b: 105-106). No espelho mgico de uma
experincia liminar, a sociedade pode ver-se a
si mesma a partir de mltiplos ngulos, experimentando, num estado de subjuntividade,
com as formas alteradas do ser.5
No espelho da anti-estrutura, guras vistas como estruturalmente poderosas podem
4. Turner discute a noo de processo primrio, termo
sugerido por Dario Zadra, em seu artigo sobre Hidalgo e a revoluo mexicana (Turner 1974a: 110).
5. A metfora do espelho mgico aparece em vrios
escritos de Victor Turner (Turner 1987a: 22).
166 | .
II Do liminar ao liminoide
A publicao de From Ritual to Theatre: The
Human Seriousness of Play, em 1982, marca
uma inexo no pensamento de Victor Turner.
Aqui se encontram as suas primeiras formulaes sobre uma antropologia da performance,
um campo de estudos que surge nas interfaces
da antropologia e do teatro nos anos de 1970,
a partir do encontro e colaborao entre Victor Turner e Richard Schechner. Uma de suas
armaes particularmente reveladora. At
aqui as cincias sociais praticamente s tm se
preocupado com questes de estrutura e desempenho de papis, diz Turner. A sua prpria
abordagem, ele prossegue, procura focar os
momentos de interrupo de papis (Turner
1982c: 46).
Esta questo retomada em The Anthropology of Performance, onde Turner aponta
as diferenas entre a abordagem de Erving Goman e a sua.10 Ao passo que Goman apresenta-se como um observador do teatro da vida
cotidiana, Turner se interessa particularmente
pelos momentos de suspenso de papis, ou
seja, pelo meta-teatro da vida social.11
Em Liminal to liminoid, in Play, Flow,
Ritual: An Essay in Comparative Symbology,
Turner procura comparar sistemas simblicos
de culturas que se desenvolveram antes e depois
9. Dois artigos de Turner discutem a polifonia dos smbolos e o modo como eles surgem ou so elaborados
em meio aos dramas sociais (Turner 1974a: 98-155;
1974c: 60-97).
10. De Goman, ver, especialmente, The Presentation of
Self in Everyday Life (1959).
11. Turner diz: se a vida cotidiana pode ser consideradea
como uma espcie de teatro, o drama social pode ser
visto como meta-teatro... (Turner 1987b: 76; minha
traduo).
cadernos de campo n. 13 2005
Nas culturas pr-industriais, esferas de atividade ritual no se separam do trabalho: ritual trabalho. E trabalho no se desvincula da
vida ldica da coletividade. Nessas sociedades,
particularmente, a brincadeira constitui um
dos componentes centrais dos processos de revitalizao de estruturas existentes. O espelho
mgico dos rituais propicia uma poderosa experincia coletiva.
Sociedades industrializadas produzem o que
poderamos chamar de um descentramento e
fragmentao da atividade de recriao de universos simblicos. Esferas do trabalho ganham
autonomia. Como instncia complementar ao
trabalho, surge a esfera do lazer que no deixa de se constituir como um setor do mercado.
Processos liminares de produo simblica perdem poder na medida em que, simultaneamente, geram e cedem espao a mltiplos gneros de
entretenimento. As formas de expresso simblica se dispersam, num movimento de dispora, acompanhando a fragmentao das relaes
sociais. O espelho mgico dos rituais se parte.
Em lugar de um espelho mgico, poderamos
dizer, surge uma multiplicidade de fragmentos
e estilhaos de espelhos, com efeitos caleidoscpicos, produzindo uma imensa variedade de
cambiantes, irrequietas e luminosas imagens.12
As diferenas e semelhanas sinalizadas por
Turner em sua anlise exploratria dos fenmenos liminares e liminoides so resumidas a
seguir:
1) Fenmenos liminares tendem a predominar em sociedades tribais ou agrrias, caracterizando-se por princpios que Durkheim
chamou de solidariedade mecnica. Fenmenos liminoides ganham destaque em sociedades de solidariedade orgnica, em meio aos
desdobramentos da Revoluo Industrial.
12. Cf. nota 5, para uma referncia do uso da metfora
do espelho mgico em Turner. A metfora do estilhaamento de um espelho mgico inferida de
suas discusses.
168 | .
170 | .
[D] DESFECHO: COMMUNITAS. Enm, o desfecho. As idias de Dewey, complementadas por investigaes na neurobiologia,
contribuem para mostrar que o teatro e outros
gneros de performance podem suscitar experincias de communitas. Um senso de harmonia
com o universo se evidencia e o planeta inteiro
sentido como uma communitas (Turner 1986:
43). Pouco antes de chegar a esse momento climtico, Turner comenta que o ritual e as artes
performativas derivam do cerne (corao)
liminar do drama social at mesmo, como
acontece freqentemente em culturas declinantes, em que o signicado de que no h
signicado. Completou-se um percurso. Da
celebrao da experincia cotidiana (ordinary
experience) de Dewey chegou-se, em companhia do prprio Dewey, experincia extraordinria que interrompe o cotidiano, dando-lhe
sentido. E, sob a inspirao de Dilthey, o grande esprito protetor ancestral, foi-se da mera
experincia a uma experincia.
