Este documento apresenta as noções fundamentais de direito administrativo geral, incluindo os fundamentos políticos e constitucionais da administração pública. Fornece também uma bibliografia geral sobre o assunto, com autores portugueses.
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FERNANDO DOS REIS CONDESSO
Catedrtico e Coordenador de Cincias Polticas do ISCSP-UTL
Professor de Direito Administrativo Doutor em Direito Agregado em Cincias Jurdico-Polticas
DIREITO ADMINISTRATIVO GERAL * NOES FUNDAMENTAIS DE DIREITO ADMINISTRATIVO GERAL Fundamentos polticos e constitucionais de Administrao Pblica e do Direito Administrativo: Constituio e controlo das funes poltica, legislativa, executiva e jurisdicional Caractersticas, crise e evoluo do direito administrativo Direito pblico e privado, ramos de direito e direito administrativa Teoria geral das fontes de direito e direito administrativo Principiologia fundamental da actividade pblica em estado administrativo de direito.Do Enquadramento decaiolgico ao regime dos princpios gerais Autonomia do direito administrativo e de jurisdio com sistema de administrao judiciria Princpio constitucional da tutela judicial efectiva e da interdio de indefesa Noes fundamentais sobre direito judicirio e processual administrativo Estatuto dos Magistrados Judiciais e Actividade Administrativa do Poder Judicial
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PF LISBOA
1 APRESENTAO GERAL DESTA PUBLICAO SOBRE DIREITO ADMINISTRATIVO
Na introduo do curso, til apresentar a factualidade justificativa da existncia da Administrao Pblica, ou seja, efectivar uma apresentao genrica das reas e situaes em que a Administrao chamada a intervir, em ordem apreenso dos conceitos de necessidades colectivas e de interesse pblico, a satisfazer por ela, numa viso panormica, antecipadora das prprias reas temticas que sero desenvolvidas na cadeira de direito administrativo geral e especial, prosseguindo-se, depois, ento, com noes fundamentais sobre a Administrao Pblica, em ordem a nos introduzir, no s na realidade subjacente ao direito administrativo, como na compreenso da sua importncia actual.
Por isso, costumamos apontar, logo no incio, elementos de informao factual, que visam no s motivar a importncia, na vida prtica, do estudo que vamos fazer, como dar, em cada momento, desde a primeira exposio temtica, elementos relacionais para a compreenso do que est em causa com a cadeira no seu conjunto, ao longo de todo o curso, de modo a habilitar os alunos a poderem seguir e interrelacionar, logicamente, a
2 ordenao e progresso nas matrias, pois importante que quem introduzido neste estudo no se sinta perdido e desorientado dentro das vrias divises desta imensa casa que se lhe vai abrindo e mostrando, para que possa perceber onde esto as paredes de contacto, as portas e janelas, os tectos e os alicerces deste ramo do saber que, no sendo embora de cultura multimilenar como o direito privado, representa um complexo edifcio cientfico, que as jurisprudncias, as doutrinas e os legisladores, de mos dadas, foram construindo ao longo deste dois ltimos sculos.
que, s assim, indo captando e percebendo essa interligao lgica, se ir vislumbrando onde se quer chegar e se ficar devidamente motivado para querer saber as solues dos problemas que se antev que viro a seguir e respondem seguramente a muitas das questes que singularmente ou em famlia se foram colocando.
No fundo, nesta perspectiva motivacional, num plano objectivo e at por vezes subjectivo, para quem j seja portador de uma experincia de vida que o tenha posto em contacto com a Administrao Pblica, , pelo menos, de interesse pedaggico
3 revelar, com exemplos retirados das matrias de direito administrativo especial e de casos da vida real que se lhe reportem, a factualidade das necessidades constitudas em interesse pblico a prosseguir normativamente pelas Administraes, ou seja, a factualidade justificativa da prpria existncia de toda uma organizao de meios financeiros, humanos, materiais e jurdicos, que so instrumentais do servio Comunidade, da Administrao Pblica.
E, logo de seguida, partindo dessas premissas das realidades que apelam Administrao Pblica e ao direito, importa efectivar a apresentao das matrias que, genericamente, dizem respeito organizao, funcionamento e sua relao com os administrados, e que formam uma parte da cincia do direito administrativo (que precisamente por isso se designa no de legislao administrativa mas de direito administrativo), que o direito administrativo geral, enquanto estudo de todas a matrias que implicam todas e cada uma das entidades que formam a Administrao pblica. De qualquer modo, no incio, e seguindo o caminho habitual na docncia da matria, efectiva-se uma aproximao perfunctria aos conceitos de Administrao Pblica e de Direito
4 Administrativo. Aborda-se a origem e significado etimolgico da expresso. Expem-se algumas notas sobre a evoluo histrica e a noo de Administrao Pblica, estabelecendo a sua tradicional diviso conceptual, para efeitos de teorizao cientfica e didctica, discorrendo sobre a Administrao como Funo, Organizao e Poder, apresentando os seus conceitos material, orgnico e formal.
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Complementando essa referncias com a exposio das diferentes reas que, por tratarem de contedos de matrias de Administraes especficas, so consideradas de direito administrativo especial, assim se propiciando uma clara percepo do que est e no est em causa na cincia do direito administrativo geral e, portanto, na cadeira que vo estudar.
Dito isto, importa acrescentar que toda a cincia opera com conceitos e dogmticas que lhe do a linguagem parauniversal, entre os seus cultores, que como que o dicionrio bsico da disciplina, sem cujo conhecimento se continua leigo no discurso cientfico sobre a matria.
5 Por isso, designo os conceitos panormicos essenciais de fundamentos conceptuais, embora a percepo da evoluo histrica da afirmao da Administrao pblica e do direito administrativo e do seu enquadramento constitucional, ajudando a compreender o porque dos institutos tal como existem, no deva ser afastada tambm deste momento, pelo que a todos designamos, ao jeito de SANTAMARIA PASTOR, como fundamentos da matria, os fundamentos conceptuais, constitucionais e histricos, sendo certo que quanto aos primeiros apenas se introduzem os mais genricos, situantes das prpria cincia jusadministrativista, quanto aos segundo limitamo-nos a transmitir dados meramente descritivos, deixando para os diferentes captulos temticos o seu aprofundamento, embora nos parea que talvez devesse ensaiar a apresentao dos princpios constitucionais prospectivos da organizao administrativa e os gerais da actividade de modo antecipado em relao aos captulos referentes a estes grandes temas do direito administrativo, mas, no tendo (ainda) optado por esta sistematizao, justifica-se uma referncia a eles, mesmo que sumria, no captulo II, seguida de um desenvolvimento nos Captulos sobre a organizao e a actividade; no futuro, talvez deva ponderar melhor, at pela sua importncia no conjunto do
6 direito administrativo geral, ser de concentrar o seu tratamento no captulo sobre os Fundamentos doutrinrios e constitucionais do Direito Administrativo. Tema a destacar ser o referente ao Estado constitucional, a expondo desde logo a Constituio principiolgica Administrativa e desenvolvendo depois a principiologia fundamental da actividade pblica em Estado administrativo de Direito, desde o seu enquadramento decaiolgico ao regime actualizado desses princpios gerais. Quanto ao estatuto dos magistrados judiciais e actividade administrativa do poder judicial, este estudo, originado no cumprimento de exigncias de natureza acadmica, agora objecto de difuso, na medida em que, tendo que ver com o direito da organizao jurisdicional e, assim, reportando-se a questes, quer de ndole constitucional e de cincia poltica, quer relacionadas com o exerccio de poderes materialmente administrativos, toca aspectos que servem, quer para o aprofundamento dos temas pelos discentes, quer para a motivao em geral pelo estudo destes importantes temas, que aqui se abordam e sobre os quais a literatura nacional parca.
7 BIBLIOGRAFIA GERAL
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9 Regime Administrativo e Justia Administrativa. Autonomia do Direito Administrativo e Jurisdio Administrativa. Princpio constitucional da tutela judicial efectiva e de interdio de indefesa. Noes fundamentais sobre direito judicirio e processual administrativo. Lisboa: Autor, 2007; Relatrio GARCA DE ENTERRA, Eduardo; FERNNDEZ, Toms-Ramn Curso de Derecho administrativo. Vol.I, 5. Ed. Madrid: Civitas, 1990. MAURCIO, Artur; LACERDA, Dimas de; REDINHA, Simes Contencioso Administrativo. Lisboa: Rei dos Livros, 1987.
B)-LITERATURA ESTRANGEIRA
a)-LITERATURA ESPANHA VILLAR PALLASI, Jos Lus; VILLAR EZCURRA, Jose Luis -Princpios de derecho administrativo I. 3. Ed., Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 1992. ALFONSO, Luciano Parejo Derecho Administrativo: Instituciones generales: Bases, Fuentes, Organizacin y Sujetos, Actividad y Control. Barcelona: Ariel Derecho, 2003. PASTOR, Juan Alfonso Santamaria, Fundamentos de Derecho Administrativo, I, Reimp., Madrid, 1991.
b)- LITERATURA FRANCESA RIVERO, Jean; WALlNE, Jean, Droit Administratif, 14." ed., Paris, 1992. CHAPUS, Ren, Droit Administratij Gnrale, 2 vols., 5." ed., Paris, 1990.
c)-LITERATURA ITALIANA CASSESE, Sabino -Le Basi del Diritto Amministrativo. Turim, 1989; -Trattato di Diritto Amministrativo: Diritto Amministrativo Generale, I e II Vol., Milo, 2000. GIANNINI, Massimo Severo -Diritto Amministrativo, 2 vols., 3. ed., Milo, 1993. MAZZAROLLI, L; PERICU, G.; ROMANO, A.; MONACO, F. A. Roversi; SCOCA, F. G. -Diritto Amministrativo. 2 vol., Bolonha, 1993.
10 e)- LITERATURA AUSTRACA MERKL, Adolfo -Teora General dei Derecho Administrativo, Mxico, 1980.
f)-LITERATURA BRASILEIRA MEIRELLES, Helly Lopes de -Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. actualizada por Eurico Azevedo, Dlcio Aleixo e Jos Burle Filho. So Paulo, 2001. MELLO, Celso Antnio Bandeira de -Curso de Direito Administrativo. 9 ed., So Paulo, 2001.
g)- LITERATURA BRITNICA HAWKE, N., An lntroduction to Administrative Law, 6: ed., Oxford, 1989.
h)-LITERATURA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMRICA DEVIN, John -Droit Administratif. In LEVASSEUR, Alain, A. -Droit des Etats-Unis. 2. Edition. Paris : Prcis Dallooz, 1994, p.155-165 e ndice, p. XXV- XXVI.
11 I-INTRODUO AO DIREITO ADMINISTRATIVO
Sumrio de matrias:
1. Necessidades colectivas a satisfazer e Administrao Pblica. Origem dos vocbulos Administrao Pblica e Direito Administrativo. Fundamentos conceptuais
1.Nos tempos que correm, neste incio de sculo XXI, os cidados sentem menos o peso do poder poltico, e sentem mais a actuao dos poderes administrativos. E , sobretudo, o direito administrativo que veicula a actuao desses poderes e garante o respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos daqueles que entram em relao com ela.
A origem etimolgica da palavra Administrao vir ou de ad e ministrare, servir, ou, talvez mesmo, de ad manus trahere, manejar, utilizar meios, o que aponta para a ideia de cargo ao servio de fins, de servio, de uma gesto subordinada a certos fins. A fora expressiva desta palabra, usada nos idiomas latinos, para o entendimento do que a Administrao, tem vindo a revelar-se, no Estado de
12 Direito, mais adequada ao enquadramento da funo administrativa pblica do que a palavra alem Verwaltung, derivada de walten, imperar ou reinar, ligada directamente ideia de poder. Com a passagem da soberania individual, do poder pessoal absoluto, para a soberania popular e o poder representativa, a Administrao mantm-se, mas passando a ser concebida totalmente ao servio dos cidados 1 .
A expresso Direito Administrativo foi utilizada, pela primeira vez, em Frana, num texto escrito, no incio do sculo XIX, em 1807, no Projecto de instruo elaborado pelos inspectores-gerais das faculdades de direito, tendo posteriormente merecido a adeso da literatura jurdica.
A razo de ser da Administrao pblica e do direito administrativo aparece expressamente afirmada na Constituio da Repblica Portuguesa, que diz que a Administrao Pblica visa a prossecuo do interesse pblico, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados (n 1 do artigo 266.). essa prossecuo do interesse pblico, das necessidades colectivas, que justifica a existncia da Administrao Pblica, enquanto que o respeito pelos direitos e interesses legtimos dos cidados exigvel pela natureza do Estado de Direito democrtico, funcionando simultaneamente como fundamento e limite da actuao da Administrao. isso que tudo isto que d contedo,
1 alis interessante atentar em que os timos ministrio e ministro, de minus em oposio a magis (de onde vem magistrio e maestro), no tm hoje qualquer correspondncia na hierarquia administrativa.
13 expresso concreta s normas de Direito Administrativo. Essa prossecuo e estes direitos so referentes em permanente tenso dialctica proporcionada medida dos interesses gerais a satisfazer, o que permite dentro de certos limites o sacrifcio dos interesses particulares em nome dos interesses colectivos. Portanto, a necessidade de dar a supremacia ao interesse geral com a garantia do respeito adequado dos direitos dos particulares marca a essncia, num plano escatolgico e ntico, do Direito Administrativo.
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2. Em termos factuais, a Administrao Pblica e o direito administrativo cobrem, hoje, todos os movimentos do homem, desde o bero ao tmulo, passando pela doena, estudo, servio militar, profisso, casa (construo e seus condicionamentos, distribuio de gua, gs e electricidade, remoo de lixos), locomoo nas vias pblicas, usufruio de cultura, incentivos econmicos, actividades econmicas (agricultura, abertura de indstrias, fiscalizao de estabelecimentos comerciais, etc.), ordenamento do territrio, defesa do ambiente e do patrimnio cultural, garantia patrimonial contra danos provocados por servios pblicos e sacrifcios desiguais impostos aos cidados, segurana e ordem pblica, proteco contra incndios, aplicao de sanes por certas infraces ao ordenamento jurdico (direito de mera ordenao social). etc..
A importncia do direito administrativo, nas sociedades modernas, mede-se pela abrangncia e valor, num plano
14 social e individual, das matrias que ele regula, em obedincia a necessidades clssicas do Estado mas tambm em respeito do princpio da legalidade positiva e no desenvolvimento paulatino das clusulas do Estado de direito demoliberal, Estado Social e da Constituio programtica.
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3. No que se reporta s clusulas do estado democrtico, social e constitucional, e suas implicaes naturais no desenvolvimento e enquadramento da administrao pblica e do direito administrativo, referirei, desde j, sinteticamente o seguinte em termos de carecterizao destas clusulas injuntivas do actuar dos poderes pblicos:
O artigo 2. da CRP diz que a Repblica Portuguesa um Estado de direito democrtico baseado na soberania popular, no pluralismo de expresso e na organizao poltica democrticas (). O Estado Democrtico o sistema poltico em que a soberania pertence ao Povo e os titulares dos poderes supremos so eleitos periodicamente pela totalidade dos cidados em regime de livre concorrncia de opes polticas e de efectivao dos direitos e liberdades fundamentais. O princpio democrtico implica que o poder s pertence ao Povo, todos os seus titulares o exercem por delegao sua e respondem periodicamente pelo seu exerccio.
Ora, a clusula do Estado Democrtico e o princpio
15 democrtico implicam a Administrao Pblica com a democracia. Ele tem, tambm, implicaes na Administrao Pblica, porquanto pressupe certos parmetros de organizao e da actividade das diferentes Administraes Pblicas em que se desdobra o poder executivo do Governo e, em geral, o poder administrativo de todas as plurais entidades, pblicas e privadas, que prosseguem tarefas da Funo Administrativa do Estado- Comunidade.
O princpio democrtico exige uma Administrao Pblica democrtica, ou seja, enformada pelas caractersticas de subordinao ao poder poltico-legislativo, aberta ao pluralismo, funcionando com objectividade, tratando todos de maneira pr- determinada e igual (princpios da legalidade, imparcialidade, igualdade), publicidade e transparncia.
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HANS KELSEN, em Essncia e Valor da Democracia e Teoria Geral do Direito e do Estado, pretendia reduzir a aplicao do princpio democrtico ao poder legislativo e ao Governo, afirmando que a Administrao, porque ao servio das decises tomadas pelos rgos representativos, deve organizar-se e actuar segundo critrios automticos. Ou seja, no esteira do pensamento de MAX WEBER, a essncia do Estado Democrtico exigiria uma organizao no democratizada da Administrao Pblica, sob pena de ela deixar de ser um instrumento dcil e eficaz do Parlamento e do Governo e, portanto, da soberania popular, onde aqueles bebem a sua legitimidade.
16 Acontece que uma Administrao automtica pode pr em causa o funcionamento do sistema democrtico, resvalando para uma ditadura da burocracia.
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Do princpio democrtico resulta, desde logo, uma dupla sujeio da Administrao Pblica: a)- por um lado, a subordinao ao direito quer na sua organizao e funcionamento quer nas suas relaes com os cidados (princpio da juridicidade ou da legalidade em sentido amplo); e, b)- por outro lado, em princpio, a subordinao ao Governo (poderes de direco, orientao e fiscalizao deste sobre as Administraes Pblicas em geral).
A Administrao Pblica de um pas est nas mos do conjunto das pessoas colectivas pblicas, com os seus rgos (singulares ou colegiais, dotados de poderes decisrios, executivos, fiscalizadores, consultivos) e servios administrativos (que os apoiam, preparando as decises ou efectivando a sua execuo), compostos de funcionrios nomeados, outros agentes administrativos (contratados segundo regime de direito administrativo, contratos de provimento) ou trabalhadores de direito laboral (contratados segundo regime do Cdigo do Trabalho, com adaptaes de direito administrativo exigidas pela natureza da funo a desempenhar), bem como de outras entidades de direito privado, criadas por aquelas pessoas ou de particulares, desde que tambm desenvolvam a Funo Administrativa do esatdo-Comunidade, ou seja, prosseguam a realizao
17 de necessidades colectivas em termos de cooperao articualda juridicamente com a Administrao Pblica.
Isto : A Administrao Pblica define-se atravs de elementos de carcter orgnico, referentes estrutura e meios que suportam e desenvolvem a sua actividade (Administrao em sentido orgnico ou subjectivo) e de carcter material, referentes aos assuntos em que intervm (Administrao em sentido material ou objectivo).
A Administrao Pblica integra todas as entidades, independentemente do regime jurdico da sua constituio, formas de designao dos seus meios humanos e do ramo de direito aplicvel sua actuao, organizadas (organizao administrativa, com os seus elementos e sistemas de afectao e articulao de atribuies e competncias: Administrao em sentido orgnico ou subjectivo) com o objectivo de assegurar a satisfao permanente das necessidades colectivas (funo administrativa do Estado-Comunidade, normalmente com recurso a poderes de autoridade, constitutivos do seu poder administrativo, criados pelo Direito Administrativo; na qual sobressaem, pela sua importncia, as tarefas legalmente consideradas de servio pblico).
Em geral, a Administrao Pblica em sentido orgnico define-se como o conjunto de entidades que desenvolvem actividades em nome da Comunidade, sob a direco (poder de dar ordens e instrues), superintendncia (poder de dar orientao) ou tutela (poder de fiscalizao sobre entidades
18 pblicas), traduzindo o exerccio de tarefas de satisfao permanente das necessidades colectivas, como tal assumidas e enquadradas por normas jurdicas, que as legitimam e balizam, e sujeitas ao controlo de rgos imparciais, independentes delas, que so certas entidades administrativas independentes, como o Provedor de Justia, e, em ltima instncia, aos tribunais (em princpio, em geral, da jurisdio administrativa e, em matria de direito financeiro, do Tribunal de Contas, mas tambm dos Tribunais Judiciais em certas matrias de direito administrativo e em geral quando actua em gesto privada, e do Tribunal Constitucional).
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Neste aspecto, a Administrao Pblica uma organizao que visa executar os mandatos normativos provenientes do legislador e que est ao servio da tarefa da governao. Ou seja, a Administrao Pblica executa os mandatos do Poder Legislativo (no fundo, do bloco da legalidade) debaixo da direco do Governo. isto que cria a sua legitimao, que indirecta. O carcter subordinado ou vicarial da Administrao Pblica resulta da prpria natureza da actividade administrativa, como actividade subordinada de gesto de assuntos do Povo.
Quanto ao poder de direco do Governo, o artigo 185. da CRP diz que o Governo o rgo superior da Administrao Pblica.
19 Com efeito, entre as entidades administrativas destaca- se o Governo estadual, sendo a mais importante das Administraes Pblicas, e que merece, na Constituio, a consagrao de uma clasula geral competencial administrativa, inserta na alnea g) do artigo 202. (limitada embora pela forma regulamentar mais solene).
A alnea d) do artigo 202., acrescenta que compete ao Governo, no exerccio de funes administrativas: a)- dirigir os servios e a actividade directa do Estado, civil e militar; b)- superintender administrao indirecta; e c)- exercer a tutela da administrao autnoma.
Administrao Estadual, dirigida pelo Governo cabe: a)- organizar e dirigir a Administrao estadual e funciona como Administrao indirecta da Unio Europeia, aplicando e fazendo aplicar obrigatoriamente o direito por esta criado, na maior parte dos domnios das atribuies desta; b)- superintender a Administrao institucional (integrando a Administrao fundacional (asente em massa financeira, patrimnio, afectado a certos fins) 2 e a Administrao empresarial; e c)- tutelar as Administraes autnomas.
2 H Administraes autnomas com a natureza de Institutos Pblicos, em que cabem no s as Universidades como Entidades Administrativas Independentes se dotadas de personalidade jurdica, mas nem as primeiras so superintendidas pelo Governo nem as ltimas superintendidas ou tuteladas por este.
20 ***
Importa distinguir entre Administrao Pblica e Governo e caracterizar a subordinao daquela a este ltimo. Esta questo clssica do Direito Administrativo tem importncia devido ao crescente aumento da burocracia e da organizao administrativa e realizao, pelo Governo, de mltiplas tarefas sujeitas a diferentes regimes jurdicos.
No plano orgnico, aparecem rgos dotados de competncias prprias, titulados por funcionrios designados por forma diferente da do Governo, embora haja uma continuidade de aco. O Governo tem uma natureza hbrida: simultaneamente um rgo administrativo, rgo superior da Administrao do Estado, e um rgo poltico e legislativo, com funes na esfera constitucional distinta da Funo de Administrao. Ou seja, h uma diviso funcional em relao Administrao Pblica, distinguindo-se dela na medida em que uma parte da sua actividade no puramente administrativa.