Enm, esse exerccio de interpretao da
meta-narrativa dramtica do texto de Turner
sugere um forma:
Frase inicial
C1
C2
B
C3
A
B
C1 e C3
Ttulo
Ao reparadora
Ao reparadora
Crise...
Ao reparadora
Ruptura
Crise...
Ao reparadora
Desfecho
IV Rudos
Um nal feliz: podemos ter experincias
de communitas no teatro. Porm, o desfecho
do artigo como revela a frase de Turner sobre
culturas declinantes no elimina os rudos.
Seria surpreendente para o prprio Turner, particularmente, se os eliminasse: desfechos harmonizantes (ou at unissonantes) tendem a oferecer
apenas solues parciais e provisrias. Mesmo
sem recorrer a Bertolt Brecht, Antonin Artaud,
Nelson Rodrigues, Jos Celso Martinez Corra
ou outras expresses do teatro contemporneo,
h no prprio texto de Turner imagino no seu
lmen, em meio a inmeras sugestes de como
continuar a histria razes para estranhar-se o
desfecho. Se h nos escritos de Turner uma espcie de nostalgia por experincias de communitas,
15. Observa-se que o ensaio foi publicado, como vimos
anteriormente, no mesmo ano em que ganha fora,
no campo da antropologia, a percepo de uma crise
das representaes atravs da publicao de dois
dos textos mais conhecidos da antropologia ps-moderna. Cf. nota no. 2.
cadernos de campo n. 13 2005
172 | .
V Benjaminianas
As anidades entre as vises de Victor Turner a respeito de fenmenos e processos liminares, e a de Benjamin sobre erfahrung chamam
ateno. Ambas evocam a idia de passagem.
Lembremos aqui, diz Gagnebin, que a palavra Erfahrung vem do radical fahr usado
ainda no antigo alemo no seu sentido literal
de percorrer, de atravessar uma regio durante
uma viagem (Gagnebin 1994: 66).
Experincia, no sentido de erfahrung, forma-se atravs da associao de dois saberes: da
pessoa que vem de longe, vista como quem
tem muito que contar; e da pessoa que passou
a vida sem sair do seu pas e que conhece suas
histrias e tradies. Benjamin escreve:
Se quisermos concretizar esses dois grupos
atravs dos seus representantes arcaicos, podemos dizer que um exemplicado pelo
campons sedentrio, e outro pelo marinheiro comerciante. (...) A extenso real do reino
narrativo, em todo o seu alcance histrico, s
pode ser compreendido se levarmos em conta
a interpenetrao desses dois tipos arcaicos. O
sistema corporativo medieval contribuiu especialmente para essa interpenetrao. O mestre
sedentrio e os aprendizes migrantes trabalhavam juntos na mesma ocina; cada mestre
tinha sido um aprendiz ambulante antes de
se xar em sua ptria ou no estrangeiro. (...)
No sistema corporativo associava-se o saber
das terras distantes, trazidos para casa pelos
migrantes, com o saber do passado, recolhido
pelo trabalhador sedentrio (Benjamin 1985b:
198-199).
a grande tradio narrativa: o seu no-acabamento essencial (Gagnebin 1985:12). Tratase da abertura dessa tradio para as mltiplas
e espantosas possibilidades interpretativas.
Como exemplo de narrativa tradicional, Benjamin apresenta a histria de Psammenites,
contada por Herdoto. E diz:
Herdoto no explica nada. Seu relato dos
mais secos. Por isso essa histria do antigo
Egito ainda capaz, depois de milnios, de
suscitar espanto e reexo. Ela se assemelha
a essas sementes de trigo que durante milhares de anos caram fechadas hermeticamente
nas cmaras das pirmides e que conservam
at hoje suas foras germinativas (Benjamin
1985b: 204).
174 | .