Segundo M. HAURIOU, esta distino funcional far-se-ia do seguinte modo: a actividade poltica era a que se referia aos grandes assuntos de Estado, enquanto a actividade administrativa se referia gesto dos assuntos correntes do pblico. Em boa verdade, esta distino parte da aplicao de um regime jurdico diferente aos vrios actos do
21 Governo e, sobretudo, da no sindicabilidade pela jurisdio contenciosa de certos actos, classificados por isso como actos polticos, de governo ou constitucionais. De facto, Governo e Administrao Pblica so estruturalmente a mesma coisa, encontrando-se o Governo no topo orgnico da Administrao Pblica, acontecendo que, funcionalmente, o Governo tambm pratica actos de natureza estritamente poltica, tidos como no administrativos e, portanto, em geral, no sindicveis jurisdicionalmente.
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No que diz respeito ao Estado Social de Direito e ao princpio social que lhe nsito, tambm ele implica a actividade administrativa e normativa do Estado e a interpretao e aplicao do direito.
A expresso Sozialer Rechtsstaat deve-se a HERMANN HELLER, que a usa, pela primeira vez, no seu Estado de Direito ou Ditadura, em 1930. Ele explicita os fundamentos tericos do princpio, afirmando que o Estado Liberal se preocupa acima de tudo com a liberdade e, assim, com o aspecto puramente formal da igualdade jurdica, o que implicar uma revoluo social, a menos que o Estado se converta em Estado Social, passando a preocupar-se activamente com a realizao material do princpio da igualdade, assumindo a tarefa de reformar as estruturas econmicas e corrigir as desigualdades. A ideia, no entanto, liga-se tese da actividade social do Estado (isto , da actividade pblica destinada a remediar
22 as situaes de desprivilgio do operariado e a eliminar as desigualdades scio-econmicas), que faz parte da ideologia das correntes socialistas (no marxistas) europeias do sculo XIX, desde LOUIS BLANC a FERDINAND LASSALLE, escolas de economistas do socialismo de ctedra como SCHONBERG e SCHMOLLER, e juristas como HERMANN KNESLER.
A definio do significado da clusula do Estado Social na Formalgesetz alem deu origem a grandes polmicas. Numa primeira fase, predominam interpretaes descritivas que, no fundo, levavam caracterizao do Estado Social como integrante de actividades de interveno social (instituies laborais e de segurana social). Mas, em 1950, H. P. IPSEN inicia as interpretaes prescritivas ou normativas, implicando a responsabilidade do Estado e a sua competncia para conformar a realidade social com essa clusula, j no entendida como postulado puramente programtico. Esta interpretao significa que todos os poderes pblicos tm o dever de actuar positivamente na sociedade para procurarem ir superando os nveis de desigualdade das vrias classes sociais. O Estado Social exige, quer no plano normativo quer no da aplicao das normas, um conjunto de prestaes e condicionantes jurdicas, de ordem positiva e negativa, na actuao dos poderes pblicos, que enformam claramente o seu ordenamento jurdico-administrativo.
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O Estado constitucional portugus tem um programa de aco, verdadeira ideologia de Estado, independentemente da que a alternncia partidria propicie e acima dela, com tarefas e direitos econmicos, sociais e culturais, a concretizar pelos poderes pblicos e notas impositivas sobre regimes jurdicos em variadas matrias da vida nacional, que implicam a Administrao e o direito administrativo.
E, alm disso, o Estado portugus, sendo um Estado unitrio, -o com duas regies poltico-administrativas e uma organizao autrquica de base territorial, em que rege o princpio da autonomia local, o que tudo traduz a policentralidade estrutural do Estado, organizado em modelo plural, baseado na distribuio efectiva do poder entre diferentes entidades territoriais e na sua recproca autonomia, o que tem consequncias enormes na organizao e destribuio dos poderes Administrativos pblicos. o artigo 6. da CRP, no seu n. 1, que diz que o Estado unitrio e respeita na sua organizao os princpios da autonomia das autarquias locais e da descentralizao democrtica da Administrao Pblica e, no seu artigo 2., declara que os arquiplagos dos Aores e da Madeira constituem Regies Autnomas dotadas de estatutos poltico- administrativos e de rgos de governo prprios. O n. 2 do artigo 227. refere que a autonomia das regies (Autnomas dos Aores e da Madeira) visa a defesa dos interesses regionais, bem como o reforo da unidade nacional e dos laos de solidariedade entre todos
24 os portugueses, acrescentando o n. 3 que a autonomia poltico administrativa regional (insular) no afecta a integridade da soberania do Estado. No plano externo, as Regies no tm carcter de estadualidade, portanto no tm personalidade jurdica internacional, na medida em que o princpio da integridade da soberania o impede.
O n. 1 do artigo 237. afirma que a organizao democrtica do Estado compreende a existncia de autarquias locais. Ou seja, o princpio constitucional da unidade do Estado aparece em geral conjugado com o princpio da autonomia poltico-administrativa regional (Regies insulares) e autonomia meramente administrativa, regional e local (regies administrativas, ainda no concretizadas, municpios e freguesias). 3
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4. A Administrao estadual, ela foi formando o seu imenso e tentacular poder administrativo, que partilha com outras entidades, umas pblicas, de natureza territorial (regies autnomas e autarquias), institucional (servios personalizados, fundaes, etc.), empresarial e associativa, e outras particulares, empresas de interesse colectivo e colectividades de utilidade pblica (associaes, institutos e fundaes privados de natureza no lucrativa),
3 No entanto, s as formas de Administrao autnoma territorial (e a da autonomia universitria) gozam de garantia constitucional. Sobre a natureza da instituio universitria, no debate terico comparado, vide texto policopiado: CONDESSO, F. A Autonomia Universitria no Direito Espanhol e Portugus.
25 entidades que exercem a funo administrativa do Estado- Comunidade, em colaborao com pessoas colectivas pblicas, e portanto organicamente ligadas Administrao Pblica e ao direito que se aplica actividade administrativa pblica, desde as entidades de mera utilidade pblica, s de utilidade pblica administrativa, passando pelas instituies particulares de solidariedade social, todas pessoas colectivas de direito privado e regime jurdico misto, de origem privada mas com actividade publicizada pela aplicao do direito pblico, ao aplicarem tambm o direito administrativo em relao s tarefas que traduzam esse exerccio de funes administrativas.
Com efeito, vivemos numa sociedade de pluralizao de Administraes pblicas, a que s o desempenho por todas da Funo Administrativa do Estado d unidade ontolgica e cientfica. No existe s o Estado, pessoa colectiva segmentada em ministrios com atribuies especficas, com rgos e servios administrativos gerais (gerindo directamente o desenvolvimento de tarefas a nvel de todo o territrio do Estado), no necessariamente centrais (situados em Lisboa, sede da Administrao Estadual), mas tambm perifricos, uns e outros dirigidos, porque apenas desconcentrados, por repartio legal de poderes funcionais ou por delegao - transferncia do exerccio de poderes - permitida por lei (lei de habilitao, tambm possvel fora da hierarquia e, neste aspecto, criando uma relao interadministrativa orientada). Para alm do Estado, verifica-se tambm uma autonomizao personalizada de organismos e tarefas, em que o
26 Estado tem um poder orientador (administrao indirecta, superintendida ou orientada) ou, no mnimo, o controlo da actividade realizada (administrao autnoma ou tutelada). Tudo, formas desconcentradas e descentralizadas da prossecuo de certas necessidades colectivas, que so, continuam a ser ou, de outro modo, seriam estaduais.
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2. A HISTRIA E A IMPORTNCIA DO ENSINO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
1. Foi a partir de 1914, sob a influncia da escola realista francesa, mas com abertura a outros contributos, que surgiram, em Coimbra, como na recm-criada Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (1918), os primeiros estudos monogrficos significativos de direito administrativo 4 - 5 .
4 Ao desenvolver-se um programa de ensino de direito administrativo, importa ter presente uma noo precisa, embora aqui exposta em termos naturalmente sucintos, no s das exigncias colocadas em geral ao ensino do direito, como especificamente na rea administrativa e nas licenciaturas a que o referido ensino se insere. No s o que ele , ou deveria ser, abstractamente, em face da sua importncia na sociedade actual, em geral, embora tendo presente o pas em que ele vigora, neste concreto momento, nesta dcada inicial do sculo XXI, mas tambm em concreto no plano global de estudos, face ao objectivo da integrao da cadeira numa dada licenciatura. Ou seja, em causa, est a importncia actual dos estudos de direito administrativo em si e no currculum das referidas licenciaturas. Ora, o que se pode dizer em geral, que seja qual for a importncia relativa a atribuir-lhe, esta importncia tem crescido sempre, e torna, hoje, muito difcil fazer opes entra as matrias de direito administrativo que tm de ser conhecidas pelos estudantes nas reas do saber das licenciaturas em causa. Mas, sobre este tema, cabe discorrer a quando da elaborao e justificao das propostas de programa e em relatrios de agregao, que no aqui. Basta que se refira que ele esteve presente no desenvolvimento dos vrios temas das nossas aulas.
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Com efeito, durante o sculo XIX, a cincia do direito administrativo portugus demonstrou uma evoluo incipiente, uma escassa emancipao em relao a influncias estrangeiras e uma recorrente promiscuidade com outras cincias sociais, designadamente sociologia e poltica, o que, alis, concorreu com a ausncia de qualquer teorizao ou sequer sistematizao da matria da actividade administrativa, com os temas estudados a cingirem- se essencialmente organizao administrativa e ao contencioso administrativo 6 - 7 . No entanto, a disciplina jusadministrativista h muito que vinha sendo leccionada.
Seguindo de perto a sntese histrica de MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDR SALGADO DE MATOS 8 , constata-se que, em 1853, foi instituda, na Faculdade de Direito da Universidade de
5 habitual nos relatrios acadmicos sobre uma disciplina, em concursos para disciplinas de direito, apresentar-se uma resenha sobre os estudos da cincia jurdica em causa, pelo menos, numa abordagem diacrnica, o que se cumprie, pelo menos em termos muito sintticos, pois esta investigao tem sido desenvolvida e apresentada, em Portugal, quer por docentes, quer por candidatos a associados ou agregao, no mbito da cincia do direito administrativo. Tal esforo histrico est hoje ao alcance da generalidade dos interessados em estudos mais ou menos aprofundados, pelo que nos dispensamos de aprofundar o tema, limitando-nos a algumas notas sobre momentos e lentes mais significativos. Destacaria, pela sua exausto e sistematizao, no plano do ensino em Portugal e, tambm, pela anlise sincrnica, inclusive com enunciao de programas e detalhados comentrios, o Captulo I do Relatrio de PAULO OTERO (- Evoluo do Ensino da Cadeira de Direito Administrativo. Direito Administrativo: Relatrio. Lisboa: FDUL, 2001, p.35-173. 6 SOUSA, Marcelo Rebelo e MATOS, Andr Salgado de Direito Administrativo geral: Introduo e Princpios Fundamentais. Lisboa: Dom Quixote, p.83. 7 Ibidem. 8 O.c., p.83-86.
28 Coimbra, sob forte influncia francesa, a cadeira de Direito administrativo e princpios da administrao, sendo lentes JUSTINO ANTNIO DE FREITAS 9 e JOS FREDERICO LARANJO 10 . No incio do sculo XX, a cadeira viria a designar-se Cincia da administrao e direito administrativo, sendo lente GUIMARES PEDROSA 11 . Em 1914, aparecem, em Coimbra, os primeiros trabalhos monogrficos sobre matria administrativa, dos professores JOO TELLO DE MAGALHES COLLAO 12 e MARTINHO NOBRE DE MELO 13 , seguidos de outros, em 1915, DOMINGOS FZAS VITAL 14 e MARTINHO NOBRE DE MELO 15 , em 1917, MAGALHES COLAO 16 , em 1936, FEZAS VITAL 17 , a que se seguem outros estudos, designadamente sobre a actividade administrativa e a responsabilidade civil extra-contratual da administrao, embora no haja manuais de referncia, o que s viria a ser suprido pelo labor de MARCELLO CAETANO, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, com o seu Manual de direito administrativo 18 , cabendo-lhe, assim, o mrito de ter
9 Instituies de direito administrativo portugus. Coimbra, 1857, 2. Ed. 1861. 10 Princpios e instituies de direito administrativo. Coimbra, 1888. 11 Curso de cincia da administrao e direito administrativo. Coimbra, 1908. 12 Concesses de servios pblicos: sua natureza jurdica. Coimbra, 1914. 13 Teoria geral da responsabilidade do Estado. Indemnizaes pelos danos causados no exerccio das funes pblica. Lisboa, 1914. 14 A situao dos funcionrios, Coimbra, 1915; Garantias jurisdicionais da legalidade na administrao pblica: Frana, Inglaterra e Estados Unidos, Blgica, Alemanha, Itlia, Sua, Espanha e Brasil. Coimbra, 1938. 15 O estatuto dos funcionrios: Estatuto legal. Coimbra, 1915. 16 A desobedincia dos funcionrios administrativos e a sua responsabilidade criminal. Coimbra, 1917. 17 Garantias jurisdicionais da legalidade na administrao pblica: Frana, Inglaterra e Estados unidos, Blgica, Alemanha, Itlia, Suia, Espanha e Brasil. Coimbra, 1938. 18 Coimbra, 1937. J em 1932, publica Do poder disciplinar no direito administrativo
29 sistematizado pela primeira vez toda a parte geral do direito administrativo portugus. Ensinando no ISCSP, temos um discpulo de MARCELO CAETANO, ARMANDO M. MARQUES GUEDES 19 . Outros nomes de relevo, na FDUL, e depois tambm na FDUN de Lisboa, com publicaes nesta rea cientfica, e referenciando apenas os trabalhos arrolados por MARCELO REBELO DE SOUSA e SALGADO MATOS, tm sido DIOGO FREITAS DO AMARAL 20 , ANDR GONALVES PEREIRA 21 , ALBERTO XAVIER 22 , RUI MACHETE 23 , JOS MANUEL SRVULO CORREIA 24 , AUGUSTO DE ATHAYDE 25 , JORGE MIRANDA 26 , FAUSTO DE QUADROS 27 ,
portugus, Coimbra, 1932. No Brasil, viria ainda a publicar sobre direito constitucional e direito administrativo, obras ainda hoje de referncia em faculdades deste pas. 19 A concesso: Estudo de direito, cincia e poltica administrativa:. INatureza jurdica da concesso. Coimbra, 1954; O processo burocrtico: Cadernos de Cincia e Tcnica Fiscal, n.120, Dezembro de 1968 e n. 121, Janeiro de1969. Lisboa:CEFDGCI, MF, in totum 1969.Na regncia da cadeira, seguiu-se aqui JOS MARIA GASPAR e, desde h j mais de 10 anos, o ora concorrente, cujas obras sobre direito administrativo especial constam do elementos curriculares apresentados a concurso. 20 Curso de Direito Administrativo, mas tambm com desenvolvimentos relacionais assinalveis, o seu Manual de Introduo ao Direito, ambos publicado pela Almedina. 21 Erro e ilegalidade no acto administrativo, Lisboa, 1962. 22 O processo administrativo gracioso, Lisboa, 1967; Conceito e natureza do acto tributrio, Coimbra, 1972. 23 Contribuio para o estudo das relaes entre o processo administrativo gracioso e o conten- cioso, Lisboa, 1969. 24 Teoria da relao jurdica de seguro social, Lisboa, 1968; Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Coimbra, 1987. 25 Poderes unilaterais da administrao sobre o contrato administrativo, Rio de Janeiro, 1981. 26 As associaes pblicas no direito portugus. RFDUL 27, 1986. 27 Os concelhos de disciplina na administrao consultiva portuguesa. Lisboa, 1974; A nova dimenso do direito administrativo: O direito administrativo portugus na perspectiva comunitria. Coimbra, 1999.
30 JOS ROBIN DE ANDRADE 28 e MARCELO REBELO DE SOUSA 29 , JOO CAUPERS 30 , PAULO OTERO 31 , MARIA DA GLRIA DIAS GARCIA 32 , PEREIRA DA SILVA 33 , MARIA JOO ESTORNINHO 34 . Na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, AFONSO RODRIGUES QUEIR 35 , ROG- RIO EHRHARDT SOARES 36 , LUIZ DA CUNHA VALENTE 37 , JOO DE MELO MACHADO 38 , VITAL MOREIRA 39 , JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE 40 , MARQUES OLIVEIRA, JOS JOAQUIM GOMES CANOTILHO 41 , FERNANDO
28 A revogao dos actos administrativos. Coimbra, 1969. 29 O pedido e a causa de pedir no recurso administrativo contencioso. Lisboa, 1972 (diss.); A natureza jurdica da universidade no direito portugus, Lisboa, 1992 (texto elaborado para prova de aula em concurso para agregao). 30 A Administrao perifrica do Estado. Lisboa, 1994. 31 Conceito e fundamento da hierarquia administrativa., Coimbra, 1992; O Poder de substitiio em direito administrativo: Enquadramento dogmtico-constitucional. Lisboa, 1995; Legalidade e administrao Pblica: O sentido da vinculao administrativo: administrativa juridicidade. Coimbra, 2004. 32 Da justia administrativa em Portugal: Sua origem e evoluo. Lisboa, 1994. 33 Para um contencioso administrativo do, particulares. Coimbra, 1989; Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra, 1996. 34 Requiem pelo contrato administrativo. Coimbra, 1990; A fuga para o direito privado: Contributo para o estudo da actividade de direito privado da administrao pblica. Coimbra, 1996. 35 Lies de Direito Administrativo, Coimbra, 1957; O poder discricionrio da administrao. Coimbra, 1944; Teoria dos actos de governo, Coimbra, 1948. 36 Interesse pblico, legalidade e mrito., Coimbra, 1955; Direito pblico e sociedade tcnica. Coimbra, 1969. 37 A hierarquia administrativa., Coimbra, 1939. 38 Teoria jurdica do contrato administrativo, Coimbra, 1936. 39 Administrao autnoma e associaes pblicas, Coimbra, 1997; Auto-regulao profissional e administrao pblica. Coimbra, 1997. 40 Justia Administrativa. Coimbra: Almedina; O dever da fundamentao expressa de actos administrativos, Coimbra, 1991. 41 O problema da responsabilidade civil do Estado por actos lcitos. Coimbra, 1974.
31 ALVES CORREIA 42 , etc..). Na Universidade Catlica do Porto, MRIO AROSO DE ALMEIDA 43 . Na Universidade do Porto, LUS FILIPE COLAO ANTUNES 44 .
Os temas de eleio tm-se situado na rea do direito administrativo geral, embora, mais recentemente, com maior desenvolvimento do estudo dos direitos administrativos especiais e, em termos de influncia dos direitos administrativos estrangeiros, constata-se no s uma ligao doutrinal priviligiada ao alemo, como uma crescente ateno doutrina espanhola, embora nem sempre claramente assumida.
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2. Em termos de evoluo do ensino autnomo da cincia jusadministrativista, como se referiu na resenha histrica efectivada 45 , s em 1911 aparece uma disciplina designada
42 As garantias do particular na expropriao por utilidade pblica, Coimbra, 1982; O plano urbanstico e o princpio da igualdade. Coimbra, 1989. 43 Sobre a autoridade do caso julgado das sentenas de anulao de actos administrativos. Coimbra, 1994; Anulao de actos administrativos e relaes jurdicas emergentes. Coimbra, 2002. 44 A tutela dos interesses difusos em direito administrativo. Coimbra, 1989; O procedimento administrativo de avaliao de impacto ambiental: Para uma tutela preventiva do ambiente. Coimbra, 1998. 45 Embora aqui no se trate de fazer histria nem de direito nem dos grandes docentes e autores de directo, tarefa que outros relatrios de disciplina j efectivaram, com maior ou menor profundidade. Neste plano, vide o Relatrio de PAULO OTERO, alis com profusa informao sobre os programas dos docentes, que consultamos, nos dispensamos de repetir e para que remetemos (Direito Administrativo: Relatrio. Lisboa: FDUL, 2001, p.31 A 173). Sobre o tema, no entanto, sempre se referir que, como se diz em contracapa no livro de BRUNO AGUILERA BARCHET, intitulado Introduccin jurdica a la Historia del Derecho, a histria do direito parece en nuestros das una
32 como tal, o direito administrativo, sem prejuzo de matrias, como ensina MARCELLO CAETANO, que se referiam Administrao pblica serem abordadas j anteriormente (no sculo XVIII, sob a designao de Direito Ptrio Pblico Interno e Econmico, 1972; e j mais em abordagem jusadministrativistas, Direito Pblico Portugus, 1838), aps ter aparecido agregado e de modo secundarizado ao direito criminal, em 1843 (Direito Criminal e Direito Administrativo 46 ).
No entanto j, em 1853, a matria comeara a ser ministrada com autonomia, sob a designao de Direito Administrativo portugus e princpios de administrao, ao ser ento criada, pela primeira vez, a cadeira de Direito Administrativo no curso de direito da Universidade de Coimbra, rebaptizado em 1901 com o nome de Cincia
disciplina () condenada a vegetar en manos de unos pocos eruditos, num processo paulatino de marginalizacin como instrumento formativo, sirve entre otras cosas para recordarnos que el derecho debiera estar al servicio del Hombre y no al servicio del Estado alm de que constituye el ms seguro para orientar la inevitable adaptacin de nuestros sistemas jurdicos a los tiempos, baseada en la comprensin del sentido de nuestro derecho. Mas sobre a sua importncia e utilidade da histria, tambm instrumento da dogmtica, bastar recordar que, no incio do sculo XIX, SAVIGNY, com o seu interesse historicista, visando construir sobre el derecho histrico del pueblo alemn un sistema racional intrnsecamente germnico, que permitiese soslayar la tradicional dependencia del derecho romano, com seus objectivos sistematizadores, como se constata desde logo em Juristische Methodenlehre, de 1802-1803, al propiciar el estudio cientfico de la tradicin jurdica alemana, propicio que la historia del derecho se convirtiese en la base de la ciencia jurdica: La Historia del Derecho como Instrumento de la Dogmtica: a) El historicismo como va de la Codificacin alemana. In AGUILERA BARCHET, Bruno oc, p.55. Vide, tambm, Prlogo de GUSTAVO VILLAdministrao PblicaALOS SALAS. In AGUILERA BARCHET Introduccin jurdica a la Historia del Derecho. Cuadernos Cvitas. 2. Ed., Madrid: Civitas, Universidad de Extremadura, 1996, p.13-18. Sobre o tema, OLIVER WENDEL HOLMES, referiu e bem que The law embodies the story of a nations development through many centuries (apud o.c., p.19). 46 O.c., nota 2 da p.257 nota 2 da p.257.
33 da Administrao e Direito Administrativo. E, em 1857, publicado o primeiro compndio portugus elaborado por um professor universitrio sobre a nossa disciplina as Instituies de Direito Administrativo portugus, de Justino Antnio de Freitas 47 .