Passagens
Depois de haver brincado com Dewey,
Dilthey, and Drama..., sou tentado tambm a
brincar com esta apresentao que est prestes a desmanchar. Nesse caso, porm, intrigame ver como ela ilumina uma espcie de rito
20. Cf. nota 11.
21. Estou parafraseando a frase de Jeanne Marie Gagnebin, que, numa anlise do ensaio benjaminiano sobre
a obra de arte na era da reprodutibilidade tcnica,
escreve: Essas tendncias progressistas da arte moderna, que reconstroem um universo incerto a partir
de uma tradio esfacelada, so, em sua dimenso
mais profunda, mais is ao legado da grande tradio narrativa que as tentativas previamente condenadas de recriar o calor de uma experincia coletiva
(Erfahrung) a partir das experincias vividas isoladas
(Erlebnisse). Ela completa: Essa dimenso, que
me parece fundamental na obra de Benjamin, a
da abertura (Gagnebin 1985: 12; Benjamin 1985a:
165-196).
cadernos de campo n. 13 2005
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HERBERT RODRIGUES
JOHN C. DAWSEY
que classicamos hoje, dentro da tradio ocidental, como religiosos, morais, polticos,
estticos, proverbiais, aforsticos, de senso comum etc., para ver como e em que medida essas concluses iluminam ou se relacionam
com as nossas questes, diculdades, problemas, ou alegrias individuais do presente. Cada
movimento de frico entre as madeiras duras
e brandas da tradio e do presente potencialmente dramtico. Em caso de venerarmos
ditos ancestrais, talvez seja preciso concluimos com pesar desfazer-nos das alegrias do
presente ou abandonar a explorao sensvel do
que percebemos como desenvolvimentos sem
precedentes do entendimento humano mtuo
e das formas relacionais.
Conseqentemente, teremos o auto-sacrifcio por um ideal, se tivermos f na autoridade
de uma cultura herdada do passado. Mas se a
tragdia aprova essa postura, os novos caminhos de orientao para a modernidade podem
rejeitar o resultado do auto-sacrifcio e sugerir
alternativas que podem parecer problemticas,
pelo menos para um pblico geral ainda no
sado do confortvel bero da tradio. Uma
experincia desse tipo da prpria natureza do
drama tanto do drama social, onde os coni-
TURNER, Victor. 1986. Dewey, Dilthey, and Drama: An Essay in the Anthropology of Experience In
Turner, Victor W. & Bruner, Edward M. (eds.) The
Anthropology of Experience. Urbana and Chicago,
University of Illinois Press, pp. 33-44.
** Agradeo a Evelise Paulis, a Andr-Kees de Moraes
Schouten e a Danilo Paiva Ramos pela colaborao
na traduo.
178 |
, : |
cado naquilo que se apresentou de modo desconcertante, seja atravs da dor ou do prazer, e
que converteu a mera experincia em uma experincia. Tudo isso acontece quando tentamos
juntar passado e presente.
estruturalmente irrelevante se o passado
real ou mtico, moral ou amoral. A
questo se diretrizes signicativas emergem
do encontro existencial na subjetividade, daquilo que derivamos de estruturas ou unidades de experincia prvias numa relao vital
com a nova experincia. Isso uma questo
de signicado, no meramente de valor, como
Dilthey entendia esses termos. Para ele, o valor pertencia essencialmente a uma experincia
num presente consciente, em seu prazer afetivo ou no fracasso deste. Mas os valores no
esto signicativamente conectados, eles nos
bombardeiam como amontoados aleatrios de
discrdias e harmonias. Cada valor nos ocupa
totalmente enquanto prevalece. No entanto,
para Dilthey, os valores no tm uma relao
musical um com o outro. somente quando
relacionamos a preocupante experincia atual
com os resultados cumulativos de experincias
passadas se no semelhantes, pelo menos relevantes e de potncia correspondente que
emerge o tipo de estrutura relacional chamada
signicado.
Aqui, o cognitivo se auto-arma heroicamente, pois na maioria das experincias, a emoo e o desejo tm preeminncia no incio, em
pulsos que repudiam todo o passado. Quando
uma guerra declarada; quando encontramos o
mais desejvel amor; quando fugimos do perigo
fsico; ou recusamos nos submeter a uma tarefa necessria, mas desagradvel , estamos sob
o poder do valor. a herica combinao de
vontade e de pensamento que se ope ao valor
por meio do poder integrativo do signicado
relacional. Talvez o valor poder se transformar
em signicado, mas ter de ser, primeiramente,
peneirado de maneira responsvel. Na maioria
180 |
, : |
a mesma, como tambm a sua forma geral.
A idia esquisita de que um artista no pensa e
de que um cientista no faz outra coisa seno
pensar o resultado da converso de uma diferena de andamento e de nfase numa diferena
de tipo. O pensador tem seu momento esttico
quando suas idias deixam de ser meras idias e
transformam-se em signicados corporicados,
em objetos. O artista tem seus problemas e pensa
enquanto trabalha. Mas seu pensamento mais
imediatamente incorporado no objeto. Por conta do distanciamento comparativo de seu m, o
cientista opera com smbolos, palavras e signos
matemticos. O artista realiza seu pensamento
nos prprios meios qualitativos com quais ele
trabalha, e os termos situam-se to prximos ao
objeto que ele est produzindo que se fundem
diretamente neste.