3. Ora, at hoje as transformaes jurdicas e econmicas foram imensas, como diz FREITAS DO AMARAL no seu Relatrio sobre a disciplina, apresentado na dcada de oitenta e republicado recentemente, no II volume na obra intitulada Estudos de Direito Pblico e Matrias Afins, inserindo uma breve anlise histrica, sobre A evoluo da Administrao pblica e do Direito Ad- ministrativo nos sculos XIX e XX 48 , que, referindo-se s datas marcantes nesta evoluo, que anteriormente citei, d, sinteticamente, uma panormica da realidade em debate, que no resistimos a transcrever na totalidade:
Ora, a partir destas trs datas, nos cento e trinta anos que decorrem da at ao presente, que o Direito Administrativo nasce e se afirma vigorosamente entre ns como ramo fundamental do direito pblico, ao mesmo tempo que a cincia do Direito Administrativo atinge tambm a sua maioridade e acaba por ombrear hoje, sem
47 MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, I, p. 168-169, e AMARAL, D.F. o.c., p.257. 48 Sobre elementos de histria da Administrao portuguesa, alm do Manual de Direito Administrativo, ainda desde as Cortes de 1254 e, em geral, as Cortes medievais, at administrao do sculo XIX revelvel na codificao administrativa, vide, v.g., CAETANO, Marcelo Estudos de Histria da Administrao Pblica Portuguesa. Amaral, Diogo Freitas do (org. e prefcio). Coimbra Editora, 1994.
34 desprimor, com os outros ramos da enciclopdia jurdica. De um direito administrativo incipiente e incaracterstico at ao mais vasto sector da ordem jurdica positiva vigente; de uma Administrao pblica predominantemente municipal supremacia completa da administrao estadual; de um Governo com apenas seis ministrios at aos Governos com vinte Departamentos ministeriais e com cinquenta ou sessenta Ministros, Secretrios de Estado e Subsecretrios; de um modelo administrativo quase exclusivamente constitudo pela administrao estadual directa e pelos municpios at ao modelo complexo e diversificado da administrao indirecta, dos institutos personalizados e das regies autnomas; de um sistema administrativo assente na centralizao do poder e na concentrao das competncias at um sistema que se pretende descentralizado, desconcentrado, participado e regionalizado; de uma administrao essencialmente administrativa a uma administrao tambm eco- nmica, social e cultural; de uma administrao abstencionista a um aparelho administrativo votado ao intervencionismo ou at ao dirigismo; de um poder poltico conservador ou liberal ao Estado social ou mesmo socializante dos nossos dias; de um Estado-administrador pblico ao Estado-empresrio; de uma funo pblica restrita a uns poucos milhares de funcionrios at um imponente conjunto de meio milho de servidores do Estado; e, enfim, da Monarquia constitucional e da Repblica liberal assentes numa sociedade agrria, passando pela
35 ditadura corporativa de transio, at democracia socialista projectada para uma sociedade industrial e urbana -as transformaes foram, de facto, enormes e muito fundas. O Direito Administrativo, enquanto ramo do direito objectivo, reflecte-as nitidamente, talvez como nenhum outro 49 .
Para terminar estas apreciaes e independentemente de tudo quanto posteriormente se diz e se dir, no deixa de se referir que o Direito Administrativo sistema cientfico, mas que como cincia se caracteriza pela variabilidade de contedo e como disciplina acadmica, pela relatividade e carcter convencional deste. E em termos da evoluo do ensino do Direito Administrativo, no mesmo perodo, acrescenta DIOGO FREITAS DO AMARAL:
De igual modo, a Cincia do Direito Administrativo nasce balbuciante mas desenvolve-se vertiginosamente no mesmo perodo, passando da fase civilista dos primeiros tempos, onde quase s assumia carcter descritivo e apenas focava os aspectos orgnicos ou estruturais, fase autnoma dos dias de hoje, fundamentalmente assente na elaborao dogmtica de teorias gerais e voltada para a construo conceptual unitria e coerente do acto administrativo das garantias jurdicas dos particulares
49 AMARAL, D.F. o.c., p. 257-258.
36 e do processo administrativo 50 .
Em face disto, diga-se, desde j, que as referidas transformaes, por que tem passado o direito administrativo, como parte do ordenamento jurdico e ramo do sector da cincia jurdica, atingem uma extenso e complexidade de tal ordem que colocam opes crescentes e difceis ao seu estudo acadmico.
*** Feitas estas consideraes, importa perguntar quais os fundamentos conceptuais, doutrinrios e constitucionais da Administrao pblica e do direito administrativo?
3. FUNDAMENTOS CONCEPTUAIS E CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAO PBLICA E DO DIREITO ADMINISTRATIVO
1.O direito administrativo foi-se criando, sobretudo ao longo destes ltimos dois sculos, tendo como contedo no s a organizao da Administrao Pblica e as suas formas e procedimentos de actuao, mas tambm tcnicas jurdicas garantsticas dos direitos e interesses legtimos dos cidados. A Administrao Pblica est ao servio dos cidados, existindo os funcionrios e outros agentes, nomeados
50 Ibidem, p.258-259.
37 ou contratados, e trabalhadores para serem servidores das necessidades colectivas.
Mas as organizaes ganham facilmente dinmicas de poder prprio, de poder burocrtico e os servidores que as integram nem sempre aparecem orientados por uma pura lgica funcional, de instrumentos de um servio pblico, respeitadores das normas que enquadram a gesto pblica. Muitas vezes, os agentes da Administrao cometem ilegalidades, mesmo prosseguindo os interesses colectivos, fazendo-o com atropelos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados. Por isso, o direito administrativo tambm vem procurar criar mecanismos para repor a legalidade ignorada pela Administrao Pblica.
*
2.De facto, constata-se que no h uma Administrao que governe, executando apenas as leis, qual Poder Executivo, o rgo de soberania Governo, segundo a teoria dos trs Poderes separados do Estado.
H uma Administrao Pblica que nos governa, actuando em todos os domnios da vida moderna e com um conjunto amplo de poderes, que ultrapassa o simples poder executivo.
O Governo mais do que um poder executivo, porque actua e dirige servios administrativos, com
38 recurso a tipos de interveno na sociedade, que o faz ser a um tempo o poder executivo, que cumpre as leis, administrador, mas com desempenhos que materialmente seriam caractersticos de poder legislativo, criador de actos de carcter geral e abstracto (para alm dos regulamentos, no caso portugus, o governo tem, tambm, vindo do contexto de confuso de Poderes do Ancin Rgime, o poder livre e concorrencial com o Parlamento, peculiar em Estado democrtico, de criar decretos-leis, tidos como leis em sentido material, mas no orgnico, porque so no aprovados pelo Parlamento, mas pela Administrao legisladora. Ou seja, o Governo, cabea da Administrao Pblica estadual, em veste considerada no administrativa, veste esta que a jurisprudncia tambm tem aceite que ela no no assume quando se pretende fazer fugir os seus actos ao controlo jurisdicional (actos de governo ou polticos, tidos por insindicveis, a pesar de alheios ao Estado de Direito, doutrina que, v..g.., a legislao processual espanhola j rejeitou expressamente em finais do sculo passado).
3.E temos uma Administrao Pblica dirigida pelo governo [como rgo complexo, com competncias distribudas a vrios nveis, que no s pelo rgo colegial Conselho de Ministros, mas tambm pelos seus ministros a ttulo singular], dotada de poder regulamentar, praticando no apenas actos concretos e individuais de aplicao da lei, como conatural ideia de gesto da coisa pblica e administrao concretizadora ou viabilizadora de direitos e interesses legalmente protegidos, mas praticando, tambm,
39 actos unilaterais de carcter geral e abstracto.
Estes actos, criados pela Administrao Pblica, apesar do recurso a diferente designao, no deixam de ser normas da natureza material das leis, muitas vezes sem carcter meramente executivo (ou complementares) de leis parlamentares, mas mesmo autnomas ou independentes destas, diferenciadas essencialmente pela sua gnese administrativa (plano orgnico e formal). E ocorre que podemos mesmo considerar que a Administrao tem tambm alguns desempenhos de poder jurisdicional, no sentido da aplicao normal da lei a uma situao individual e concreta, que seria j julgar, na medidad em que exista autotutela declarativa e executiva, como acontece em geral em regime administrativo continental, em que nos integramos, o que exige uma distino com a Funo Jurisdicional em termos de considerar que esta se identifica num agir apenas quando provocado em situaes de conflitos e aquela na gesto do quotidiano da vida em sociedade.
Acontece mesmo que o particular quando no concorda com as decises da Administrao pblica pode reclamar ou recorrer para a prpria Administrao, por vezes obrigatoriamente como condio para o exerccio posterior de direitos processuais perante os tribunais. Mas recorrer no significa precisamente pedir a reapreciao de uma deciso anterior? O prprio uso do vocbulo recurso no traduz, em termos de linguagem jurdica, a ideia de um pedido da anulao de uma sentena anterir, cujo proferimento a lei ps nas mos da Administrao e no
40 dos tribunais?.
E que dizer do seu poder sancionatrio, em caso de infraces contra-ordenacionais?
4.Nas mos da Administrao Pblica portuguesa existem os seguintes poderes:
a)-a autotutela declarativa, que significa que a Administrao declara o que o direito para cada caso que aprecia, sem necessidade de recorrer aos tribunais, mesmo que o destinatrio das suas posies delas discorde;
b)- a autotutela executria, que existe na medida em que a Administrao executa, em geral a sua prpria declarao prvia (pela fora se necessrio, quando os seus destinatrios a no cumpram voluntariamente), e portanto tambm sem necessidade de recorrer aos tribunais. No Reino Unido, nos EUA e nos outros pases anglo- saxnicos, se o cidado no cumpre uma deciso administrativa, a Administrao, em princpio, deve recorrer a tribunal para a impor. Em Portugal, como na generalidade dos Estados continentais europeus, com regime administrativo, de inspirao francesa, quando a Administrao aplica o direito a um caso em apreo e o particular no quer respeitar a sua posio, ela impe a sua deciso sem necessidade de recorrer a tribunal (autotutela executiva ou princpio da execuo prvia).
c)- o poder de reapreciao dos seus actos de autoridade, em procedimento administrativo derivado, atravs de reclamao
41 (para o autor da prpria deciso contestada, no apenas com base em demrito ou oportunidade, mas tambm em ilegalidade) ou recurso administrativo (quando tal pedido dirigido a entidade diferente, dotada de poder decisria superior);
d)-o poder sancionatrio, ou seja, de condenao em coimas e outras sanes acessrias, por incumprimentos das leis administrativas. Ora as coimas por infraces administrativas so materialmente punies financeiras, da natureza das multas impostas pelos tribunais, independentemente do recurso do legsilador a um nome medieval e da sua inconvertibilidade posterior em priso, o que alis tambm inexiste, em certas situaes, em condenaes judiciais em multa, no sendo, por isso, num plano substantivo, decisivo para a caracterizao das actividades e da tipologia das sanes.
e)- e, ainda outros poderes: arbitrais, conciliadores, etc..
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5.E, alm disso, o tribunal, com competncia para apreciar as actuaes administrativas e decidir sobre os direitos e interesses legalmente protegidos, a pedido dos cidados, no , normalmente, o tribunal comummente dotado de poderes para resolver os conflitos surgidos entre os cidados, mas uma jurisdio, a jurisdio administrativa, cuja origem histrica a implicava como entidade administrativa e portanto a afastava da ideia de rgo de soberania
42 como os outros trinuais, embora hoje j seja constituda por juzes independentes, cuja manuteno separada da organizao judicial aparece justificada ser especializada na aplicao de uma ramo muito extenso e complexo de direito, o Direito Administrativo.
Com efeito, esta jurisdio tem a sua origem numa organizao de reapreciao dos actos da Administrao Pblica, no incio sem carcter de verdadeiro tribunal, por ser uma entidade administrativa, que, sobretudo em Frana, foi criando o direito que os seus membros iam causiticamente consideando mais adequado resoluo das situaes que os cidados lhes colocavam e foi a base doutrinal para a conformao dos princpios a reger pela actividade administrativa e agora, j transformada em verdadeiro tribunal, continua a existir precisamente porque est especializada na aplicao desse ramo do direito pblico.
4. AS FUNES E PODERES DO ESTADO
1.No que diz respeito relao entre a Administrao e as Funes do Estado, importa expor as diferenas detectveis nas diferentes Funes, fazendo-se perceber que a actividade administrativa se distingue das outras actividades do Estado. E, desde logo, da actividade legislativa ou normativa. Com efeito, o legislador faz leis, regras gerais e abstractas que regem toda a comunidade nacional. A Administrao, pelo contrrio, vem assegurar a gesto dos servios, a gesto das actividades colectivas: vem,
43 portanto, administrar.
A Administrao , assim, no uma actividade espordica, nem uma tarefa geral, mas aparece como uma actividade contnua.
Realiza-se na actividade concreta de resoluo dos problemas que implicam a Comunidade, v.g., da falta de gua, da falta de mdicos, da falta de estradas, da falta de hospitais, da falta de saneamento bsico, etc., instalando e fazendo funcionar os servios adequados para o efeito
2. E a actividade administrativa tambm se distingue da actividade jurisdicional. Esta actividade passa por aplicar, provocadamente, a lei ao caso concreto. A actividade jurisdicional s exercida quando h conflito. Pelo contrrio, a Administrao Pblica age por si prpria, no precisa que surja qualquer tipo de conflito. A funo do juiz aplicar a lei situao concreta. A Administrao tambm aplica a lei, e est submetida a esta. Mas se a Administrao s agisse quando houvesse conflito, teria em mos uma situao de conflito constante. A sua tarefa executar o direito. Ela age no quadro do direito, mas no age para fazer respeitar o direito; age porque obrigada a respeitar o direito, mas s o respeita, agindo, por hetero ou auto-iniciativa (procedimentos de iniciativa particular ou oficiosa).
mais difcil distinguir a Administrao e Governo. Governar tomar as decises essenciais que dizem respeito ao futuro da Comunidade que o Governo, rgo
44 superior da Administrao, dirige. A Administrao o gerir do dia-a-dia, a satisfao diria das necessidades colectivas.
difcil saber os limites onde acaba o governar e comea o administrar, e vice-versa, porque, muitas vezes, estas duas actividades esto nas mos das mesmas pessoas.
A actividade administrativa possui um alcance jurdico global, a actividade governativa desenvolve-se num plano tido como apenas sujeito aos enquadramentos mnimos do direito poltico, constitucional.
3.O Parlamento tem um papel essencial em relao Administrao. A sua aco legislativa enquadrar a lei, define as balizas, os limites da lei. Diz o que se pode fazer. Muitas das leis do Parlamento tm um carcter verdadeiramente administrativo, pois esto dirigidas directamente Administrao.
No o Parlamento que organiza e estrutura o Governo, matria sujeira a reserva de Decreto-Lei governamental, mas os seus fins e os seus meios aparecem expressos nas leis, desde logo, do Parlamento.
3.No entanto, o Governo tambm cria leis, no chamadas propriamente leis (como as do Parlamento), mas os chamados decretos-lei. Em Portugal, o Governo nunca pode legislar sobre certas matrias, independentemente de ter sempre o poder de iniciativa legisaltiva ordinria.
45
So as matrias de reserva absoluta da competncia do Parlamento, em que s a Assembleia da Repblica pode aprovar leis sobre elas e as matrias de reserva relativa, em que tambm s o Parlamento legisla sobre elas, mas em que pode autorizar, com um contedo pr-definido por ele, que o Governo o faa, dando-lhe tal poder em termos balizados para o efeito.
Mas, depois, existe todo um campo imenso de competncias concorrenciais. Temos pois que em Portugal, uma funo legislativa que, sem a existncia de uma duploa Cmara, bicfala, por tambm estar em geral nas mos do executor das leis, que assim concentra excessivo poder.
E h, tambm, como j foi referido, um domnio, que de poder legislativo exclusivo do Governo, atravs da denominada Lei Orgnica do Governo (decreto-lei que diz quantos ministrios e secretarias de Estado h, alm doutros elementos de macro-emqudramento deste rgo, normalmente com normas sobre habilitao de delegaes ministeriais, etc.). Este Decreto-Lei, que resulta duma competncia nica do governo, no passvel de alterao por ratificao parlamentar.
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4.Uma das funes do Parlamento controlar a actividade do Governo. A Administrao, hoje, toca em todos os aspectos
46 da nossa vida. Antigamente, a Administrao estadual s tratava dos exrcitos, diplomacia, polcia e Finanas Pblicas. Eram os rgos municipais que, em termos de entidades pblicas, mexiam em tudo o resto: ensino, transportes, estradas, etc.. S a meio do sculo XIX que se foram criando ministrios em reas de importncia nacional recente, desde o ministrio de obras pblicas, os ministrios da educao, etc.. Estas funes ficaram a ser um problema do executivo central. Com isto, os municpios foram ficando despidos das suas antigas funes. As Cmaras ficaram apenas com a responsabilidade de decidir sobre as questes ditas de interesse local. Os assuntos de maior importncia, e que se entendeu que s seriam bem resolvidos a nvel nacional, passaram a ser resolvidos ao nvel superior do Estado. fundamental que a Administrao, que est nas mos do Estado, seja controlada e essa uma das funes do Parlamento, que o faz, pelo menos, atravs da fiscalizao do Governo.
5.Nem sempre so os parlamentos ou os governos que criam o direito administrativo. Em Frana, por exemplo, foram os juzes que o foram criando.
A actividade jurisdicional e, no plano da sua teorizao, a doutrina, tiveram a um papel essencial.
47 6.O funcionamento da Administrao Pblica est dependente organicamente dos rgos da Administrao Pblica. Os servios preparam as decises, depois executam-nas, cabendo aos chefes dos servios, os rgos da Administrao, por contraposio com os servios, a competncia para tomar decises. Todas as tarefas administrativas so do encargo da prpria pessoa colectiva (o Estado, regio autnoma, municpio, etc.). No entanto, cada vez mais, o Estado se tem apoiado na actividade dos particulares, aos quais concede (ou para os quais delega) o poder de exerccio de tarefas da Administrao. Os particulares passam, ento, a desempenhar tarefas da Funo Administrativa, assumindo-se organicamente, nesse mbito em que o fazem, como entidades de Administrao pblica.
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5. ADMINISTRAO PBLICA E FUNES E PODERES DO ESTADO
1.O conceito de Administrao Pblica s pode compreender-se a partir da sua evoluo histrica, a qual implicou a realizao imperfeita da doutrina da separao dos Poderes do Estado, que nunca corresponderam separao de funes, por mais que os poderes se pretendessem como os rgos do Estado constitudos para exercer as diferentes funes. Ou seja, a Administrao Pblica do Estado,
48 estando alojada no Poder Executivo, no exerce apenas a funo administrativa.
Ela no s destinatria e executora, como tambm criadora e aplicadora de normas jurdicas. Portanto, neste plano, tem poderes materialmente idnticos aos dos Poderes Legislativo e Judicial, o que a faz ser o mais poderoso de todos os poderes do Estado.
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2.Na origem do constitucionalismo, os poderes normativos da Administrao Pblica eram muito limitados e, pelo contrrio, a sua posio em face dos tribunais era mais forte do que agora, apesar de ainda manter importantes poderes quase-jurisdicionais, como o privilgio de deciso unilateral e executrio e poderes sancionadores.
No plano normativo, a Administrao foi conquistando paulatinamente um papel importante ao abrigo de leis de plenos poderes, de tcnicas de delegao de poderes, da deslegalizao de matrias, atribuio de poderes legislativos concorrenciais, como o uso de decretos-lei, o poder regulamentar autnomo ou o monoplio da iniciativa legislativa, chegando mesmo a conseguir, nalguns pases, a titularidade exclusiva da funo legislativa em certas matrias, que exerce atravs de regulamentos independentes (vg. em Frana, por fora dos arts. 34 e 37 da Constituio de 1958) ou com as Leis Orgnicas do Governo, em Portugal.
49 No plano jurisdicional, o estatuto histrico privilegiado da Administrao, iniciado com o art. 13 da Lei francesa da Organizao Judicial, de 16 e 24 de Agosto de 1790, justificado teoricamente com o argumento de que julgar a Administrao tambm Administrar, explica-se realmente pela necessidade de a Revoluo impedir a interferncia dos juzes conservadores, herdeiros dos parlamentos judiciais do Antigo Regime, que j haviam sido os responsveis pelo bloqueamento das reformas progressivas pretendidas pelas Administraes Reais que precederam a Revoluo. esta lei protectora da Administrao que, pelas circunstncias histricas apontadas, marca em Frana e no continente europeu uma evoluo distinta da ocorrida no Reino Unido, ao consagrar o princpio da independncia da funo administrativa, cujos actos se tornam insindicveis pelos tribunais.
E esta evoluo no sentido da insindicabilidade judicial que levou ao aparecimento, em 1799, por obra de Napoleo, de uma jurisdio especial, inserida na prpria Administrao, constituda pelo Conselho de Estado e pelos Conselhos de Prefeitura.
A separao da Administrao e dos tribunais passou pela proibio dos tribunais civis e penais conhecerem a ttulo prejudicial quaisquer questes administrativas; pela impossibilidade de julgarem, sem autorizao administrativa prvia, aces de responsabilidade de funcionrios por actos relacionados com o exerccio dos cargos pblicos; pela atribuio da presuno de legalidade
50 e de carcter executrio s decises da Administrao, configurando-as s sentenas judiciais, passveis de recurso mas sem efeito suspensivo; pela atribuio de poderes sancionatrios crescentes com a omni-abrangncia interventora da Administrao; tudo protegido por um sistema de conflitos, institucional e procedimentalmente, dominado pela prpria Administrao.
Hoje, s em Frana esta jurisdio administrativa especial continua a ser um foro da Administrao, atravs do Conselho de Estado, que, no entanto, tem vindo, em geral, a integrar-se no sistema jurisdicional como uma jurisdio especializada, a cargo de magistrados regidos por um estatuto judicial.
Os tribunais comuns podem livremente julgar os funcionrios pblicos em aces de responsabilidade civil ou criminal, podem conhecer a ttulo prvio ou prejudicial de questes administrativas e a Administrao Pblica tem perdido a posio privilegiada no sistema de resoluo de conflitos jurisdicionais, que passa por uma comisso ou tribunal misto e paritrio.
Mantm-se um dado poder de natureza jurisdicional, traduzido na auto-tutela declarativa e executria, que lhe permite alterar situaes possessrias atravs de procedimentos administrativos sem recurso aos tribunais, o poder sancionatrio e o privilgio da execuo das sentenas judiciais que lhe so dirigidas, com admisso de situaes de no cumprimento das mesmas.
51 3.Hoje, em Portugal como na generalidade dos pases de Estado de Direito, podemos considerar que a Administrao Pblica um sujeito de direito que actua, com respeito pelo direito, mas com uso de um direito diferente do direito aplicvel aos cidados em geral, o direito administrativo (embora tambm possa socorrer-se do direito privado quando o considere oportuno e o legislador o no interdite), e que utiliza tambm poderes normativos e jurisdicionais, o que lhe permite impor sem mais a sua vontade aos particulares, embora sujeita a posterior fiscalizao dos tribunais, com o que, no entanto, os cidados nem sempre logram o cumprimento atempado e em espcie da legalidade, devendo contentar-se com indemnizaes, pelo facto.
4.Tudo visto, a tarefa histrica da construo de um Estado de Direito ainda no terminou, embora paradoxalmente ela se encontre, hoje, mais avanada nos Estados de regime administrativo, de matriz francesa, como Espanha ou Portugal, que, ainda, recentemente fez entrar em vigor um Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos, com quase plena aplicao do princpio da tutela judicial efectiva, do que nos Estados de ordenamento jurdico anglo-saxnico, em que a existncia do direito administrativo e das preocupaes garantsticas em face dele e dos novos poderes da administrao pblica intervencionista comearam mais tarde.
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5.Por ltimo, h que destacar que a ieoria sobre a
52 distino entre as Funes do Estado surgiu com intenes garantsticas, dado que a separao orgnico-pessoal daquelas funes visava assegurar a liberdade e a segurana individuais.
Foi o dogma da reduo do Estado ao Direito, assente no postulado de que o Estado e o Direito se identificam, que converteu a tripartio funcional em teoria das funes estaduais de pretensa validade universal.
Assim, a teoria poltica da separao dos poderes, consagrada, pela primeira vez, na Constituio dos EUA, de 1787 (embora divorciada da base social estamental, em que MONTESQUIEU a pretendia enquadrar, em face do esquema poltico-social vigente em Frana, e que servia essencialmente conservao de um poder prprio do monarca, como se verificou na sua aplicao na Constituio Alem de 1871, com distribuio no paritria do poder) aparece confundida com a teoria das funes jurdicas do Estado, o que perpassa ainda na actual Lei Fundamental de Bona.
Mas, ainda, sobre o princpio da separao dos poderes, que significaria que a cada rgo ou complexo orgnico unificado, ou seja, a cada Poder caberia uma funo estadual caracterizvel por critrios materiais distintos, importa referir que, na classificao material das funes do Estado, teramos inicialmente as seguintes distines: a funo legislativa era a actividade caracterizada por constituir ou modificar o ordenamento jurdico por meio da criao de normas gerais, abstractas e innovadoras; a funo jurisdicional
53 era a actividade caracterizada por visar a conservao ou tutela do ordenamento jurdico por meio de decises individuais e concretas dele dedutveis e enquadradoras dos factos que lhes esto subjacentes, e a funo executiva ou administrativa seria a actividade caracterizada por materializar a realizao dos objectivos do Estado por meio de decises e operaes materiais enquadrveis dentro das normas jurdicas.
Mais tarde, em 1845, esta classificao substancial das funes do Estado evolui, por obra de SCHMITTHENNER, para uma classificao formal-subjectiva dessas funes, superadoras da constatao de que aos diferentes poderes no correspondiam estritamente aquelas funes, ou seja, de que havia rgos estaduais diferentes a realizar actos materialmente caracterizveis numa mesma funo, o que exigia um critrio no material dos diferentes actos. , assim, que, formalmente, se vem a considerar como legislativa toda a actividade realizada pelo Parlamento, mesmo que no caracterizvel materialmente como produo normativa; jurisdicional, a actividade dos juzes, mesmo que se trate de administrao patrimonial, de jurisdio voluntria ou de produo de sentenas normativas; e executiva, a actividade desenvolvida pelos rgos executivos.
Assim, deparamos com a dogmtica da tripartio funcional, em que a teoria das funes do Estado se limita a distinguir actos de valor formal diferente, separveis segundo um critrio de origem dos actos, que implica a procura da fonte, da entidade que os produz.
54
No entanto, partindo do mesmo postulado da reduo do Estado ao Direito e limitando a anlise ao jurdico, HANS KELSEN concluiu diferentemente que as funes do Estado so apenas duas: a legislao e a execuo da lei, ou seja, a criao e aplicao do direito, o que eliminava a autonomia funcional da funo administrativa do Estado. E, porque qualquer acto estadual comunga das duas funes, no h distino substancial ou material, em termos absolutos, das funes do Estado, o que acabava com a teoria da separao dos poderes, enquanto teoria da diferenciao intrnseca das funes jurdicas do Estado.
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Em termos de Funes e Poderes do Estado, importa entender perfeitamente o significado relativo do princpio constitucional da separao de poderes.
A diviso de poderes tem a sua origem doutrinal em LOCKE 51 e MONTESQUIEU 52 .
O autor ingls pretendeu criar uma teoria poltica limitadora da monarquia restaurada, procurando distinguir entre um poder que faz direito (leis e sentenas), que apelida de poder legislativo, e os dois poderes que mexem com a coaco organizada, o poder executivo, para impor a
51 Two Treatises of Government, 1690. 52 Lsprit des Lois, 1747.
55 ordem interna, fazendo respeitar as decises do legislativo, e o poder federativo, actuando na sociedade internacional, para assegurar a independncia face aos outros Estados (fazer alianas, a guerra, a paz, etc.), seguindo, neste aspecto, na linha da monarquia dual espartana.
Esta estrutura tripartida ser contestada inicialmente por MONTESQUIEU, que comea por distinguir entre o poder legislativo e o poder executivo (em que integrava os tribunais) e que acabar por a aceitar, unificando os poderes executivo interno e externo, que LOCKE designava por federativo, e criando finalmente o poder judicial, custa do seu poder executivo inicial e de parte do poder legislativo de LOCKE. De qualquer modo, este poder executivo tem unicamente uma funo de relao e defesa interna ou internacional, com exclusiva deteno da coaco organizada.
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A aco do Estado desdobrar-se-ia, pois, em: - criao de normas, que pr-determinam, em termos genricos, os comportamentos dos membros da comunidade poltica (normao); - deciso concreta de conflitos inter-subjectivos de interesses entre os membros da comunidade ou na relao destes com a prpria comunidade (jurisdio); - execuo concreta de medidas adequadas satisfao das necessidades colectivas (administrao).
56 Mas patente que o poder executivo nunca se conformou com as doutrinas da separao dos poderes e conservou sempre outras funes do Estado que se foram reforando com o seu crescimento interventivo na sociedade.
De qualquer modo, as funes do Estado tm classicamente aparecido atribudas aos trs Poderes: o Poder Legislativo, o Poder Judicial e o Poder Executivo. A funo legislativa e a funo jurisdicional so actividades exclusivamente jurdicas, visando directamente a concretizao da vontade reguladora do Estado ou a aplicao ou declarao casustica da mesma, ou seja, destinam-se a criar ou a aplicar normas, enquanto a funo executiva aco sujeita ao ordenamento jurdico.
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A funo legislativa consiste em criar, por via geral e obrigatria, normas por que se devem pautar os comportamentos dos membros da comunidade poltica assim como normas da organizao desta, ou seja, normas de comportamento e normas de natureza constitucional.
As caractersticas fundamentais das normas so a generalidade e a obrigatoriedade. O acto normativo enquadra as situaes a regular de modo impessoal.
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A funo jurisdicional consiste num juzo aplicador da
57 norma aos casos concretos que necessitam de uma soluo. O acto do juiz declara o direito aplicvel ao caso pessoal em apreciao judicial. A jurisdio visa imediatamente o respeito pela ordem jurdica, restabelendo-a em caso de violao e resolvendo os conflitos de interesses entre os diferentes sujeitos, de acordo com as normas objectivas de direito e critrios da sua interpretao e prevalncia em face da sua sucesso no tempo e eventuais antinomias.
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A funo executiva consiste em actuar, dentro do direito supranacional, da Constituio, das leis e dos regulamentos vigentes, para a subsistncia da comunidade poltica e a satisfao das necessidades colectivas.
De qualquer modo, h que constatar que no h simetria entre as Funes e os Poderes do Estado. Por qu? Os actos executivos visam dar cumprimento ao disposto nas normas e nas sentenas dos juzes (vg., cumprimento de pena em priso, etc.), mas so materialmente aces que realizam as decises dos outros poderes que necessitem de actos concretizadores, eles prprios so tambm sempre sujeitos ao direito.
Acontece que, se o Poder Legislativo exerce funes legislativas e o Poder Judicial exerce funes jurisdicionais, j o Poder Executivo, isto , o Governo e a
58 sua Administrao, no exercem s a funo executiva.
E, por isso, difcil dar uma definio material positiva da actividade da Administrao Pblica, dado que o conceito de Administrao Pblica ligado ao Poder no se identifica com uma dada funo material do Estado. Nem sequer corresponde, residualmente, a toda a actividade estadual que no seja enquadrvel nas funes legislativa e judicial. At porque nela se integram actos normativos e actos materialmente jurisdicionais.
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6. TEORIA DOS ACTOS POLTICOS DO GOVERNO
Vejamos, agora, a temtica da insindicabilidade dos actos ditos polticos do governo (actos da Funo Poltica: Gubernaculum).
Nesta matria sobre a Administrao e a teoria dos actos de Governo, costumo referir que h uma actividade estadual, tida como sendo de natureza essencialmente poltica, e que, por isso, tradicionalmente, era tida como no redutvel ao direito ou no apreensvel normativamente, concepo essa que permanece mesmo no sculo XIX, isto , ao longo da vigncia do Estado de Direito, com as leis erigidas em expresso mxima do
59 poder do Estado.
Esta funo no caberia nem na funo legislativa, nem na funo executiva, nem na funo jurisdicional, pelo que no era apreendida pela clssica frmula tripartida jurdico-funcional, identificada com a separao de poderes. Ela era tida, em geral, at h pouco tempo, como uma funo juridicamente livre, incondicionada e autnoma, fora da teoria jurdica do Estado.
Nesta abordagem sobre o Direito e a Funo Poltica, pode afirmar-se que a teoria dos actos de governo deriva de construes jurisprudenciais complexas e explicvel pelo tipo de relao existente entre a jurisdio administrativa e o Poder Executivo.
A sua construo, com origem historicamente situada no mbito de uma jurisdio administrativa no independente, choca com os princpios do Estado de Dereito, seja delimitando genericamente um dado mbito da actuao do Poder executivo regido s pelo Direito constitucional, e isento do controlo da Jurisdio Contencioso-administrativa, seja estabelecendo uma lista de pressupostos excludos do controlo judicial.
Os actos de governo so aqueles actos jurdicos ou materiais que revestem a aparncia de actos ou actividades administrativas, mas escapam a qualquer recurso jurisdicional.
Trata-se de uma funo lgico-materialmente
60 governamental, traduzida na orientao e direco superior do Estado, na determinao do interesse pblico e interpretao dos fins do Estado, na fixao das suas tarefas e na escolha dos meios materiais, tcnicos e organizacionais adequados realizao, conservao e desenvolvimento da ordem jurdica estadual 53 .
A lista de actos de governo e, portanto, de actos no sujeitos a controlo jurisdicional tem diminudo, devido contnua penetrao do princpio da juridicidade na jurisprudncia, e sobretudo s presses do Direito Internacional e do Direito Comunitrio Europeu. A sua eliminao total ser de grande alcance histrico, como refere a doutrina do pas vizinho a propsito da lei de processo contencioso-administrativo espanhola 54 - 55 .
53 Uma funo que est acima do mbito das trs funes jurdico-estaduais e por isso estava atribuda ao rgo superior do Estado, Chefe de Estado ou Parlamento, no caso dos sistemas de governo parlamentarista. 54 V.g., CANO MATA, A. -Admisin por el Tribunal Constitucional de los actos polticos o de gobierno. REDA, n.72, 1991, p. 555; EMBID IRUJO, Antonio - La justicia de los actos de Gobierno (de los actos polticos a Ia responsabilidad de los poderes pblicos. In Estudios sobre la Constituicin Espaola. Homenaje al profesor E. Garca de Enterra. Vol. III, Madrid, 1991, p. 2958 e ss.; COBREROS MENDAZONA, E -Actos polticos y jurisdiccin contencioso-administrativa, Madrid. 1995. 55 Como se referiu na altura da alterao legislativa espanhola, Ellos no acaban del todo, pero su legitimacin de principio sufre un corte irreversible de acantonamiento material y al estrechamiento explicativo estrictamente indispensable de actos del ejecutivo con tal argumentacin, en la medida en que la ley parte del principio de sometimiento pleno de los poderes publico al ordenamiento jurdico, verdadera clusula regia del Estado de Derecho, lo que es incompatible con el reconocimiento de cualquier categora genrica de actos de autoridad - llmense actos polticos, de Gobierno, o de direccin poltica- excluida per si del control jurisdiccional, adecuando el rgimen legal de la Jurisdiccin Contencioso-administrativa a la letra y al espritu de la Constitucin, lo que impide la introduccin de toda una esfera de actuacin gubernamental inmune al Derecho. ().El sometimiento de los actos de gobernacin a la jurisdiccin administrativa (hecha tendencialmente jurisdiccin de
61 Mas, em Portugal, no chegmos ainda ao momento da sua eliminao, mesmo que s em relao a actos agressivos de direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados. Tal s ocorrer com a declarao de susceptibilidade geral de sindicabilidade contenciosa de toda a actuao do Poder Executivo, constante j hoje da legislao contenciosa espanhola 56 .
O catlogo destes actos irrecorrveis decompe-se em dois conjuntos heterogneos, que REN CHAPUS designa como actos de governo na ordem interna e actos de governo na
todos los asuntos jurdico-pblicos no atribuidos a otra jurisdiccin) debe ser leda en trminos relativos, visto que sufre algunas limitaciones, por ejemplo las connaturales a la defensa de las informaciones del Secreto de Estado. En tres sentencias de 4 de Abril de 1997, tal como en otra reciente de 30 de Enero de 1998(46), el TS considera que el acto de desclasificacin no es un mero acto administrativo, sujeto al rgimen comn de control judicial, pues la naturaleza sobre su desclasificacin es propria da le potestad de direccin poltica que atribuye al Gobierno el artculo 97. de la Constitucin (sentencia de recurso n. 601/96), hablando tambin de una excepcin propria de las arias sensibles atinentes a la permanencia del orden constitucional (...). Segn la Jurisprudencia se trata de documentos que tienen carcter secreto, demostrando que existe una clara posicin jurisprudencial sobre la admisibilidad de una actividad poltica del Gobierno. Pero esta exigencia objetiva de actos de la direccin poltica no impide, cara a los artculos 9 y 24.1, el control jurisdiccional de la legalidad cuando el legislador haya definido mediante conceptos judicialmente ejecutables los lmites y requisitos previos a los que deben estar sujetos los referidos actos. En este caso se dar prevalencia a otros valores, desde luego, el derecho a la tutela judicial efectiva, que puede justificar el pedido de desclasificacin, por lo que la zona negativa al control judicial es una excepcin que cede ante una excepcin de ella propia, firme a la teora de los conceptos asequibles que limitan y afectan a la teora de los actos del Gobierno, limitando la validad de las zonas exentas al control judicial (CONDESSO, F. -La ley de la jurisdiccin contencioso-administrativa y las especialidades del proceso en materia de personal. Policopiado, FD da UNEX, 1999, p.27).. 56 Ley de Jurisdiccin Contencioso-Administrativa, la Ley 29/1998, de 13 de Julho (Boletin Oficial del Estado, de 14.7.1998), alterada pela Lei 50/1998, de 30 de Dezembro, de Medidas Fiscales, Administrativas e de Orden Social, cujo projecto gentico de 1997, havia sido publicado no Boletin de las Cortes n.1788-89.
62 ordem internacional (relaes com organizaes internacionais e Estados estrangeiros) 57 .
Pertencem ao primeiro grupo, os actos do Poder Executivo e do Presidente da Repblica, ligados s relaes com o Parlamento (v.g. decreto de dissoluo do Parlamento, medidas no exerccio do direito de iniciativa legislativa, decretos de promulgao, assinatura de decretos do Governo, decretos submetendo uma lei a nova deliberao); ou que se prendem com as relaes constitucionais entre o Presidente da Repblica e o Governo (constituio do governo e apresentao de demisso, etc.); a ligao entre os rgos de soberania e o eleitorado, corporizada no recurso ao referendum; as nomeaes pelo Presidente da Repblica de membros do Tribunal Constitucional; e outras designaes de rgos do Estado ou da Administrao, como a das chefias militares.
Os actos de governo tomados na ordem internacional, supem-se actos adoptados em ligao com as negociaes ou execuo de Convenes Internacionais (medidas tomadas e comportamentos no decurso de negociaes de tratados; a assinatura, ratificao, aprovao, adeso, execuo ou inexecuo de compromissos internacionais, suspenso ou denncia de conveno internacional); medidas relacionadas com a conduo das relaes diplomticas, designadamente o exerccio ou no, ou o exerccio deficiente, do direito de
57 CHAUS, REN Droit administrtif gnral, 1993, p. 754-755.
63 proteco diplomtica; medidas ligadas ao relacionamento com organizaes internacionais, como o voto no Conselho de Segurana, etc., e os actos de guerra.
Assente inicialmente na teoria do mbil poltico 58 (e da tambm a designao de actos polticos, abrangendo tambm os actos de escrutnio poltico e os actos parlamentares), esta imunidade de jurisdio, apesar de referida a actos hoje determinados de maneira objectiva, permitindo falar em matrias de governo, no validamente explicvel, pelo menos, no seu conjunto (actos ofensivos dos direitos dos cidados), sendo certo que o Poder Executivo em Estado de Direito no pode deixar de estar submetido lei, e, desde logo, Lei Fundamental, quando se trate de actos de inscrio constitucional. Qualquer acto do executivo deve ser sindicvel por natureza em Estado de Direito. E, de facto, no o no porque no haja legislao que enquadre a sua justiciabilidade, mas em certos pases por declarao de incompetncia dos prprios tribunais administrativos e judiciais, sendo certo que, quando causem prejuzos aos particulares, poderiam ser passveis de apreciao pelos Tribunais Administrativos 59 . Estamos perante uma zona do Estado enquadrada pelo Direito, mas em que a summa potestas pode passar ao lado do direito, incumprindo-o.
58 Ac. Duc DAumale, Conselho de Estado, 9.5.1867, at Ac. Prince Napolen, C.E., 19.2.1875. 59 Alm de que o Tribunal Constitucional seria o rgo jurisdicional apto a proceder ao controlo desses actos na perspectiva do controlo pblico da sua constitucionalidade, se se ampliasse a sua competncia para estes actos mesmo que no revestindo a forma normativa.
64 De qualquer modo, a tendncia tem sido para limitar a invocao da noo de acto de governo, devido desde logo ao fenmeno de internacionalizao crescente da normatividade.
Como dissemos, o enriquecimento do bloco da legalidade por fontes de Direito Internacional Pblico e de Direito Comunitrio tem ajudado a fazer recuar os actos de governo na ordem internacional ou supranacional, devido quer internacionalizao do processo de deciso governamental, quer aceitao paulatina do princpio do primado das normas de Direito Internacional Pblico e de Direito Comunitrio sobre o ordenamento jurdico interno, sendo certo que, no que diz respeito ao Direito Comunitrio Europeu, este veio permitir uma redefinio oficial do papel do juiz, porquanto ele no deixa espao para qualquer teoria nacional de acto de governo.
No domnio sensvel das operaes militares, o Conselho de Estado francs, desde 1950, vem considerando que s h acto de governo quando uma deciso foi tomada em relao com operaes que tenham oficialmente o carcter de uma guerra 60 .
Nesta perspectiva, a jurisprudncia pretende acantonar a teoria do acto de governo aos actos jurdicos, considerando actos de governo apenas factos materiais praticados em relao com operaes qualificadas de
60 Ac. C.E., de 22.11.1957, Myrtoon Steamship et Cie: deciso pronunciando-se sobre o envio forado de tropas por um navio estrangeiro durante a 2 Grande Guerra.
65 guerra no sentido de Direito Internacional Pblico (e no s simples hostilidades).
Assim no se permite, em muitas situaes, o afastamento do princpio da irresponsabilidade do Estado por danos devidos a operaes militares.
Alis, quanto aos actos de governo praticados na ordem interna, a partir dos anos 20, em Frana, a incompetncia da jurisdio administrativa ficou acantonada estritamente ao domnio das relaes internacionais, considerando a teoria do acto destacvel que muitos actos e comportamentos devem ser destacados da execuo e das relaes internacionais em geral e passveis de recurso contencioso.
Esta teoria nasceu j em 1905 e tomou expresso no domnio do acto de governo, nos Acrdos GOLDSCHMITT, de 27.6.1924 e D.ME CAPACO, de 5.2.1926. Segundo ela, o acto diz-se destacvel quando um acto de direito interno que pode ser ponderado em si, independentemente das relaes internacionais. Aplicada aos tratados, permite isolar dois tipos de medidas, as destacveis da execuo de um acordo internacional e as que, sem interferirem com tal execuo, traduzem a consequncia deste acordo, sendo dele separveis 61 .
O progresso constante do princpio da legalidade, neste
61 O Acrdo do Tribunal de Conflitos, de 2.12.1991, veio reconhecer o carcter de acto destacvel a uma deciso ministerial anterior a um acordo de que ela, de qualquer modo, constitui a consequncia.
66 mbito, passou pela eliminao da imunidade de jurisdio das medidas conexionadas com as relaes internacionais.
O reconhecimento do princpio do primado do Direito Comunitrio leva a jurisdio administrativa a confrontar o Direito Internacional com o Tratado da Comunidade Europeia. E, em geral, o Direito Convencional regula cada vez mais matrias cuja conflituosidade deve ser apreciada pelo juiz administrativo 62 .
Hoje, a Funo Poltica exercida cooperativamente num processo que envolve Presidente da Repblica, Parlamento e Governo, qualquer deles praticando actos polticos.
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7. CONSTITUIO E CONTROLO DAS FUNES POLTICA, EXECUTIVA, LEGISLATIVA E JURISDICIONAL
O Estado contemporneo um Estado executor da Constituio, que vincula todo o poder estadual que ele funda, porque Estado teleocrtico-programador.
A funo poltica, assentando sempre na
62 A obrigao de fundamentar as decises administrativas, por exemplo, de recusa de extradio, solicitada ao abrigo de um tratado, retira-lhe a natureza livre de acto de soberania, sujeitando-a ao controlo jurisdicional do Tribunal Administrativo.