Considerando-se que o mundo real, o mundo
onde vivemos, uma combinao de movimento e culminao, de rupturas e reunies, a
experincia de uma criatura viva capaz de ter
uma qualidade esttica. O ser vivo perde e re-estabelece, de modo recorrente, o equilbrio com
o ambiente. O momento de passagem do distrbio
para a harmonia o mais intenso na vida. Num
mundo acabado, no seria possvel distinguir
entre o sono e a viglia. Num mundo totalmente perturbado, no seria possvel sequer lutar
com as condies. Num mundo feito de acordo com os padres daquele que conhecemos, os
momentos de realizao pontuam a experincia
em intervalos rtmicos (citado em McDermott
1981: 536-537, grifos meus).
182 |
, : |
184 |
, : |
Referncias bibliogrficas
DAQUILI, E. G., LAUGHLIN, JR., Charles D., and
McMANUS, John. (eds.). 1979. The Spectrum of Ritual. New York, Columbia University Press.
DEWEY, John. 1934. Art as Experience. New York, Minton, Balch & Co.
DILTHEY, Wilhelm. [1914]. Selected Writings. Ed. H.
P. Rickman. Cambridge, Cambridge University Press,
1976.
LEX, Barbara. 1979. The Neurobiology of Ritual Trance. In DAQUILI, E. G., LAUGHLIN, JR., Charles
D., and McMANUS, John. (eds.). The Spectrum of
Ritual. New York, Columbia University Press.
McDERMOTT, J. J. (ed.). 1981. The Philosophy of John
Dewey. New York, Putnams.
MYERHOFF, Barbara. 1979. Number Our Days. New
York, Dutton.
TURNER, Victor. 1982. From Ritual to Theatre. New
York, Performing Arts Journal Press.
resenhas
As tradues so minhas.
190 |
192 |
194 |
fossem reparties do governo, com uma lgica administrativa e burocrtica de atendimento aos seus seguidores. De fato, se realizarmos
uma visita a algum centro esprita brasileiro,
podemos vericar tal aspecto sem muitas surpresas.
A proposta do terceiro captulo se resume
em resgatar certos elementos que constroem e
aproximam a gura de Chico Xavier a de um
santo. Tal imagem se consagra a partir dos
anos 1950, devido muito tica de humildade
e caridade que perpassa a gura do mdium.
Como demonstra esse estudo, sua biograa de
entrega, de caridade e humildade, apropriadas
como so pelo imaginrio religioso do brasileiro e de suas relaes sociais, adquiriu um
aporte indelvel de santidade gura de Chico,
ainda que este tenha recusado, durante toda a
sua vida, o epteto de santo.
Uma vez o quarto captulo versar sobre a
importncia da obra escrita de Chico Xavier
para o Brasil, podemos vericar a importncia desta obra no somente no que se referiu
disseminao da doutrina esprita no Brasil,
como tambm a sua importncia poltica, dada
a unicao das federaes espritas ento existentes (Pacto ureo, em 1949) em torno daquela federao (FEB) que editava suas obras.
Se tal aspecto fortaleceu a representatividade
e a ampliao da doutrina em nvel nacional,
em consonncia a isso, a obra de Chico Xavier,
ao formar um conjunto prprio de referncia e
ao possuir um mecanismo de divulgao bem
estruturado, contribuiu para consolidar um espiritismo brasileiro autnomo com relao ao
espiritismo francs. Tal proposta, apresentada
no livro de Lewgoy, nos parece coadunar certas
representaes existentes dentre a comunidade
esprita brasileira que lhe agregam um certo
sentido de identidade especco e bem fundamentado.
Ainda que o autor no discuta diretamente
tal questo, O grande mediador resgata alguns
cadernos de campo n. 13 2005
196 |
informe
OS CIRCUITOS DO NAU
Informe das atividades desenvolvidas pelo
Ncleo de Antropologia Urbana da USP
200 |
de eventos, contatos dos pesquisadores, lanamento de livros e outros temas relacionados com
a Antropologia Urbana. Atravs deste website, o
NAU vem estabelecendo um amplo dilogo via
Internet com pesquisadores de todo o pas e tambm estrangeiros, que demonstram vido interesse na troca de conhecimentos. O NAU, por meio
de seu espao virtual, vem realizando na prtica,
e em grande escala (o site recebeu 100.000 acessos nicos em 2 anos) a proposta de difundir e
ampliar conhecimentos e de estabelecer parcerias
com a comunidade acadmica nacional e internacional. Diariamente o Ncleo recebe e-mails
de alunos, professores e pesquisadores solicitando
informaes, dados, enviando notcias etc. Em
2004, o website do NAU foi indicado e includo
pelo Portal UOL como um dos cinco melhores
na categoria Antropologia. O NAU tem assessorado tambm a imprensa em geral em matrias
sobre a vida nas cidades, eventos e grupos urbanos e sempre que possvel as matrias publicadas
so disponibilizadas aos internautas no cone
clippings do NAU.