67 Constituio, j no pode ser aceite como juridicamente livre, porque qualquer acto do Estado necessita de habilitao constitucional, pois a Constituio que limita e dirige toda a actividade estadual, o que s admite uma relativa heterodeterminao, quer no plano internacional (basta ver os princpios a aplicar nas relaes internacionais expressos no artigo 7, etc.), quer no plano nacional, com orientaes de actuao. E, no plano interno de execuo da Constituio, a lei j no tem de assumir carcter geral, abstracto, como regra de direito de conduta.
No Estado Social de Direito, ao servio de objectivos sociais, dentre os meios de prossecuo da funo poltica avulta a legislao, que segundo GEORGE BURDEAU seria uma espcie daquela, perdendo a sua autonomia como funo do Estado, a favor da funo poltica que, em sua substituio, aparece precisamente como a funo central do Estado. Isto corresponde superao do enquadramento do ps-Estado de Legislao Parlamentar, em que a lei no teria significado poltico, pois seria um conceito essencialmente jurdico.
A tentativa de construo de um modelo normativo do Estado de Direito Liberal, reduzindo o poltico ao jurdico, levou a uma instrumentalizao poltica da lei, erigida em acto tpico da funo poltica.
Ora, a lei j no s a norma geral e abstracta, criando direitos e deveres, mas tambm um instrumento
68 de reforma do Estado. Da, a distino entre lei clssica, em sentido estrito, e lei-medida, aquela orientada por critrios durveis de justia, esta por critrios fugazes de convenincia, dando aos rgos legislativos meios de exerccio da funo administrativa.
No Estado Social de Direito, a noo de lei depende do processo criativo e da fora jurdica, sem condicionantes materiais que no sejam as da constitucionalidade. um acto do Estado, livre, dos poderes constitudos, s definvel por critrios formais. E se a noo de lei sempre um conceito formal, deixa de ter sentido o recurso a critrios de substancialidade para construir a distino entre lei em sentido material e lei em sentido formal. De qualquer modo, apesar de o Estado Social ser um Estado teleocrtico, com normas constitucionais e legais, dando ordens Administrao, ao servio da mudana poltica, o Estado no pode deixar de continuar a ser tambm Estado nomocrtico, governado por leis com carcter geral e abstracto, defensoras dos direitos, liberdades e garantias, nicas que podem viabilizar a sua actuao.
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No que concerne s relaes entre a Funo Legislativa e a Funo Jurisdicional, tal como se referiu no incio, no sculo XX, o princpio da separao de poderes assenta na ideia de fiscalizao e coordenao, de tal modo que
69 LOEWENSTEIN fala numa funo de controlo como funo autnoma do Estado, com os seus controlos polticos e jurisdicionais, quer da legalidade da Administrao Pblica, quer da constitucionalidade da legislao, explicando o papel crescente do poder judicial, verdadeiro contra-poder e assim instrumento da funo poltica, porque fiscalizador de todos os poderes e portanto tambm j do prprio poder legislativo cujos actos anula, qual legislador negativo.
Isto leva-nos a concluir que a pea central da ideia que subjaz razo de ser da separao de poderes passa, hoje, pelo sistema de controlos jurdicos e jurisdicionais. A ideia de uma funo jurisdicional vem das origens da monarquia inglesa, aparecendo de novo, hoje, no Estado de Direito contemporneo, a velha contraposio Gubernaculum - Jurisdictio.
O controlo da constitucionalidade das leis levanta problemas de delimitao entre o legislador positivo e o, por KELSEN considerado, legislador negativo, sendo certo que este tem naturalmente um limite que, anulando o produto daquele, no anula aquele, o que impede que aparea como seu substituto, como contralegislador, usurpando o ncleo essencial da funo legislativa, sendo certo que, contrariamente Jurisdictio, a legitimao democrtica do Parlamento impe um primado poltico deste e, portanto, uma presuno de constitucionalidade das suas leis, implicando uma judicial self-restraint, viabilizadora do princpio da separao de poderes.
70 O Estado de Direito passou de Estado de legislao parlamentar a Estado de Jurisdio, executor da Constituio, em que o primado do legislativo no obsta sua limitao pelo poder judicial. A tripartio clssica das funes do Estado, esbatidas as suas fronteiras e relativizados os critrios de caracterizao material e de distino, fez acabar com a pretenso de uma teoria geral, de valor universal e intemporal, das funes estaduais. Hoje, o princpio da separao, mesmo numa perspectiva institucional de mbito horizontal, s pode enquadrar-se em termos constitucionalmente situados, enquanto ganhe importncia constitucional a concretizao de divises institucionais, caractersticas da Administrao Indirecta (e diviso institucional-vertical de poderes), divises territoriais de poderes em construes muito variveis de separao institucional de nvel vertical, com um aprofundar do princpio organizacional do Estado que o princpio da descentralizao poltico-administrativa (Regies Autnomas, Estados federados, Lnder) ou descentralizao meramente administrativa, autrquica, caracterstica da existncia de autarquias locais ou regionais, autnomas do Poder Executivo Central, ambas integrando a Administrao Pblica e partilhando a funo administrativa.
Tudo visto, o Poder Executivo desenvolve no s actividade administrativa, mas tambm normativa e jurisdicional. E, por outro lado, desenvolve igualmente actividade poltica e governativa.
71 ***
72 8.ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL DA ADMINISTRAO PBLICA
No que diz respeito ao enquadramento constitucional da Administrao Pblica, importa essencialmente, nesta fase do estudo, saber situar a Administrao Pblica na Constituio instrumental. Quais as normas que dela tratam? Quais os temas que mereceram do legislador constitucional a consagrao na Lei Fundamental? E porqu? Algumas consideraes se impem, ainda, especificamente, sobre o enquadramento constitucional da Administrao Pblica, na ptica do interesse pblico e dos interesses dos cidados.
Diz o n. 1 do artigo 288. da CRP que A Administrao Pblica visa a prossecuo do interesse pblico, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados. A norma constitucional sobre o tema implica uma leitura, no estritamente literal, do artigo 4 Cdigo do Procedimento Administrativo, na medida em que o prosseguimento do interesse pblico no respeito dos direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos no pode colocar-se numa perspectiva puramente competencial, porque este enquadramento teleolgico da Administrao
73 Pblica envolve e legitima toda a sua actuao, mesmo em gesto privada, quer se trate de actos jurdicos, quer de operaes materiais, enformando assim a prpria densificao do princpio da legalidade.
Os interesse sociais, qualificados pelo legislador como pblicos ou que o legislador habilitou a Administrao a prosseguir, mesmo que se esteja no mbito do exerccio discricionrio do poder administrativo (em que este tem uma maior margem de conformao das situaes face s circunstncias concretas), devem ser executados dentro de balizas que implicam a limitao da actuao da Administrao em face da obrigatria ponderao das decises a tomar, ou seja, da procura da realizao mais adequada do interesse pblico, tendo presente todos os interesses envolvidos (princpio da justa ponderao dos interesses decorrente da clusula do Estado de Direito; imparcialidade, interdio de excesso, etc.), de modo a atingir o interesse pblico sem sacrifcios desnecessrios ou desproporcionados dos interesses dos particulares, titulares de posies materiais legalmente protegidas.
E isto quer estas posies jurdicas se traduzam em direitos subjectivos, em que a pretenso da posio traduz um interesse especfico num determinado bem (coisa, conduta ou utilidade), previsto na norma legal criada para o proteger directamente, em termos que lhe atribuam o poder de exigir da Administrao Pblica condutas em conformidade com ele, pois ele est dentro das condies legais vinculadas sua satisfao, quer ainda quando estas posies traduzam s interesses legalmente protegidos de que
74 um particular titular, quando a norma o faz beneficiar de uma tutela ou proteco jurdica indirecta, na medida em que se por um lado a norma invocada a favor da existncia de tal interesse, tutela directamente interesses e no a sua prpria posio jurdica concreta envolvida na deciso a tomar, por isto mesmo tambm lhe so conferidos poderes jurdicos instrumentais que lhe permitem, caso se realize o interesse pblico pretendido, ver reflexamente satisfeito o seu prprio interesse. No podendo exigir directamente da Administrao a conduta que realiza o seu interesse, pode exigir que ela respeite a legalidade em ordem realizao prevista do interesse pblico, quando tal for o meio adequado a poder esperar tambm do seu interesse prprio. Abrange todas as posies jurdicas dos particulares merecedoras de proteco, todas as situaes de vantagem derivadas do ordenamento jurdico, que no apenas as protegidas individualmente por uma dada norma, como as inseridas em relaes jurdicas poligonais ou multipolares (vg. interesses na fixao de planos urbansticos, interesses ambientais, etc.), que colocam certas pessoas em situaes diferentes da generalidade dos administrados, de modo a merecer especial proteco, dado estarem ligadas a interesses pblicos latentes, serem titulares de interesses difusos 63 .
Impe-se tambm a ponderao dos interesses de
63 Em toda esta matria, seguimos, hoje, a doutrina expressa nos manuais de VIEIRA DE ANDRADE e FREITAS DO AMARAL, respectivamente, Justia Administrativa (Lies). 6. Edio, Coimbra: Almedina, 2004, e Curso de Direito Administrativo. Vol. II, Coimbra: Almedina, 2001, p.61-73.
75 certos crculos de cidados, cujos interesses ou direitos podem no estar especialmente personalizados, mas que merecem acolhimento (e devem mesmo contar com a atribuio ao cidado uti cives de meios de defesa preventiva ou sucessiva, do tipo procedimental e jurisdicional), na medida em que traduz a incorporao em cada um dos indivduos desse crculo de interesses comunitrios a preservar.
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9.CINCIA DA ADMINISTRAO, POLTICA ADMINISTRATIVA E DIREITO ADMINISTRATIVO
Em ordem a propiciar uma melhor compreenso da abordagem especificamente jurdica da Administrao Pblica, h que referir naturalmente algo sobre as cincias e polticas administrativas: a cincia da Administrao, a poltica administrativa e o direito administrativo.
O direito administrativo traduz uma tcnica impositiva dos comandos do legislador e da Administrao Pblica, a recorrer sempre que as previses e enquadramentos de disciplina social nesta matria deva ocorrer.
A Administrao Pblica pode ser estudada sob um ngulo no jurdico. Com mtodos diferentes. sabido que aos servios pblicos em geral
76 pretendem alguns sectores da Cincia da Administrao aplicar lgicas do mundo da administrao privada, da gesto empresarial, considerando que, em certo sentido, elas so empresas de prestao de servios e de processamento de informao, s quais, muitas vezes, se podem aplicar os princpios do sector privado, em ordem a realizar as suas atribuies de forma eficaz e rentvel. No entanto, nem sempre isso possvel, dados os objectivos da Administrao pblica se pautarem, sobretudo, por valores ligados satisfao das necessidades colectivas, nos termos de comandos constitucionais.
De qualquer modo, os mtodos do sector privado podem permitir a identificao de reas de ineficcia operativa e de despesas evitveis, racionalizar os circuitos e garantir um controlo eficaz, no apenas financeiro, mas tambm de resultados.
Na prossecuo desta investigao, ser essencial considerar a Administrao como um fenmeno que foi sofrendo contnuas transformaes, pois, sendo um fenmeno histrico da sociedade, institudo para cumprir uma funo especfica, a Administrao est conectada com outras formas sociais, unida por mltiplas inter- relaes ao resto da sociedade e no pode ser compreendida sem referncia ao sistema global que determina os seus caracteres fundamentais, as suas misses e as suas estruturas.
No contexto da sua indivisibilidade com outras formas sociais, relevante a forte tradio jurdico-
77 administrativa que se faz sentir em Portugal, assim como em todos os pases da Europa Ocidental. Esta dualidade terica foi utilizada, de incio, para reforo estatal e, mais tarde, no sentido de responder aos desafios ideolgicos que impunham ao Estado uma diferenciao entre poderes e funes.
O estudo da Administrao Pblica, em Portugal, reduziu-se durante muito tempo anlise da actividade jurdica da Administrao, manifestada nos actos normativos e decisrios e nos contratos administrativos, por um lado, e, por outro lado, na descrio da organizao e estruturas administrativas.
Na histria da Administrao Pblica, em Portugal, iremos sempre encontrar interligados o poltico, o administrativo e o jurdico. So realidades que dificilmente poderemos desligar e estudar separadamente neste facto social. Com o desenrolar dos tempos, afirmou-se como fulcral para a Administrao o desenvolvimento do Direito Administrativo e toda a aco da Administrao passou a ser realizada sua luz. Este ramo da cincia jurdica radica no dever-ser, limitando-se a abarcar os assuntos juridicamente relevantes da realidade administrativa, no se preocupando nem com a realidade objectiva corrente, nem com os problemas de ordem tcnica ou de natureza prtica to diversos como a eficincia, a eficcia, a racionalidade, a produtividade, etc..
Superando a sua viso mais formalista e aceitando-
78 lhe um sentido sociolgico, mesmo assim, verificamos que a funo desta cincia no estudo da Administrao limitado, j que os fins imediatos do estudo jurdico da actividade administrativa so a proteco dos direitos e liberdades individuais, alm da garantia oferecida colectividade, atravs da disciplina jurdica das estruturas e dos actos administrativos. Por outro lado, o descuramento quanto ao estudo da actuao prtica das Administraes Pblicas levou a rigidez das estruturas e dos mtodos, a certa esclerose nas instituies e no sistema burocrtico, a um legalismo por vezes paralisante e formao do ambiente desfavorvel que hoje rodeia aquelas Administraes, prejudicando indirectamente a melhor realizao da prpria ideia de justia.
H que reconhecer a inconvenincia de uma sobrevalorizao do Direito Administrativo na aco administrativa, mas referindo de qualquer modo que este ramo da cincia indispensvel para as actividades das Administraes Pblicas, uma vez que estas no sobrevivem sem a existncia de normas legais que as regulem e lhes estabeleam limites. Essa sobrevalorizao propiciou o engrandecimento do Direito Administrativo em detrimento da Cincia da Administrao (concretamente, da Cincia da Administrao Pblica).
As duas Cincias no estudam o facto administrativo do mesmo modo, sendo a referida em primeiro lugar, muito mais parcelar e restritiva, impe-se
79 levar os alunos a constatar que uma no substitui a outra e que ambas ganhariam no seu prprio saber com o seu desenvolvimento mtuo.
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Dito isto, acrescentaria mais alguns apontamentos sobre a Cincia da Administrao. uma cincia sociolgica, pois um ramo do saber que investiga a organizao e o funcionamento da Administrao Pblica, mas no analisados segundo as regras jurdicas que supostamente lhe deveriam ser aplicadas. O legislador, quando cria leis, tem de fazer opes. Para tal, so-lhe teis vrios conhecimentos. E, desde logo, o conhecimento do direito administrativo comparado. Mas a Cincia da Administrao, como estudo dos aspectos no Jurdicos da Administrao, o seu estudo sociolgico, debruando-se sobre factos e no sobre normas jurdicas, d ao legislador instrumentos no jurdicos especialmente importantes para o ajudar a fazer essas opes. Ela pode apoi-lo com elementos cientficos reveladores do modo mais correcto para que a Administrao funcione melhor, ou seja, para reenquadrar essa organizao e funcionamento em funo de certos objectivos-valores organizacionais pr-definidos.
A Cincia da Administrao , portanto, algo prvio ao direito.
80 E a base para uma adequada ou pelo menos ponderada poltica administrativa, que poder depois inspirar a criao jurdica. Com efeito, a poltica administrativa o conjunto de orientaes definidas pelo poder poltico e administrativo, e em primeira linha o governo, para reformar a Administrao Pblica e que podem assumir a forma normativa, dando origem a Direito Administrativo. Ela vai incorporar as inovaes que se consideram em cada momento teis para modernizar a organizao da Administrao e melhorar os nveis de execuo e a qualidade das suas tarefas. Por isso, se fala em programas, comisses, secretarias de Estados ou ministrios de reforma ou de modernizao da Administrao Pblica.
A Cincia da Administrao pode enformar a Poltica Administrativa e esta o Direito Administrativo, porque as normas jurdicas podem acabar por consagrar solues que se baseiam em estudos que assentam em anlises anmicas da Cincia da Administrao. Ou seja, as normas acabam por consagrar opes que se baseiam em critrios cientficos, numa anlise, que tem muito da perspectiva tcnica da Cincia Administrativa. A Cincia da Administrao no jurdica, porque mesmo que integre no seu estudo elementos jurdicos, f- lo sem lhe dar nenhuma importncia especial, isto , sem lhes dar outra importncia que no seja a de simples factos sociais, que as normas de direito tambm so, a situar ao nvel de outros em apreciao.
81 Tal como tambm no anti-jurdica, mesmo quando relativiza, sub-valoriza o ordenamento jurdico, sendo certo que ela olha o que , independentemente do que devia ser. Em termos de progresso lgica, a cincia da administrao uma rea do saber ante-jurdico. E as informaes da cincia da administrao, que podem desde logo destacar-se pela sua importncia tocam com os mtodos de gesto ou de estruturao, a racionalizao dos meios humanos e financeiros, etc., tudo construes que podem, e muitas vezes devem, ter acolhimento no direito administrativo, funcionando como elementos materiais nomognicos do direito administrativo. Mas nem sempre assim pode ser. O direito administrativo nem sempre pode ser concretizador das solues da cincia da administrao, por muito meritrias que sejam, dado que ele tem de ser em primeira linha concretizador do direito constitucional, neste aspecto no podendo deixar de ser um direito constitucional concretizado. As Administraes Pblicas no so administraes de entidades que visa o lucro, administraes particulares, mas administraes dotadas de uma lgica intrnseca diferente, uma vez que se justificam escatologicamente em funo de interesses pblicos a prosseguir. As organizaes da Administrao Pblica existem para aplicar as leis, promover o desenvolvimento econmico- social e a satisfao das necessidades colectivas, na garantia dos direitos dos cidados, objectivos-valores que se impem independentemente dos custos, acima de tudo, mesmo das concluses da cincia da administrao, se elas
82 puserem em causa estes valores que do carcter Administrao Pblica e tm de enformar o direito administrativo, sendo a sua razo de ser.
A Administrao, como organizao de meios humanos, tcnicos e financeiros, ao servio da sociedade, no pode prosseguir, sem mais, orientaes de racionalidade e eficcia, como nicos valores, por que eles ficam relativizados no confronto com outros valores fundamentais a prosseguir, sendo certo aqueles esses so os valores em que assentam os estudos da cincia da administrao, embora em princpio tudo se deva fazer para os concretizar onde seja possvel, at no interesse, que tambm interesse pblico, de servir mais rpido e com menores custos para os cidados contribuintes.
Mas o que , realmente, a cincia da administrao? A cincia da administrao o estudo cientfico dos fenmenos administrativos, quer na vertente organizacional, quer funcional, em si e nas envolventes inter-sistmicas (a Administrao Pblica no uma realidade fechada, estando em ligao com os outros sistemas sociais, em que age e que agem sobre ela, v.g. o mundo empresarial, o mundo financeiro, em suma as vrias organizaes sociais exteriores em osmose e tenso permanente de servio sociedade e influncia desta), para obter a sua explicao, independentemente do seu enquadramento normativo (muitas vezes as leis no so aplicadas) e para levar sua reformulao, numa perspectiva inovadora, visando designadamente o incremento permanente da eficcia da gesto das entidades
83 pblicas.
Neste aspecto, no pode deixar de ser encarada como uma cincia auxiliar, instrumental do direito administrativo, embora as suas concluses tenham de ser ponderadas, como atrs se disse, tendo presente as funes globais do direito em face das exigncias constitucionais, teleolgicas e programticas, prprias de um Estado de Direito democrtico e social, que no permite a prossecuo de objectivos de eficcia custa do sacrifcio dos direitos e das garantias dos cidados em face dos poderes pblicos.
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10.A SEGMENTAO E PLURALIZAO DA ADMINISTRAO PBLICA
O estudo da Administrao Pblica, segundo uma abordagem prpria das cincias sociais, analisa o poder administrativo e a sua presena na sociedade, as conexes entre o poder e a organizaes que o veiculam, quer enquanto o poder pblico necessita de um conjunto de meios materiais, financeiros e humanos para actuar, quer enquanto a organizao vertebra o conjunto de capacidades humanas que passam a ser usadas pelo poder, que tende a domin-los, para exercer efectivamente um dado domnio social.
A Administrao Pblica um elemento do
84 Estado em sentido amplo, poltico, do Estado- Comunidade. As Administrao Pblica, pois so plurais, so uma concretizao deste, que de outro modo, sem organizao, sem meios humanos, seria uma simples ideia abstracta. O Estado uma criao cultural, recente, e tal como o Estado, a Administrao Pblica tambm um produto histrico, sendo certo que, segundo alguns autores, s h verdadeira Administrao quando surge o Estado moderno. Isto no significa que noutras pocas no tenham existido sociedades politicamente organizadas, e desde logo imprios. Noutras pocas, existiram organizaes, por vezes at muito desenvolvidas, ao servio do poder poltico, quer no imprio faranico ou chins, no Baixo-Imprio romano ou no imprio bizantino, mobilizando grande nmero de meios. Mas no existiam seno realidades estaduais realizadoras de um conceito diferente de sociedade poltica, mais incipiente. Normalmente realizavam um poder poltico pessoal. Havia imprios, havia reinos, comunidades individualizadas, diferenciadas.
Portanto, nessas pocas existiam organizaes ao servio do poder poltico, mquinas administrativas, nomeadamente militares e at agentes diplomticos, etc., mas no eram Administrao Pblica na acepo actual, porque estas s existem, como considera a cincia administrativa francesa, quando as organizaes ao servio do poder actuam como elemento do Estado, situadas fora
85 de uma ligao estrita pessoa do prprio soberano, quando ela algo nsito prpria sociedade, como elemento indispensvel ao Estado, identificando-se formalmente com o prprio Estado moderno com o qual est em relao ntima.
O Estado moderno surge com o fim da Idade Mdia, surge com o Renascimento na Idade Moderna, quando desaparece o feudalismo poltico e comea o desenvolvimento da burguesia e do capitalismo comercial e financeiro, o que situaria o aparecimento da Administrao Pblica com o surgimento das monarquias absolutistas.
No entanto, a formao de Estado moderno e a configurao moderna das Administraes pblicas algo que s fica completo com a Revoluo Francesa, ao despersonalizar-se o poder, que deixa de estar na pessoa do rei absoluto, soberano, porque a soberania passa para o povo, ficando o antigo soberano apenas rei no Estado, e ento em Estado liberal ps-absolutista se juridifica e racionaliza a vida pblica com o submetimento do Estado ao Direito.
Portanto, depois da Revoluo Francesa, com o aparecimento do Estado de Direito que efectivamente a configurao moderna das Administraes (e o prprio direito administrativo) ganham a sua natureza actual.