Tambm com instituies de ensino privado o NAU tem estabelecido dilogo por intermdio, atualmente, das pesquisadoras docentes
Profa. Dra. Denise Pirani, da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais e Profa. Lilian
De Lucca Torres, da Fundao Armando lvares Penteado e das Faculdades Integradas Alcntara Machado. A Profa. Rosa Maria M. Lpez
intermedeia o dilogo do NAU com a Universidade Federal de So Paulo, abordando temas
antropolgicos relativos a questes de sade em
So Paulo. J a Profa. Dra. Fraya Frehse tem se
envolvido, como docente da Escola de Sociologia e Poltica e at o incio deste ano, da Escola
da Cidade, em pesquisas sobre reas denidas
de So Paulo visando a formulao de polticas
pblicas para tais localidades. Em particular na
Escola de Sociologia e Poltica coordenou, entre abril e novembro de 2005, uma investigao
etnogrca com alunos de graduao e de ps-
202 |
www.n-a-u.org
[email protected]
Ncleo de Antropologia Urbana da USP
Prof. Dr. Jos Guilherme Cantor Magnani
Prof. Dr. Vagner Gonalves da Silva
Rita Amaral (NAU/USP); Luis Henrique Toledo (UFSCar);
Piero de Camargo Leirner (UFSCar); Cima Barbato Bevilaqua (UFPR);
Sandra Jacqueline Stoll (UFPR); Elisete Schwade (UFRN).
Lilian De Lucca Torres (FAAP-FIAM); Denise Pirani (PUC-MG);
Rosa Maria M. Lpez (UNIFESP); Fraya Frehe (FESP).
Alexandre Barbosa Pereira; Eufrzia Cristina Menezes Santos;
Janine Helfst Leicht Collao; Silvana de Souza Nascimento
Antonio Gracias Vieira; Bruna Mantese; Carolina de Camargo Abreu;
Carol Roxo; Csar Augusto de Assis Silva; Daniela do Amaral Alfonsi;
Fernanda Silva Noronha; Mrcio Jos Macedo; Paulo Malvasi;
Rachel Rua Baptista; Thoms Meira; Natacha Leal
Ana Luiza Mendes Borges; Anglica de Almeida Durante Pacheco;
Camila Iwasaki; Clara de Assuno Azevedo; Henrique Generese;
Renata de Toledo Rodovalho.
204 |
acadmica, endereo para correspondncia e email. Devem ainda ser acompanhadas de cpia do
original utilizado na traduo, bem como autorizao do editor ou do autor para publicao.
c) Resenhas de livros, coletneas, dissertaes, teses, lmes, documentrios, discos etc.
Devem indicar a referncia bibliogrca do trabalho resenhado, nome(s) do(s) seu(s) autor(es),
acompanhado(s) de titulao, aliao acadmica, endereo para correspondncia e e-mail. No
devem ultrapassar 6 pginas.
d) Entrevistas. Devem apresentar o(s) nome(s)
do(s) entrevistado(s) e entrevistador(es), indicando, deste(s) ltimo(s), titulao, aliao acadmica, endereo para correspondncia e e-mail.
Devem trazer tambm uma apresentao de, no
mximo, 1 pgina. Solicitamos tambm o envio
da autorizao do(s) entrevistado(s), concordando
com a publicao do trabalho. As entrevistas no
devem exceder 30 pginas.
e) Produes visuais ensaios fotogrcos,
ilustraes, desenhos, caricaturas etc. devem
trazer ttulo e nome(s) do(s) autor(es), indicando
titulao, aliao acadmica, endereo para correspondncia e e-mail. Apresentao e legendas
so opcionais, no podendo a primeira ultrapassar 1 pgina. Os trabalhos no devem exceder 8
imagens, acompanhadas da indicao do autor e
do ano. Quando necessrias, solicitamos tambm
as devidas autorizaes de uso da imagem.
7. Menes a autores ou citaes presentes no
corpo do texto devem adequar-se aos respectivos
modelos: (Geertz 1957) e (Geertz 1957: 235).
Ttulos do mesmo autor com o mesmo ano de
publicao devem ser identicados com uma letra
aps a data: (Lvi-Strauss 1962a) e (Lvi-Strauss
1962b). Recomenda-se o uso da data original de
publicao da obra.
8. As referncias bibliogrcas devem vir ao nal do trabalho, listadas em ordem alfabtica, obedecendo aos seguintes padres exemplicados:
a) Livros:
LVI-STRAUSS, Claude. 1962a. La pense
sauvage. Paris: Plon.
___. [1962]b. O totemismo hoje, traduo de
M. B. Corrie. So Paulo: Abril Cultural, coleo
Os Pensadores, n. 50, 1980.
___. [1964] O cru e o cozido (mitolgicas 1),
traduo de B. Perrone-Moiss. So Paulo: Cosac
& Naify, 2004.
b) Artigos em peridicos:
GEERTZ, Cliord. 1957. Ethos, world view
and the analysis of sacred symbols. The Antioch
review, 17 (4): 234-267.
c) Trabalhos em coletneas:
GEERTZ, Cliord. 1966. The impact of the
concept of culture on the concept of man. In J.
Platt (org.), New view of the nature of man. Chicago: University of Chicago Press, pp. 93-118.
d) Teses ou dissertaes acadmicas:
DAWSEY, John Cowart. 1999. De que riem
os bias-frias? Walter Benjamin e o teatro pico de
Brecht em carrocerias de caminhes. Tese de livredocncia. So Paulo: FFLCH-USP, datilo.
9. As contribuies devem ser enviadas para:
Comisso editorial Cadernos de Campo
Departamento de Antropologia/FFLCH/USP
Av. Professor Luciano Gualberto, 315
So Paulo, SP
CEP: 05508-900
e-mail: [email protected]
Nmeros anteriores
N 12 (2004)
N 11 (2003)
ARTIGOS
Nova sociedade emergente: consumidores de produtos ou produo discursiva?
Diana Nogueira de Oliveira Lima
ARTIGOS
Consideraes sobre a diplomacia num encontro
etnogrco
Cristina Patriota de Moura
206 |
Sociologia das Mutaes Religiosas, de Roger Bastide
Traduo de Rita de Cssia Amaral
RESENHAS
Ecologia Humana, de Daniel E. Brown e Edward
Kormondy
Ana Beatriz Miraglia e Joana Cabral de Oliveira
Art and Agency: an Anthropological Theory, de Alfred
Gell
Aristteles Barcelos Neto
N 10 (2002)
ARTIGOS
Narrativas e o modo de apreend-las: a experincia
entre os caxinaus
Eliane Camargo
O Nome ndio: patronmico tnico como suporte simblico de memria e emergncia indgena no
Mdio Jequitinhonha Minas Gerais
Izabel Missagia de Mattos
Etnias de fronteira e questo nacional: o caso dos
regressados em Angola
Luena Nascimento Nunes Pereira
Atores/Autores: histrias de vida e produo acadmica dos escritores da homossexualidade no Brasil
Jos Ronaldo Trindade
Um grande atrator: tor e articulao (inter)tnica
entre os Tumbalal do serto baiano
Ugo Maia Andrade
ARTES DA VIDA
Fotos de Luiz de Castro Faria
ENTREVISTA
Entrevista com Luiz de Castro Faria
Ana Paula Mendes de Miranda e Melvina Afra
Mendes de Arajo
TRADUO
Apresentao: Sylvia Caiuby Novaes
Estruturas elementares de reciprocidade: uma nota
comparativa sobre o pensamento scio-poltico nas
Guianas, Brasil Central e Noroeste Amaznico, de
Joanna Overing
Traduo de Renato Sztutman
RESENHAS
Punir os pobres: a nova gesto da misria nos Estados
Unidos, de Loc Wacquant
Antnio Rafael
O Mundo das caladas: por uma poltica democrtica
de espaos pblicos, de Eduardo Yzigi
Fraya Frehse
COMUNICAES E INFORMES
Informe sobre teses e dissertaes defendidas no
Departamento de Antropologia da USP: janeiro de
2001 a dezembro de 2001
N 9 (2000)
ARTIGOS
Noes sociais de infncia e desenvolvimento infantil
Clarice Cohn
Elipses temporais e o inesperado na pesquisa etnogrca sobre crise e medo na cidade de Porto Alegre
Ana Luiza Carvalho da Rocha e Cornelia Eckert
A natureza da fartura
Flvia Maria Galizoni
As prticas e os cuidados relativos sade entre os
Karipuna do Ua
Laercio Fidelis Dias
Militncia na cabea, direitos humanos no corao e
os ps no sistema: o lugar social do advogado popular
Laura D. von Mandach
Aprendendo novas formas de representao poltica: as inter-relaes entre cursos de formao de
professores Waipi e o Conselho APINA
Silvia L. da S. Macedo Tinoco
ARTES DA VIDA
Artefatos dos povos indgenas do Oiapoque, Amap
Miguel Pacheco Chaves
ENTREVISTA
Entrevista com Lux Vidal
Alecsandro J. P. Ratts, Fraya Frehse, Janine H. L.