A Administrao Pblica portanto um produto histrico e, por isso, podemos situar a moderna
86 Administrao Pblica. Mas no (nem ela nem o direito administrativo que lhe anda associado) fruto de uma gerao espontnea, na medida em que nem sequer h um corte abrupto entre o Antigo Regime e a nova organizao administrativa sada da Revoluo Francesa, como o demonstra TOCQUEVILLE.
A origem da Administrao Pblica est nos exrcitos dos agentes dos reis a origem das nossas Administrao Pblica actuais, que depois seriam submetidas, no Estado Constitucional, no j a um rei soberano mas lei, emanao da representao do povo (ideia de democracia parlamentar), passando elas mesmo a ser o elemento estvel, dada a circulao do pessoal poltico em democracia.
Em certos momentos e Estados, como em Portugal ou Frana, em que as revolues ou eleies permanentes traziam mudanas de governos e at de Constituies, a Administrao essa permanece.
E esta Administrao merece ser objecto de conhecimento cientfico, desde logo para analisar o poder extralegal dos administradores, o poder burocrtico, porque apesar de ao servio da sociedade, sendo organizaes, ganham poder e passam a defender uma lgica de poder pessoal. Mesmo em democracia essa factualidade existe, logo deve ser estudada, porque esta Administrao Pblica, tal como ela, pode ser objecto de conhecimento cientfico.
87 Mas a cincia da administrao no uma cincia no sentido convencional, porque objecto e mtodo no se condicionam mutuamente. A cincia da administrao tem usado vrios mtodos e abordagens diferentes retirados das vrias cincias sociais. H um predomnio do objecto sobre o mtodo, sendo aquele que d unidade cientfica matria. O objecto da cincia da administrao a prpria organizao administrao como organizao, aparelho ao servio do poder. A cincia da administrao tem como finalidade o conhecimento das Administrao Pblica sob qualquer perspectiva tendo em conta a sua situao real e as suas relaes com o poder e a sociedade.
Em termos de caractersticas das Administrao Pblica reveladas pela cincia da administrao, podemos sintetiz- las dizendo que elas so a especificidade, a extenso e fragmentao, a contingncia (intimamente ligada sua historicidade) e a interdependncia entre a Poltica e a Administrao.
No que se refere especificidade, a respeito das organizaes privadas, analisvel desde lgo em termos diacrnicos, pela comparao da actual Administrao Pblica com as organizaes pblicas de outras pocas, junta-se a anlise sincrnica, de comparao com todas as organizaes existentes na sociedade actual. Ela tem carcter especfico, quando comparada com organizaes privadas, empresas privadas ou outras
88 existentes, mesmo no seio do Estado, como partidos polticos, sindicatos, igrejas e associaes patronais, etc. A Administrao Pblica aparece como uma organizao qualificada pela titularidade formal do poder e dotada de um sistema de dominao, embora no se possa negar-lhe aplicao de conhecimentos e princpios vlidos para todas as organizaes.
Quanto extenso, a Administrao Pblica hoje tem uma extenso extraordinria quanto estrutura e quanto aos fins desenvolvidos por exigncias do Estado social. Mas a amplitude dos fins no um fenmeno unitrio porque engloba uma multiplicidade caracterstica de formas de interveno. H vrios tipos de interveno administrativa. A Administrao Pblica abarca as estruturas indispensveis para o exerccio do poder por meio da coaco e represso, ou visando a efectivao de prestaes de servios aos cidados ou o controlo de entidades particulares que os prestam, assim como a obteno de bens em condies anlogas da produo em empresas privadas comerciais ou industriais, e a planificao ou direco econmica distinta da interveno em sectores econmicos concretos, etc.
E a extenso deu origem sua fragmentao. As Administrao Pblica no podem considerar- se de modo unitrio, pois que no podem ser organizaes do mesmo tipo uma organizao que enquadra o poder ligado s funes de soberania. s organizaes prestadoras de servios ou produtoras dde bens. No h uma s organizao pblica, mas uma pluralidade de
89 organizaes e administraes pblicas, o que afasta as concepes weberiana e marxista assentes na existncia de uma s organizao burocrtica. Hoje, pem-se mesmo problemas de relacionamento entre diferentes organizaes administrativas e o seu prolongamento funcional, numa cadeia de entidades dotadas de autonomia, desconcentradas ou mesmo descentralizadas.
Quanto contingncia das Administrao Pblica, importa referir que a caracterstica da contingncia e da historicidade vo juntas. A seguir Igreja Catlica, as Administrao Pblica tm primazia histrica. E elas so funo do territrio, povoao, nvel de desenvolvimento do estado e dos valores culturais.
Embora o modelo bsico seja importado quer da administrao napolenica quer das instituies inglesas que funcionam como esquemas gerais que so enformados por contedos especficos bebidos nas sociedades locais.
Quanto interdependncia entre Poltica e Administrao, h que referir que esta se separa daquela em termos conceptuais. A doutrina sempre tem procurado traduzir essa diferena difcil de estabelecer em termos concretos. Desde logo dificuldades quanto s noes gerais, quanto distino material das actividades e mesmo quanto s diferenas formais entre actos polticos e administrativos. Tudo, desde logo, at porque qualquer organizao
90 pblica participa do poder poltico. H mesmo quem considere que se deve prescindir da distino material entre Politica e Administrao.
A cincia da administrao surge na Europa em reaco contra o estudo da cincia da administrao americana, baseado na eficcia, embora integre elementos deste estudo, ressuscitando a velha tradio cientfica europeia do sculo XVIII, antes do aparecimento do Direito Administrativo.
Numa primeira etapa, procurou seguir-se na escolha de um objecto de anlise, isto , os fins da Administrao Pblica.
A doutrina francesa, com TIMSIT, veio centrar a cincia da administrao no estudo dos modelos administrativos, o liberal, o marxista e o weberiano. O primeiro, partindo de uma considerao poltica da Administrao Pblica e portanto aceitando a distino entre elas, dada a subordinao da Administrao Pblica lei como princpio bsico do Estado de Direito.
Em relao ao Antigo Regime, a distino faz-se com base em dois factores: o poder dos funcionrios que so dominadores da estrutura do Estado e a absteno do Estado como protagonista da vida econmica. Portanto, parte-se de uma rigorosa distino entre os mbitos pblico e privado, ou seja, entre o Estado e a sociedade.
91 No segundo modelo, o marxista, a Administrao Pblica est intimamente ligada ao estado, elemento inseparvel, embora os novos tericos, como GRAMSCI, POULANTZAS, etc., afirmem a diferenciao entre Estado e Administrao Pblica, com a autonomia da Administrao Pblica.
O terceiro modelo, o de MAX WEBER, parte da diferena entre poder e sistema de dominao, afirmando que numa sociedade evoluda, o sistema de dominao tpico o de organizao burocrtica. Os funcionrios pblicos no obedecem a um chefe tradicional ou carismtico, mas lei, manifestao da racionalidade. O weberianismo teve influncia nos estudos americanos sobre organizao.
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11. FUNES, PODERES DO ESTADO E O CONCEITO DE ADMINISTRAO PBLICA
Em termos de Funes e Poderes do Estado (a Administrao e as outras Funes do Estado, a Administrao como Organizao, Funo e Poder), considerando a Administrao como objecto de anlise para o jurista, isto , a Administrao Pblica normativamente enquadrada, h que explicitar que ela pode ser vista por ngulos diferentes, assentes em normas
92 jurdicas com uma sistematizao prpria.
No plano jurdico, a Administrao pode ser vista numa perspectiva subjectiva, objectiva ou formal.
Na concepo formal, a identificao da Administrao Pblica parte do tratamento desta e dos seus actos pelo Direito a que est submetida.
Mas , sobretudo, frequente falar-se de Administrao Pblica em sentido subjectivo ou orgnico, referida aos meios humanos, tcnicos e financeiros, com o seu direito orgnico e a teoria geral da organizao administrativa ou da Administrao subjectiva, e da Administrao em sentido objectivo ou materal, referida s tarefas que tm a ver com as necessidades colectivas prosseguidas pelas estruturas que organizam aqueles meios, com o seu direito administrativo objectivo e a teoria geral da actividade administrativa.
Na concepo subjectiva ou concepo orgnica, a Administrao Pblica o conjunto de rgos, servios e agentes das pessoas colectivas pblicas e outras entidades particulares que desempenham a Funo Administrativa. a organizao ao servio da Funo Administrativa. Trata-se de entidades pblicas integradas no poder executivo e outras que no pertencem ao poder legislativo e judicial.
Os servios legislativos e os servios judiciais no fazem parte do nosso estudo, embora em geral se lhes
93 aplique tambm o Direito Administrativo, por remisso legislativa.
Na concepo objectiva ou concepo material, a Administrao Pblica caracteriza-se por traduzir o desenvolvimento de uma actividade de tipo administrativo, sendo certo que, por um lado, no apenas o poder executivo que executa a lei e, por outro, o prprio poder executivo exerce actividades que no so executivas.
A Administrao Pblica em sentido material ou objectivo o conjunto de actividades consistentes no exerccio de tarefas de aplicao da lei, promoo de desenvolvimento econmico-social e em geral de satisfao permanente das necessidades colectivas, enquadradas por normas legitimadoras e balizadoras de interveno pblica em razo do interesse colectivo, sob a direco, orientao ou fiscalizao do poder poltico e sujeitos ao controlo de entidades independentes, administrativas e em ltima instncia jurisdicionais.
Ela congrega as actividades da Funo Administrativa, normalmente exercida com poder administrativo.
Na gesto das organizaes que desempenham a Funo Administrativa vigora um enquadramento nomocrtico, por que ela uma actuao assumida por lei e enquadrada por lei. a lei que legitima essa actividade e que a baliza. A actividade de Gesto Pblica difere da actividade
94 de gesto particular na medida em que o agente privado livre podendo agir desde que a lei no o proba, enquanto a Administrao ao servio dos cidados s pode fazer o que a lei diz que deve fazer-se e dentro dos limites, das balizas traadas pela lei. Antigamente, tambm vigorava o princpio privado de que a Administrao Pblica podia fazer tudo o que queria no expressamente interdito pela lei. Era a concepo de uma A no enquadrada mas apenas limitada pela lei.
A lei hoje no apenas um limite aco administrativa. a regra que a habilita a actuar e que tambm a limita no actuar. Seria difcil saber onde estavam as necessidades colectivas, mas a lei diz quando uma tarefa assumida como tal e at onde pode ir a Administrao Pblica na efectivao do interesse colectivo que subjaz a essa definio material do campo de interveno pblica.
Em geral, sem efectivar cortes para o seu estudo parcelar, por partes, podemos definir a Administrao Pblica como o sistema de rgos, servios e agentes, integrados em pessoas colectivas, sejam de de direito pblico ou privado, que desempenham tarefas da Funo Administrativa do Estado, designadamente de promoo de desenvolvimento econmico-social e em geral de todas que traduzam a satisfao permanente das necessidades colectivas, enquadradas por normas legitimadoras e balizadoras de interveno pblica em razo do interesse colectivo, sob a direco, orientao ou fiscalizao do poder poltico e sujeitos ao controlo do parlamento e de entidades administrativas
95 independentes e, em ltima instncia, dos tribunais.
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Como se refere a propsito da querela sobre o critrio definidor do Direito Administrativo, a noo de servio pblico s operativa na medida em que esteja ligada ideia de funo administrativa do Estado (em sentido amplo de funo dos poderes administrativos existentes dentro de um Estado, e no de administrao estadual, que apenas uma das Administrao Pblica que realizam essa funo).
De qualquer modo, esta noo tem um contedo mais restrito do que a de Funo Administrativa, que no se v interesse em ampliar.
esta noo de Funo Administrativa que identifica a organizao administrativa ou a Administrao em sentido orgnico.
Mas, ento, tanto h actividades da Funo Administrativa, designadamente de servios pblicos, desenvolvidos por entidades de Direito Administrativo, como h servios pblicos a serem desenvolvidos por entidades criadas ao abrigo de normas de direito privado, com capitais e gesto nas mos da Administrao Pblica ou nas mos de particulares, sem que, pelo menos, na concepo dominante a esta actividade materialmente integrada na funo administrativa do Estado corresponda um servio organicamente administrativo, ou seja, um servio pblico em termos de organizao administrativa, ou seja, sendo
96 servios pblicos, no so servios pblicos administrativos.
Mas como possvel que a teoria da actividade material e organicamente administrativa (no caso da Administrao Estadual, desenvolvida por entidades subordinadas ao governo, salvo as excepes assumidas como tais, referentes s Entidades Administrativas Independentes) como critrio de localizao material de uma Funo Administrativa do Estado em face de actividades tambm materialmente administrativas do Parlamento e dos Tribunais, seja depois contrariada, por uma tese segundo a qual a actividade de uma entidade que prossegue essa actividade integrvel na funo administrativa, isto , materialmente e organicamente administrativa j no organicamente administrativa, por no se considerar essa entidade da organizao administrativa.
E se for de direito privado, com capitais e gesto pblica, isto , pertena e gesto de representante da Administrao Pblica, tambm no seria organicamente administrativa, mesmo que desempenhe uma tarefa da funo administrativa do Estado. S porque so constitudas ao abrigo do direito privado, dada a irrelevncia da propriedade dos capitais e da gerncia, o que traduz uma transformao ao nvel do processual ou instrumental, e portanto sem dignidade ntica (de elemento definitrio, elemento essencial das coisas).
Por isso, importa perguntar se uma pessoa colectiva de
97 direito pblico, sem desempenhar nenhuma tarefa da funo administrativa, no desenvolvendo um servio pblico, como acontece com uma empresa pblica, v.g., de cervejas, em concorrncia com muitas outras privadas, desempenhando exactamente o mesmo papel produtor na sociedade, deve ser considerada como integrando organicamente a Administrao Pblica?
Tal construo errada. Uma coisa ser classificada como empresa pblica, no sentido de direito pblico ou de direito privado pertencente Administrao em que esta tem influncia dominante, outra desempenhar tarefa administrativa e integrar a Funo Administrativa.
No se toma em considerao a distino entre organizaes realizando um servio pblico sob uma opo de forma empresarial e uma empresa existente apenas com base numa simples justificao de interesse pblico, justificao constitucional suficiente par a iniciativa econmica pblica (v.g. interesse social de manuteno de postos de trabalho, que no pode ter o condo de transformar a natureza das coisas, dando actividade anterior, exactamente a mesma do perodo da propriedade privada, a natureza de actividade da funo administrativa).
Ora, a Administrao Pblica, por vezes, tem, proprietria de organizaes de carcter econmico, estruturadas por isso em empresas, criadas ao abrigo de direito pblico (pessoas colectivas pblicas de regime jurdico misto) ou
98 de direito privado (por vezes, com uma mobilidade de regime orgnico assente em puros critrios polticos, alheios ao Direito Administrativo).
Elas so empresas da Administrao Pblica, no so necessariamente Administrao Pblica, a menos que desempenhem em si um servio pblico ou, em certo momento, contratem com Administrao Pblica a realizao de tarefas pblicas, como qualquer outra empresa de particulares o pode fazer (contratos de concesso de servio pblico, obras pblicas e bens do domnio pblico em empresas ou delegao de servios pblicos em entidades particulares sem fins lucrativos).
Mas, ento, se, nestas condies, ou seja, se um particular desempenhar funes prprias da Administrao pblica, este, nessa medida, deve ser classificado como entidade organicamente administrativa. Ou seja, organicamente Administrao pblica quem desempenhe tyarefas administrativas do esatdo- Comunidade.
Tambm o so as entidades pertencentes a particulares, nas situaes em que estas entidades particulares sejam de regime jurdico misto, ou seja, enquanto se trate de organizaes que realizem fins pblicos, sozinhas ou em concorrncia com outras entidades da Administrao Pblica, aceitando submeter-se na sua actividade estatutria, pelo menos em parte, aplicao do Direito Administrativo.
99 Elas contratam com uma dada pessoa colectiva pblica a realizao de servio pblico, obra pblica ou explorao de bem do domnio pblico, e, por isso, aplica- se-lhes activamente, como actores activo da funo administrativa pblica, o Direito Administrativo.
H, pois, entidades da Administrao Pblica, de direito pblico ou privado, que no so Administrao Pblica e h entidades de particulares, tal como entidades de direito privado de Administraes Pblicas, portanto umas e outras independentemente do direito ao abrigo do qual foram criadas, que o so.
Realce-se, pois, que h entidades da Administrao Pblica, criadas ao abrigo do direito privadas (ou objecto de transformao em sociedades comerciais a aprtir de empresas de direito pblico ou servios da Administrao) que so Administrao Pblica.
Tudo depende da verificao ou no do critrio distintivo decisivo, que o da prossecuo ou no da Funo Administrativa do Estado-Comunidade por parte das mesmas.
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12. OS ACTOS DAS ADMINISTRAES INSTRUMENTAIS DOS DIFERENTES RGOS DE SOBERANIA, OS ACTOS DE ENTIDADES PRIVADAS NO EXERCCIO DE UMA TAREFA
100 DA FUNO ADMINISTRATIVA E A APLICAO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Quando uma entidade pratica actos ao abrigo do direito administrativo, a temos, normalmente, a competncia jurisdicional dos tribunais do contencioso administrativo. As entidades que aplicam ou podem aplicar aos seus actos o Direito Administrativo, so, pela sua natureza, as que exercem a funo administrativa do Estado- Comunidade (independentemente da sua frmula jurdica de criao ou ligao patrimonial). Mas, por previso legal expressa, e dada a natureza de actos semelhantes, materialmente administrativos, as administraes que servem os outros rgos de soberania, realizadores da funo legislativa, da funo moderadora e da funo jurisdicional, esto sujeitas tambm ao direito administrativo.
Todos os seus actos materialmente administrativos esto sujeitos ao controlo provocado dos tribunais do contencioso administrativo, a menos que se esteja face a actos ditos governamentais, polticos ou constitucionais, em que ocorra um processo doutrinal-jurisprudencial de comutao de qualidade, para permitir que eles escapem ao controlo jurisdicional, ficando assim residualmente fora do Estado de Direito.
A aplicao do direito administrativo por uma categoria especial de tribunais, os tribunais da jurisdio administrativa, deve-se ao facto de estes estarem especializados na aplicao de tal ramo de direito, cuja
101 complexidade o poder legislativo tem continuado a assumir como razo para a sua no integrao na jurisdio judicial comum. Assim, em regra (tendencialmente, se a lei nada disser em cointrrio, dado que o legislador, nalgumas casos, prev uma soluo diferente) para se saber qual a jurisdio competente basta identificar o direito aplicvel ao caso, pois a um tal direito corresponder uma dada jurisdio.
E estas entidades no integrantes dos servios da Administrao Pblica, ligadas a outros rgos de soberania (que no o governo, outras pessoas colectivas infra-estaduais ou entidades de direito privado e regime jurdico misto, quais sejam as entidades particulares de interesse ou utilidade pblica, quer de fim lucrativo empresas ou sociedades de interesse colectivo quer sem fim lucrativo colectividades de interesse pblico, sejam pessoas colectivas de mero interesse pblico, instituies particulares de solidariedade social ou pessoas colectivas de utilidade pblica administrativa), embora alheios funo administrativa, aplicam o direito administrativo em relao s actividades ligadas ao seu funcionamento administrativo, apesar, pois, de no serem uma Administrao Pblica no sentido do direito administrativo, ou seja, no exercerem a funo administrativa do Estado. E isto apenas porque o legislador entende que tais organizaes implicam o mesmo tipo de questes na sua gesto, pelo que impe que assim seja.
102 Tal deve-se, pois, apenas ao facto de as normas de direito administrativo serem normas tidas como ajustadas ao tipo de actos que essas entidades praticam, e no por terem algo que ver com a Administrao Pblica.
As primeiras entidades referidas, que exercem tarefas de Administrao Pblica, aplicam-no porque ele existe para isso. Mas, como nem sempre so obrigadas a aplic-lo, podendo em muitas situaes aplicar direito privado (actuando em gesto privada), por isso mesmo s esto sujeitas especializada jurisdio administrativa apenas na medida em que tal necessrio, ou seja, na medida em que o apliquem, ou seja, actuem em gesto pblica.
Portanto, os actos sujeitos jurisdio administrativa, todos de natureza administrativa e de administraes diferentes, so de duas categorias genticas: os das organizaes administrativas desempenhando a Funo Administrativa e os das administraes de suporte ao Presidente da Repblica, Parlamento e Tribunais.
E, como se disse, tambm no h uma soluo diferente para arrumar a disciplina de matrias que esto j arrumadas: os actos das administraes particulares desempenhando a Funo Administrativa.
No h trs categorias genticas de actos sujeitos jurisdio administrativa: os (apenas) materialmente administrativos, das entidades que no realizam a funo administrativa do Estado (Assembleia da Repblica e
103 Tribunais), os materialmente administrativos das entidades que realizam a funo administrativa do Estado com excepo das constitudas ao abrigo do direito privado e os das entidades privadas que realizam, tambm, a ttulo derivado ou admitido, uma dada funo administrativa do Estado, que no seriam nem actos materialmente administrativos do Estado (porque os nicos que o seriam, seriam os praticados por uma entidade dependente de um orgo de soberania: Governo -ou outras entidades da Administrao Pblica autnomas ou independentes deste, criadas ao abrigo de direito pblico-, Assembleia da Repblica ou Tribunais) nem organicamente administrativos do Estado (porque no praticados por uma organizao de direito pblico). Tal doutrina seria de todo inconsistente. Desempenhando uma tarefa do Estado, praticam actos materialmente de natureza administrativa: uns visam a satisfao de necessidades colectivas consideradas por lei como prprios de Administrao Pblica, outros esto ao servio das necessidades instrumentais de outros poderes, realizadores de necessidades e interesses cuja concretizao no tem que ver com a Administrao Pblica. E os actos de administrao pblica das entidades particulares integram-se na primeira categoria.
Os actos das entidades pblicas que no praticam actos materialmente administrativos (como as empresas pblicas de direito pblico mas de natureza meramente econmica), as quais tambm no esto ligados ao exerccio directo do poder legislativo ou judicial, no praticam actos de Estado e por isso, mesmo sendo do
104 Estado, propriedade deste ou doutra entidade administrativa menor, no realizam uma funo do Estado. Esto fora deste debate sobre a aplicao do direito administrativo (apesar de constitudas, organizadas, sob o regime de direito administrativo e s neste aspecto orgnico no indiferentes ao direito administrativo). As empresas de direito pblico ou privado, pertencentes s Administrao Pblica que pratiquem actos de direito civil ou comercial sem qualquer ligao realizao de uma tarefa de servio pblico, no desempenhando obviamente funes de nenhum dos poderes do Estado, e, designadamente, no as desempenham do poder administrativo, portanto no so organicamente administrativas, pois os seus actos so indiferentes organizao da Funo Administrativa e ao Direito Administrativo.