Collao e Melvina A. M. de Arajo
cadernos de campo n. 13 2005
|
TRADUO
Apresentao: Marshall Sahlins ou por uma antropologia estrutural e histrica
Lilia Moritz Schwarcz
Antropologia e histria em Marshall Sahlins: Introduo e Concluso de Historical Metaphors
and Mythical Realities, de Marshall Sahlins
Traduo de Fraya Frehse
RESENHAS
A viagem da volta: etnicidade, poltica e reelaborao
cultural no nordeste indgena, de Joo Pacheco de
Oliveira (org.)
Melvina Afra Mendes de Arajo
Oktoberfest: turismo, festa e cultura na estao do chopp,
de Maria Bernadete Ramos Flores
Sidney Antonio da Silva
COMUNICAES E INFORMES
Informe sobre teses e dissertaes defendidas no
Departamento de Antropologia da USP: setembro
de 1999 a outubro de 2000
N 8 (1999)
ARTIGOS
A irmandade em redenio: tenses entre tradio
e coletivizao num grupo campons
Alessandra Schmitt
Soltando o Leo: observaes sobre as prticas de
scalizao do Imposto de Renda
Ana Paula Mendes de Miranda
Almofala dos Trememb: a congurao de um territrio indgena
Alecsandro J. P. Ratts
De festas, viagens e xams: reexes primeiras sobre
os encontros entre Waipi setentrionais meridionais
na fronteira Amap-Guiana Francesa
Renato Sztutman
Os pees de gado e a representao dos animais no
Pantanal da Nhecolndia
lvaro Banducci Jnior
ENTREVISTA
Entrevista com Alba Zaluar
Alessandra El Far, Ana Paula Mendes de Miranda,
Edgar Teodoro da Cunha, Fraya Frehse, Melvina
Mendes de Arajo e Ronaldo R. M. de Almeida
TRADUO
Apresentao: A casa Kabyle na perspectiva estruturalista de Pierre Bourdieu
Paula Montero
A casa kabyle ou o mundo s avessas, de Pierre
Bourdieu
Traduo de Claude G. Papavero
RESENHAS
Trememb, Torm, Etnicidade e Campo Indigenista, de Gerson Augusto Oliveira Jnior
Luena Nascimento Nunes Pereira
Antropologia urbana. Cultura e sociedade no Brasil
e em Portugal, de Gilberto Velho (org.)
Alessandra El Far
COMUNICAES E INFORMES
Direito, poltica e meio ambiente: dilogos entre a
Antropologia e a Cincia Poltica no NUFEP/UFF
Roberto Kant de Lima
Informe sobre teses e dissertaes defendidas no
Departamento de Antropologia da USP: outubro
de 1998 a agosto de 1999
N 7 (1998)
ARTIGOS
Imposto de Renda e contribuintes de camadas mdias: notas sobre a sonegao
Cima Bevilaqua
O Antroplogo no campo da justia, o investigador
e a testemunha ocular
Joana Domingues Vargas
A formao de um grupo de imortais nos primeiros
anos da Repblica
Alessandra El Far
Trocas, faces e partidos: um estudo da vida poltica em Araruama-RJ
Ana Cludia Coutinho Viegas
208 |
Antroplogos vo ao cinema: observaes sobre a
constituio do lme como campo
Rose Satiko Gitirana Hikiji
Cidadania e prticas sociais: as disputas entre empregadas e empregadores domsticos pela mediao
do sindicato
ENTREVISTA
Entrevista com Ruth Cardoso
Alessandra El Far, Carlos Machado Dias Jr., Edgar
Teodoro da Cunha, Fraya Frehse e Ronaldo R. M.
de Almeida
DEBATE
A responsabilidade tica e social do antroplogo
Dominique Gallois, Mariana K. L. Ferreira e Vagner Gonalves da Silva
TRADUO
Os dilemas do antroplogo entre estar l e estar
aqui: primeiro e ltimo captulo de Works and lives: the anthropologist as author, de Cliord Geertz
Traduo de Fraya Frehse
N 5-6 (1995-1996)
ARTIGOS
Do velho ao antigo: etnograa do surgimento de
um patrimnio
Bernardo Lewgoy
Classicaes micas da natureza: a etnobiologia no
Brasil e a socializao das espcies naturais
Eduardo Carrara
Poder criativo e domesticao produtiva na esttica
piaroa e kaxinw
Elsje Maria Lagrou
Metforas convencionais & atribuio de crenas
Paulo A. G. Sousa
A metfora do olhar em Janela indiscreta, de Alfred
Hitchcock
Jos de Souza Martins
Quando o Metro era um palcio: salas de cinema e
modernizao em So Paulo
Helosa Buarque de Almeida
RESENHAS
Dirio no sentido estrito do termo, de Bronislaw Malinowski
Vagner Gonalves da Silva
COMUNICAES E INFORMES
Extrativismo mineral por e para comunidades indgenas da Amaznia: a experincia do garimpo entre
os Waipi do Amap e os Kaiap do sul do Par
Terence Turner
ENTREVISTA
Falando de Antropologia
Entrevista com Roberto Cardoso de Oliveira
Lus Donizete Benzi Grupioni e Maria Denise Fajardo Grupioni
TRADUO
dipo e J na frica Ocidental, de Meyer Fortes
Traduo de Samuel Titan Jr.