Mesmo aos actos materialmente administrativos de entidades organicamente administrativas regulados pelo direito privado aplicvel a teoria do direito privado administrativo, ou melhor, administrativizado, pela imposio constitucional 64
de respeito obrigatrio dos princpios constitucionais e gerais de direito administrativo (isto , nos termos constitucionais que se referem sua aplicao em geral, pelas Administraes Pblicas, sem distinguir a actuao em gesto pblica ou privada e o n5 do artigo 2 do CPA
64 N. 2 do artigo 266. da CRP: Os rgos e agentes administrativos esto subordinados Constituio e lei e devem actuar, no exerccio das suas funes, com respeito pelos princpios da igualdade, da proporcionalidade, da justia, da imparcialidade e da boa-f.
105 que o concretiza).
A definio tradicional e primeira de direito administrativo afirmava que ele era o direito da Administrao Pblica, ou seja, um direito estatutrio de uma organizao de natureza diferente das organizaes privadas (independentemente dos esforos de reduo unidade, em termos de tcnicas de organizao e mtodos de gesto, presente nalguns estudos da Cincia da Administrao).
Esta definio, ainda hoje adoptada em certos meios doutrinais estrangeiros, embora criticada em geral pela doutrina nacional, a partir de consideraes obre a relaidade da Administrao pblica e da sua abertura ao direito privado.
Hoje, para o direito administrativo, que, em parte, tambm direito orgnico, a Administrao Pblica, acima de tudo, so pessoas jurdicas, congregando rgos que dirigem servios administrativos, e que dispem deste ramo do direito especfico, diferente do direito privado, mas que no contm s uma disciplina privilegiadora da sua posio, mas tambm normas mais favorveis para os particulares em certos tipos de contratos (normas sobre a reviso do preo contratado) e, em geral, dispondo de tcnicas garantsticas dos cidados. E, alm do direito administrativo, a Administrao Pblica deve aplicar, em dados momentos, sobre certas matrias, s direito privado (incio de procedimentos de aquisio de bens imveis, que segue via amigvel, obrigatoriamente sujeita a normas privadas, e no regime de
106 enquadramento do patrimnio privado) ou, desde logo, o podem aplicar no mbito organizacional e mesmo, em geral, quando a lei ou a natureza da actividade no obrigue a aplicar o Direito Administrativo, sem da aplicao deste, pelo menos, numa dada fase da gesto administrativa (deciso de contratar, autorizao de despesa, abertura de concurso pblico, adjudicao do contrato na fase pr- contratual privada), aqui como ali sempre com respeito dos princpios constitucionais e gerais da actividade administrativa, ou seja, em termos de direito administrativo ou direito privado administrativizado.
Ser que estas vrias direces do direito administrativo, nem sempre orientadas defesa das posies da Administrao e a possibilidade dela aplicar tambm direito privado suficiente para excluir esta tese do carceter estatutrio do direito administrativo? Seguramente que o tem pelo menos em parte?.
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Mas o enquadramento do actual direito administrativo fruto de uma longa evoluo. H vrias fases em cerca de dois sculos de histria da elaborao dogmtica do direito administrativo, em que a partir das suas normas a questo da definio da Administrao Pblica foi tendo um lugar central.
Primeiro, a Administrao Pblica foi tida como um dos Poderes do Estado. Num primeiro momento, desde a Revoluo Francesa (altura em que comea a
107 elaborao do direito administrativo moderno) at meados do sculo XIX, ela concebida como um dos poderes orgnicos do Estado, de acordo com a Teoria da Separao dos Poderes. o Poder Executivo.
Depois, a Administrao Pblica foi considerada como Funo Administrativa. Na primeira metade do sculo XIX (por influncia da pandectstica alem) o Estado, globalmente considerado, passa a ser objecto de personalizao jurdica, base da construo do Direito Pblico, o que vai levar a considerar a Administrao Pblica como uma (a de administrar) das vrias funes gerais do Estado-pessoa jurdica.
E ento o que administrar? O que a Funo Administrativa? O que a Administrao Pblica? Qual a ontologia da Administrao Pblica?
Os autores foram dando formulaes positivas ou negativas, renunciando a uma explicao uniforme da sua especificidade material, em face da crise da noo de servio pblico, aps a segunda grande guerra.
A Funo Administrativa seria: - aco, diferentemente da Funo legislativa e Judicial, que declarao do direito a todos os casos teoricamente subsumveis ou a um dado caso real; - actividade criadora de decises individuais e concretas (actos singulares e concretos, ou actos administrativos);
108 - actuao organizada; - actividade de conformao social; - gesto dos servios pblicos; - actividade com recurso a poderes de autoridade; - actos-condio; - acto subjectivo (DUGUIT); - actuao executria; -complexo residual, sem unidade material, de actuaes analisveis em funes e competncias heterogneas, de origem histrica ligadas ao Estado de Polcia, do Antigo Regime, no decompostas e entregues a outros poderes do Estado, distintas de legislar e julgar (OTTO MAYER e a escola alem, CPA dos EUA de 1946, etc.); - actividade com aplicao da clusula exorbitante do direito privado (os direitos do prncipe absoluto eram tidos como exorbitant a jure commune) estabelecendo os privilgios do Estado (e s vezes as desvantagens, com privilgios at para os administrados).
H que reconhecer que a Administrativa Pblica um conjunto de entidades, independentemente do regime jurdico da sua constituio, prosseguindo uma funo, em parte executiva, mas tambm em grande parte apenas densificvel pelo legislador, congregando um conjunto de matrias sem unidade substantiva prpria, comungando materialmente das caractersticas das funes legislativa (criao de normas jurdicas: os regulamentos) e jurisdicionais (tarefas sancionatrias, etc.), que ultrapassa em muito as tarefas executivas das leis e que melhor se designar como Funo Administrativa, a que corresponder
109 organicamente um Poder Administrativo, em geral subordinado a rgos polticos e ao ordenamento jurdico, e aplicando em geral um ramo especfico do direito, o Direito Administrativo, sem prejuzo do recurso a normas de direito privado (civil ou comercial), quando o legislador ou a natureza da actividade no o impea.
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13. OS RAMOS DO DIREITO E O DIREITO ADMINISTRATIVO COMO RAMO DO DIREITO PBLICO. A MACRODISTINO ENTRE DIREITO PBLICO E DIREITO PRIVADO
Esta diviso do direito em ramos tem sentido numa perspectiva de diviso de matrias, desde logo para efeitos de estudo, efeitos didcticos, ensino, pedaggicos e at para efeitos do estudo de investigao em domnios mais abarcveis, por quem faz, na medida em que o estudo conjunto incindvel de todo o conjunto de normas que formam parte do direito aplicvel num pas, no s o direito criado nesse pas, seria algo sobre humano.
Mas, em certas situaes, revela-se importante em face da especializao do sistema jurisdicional, quer no plano judicirio quer processual (tribunais administrativos e direito processual nos tribunais administrativos, tribunais fiscais e direito processual tributrio, tribunal
110 constitucional e respectivo processo, direito laboral e direito processual do trabalho, tribunais de comrcio, etc.).
*
Fora das exigncias impostas por necessidades racionalizadoras de funcionamento do sistemas jurdico, sero razes ou de ordem cientfica ou meramente de ordem prtica, que levam a que se proceda, desde logo nos estudos nas universidades, mas tambm nos estudos de aprofundamento dos estudiosos, dos investigadores e, muitas vezes, at pelos aplicadores do direito, a que proceda a esta diviso.
Em termos de grandes divises de todo o direito aplicvel em Portugal e nos vrio pases, digamos que h especificidades que nos so bem comuns com pases de Unio Europeia, embora haja sempre reas como o direito internacional que aplicvel, em principio, em todos os pases do mundo.
Mas pode haver matrias do direito internacional que so regionais, o direito europeu, por exemplo, j no se aplica nos pases Americanos ou Asiticos.
As grandes divises, poder-se- dizer que umas segundo o critrio das suas fontes criadoras, porque todos estes ramos so aplicveis em Portugal, mas, em funo das fontes criadoras nacionais e acima do nosso pas, podemos fazer esta grande diviso, daquilo que o direito supra nacional e o direito nacional.
111
Direito nacional aquele que criado por instituies que esto fora do estado Portugus, e que no fundo tm uma posio supra ordenadora no plano normativo, esto acima do Estado.
Teremos, depois, uma diviso, j do direito portugus com um outro critrio, o critrio material, e aqui a grande diviso entre direito pblico comea por ser entre direito pblico e direito privado no caso portugus, nos pases anglo-saxnicos esta diviso nem sequer existe, todos os tribunais julgam tudo, no tribunais administrativos, so os tribunais comuns que julgam todas as matrias.
Mas, no caso europeu continental, em que nos integramos, esta grande diviso interessa excepcionalmente, porque tem repercusses, em vrios domnios de natureza legislativa. *
Todo o direito aplicvel em Portugal ou por Portugal, sofre uma grande diviso, entre o direito de origem supranacional e o direito de criao nacional. O direito supranacional aquele que criado por instncias que esto acima do Estado. Este tambm participar, mas criado na sociedade internacional. E, desde logo, temos o direito internacional pblico, e, tambm, normas criadas nas Instituies da EU. E temos aqui o direito da EU, que comummente tem vindo a ser designado como direito comunitrio (direito comunitrio
112 europeu).
Esta grande diviso tem um interesse no que diz respeito fixao das jurisdies de resoluo de conflitos: o tribunal internacional de Haia ou arbitragem internacional e o Tribunal de Justia da unio Europeia, que conta hoje com uma Primeira Instncia, sem prejuzo dos tribunais nacionais integrarem este complexo jurisdicional, obrigados como esto a aplicar o direito de fonte Comunitria Europeia.
Mas, independentemente de o direito ser de fonte nacional ou supranacional, temos uma macrodiviso, que j vem do tempo do Direito Romano, entre o direito pblico e o direito privado. No entanto, esta diviso no aponta propriamente para ramos de direito. Ela vai permitir que se faa uma diviso em ramos de direito pblico e ramos do direito privado.
Mas, previamente, coloca-se, naturalmente, a questo das fronteiras, ou seja, da distino entre direito pblico e direito privado, que no so ramos temticos mas reas de agregao de ramos com fins variados, especialmente judicirios.
Elas so, pois, duas grandes agregaes do direito, dentro das quais h ramos a integrar conforme a respectiva classificao for de direito pblico ou de direito privado. E, s vezes, h ramos materiais de direito que, por
113 integrarem normas de uma e outra diviso, importa catalogar como ramos de direito ecltico ou misto, o que, portanto, j tem que ver com o facto de uma matria ter simultaneamente normas do direito pblico e de direito privado.
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Comeando por arrumar mentalmente esta grande distino do direito nacional, podemos dizer que ela tambm aparece e pode ser detectada em parte em termos de direito Internacional e de direito da Unio Europeia. Ali temos, v.g., normas mercantis, aqui encontramos normas sobre sociedades, sobre concorrncia no plano da boa f (que no so normas pblicas de defesa do mercado, enquanto instituio pblica), normas tambm do direito privado e criadas a nvel da Unio Europeia. O resto ou so normas de organizao da UE, as suas normas constitucionais, tratando dos rgos e seu funcionamento, ou so normas do direito administrativo, que somam a maioria do direito da Unio, tal como acontece com as do direito internacional pblico.
Vamos tentar ver como que, doutrinalmente, pode ser enquadrada esta diviso. Como podemos ter um critrio que nos permita encaixar num domnio do direito pblico certas normas e no domnio do privado, outras, com implicaes variadas, critrios de interpretao, preenchimento de lacunas? Quais os juzes, os tribunais competentes para
114 decidir nessa matria, etc. etc.
Costumam ser apontados dois critrios. Eu apontaria quatro, o que, na minha maneira de ver, resolve melhor esta macrodistino.
Vejamos. O grande critrio histrico, nascido no tempo dos romanos, expresso pelo grande Jurisconsulto ULPIANO, que faz essa distino: o critrio dos interesses.
Em Portugal, ele foi seguido por um grande administrativista do sculo passado, o professor MARCELO CAETANO, o critrio dos interesses envolvidos.
Dizia ULPIANO que Publicum jus est quod statum rei romanae spectat; privatum, quod ad singulorum utilitatem pertinet. Portanto, segundo ULPIANO, o direito pblico protege os interesses pblicos do Estado, e o direito privado protege, disciplina, os interesses que so privados, os interesses dos cidados.
Um primeiro critrio, bem assente na histria, ainda hoje ser o que colhe a maioria da doutrina pblica e privada, designadamente em Portugal: o critrio do interesse prosseguido pela norma.
O que importa comear por referir, que este critrio tem muito de verdade: este critrio , em geral, em princpio, correcto. E, por isso mesmo, tem sido considerado adequado, na doutrina em geral, que o colhe e
115 o constri a partir da grande maioria dos casos e na grande maioria das normas analisadas. V.g., no caso das normas administrativas sobre Cmaras Municipais, das normas constitucionais sobre o Presidente de Repblica, das normas penais (sobre criminalidade), das normas fiscais (sobre impostos), etc., tidas como no integrando o direito privado, o critrio revela-se correcto, adequado.
Mas acontece que h casos em que o critrio falha, o que significa que no um critrio de valor absoluto.
Ora, quando um critrio necessita de ser colmatado, completado, insuficiente. E quando, gritantemente, ofende um conjunto significativo de casos, importa mesmo alter-lo.
E acontece que se constata que h interesses particulares que acabam por no ser defendidos por normas de direito privado.
O direito processual civil composto de normas de direito pblico e, no entanto, destina-se a regular os conflitos que correm nos tribunais e que tm que ver com particulares, visando dirimir esse conflito e evitar a vindicta privada ou evitar a resoluo privada, base da lei do mais forte. As suas normas so normas do direito pblico de grande interesse para a aplicao da justia na sociedade, que um dos grandes fins do Direito. Ligam-se ao interesse em manter a paz social, que um interesse eminentemente pblico, o qual levou
116 construo das normas judicirias e processuais, ou seja, normas sobre os tribunais, sobre instncias imparciais de resoluo de conflitos, roubando a sua resoluo, meramente, s partes e impondo-a entre privados. E, no entanto, so normas do direito pblico.
Assim, como h normas em codificaes de direito privado, que se impem na esfera meramente privada dos particulares, mas que so normas que mexem fortemente com o interesse pblico, e, no entanto, no deixam, por isso, de ser de direito privado 65 . Ou seja, h, aqui, algo que ultrapassa a pura dinmica dum interesse privado, e, no entanto, as normas consideram-se normas de direito privado.
H outras normas, que so, simultaneamente de interesse e ordem pblica ou de interesse privado e ordem pblica, o que levou alguma doutrina a construir um novo critrio, o critrio do sujeito das relaes jurdicas.
Com efeito, uma certa doutrina abandonou o critrio do interesse, na medida em que ele no resolve, e, portanto, no tem valor cientfico. E, por isso, avana-se com este critrio do sujeito. Segundo ela, as normas sero do direito pblico se disciplinam relaes jurdicas que se estabelecem entre sujeitos, em que ambos ou, pelo menos um, so sujeitos
65 V.g., as regras do direito civil que visam proteger os interesses dos filhos menores, em caso de separao ou divrcio dos pais; as normas de direito civil que dizem que o Estado o sucessor da herana de algum no caso de no haver herdeiros; e, at mesmo, as normas do direito civil que, em Portugal, impem a legtima, para que os titulares de bens no possam deserdar completamente os seus filhos.
117 do direito pblico, o Estado, as autarquias, as entidades de Administrao indirecta, Regies, Municpios, etc..
E, nesta perspectiva, seriam, ento, normas de direito privado aquelas em que ambos os sujeitos da relao jurdica fossem sujeitos privados. Se ambos os sujeitos so sujeitos de direito privado as normas que eles aplicam so de direito privado, mas se ambos, ou um deles, forem sujeitos de direito pblico, ento as normas aplicveis nas suas relaes so de direito pblico. Este critrio, avanado por alguma doutrina mais recente, um critrio que correcto num grande nmero de casos, mas tambm ele falha, porque h casos em que ele no verdadeiro. Com efeito, h situaes em que o Estado ou outras entidades pblicas infra-estuduais decidem, apesar de os sujeitos serem de direito pblico ou um deles o ser, ao abrigo de normas do direito civil. Significa isto que, apesar de serem entidades pblicas, ou, pelo menos, uma -o, no entanto, a norma reguladora da sua actuao de direito privado, seja de direito comercial, seja civil. H, pois, aqui uma excepo neste sentido.
E h casos em que ambos os sujeitos de uma relao jurdica de direito pblico so tambm meramente particulares, como acontece quando uma entidade exploradora de uma auto-estrada uma entidade do direito privado concessionada, seja propriedade do Estado ou no. Neste caso nem sequer sendo uma empresa legalmente classificvel como entidade pblica de direito
118 privado. Com efeito, mesmo que o Estado ainda tenha participao no capital das sociedades de direito comercial, elas alm da comparticipao pblica nos capitais (conjuntamente com capitais privados e at estrangeiros), so sociedades annimas, de direito privado, tenham capitais pblicos ou no. Do outro lado, esto utentes, que so cidados, e, no entanto, as auto-estradas so bens de direito pblico, e o direito aplicvel, os seus regulamentos, so pblicos. O mesmo acontece com, v.g., uma universidade privada, que uma entidade de direito privado ou cooperativo, e os estudantes so obviamente sujeitos privados; mas a relao estabelecida entre estudante e a universidade, no que toca ao ensino, desde que ela seja reconhecida pelo Estado para dar cursos, de utilidade pblica, de direito pblico, aplicando-se-lhe o direito administrativo e no o privado. H aqui entidades do direito privado dos dois lados, mas acontece que, se uma delas estiver no exerccio da Funo Administrativa do Estado, o critrio j no tem sentido, falha.
Em face disto, no pode aceitar-se, cientificamente, nem o critrio do interesse, nem o do sujeito da relao jurdica.
Perguntar-se-: ser aceitvel um critrio complexo, em que a distino fundamental entre o direito pblico e o privado assente numa combinao dos dois critrios: o critrio do interesse com o critrio da qualidade do sujeito.
119 FEITAS DO AMARAL, referindo que defende esta soluo, afirma que ela combinada, mas acaba, de facto, por se afastar e bem da qualidade jurdica da entidade interveniente, dando um sentido diferente ao critrio do sujeito, ao fazer apelo qualidade da interveno e no do actor, qualidade em que a entidade age, com recurso ou no a poderes de autoridade, independentemente da qualidade de entidade pblica ou privada que se tenha. Com isto no afasta as entidades privadas que exeram poderes pblicos.
Com efeito, importa esclarecer que, na aplicao do direito pblico, at podem estar implicadas duas entidades privadas, uma delas exercendo uma tarefa da Funo Administrativa do Estado-Comunidade, base de um contracto de concesso, o que tambm pe em causa o critrio do sujeito, mas no o da qualidade interventiva, apenas dependente de um deles intervir ou no com recurso a poderes de autoridade.
Sendo assim, se uma autoridade de direito pblico no exerce o poder de autoridade, admitindo que isto lhe d uma qualidade interventiva que j no seria do direito pblico, tambm possvel que a relao se passe entre duas entidades de direito privado, em que uma delas exerce a funo administrativa, no usando poderes de autoridade. Pode exercer tarefas de interesse pblico sem usar poderes de autoridade, pois, tal como um sujeito de direito pblico pode no usar poderes de autoridade, tambm um
120 sujeito de direito privado, no exerccio de uma funo pblica, pode no usar poderes de autoridade. Isto , ou usa normalmente direito Administrativo ou usa direito privado. Ou seja, mesmo quando uma entidade pblica recorre ao direito administrativo, ou quando uma autoridade privada, no exerccio de uma funo administrativa, concessionrio de um servio pblico, de um servio pblico ou da explorao de um bem pblico, e, por isso, est no exerccio de uma funo administrativa pblica; essa entidade pode no recorrer aos tais poderes de autoridade.
Mas, alm disso, importa ainda esclarecer que, seja ela de direito privado ou pblico, ao recorrer ao direito privado nunca estar a aplicar o mero direito privado, ou seja, um regime normativo igual quele a que recorrem os cidados, porque h uma norma na Constituio que diz que toda a entidade, que exera funes administrativas pblicas, tem que respeitar o princpio da igualdade, o princpio da imparcialidade, o princpio da proporcionalidade, o princpio da justia, da boa f, etc., isto , tem que aplicar os vrios princpios que so fundamentais no desenvolver da actividade da Administrao pblica.
Isto significa que, mesmo quando uma entidade, no exerccio da funo administrativa, aplica o direito privado ela no o aplica da mesma maneira que uma empresa privada. Um empresrio privado, ao aplicar o direito
121 privado, pode escolher e contratar para seu director ou para um quadro da sua empresa o seu filho, primo, pai, quem ele quiser, j que a empresa dele. Se contrata algum sem mrito, sem experincia ou sem capacidade, o prejuzo ser dele.
O Estado no pertence aos seus dirigentes, que so meros representantes e actores na prossecuo do interesse colectivo e, por isso, mesmo agindo em direito privado, no o podem fazer na qualidade de privados, que no assumem, v.g., contratando trabalhadores em direito privado sem qualquer limite em termos de quantidade ou qualidade. No mnimo ter-se- que fazer preceder esse acto de um processo objectivo, simplificado que seja, de seleco, um processo de escolha que respeite o princpio da igualdade e o do mrito.
O Estado tem de dar hipteses de emprego a todos os cidados em condies de igualdade, ou seja, respeitando o princpio da igualdade e da imparcialidade, enquanto uma empresa privada, em princpio, pode tratar de modo desigual os pretendentes a emprego, os seus compradores de bens ou utilizadores de servios, respondendo apenas perante os seus fornecedores ou trabalhadores quando desrespeitem as normas legais ou contratuais que envolvem a relao comercial ou laboral. Pode, v.g., se assim o entender, vender a um preo mais caro a um comprador do que a outro. O que no pode deixar de pagar aos fornecedores o que compre, aos trabalhadores a remunerao mensal ou aos prestadores de servios o valor acordados por estes
122
O direito privado, quando aplicado por uma entidade que desempenha a funo administrativa, um direito privado administrativizado.
Em face disto, podemos aceitar o critrio resultante do tipo da funo exercida por um dos sujeitos da relao jurdica e da natureza dos interesses protegidos. Isto , no importa se uma entidade tem em si mesma uma dada qualidade. A qualidade do sujeito, se do direito pblico, criado ao abrigo do direito pblico ou do direito privado, no isso que lhe d qualidade diferente ao direito que usa. Nem mesmo o facto de aplicar ou no poderes de autoridade. O Estado no deixa de ser Estado por aplicar o direito privado e no exercer poderes de autoridade.