RESENHAS
Em busca da China Moderna, de Jonathan Spence
Marcos Lanna
cadernos de campo n. 13 2005
|
Under the rainbow. Nature and supernature among
the Panare Indians, de Jean-Paul Dumont
Renato Sztutman
A trama das imagens, de Paulo Menezes
Rose Satiko Gitirana Hikiji
A vez e a voz do popular: movimentos populares e
participao poltica no Brasil ps 70, de Ana Maria
Doimo
Carolina Moreira Marques
COMUNICAES E INFORMES
Imagens e o olhar das Cincias Sociais: a trajetria
do GRAVI
Edgar Teodoro da Cunha
TRADUES
Apresentao: Introduo ao Signicado Etnolgico das Doutrinas Esotricas, de Franz Boas
Margarida Maria Moura
Signicado Etnolgico das Doutrinas Esotricas
Franz Boas
Traduo de Margarida Maria Moura
Apresentao: Introduo a A Doena E Suas
Causas, de Andras Zemplni
Paula Morgado
A Doena e suas Causas, de Andras Zemplni
Traduo de Solange Unti Cunha Pinto
N 4 (1994)
RESENHAS
No encalo da luta cidad
Privado porm pblico: o terceiro setor na Amrica Latina, de Rubem Csar Fernandes
Marcos Pereira Runo
ARTIGOS
Katukina, Yawanawa e Marubo: desencontros mticos e encontros histricos
Edilene Coaci de Lima
Antroplogos e seus Sortilgios: uma releitura do Esboo de uma teoria da magia de Mauss e Hubert
Emerson Alessandro Giumbelli
Informe sobre teses e dissertaes defendidas no Departamento de Antropologia da USP: 1995 a 1997
COMUNICAES E INFORMES
O grupo MARI: educao e respeito diversidade
brasileira
Andr Luiz da Silva
Informe sobre teses e dissertaes defendidas no Departamento de Antropologia da USP: 1991 a 1994
N 3 (1993)
ARTIGOS
A Aquarela do Brasil: reexes preliminares sobre
a construo nacional do samba e da capoeira
Letcia Vidor de Souza Reis
Por que xingam os torcedores de futebol?
Luiz Henrique de Toledo
210 |
Quando 1 + 1 = 2: prticas matemticas no Parque
Indgena do Xingu
Mariana Kawall Leal Ferreira
As mulheres negras do Oriash: msica e negritude
no contexto urbano
Luciana Ferreira Moura Mendona
At que nem to Esotrico assim: o NAU e suas caminhadas pelas formas de lazer e prticas esotricas
da grande cidade
Flvia Prado Moi e Renato Sztutman
N 2 (1992)
ARTIGOS
Entre penas e cores: cultura material e identidade
bororo
Lus Donizete Benzi Grupioni
Durkheim: uma anlise dos fundamentos simblicos da vida social e dos fundamentos sociais do
simbolismo
Helosa Pontes
TRADUO
Apresentao: Introduo: a questo colonial revisitada
Paula Montero
ENTREVISTA
Entrevista com George Marcus
Helosa Buarque de Almeida, Ldia Marcelino Rebouas e Vagner Gonalves da Silva
RESENHAS
O espetculo das raas
O espetculo das raas, de Lilia Moritz Schwarcz
Alessandra El Far
Estrangeiros no Brasil
Estrangeiros no Brasil, de Fernanda Peixoto Massi
Ana Paula Cavalcanti Simioni
As iluses do multiculturalismo
Questo de raa, de Cornel West
Omar Ribeiro Thomaz
COMUNICAES E INFORMES
Carnaval: o potlatch da sociedade complexa no Brasil
Angelo Jos Perosa
|
ENTREVISTA
Entrevista com Claude Lvi-Strauss
Edmundo Magaa
RESENHAS
As estratgias textuais de Cliord Geertz
El antropologo como autor, de Cliord Geertz
Fernanda Massi
FONTE
PAPEL
GRFICA
IMPRESSO