De qualquer modo, a distino s pode passar por um critrio misto, seja o do tipo da funo exercida por um dos sujeitos da relao jurdica ligada natureza dos interesses envolvidos, dos interesses a proteger, ou outra tida como mais correcta.
O critrio dos interesses, conjugado com o da qualidade da interveno, com poderes ou no de autoridade, parece s formalmente ser um critrio misto, pois o recurso a poderes de autoridade pblica s concebvel por parte de entidade no interesse pblico, no desempenho de funes administrativas pblicas, pelo que se reduz de facto a um critrio unicitrio, que dispensa a invocao do elemento de interesse pblico, que lhe nsito.
123
Podem ser interesses pblicos da colectividade, a defender por entidades pblicas, ou podem ser, at, interesses desta ordem a defender normalmente por privados, interesses colectivos e difusos, como os da defesa do ambiente, do urbanismo, do ordenamento do territrio, defesa do patrimnio cultural, defesa de bens do domnio pblico, que nunca utilizaram poderes de autoridade e, no entanto, aplicam direito pblica etc..
O que mostra que o critrio, mais do que cumulado, combinado, seria alternativo: nuns casos -basta o interesse pblico a realizar-, e pode at no coincidir com a existncia de poderes de autoridades; e, noutros, coincidem ambos os elementos.
No fundo h que fazer intervir ou o critrio da natureza do interesse a proteger (que podem ser pblicos, difusos ou colectivos de base territorial), ou o critrio da funo pblica exercida juntamente com a qualidade em que o sujeito intervm, sem prejuzo de haver situaes de cumulao destes elementos, o que, de qualquer modo, no ocorre sempre.
A questo do interesse, parece-me, realmente, completamente inultrapassvel. No pode deixar de ser chamada colao, contrariamente queles que defendem o mero critrio do sujeito. Mas, o critrio do interesse sozinho no resolve muitas das situaes, o que explica a sua contestao por
124 uma parte da doutrina, que se virou para o critrio do sujeito.
No entanto, se o critrio do sujeito tem algum sentido numa formulao que, tendo que ver com o sujeito de direito pblico ou privado, tambm no deixe de ligar, no propriamente qualidade do sujeito, mas ao tipo de interveno a que recorre, com exerccio ou no dos poderes pblicos, o que no muda a qualidade do sujeito.
o tipo da funo exercida, qualquer que seja a qualidade do sujeito, que um elemento decisivo. Ou seja, mais do que a questo do sujeito, o tipo da funo exercida por um qualquer sujeito que conta. Aqui, no fundo, desvaloriza-se o critrio do sujeito, na medida em que o sujeito apenas decide sobre os poderes que pretende ou no usar, mas os poderes no se confundem com o sujeito.
Mas se se preferir, dir-se-ia que, no fundo, atende- se qualidade em que o sujeito pblico ou privado intervm em cada relao jurdica. E diz-se que, se o Estado ou um ente pblico menor, um outro ente administrativo, intervm em dada relao dotado de poderes de autoridade sobre os particulares, numa posio de supremacia jurdica, quanto a eles, a temos direito pblico. Mas se o Estado, ou uma outra entidade, intervm em dada relao sem poderes de autoridade, isto , com recurso ao direito privado, a temos um critrio que, no
125 fundo, no fica em causa, na medida em que ele no intervm na qualidade de ente pblico, no intervm numa qualidade de titular de poder de autoridade. Parece ser este o critrio de Feitas do Amaral
uma soluo que evita as dificuldades dos critrios anteriores, mas, de qualquer modo, analisando esta construo terica, importa esclarecer que, mesmo quando um rgo da Administrao Pblica intervm em posio de mero recurso ao direito privado, no despe totalmente a suas vestes pblicas. Se assim fosse, porque existem condicionantes, consequncias e particularidades, que sempre acompanham a sua actuao, mesmo agindo em gesto privada? V.g., existe, por imposio do direito administrativo, o direito de reverso de um bem imvel adquirido em processo contratual amigvel em qualquer cartrio entre uma Administrao e um proprietrio, que evitou uma expropriao jurisdicional, se depois o bem ficar sem utilizao no perodo de dosi anos ou no for utilizado para o fim enunciado? Com um outro adquirente tal no teria sentido. E porque deveria, ento, aplicar-se sempre os princpios pblicos da actividade administrativa, nos termos impostos pela Constituio e pelo Cdigo do Procedimento Administrativo?
No fundo, ente pblico sempre. Mas no intervm dotado de poder de autoridade. No recorrendo ao direito administrativo, que lhe d poderes especiais, lhe permite a imposio de solues,
126 ento no interviria nessa qualidade, mas interviria como sujeito privado.
A Administrao, mesmo agindo com recurso ao direito privado, no despe as vestes de entidade pblica. Nunca ser um actor a comportar-se em qualidade no pblica. Ou seja, nunca deixa de ter a qualidade pblica e nem sequer intervm despido dessa qualidade
No entanto, parece-nos que sempre haveria que se corrigir a designao do critrio, pois a qualidade dele no deixa de ser de direito pblico, a sua interveno concreta que no o seria a esse ttulo estatutrio.
E, ento, deveria dizer-se que seria o critrio combinado do interesse pblico com a qualidade concreta da interveno do sujeito (e no dele enquanto tal), que prossegue tal interesse pblico.
Dito isto, vamos, ento, dar a definio de direito pblico e de direito privado.
Poder-se-ia definir estes dois blocos do ordenamento jurdico segundo o critrio do conferimento ou de poderes de autoridade, dizendo que o direito pblico o conjunto de ramos jurdicos, que tendo em vista a prossecuo do interesse colectivo, conferem para esse efeito, a um dos sujeitos da relao jurdica, poderes de autoridade sobre o outro?
127 Por um lado, o direito pblico no um ramo de direito e o privado, tambm no. So sub-conjuntos do ordenamento jurdico resultantes da agregao parcial dos ramos de direito, sendo certo que existem reas eclticas, cujo estudo global ser incompleto sem a considerao conjunta de normas de direito pblico e normas de direito privado.
Por outro lado, a referncia a poderes de autoridade tambm no parece totalmente correcta, por no ser decisiva na caracterizao do exerccio de todos os poderes pblicos e do conjunto das normas do direito pblico; mas usada nalguma doutrina para evitar o critrio tradicional do interesse que em si insuficiente ou optar por um critrio meramente formal para fundar essa macrodistino.
No fundo, trata-se de uma summa divisio, sendo certo que se no fossem preocupaes de demarcao por exigncia do direito judicirio, podamos abstrair desta grande primeira diviso, em termos das divises dos ramos de direito. Ou seja, s a mantemos porque ela tem vrias implicaes na organizao e poderes dos tribunais e sua jurisdio, os quais vo tratar diversificadamente, de imediato ou em ltima instncia, os vrios ramos materiais do direito, quer no caso portugus, quer doutros Estados da Europa Continental.
Feitas estas reservas, diria que: a)- o direito pblico deve ser considerado como o
128 conjunto de normas jurdicas que disciplinam directamente interesses de natureza pblica e a organizao e exerccio de funes pblicas exercidas com poderes de autoridade; e b)- o direito privado o conjunto de normas jurdicas que regulam a actividade intersubjectiva dos particulares (entre uns e outros), sem interveno dos poderes pblicos, e que, mesmo que integrem solues no interesse pblico, o fazem sem recurso a poderes de autoridade pblica.
No que diz respeito ao direito administrativo, este um ramo do direito pblico. Vamos dar a sua definio.
***
14.NOO DE DIREITO ADMINISTRATIVO
Caracterizada a Administrao Pblica como o conjunto de entidades, de direito pblico ou privado, exercendo tarefas segundo o direito pblico ou privado, que desempenham a Funo Administrativa do Estado- Comunidade, passemos a problemtica sobre a ontologia do direito administrativo.
O que , ento, o direito administrativo? A procura de uma definio para o direito administrativo est ligada a escolas jurdicas que se foram afirmando em Frana: - as escolas clssicas de LON DUGUIT (escola
129 do servio pblico) e MAURICE HAURIOU (escola do poder pblico); - as doutrinas eclticas de MARCEL WALINE e REN CHAUS; e - a doutrina das base constitucional de GEORGES VEDEL.
O direito administrativo cobre todas as reas da vida da Administrao Pblica, dado que a existncia das diferentes pessoas colectivas, rgos, servios e pessoal e a gesto dessas pessoas colectivas est sujeito ao princpio da submisso da Administrao ao direito.
E quais so os princpios fundamentais do direito administrativo? Quais os princpios essenciais que possvel retirar da massa imensa de normas jurdico-administrativas?
Os autores voltam, hoje, a tentar reconduzir todas as normas administrativas a uma unidade passando pela noo central, que serviria de critrio identificador, do servio pblico. Noo que h muito entrara em crise, aps o seu apogeu, no incio do sculo XX, com a teorizao de DUGUIT e JZE, a partir de certos Acrdos do Conselho de Estado e Tribunal de Conflitos franceses.
Nos seus termos, que hegemonizaram, pela sua simplicidade e operatividade, a jurisprudncia e a doutrina da primeira metade do sculo passado, a diferena essencial entre a actividade pblica e privada residiria no facto de a
130 primeira estar consagrada gesto de entidades desempenhando tarefas ligadas satisfao do interesse geral (necessidades colectivas), ou seja, servios pblicos.
Isto levava a permitir a definio do Direito Administrativo como o direito dos servios pblicos, assim se separando os campos jurdicos e jurisdicionais: os servios pblicos marcam simultaneamente o contedo do Direito Administrativo (com as solues que lhe so prprias, configuradas segundo uma razo de ser unificada pelas necessidades do servio pblico), a fronteira do Direito Administrativo em face dos outros ramos do direito e a competncia dos tribunais administrativos.
Acontece que a Administrao Pblica no se limita a gerir servios pblicos (v.g., quando exerce o poder regulamentar circunscritivo da actividade dos particulares, a chamada actividade de polcia), sendo certo que o direito administrativo tem uma funo mais ampla do que aquela para que esse critrio aponta, enquanto que, por outro lado, a gesto do servio pblico no tem que utilizar apenas o direito administrativo, o que fazia j aparecer uma rea tradicional de excepes ao princpio definidor do direito administrativo.
E acontece que, aps a primeira guerra mundial, se acentuaram as mudanas econmico-sociais superadoras da teoria liberal, que j vinham do sculo XIX, num desafio crescente ao aumento das tarefas administrativas, com a concomitante alterao do conceito de interesse pblico, a partir do fim desse sculo (deixando de integrar um
131 nmero limitado de tarefas bem definidas, que alis, em si mesmas, por razes de operacionalidade, j vo impor outro tipo de exigncias para a sua realizao eficaz, num fenmeno de extenso das tarefas clssicas), passando-se a um Estado intervencionista, Estado que vai proteger e incentivar empresas privadas ou mesmo control-las, devido ao perigo da sua interferncia sobre o poder poltico, e tambm, depois, a ter servios sociais (no Estado- providncia), vai intervir na gesto da vida urbana, etc.
Esta ultrapassagem das tarefas tradicionais para um desenvolvimento de servios econmicos e sociais muda a natureza tradicional da actividade administrativa, que vai exigir novos instrumentos de aco e colocar em cheque a noo tradicional de servio pblico.
O Estado, ao assumir actividades econmicas, isto , industriais e comerciais, com fins lucrativos e, por isso, desenvolvendo actividades da mesma natureza dos particulares, organizadas segundo um mesmo modelo estrutural e em concorrncia com essas empresas privadas, vai ter de lhes aplicar o mesmo direito que elas (alm do Fiscal, tambm o Direito Privado, quer o Civil quer o Comercial), hoje inelutavelmente por imperativo do Direito da Unio Europeia. E vai ter de as sujeitar, tambm, na resoluo dos conflitos relacionais, aos mesmos tribunais da jurisdio comum. Elas escapam, portanto, ao direito administrativo, excepto as que, apesar de ter forma empresarial, sejam de ndole poltica, realizando servios pblicos.
132
Ao mesmo tempo, o Estado confia certas funes pblicas a entidades de direito privado, suas ou pertencentes a particulares. E mesmo nos servios tradicionais vai aplicando, cada vez mais, o direito privado em simultneo com o direito administrativo. Tudo revelando que o servio pblico no tem de ser construdo e gerido necessariamente com recurso ao direito da organizao administrativa ou ao direito da actividade administrativa, ou seja, ao direito administrativo.
As entidades que desempenham a actividade administrativa agem ou em gesto pblica, assumindo o seu poder administrativo, ou em gesto privada.
Da a crise da concretizao de uma noo unificadora do direito administrativo.
Em face disto, alguns autores, tm pugnado por outra construo: REN CHAPUS props aquilo que poderamos chamar de uma concepo dual estruturada em dois crculos, continuando o critrio fundamental do Direito Administrativo a estar ligado noo de servio pblico e o critrio da competncia da jurisdio administrativa a estar ligado ao exerccio do poder administrativo.
Mas tal distino no colheu o apoio da doutrina, que continuou procura de um critrio nico.
133
E haver outro princpio geral capaz de organizar sistematicamente o conjunto das normas jurdicas, a demarcar como Direito Administrativo, de modo a fugir a um critrio dual, ou a critrios empricos (critrio da necessidade ou critrio do voluntarismo, na afectao de privilgios ou na limitao de poderes) ou, pior ainda, a um critrio sem critrio, de afirmao de um puro existencialismo jurdico-administrativo, reduzindo-o a uma simples coleco de solues de casusmo legal, administrativo ou jurisprudencial? Isto, sabendo-se que a Constituio portuguesa permite toda a iniciativa organizacional pblica (mesmo de ndole econmica, embora com aplicao dos mesmo princpios comunitrios da livre e leal concorrncia), independentemente da realizao de qualquer servio pblico, mas pela simples invocao de um dado interesse pblico?
Ser que a noo de interesse pblico ou a noo de utilizao de poder de autoridade podem desempenhar este papel?
Em Frana, MARCEL WALINE, durante algum tempo, tentou defender a substituio da noo de servio pblico pela noo de interesse geral, dado o facto de ela comandar toda a actividade da Administrao Pblica, mas os problemas introdutores da crise da noo de servio pblico, voltam a afirmar a sua fora destrutiva, dado que a generalidade dos servios industriais e comerciais aplicam o princpio da gesto privada, precisamente por
134 imperativo de interesse geral, nacional e Comunitrio Europeu.
, portanto, uma noo que comanda a aplicao de qualquer ramo do direito, questo puramente instrumental a objectivos que no so a nsitos ao direito administrativo e que este alis em certas situaes at prejudicaria. Isto , precisamente o interesse pblica a impedir a aplicao do direito administrativo, pelo que ela no pode caracterizar o direito administrativo.
A noo de poder de autoridade, combinada com a de poder executivo, foi objecto de elaborao (mas com um contedo redefinidor do conceito clssico de autoridade pblica), desde a dcada de sessenta at princpios da de oitenta do sculo passado, por parte de VEDEL, na suas aulas, e, designadamente, num artigo intitulado As bases constitucionais do direito administrativo.
Segundo esta tese, o direito administrativo seria o conjunto de normas autnomas aplicveis actividade administrativa com recuso puissance publique. Ou melhor, ele seria o direito comum do poder administrativo, englobando no s as prerrogativas da Administrao, os poderes de autoridade, mas tambm as normas derrogatrias ao direito privado que caracterizam a aco administrativa. No , portanto, uma concepo ligada aos poderes de autoridade da Administrao Pblica.
E, de tese em tese, vivemos, hoje, sem ter, ainda,
135 descoberto o tal critrio unificador do direito administrativo. Alguns autores acreditam que ser, ainda, na procura de uma teorizao refundadora da, historicamente mais fecunda, noo de servio pblico que este escopo poder ser conseguido.
A noo de servio pblico s operativa na medida em que esteja ligada ideia de Funo Administrativa do Estado (Estado em sentido amplo de Estado- Comunidade, todos os poderes administrativos existentes dentro de um Estado, e no s de administrao estadual, que apenas uma das Administrao Pblica que realizam essa funo).
Seria descaracterizar tal noo, tratando como um todo aquilo que apenas parte. Mas deste tema trataremos posteriormente a propsito da Administrao em sentido material.
As dificuldades sobre a definio e os critrios identificadores do direito administrativo e da repartio das competncias jurisdicionais resultam da complexidade crescente da sociedade actual e da actividade administrativa que a segue e procura adaptar-se a ela.
, pois, um fenmeno normal da sociedade moderna, nesta sua fase de evoluo, acompanhando por vezes orientaes de sentido diferente.
H o reenquadramento de velhos problemas ou problemas novos que vm trazer a alterao de tcnicas
136 jurdicas tradicionais (Administrao sancionatria, acompanhando a tendncia descriminalizadora de comportamentos sem dignidade penal; ou a Administrao programadora e planificadora, v.g. planos administrativos no domnio da economia, ordenamento do territrio e urbanismo, com normas sem carcter geral, de tipo directivo -no executria nem puramente interpretativa-, de durao determinada, de aplicao diferida dada a sua natureza prospectiva) ou impor o recurso a novas modalidades de interveno (administrao incentivadora e de concertao) e simultaneamente inflexes neoliberais de liberalizao de intervenes com prevalncia de processos contratuais ou a reprivatizao, acompanhando orientaes de descomprometimento directo da Administrao Pblica designadamente na economia, mas no s, mexendo por vezes j com reas tradicionais da grande administrao, ligada a tarefas da soberania (com fugas ao direito administrativo que muitas vezes so fugas ao controlo pblico).
O direito administrativo sempre chamado a absorver estes fenmenos, por que ele um puro instrumento ao servio da sociedade. Ele impe-se sociedade, mas a sociedade tambm se impe a ele, no o deixando sedimentar e ganhar a estabilidade suficiente para uma construo terica que consiga perdurar. ***
Chegados a esta altura da exposio da matria, j possvel dar uma noo de direito administrativo, em termos
137 compreensveis. A que costumamos dar, mais ou menos nos termos que se seguem, vai naturalmente, independentemente das expresses usadas, na linha da que corrente na nossa literatura jusadministratista.
O direito administrativo o sistema de normas jurdico-pblicas que disciplinam a organizao, o funcionamento e o relacionamento das entidades da Administrao Pblica entre si e com os particulares, no exerccio da funo administrativa, assim como a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
Em termos de noo mais omnicompreensiva, podemos dizer que o direito administrativo o ramo do direito constitudo por normas jurdicas de carcter organizacional (direito orgnico da Administrao), processual (direito procedimental administrativo e outro de natureza processual, regulando os comportamentos da Administrao) e material, ou seja, que disciplinam a organizao (entidades que desempenham a Funo Administrativa do Estado-Comunidade, suas atribuies, seus rgos, competncias e servios; diferentes pessoas colectivas (pblicas que desempenham tarefas da satisfao de necessidades colectivas da populao legalmente assumidas como integrantes da funo administrativa do Estado e entidades particulares, concessionrias ou delegadas destas), o seu funcionamento e o relacionamento entre elas com os particulares e outras Administraes (a maior parte de natureza material, direito
138 objectivo da Administrao, designadamente dos diferentes ramos do direito administrativo especial; caracterizadas quer pela atribuio de prerrogativas e sujeies administrativas, quer pelo exerccio de direitos), com recurso gesto pblica (aplicao de direito pblico, e, nessa medida, sujeitando os conflitos que da resultantes apreciao dos tribunais da jurisdio administrativa).
A gesto privada a designao usada precisamente nas situaes em que a Administrao age com recurso no ao direito administrativo, mas ao direito privado, e nessa medida sujeitando os conflitos que da surjam apreciao dos tribunais comuns. Pelo contrrio, a expresso gesto pblica quer dizer administrao com recurso ao Direito Administrativo e sujeita aos tribunais administrativos.
Voltando a consideraes sobre a definio do direito administrativo, podemos dizer, de outro modo, em termos mais explcitos, que o direito administrativo o conjunto de normas jurdicas que, no fazendo parte do direito privado, regem essencialmente como seus objectivo primrio a organizao da funo Administrativa e a sua actividade, integrando, pois, essencialmente mormas sobre: a)- a organizao e o funcionamento da Administrao Pblica; b)- as relaes estabelecidas entre entidades das diferentes pessoas colectivas (pblicas ou privadas que desempenham tarefas da satisfao de necessidades colectivas da populao legalmente assumidas como
139 integrantes da funo administrativa do Estado); e c)- as relaes destas com os particulares, caracterizadas: )- quer pela atribuio de poderes regulamentares e prerrogativas decisrias, ligadas ao regime de auto-tutela declarativa e executiva e, ainda, a especificidades do direito contratual pblico )- quer de sujeies administrativas, inexistentes na disciplina do direito privado imposta regulao de relaes materialmente semelhantes estabelecidas entre os particulares.
Recapitulando, tendo presente a globalidade das normas- objectivo, normas-meio e normas-garantia, podemos dizer que o direito administrativo constitudo por normas de carcter organizacional, de funcionamento, procedimental e material, tipificveis essencialmente em termos quadridimensionais: normas orgnicas (direito orgnico da Administrao), funcionais (normas de direito procedimental e outras de regulao dos comportamentos da Administrao) e relacionais (a maior parte de natureza material, direito objectivo da Administrao, designadamente dos diferentes ramos do direito administrativo especial e sancionatrio administrativo) e normas garantsticas.
***
Depois de, j anteriormente, termos dedicado algumas palavras origem histrica da expresso, importa passar agora a tecer tambm breves notas sobre os vrios
140 ramos do direito administrativo e outras reas da cincia jurdica, a autonomia, formao, evoluo e crise deste ramo do direito e, posteriormente, o desenvolvimento do tema do direito administrativo como sistema normativo: modelos da submisso da Administrao ao direito, ou seja, em que termos est hoje a Administrao sujeita ao direito, quer actue em gesto pblica ou em gesto privada, referindo aqui a teoria do direito privado administrativo ou administrativizado e a sua consagrao no ordenamento constitucional e ordinrio portugus, preparando, para um momento posterior, a questo dos modelos de organizao e submisso tribunais: o sistema de dualidade de jurisdio ou de regime administrativo, o sistema unitrio e o sistema paradual. Diferenas, semelhanas e linhas de aproximao.
No que diz respeito aos vrios ramos do direito administrativo, quer com autonomia cientfica, quer meramente pedaggica do estudo do direito administrativo, quer sua relao com outras reas da cincia jurdica, de natureza auxiliar, importa comear por fazer a distino entre o direito administrativo geral e os direitos administrativos especiais, definindo alguns destes ramos, domnios especficos do direito administrativo e mesmo reas de estudo mistas.
***
15.A CINCIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO GERAL
O que o direito administrativo geral? Importa fazer algumas consideraes prvias sobre
141 o que uma parte geral de um ramo do direito 66 ,
A dianemologia jurdica 67 , nos nossos estudos superiores, normalmente acompanhada pela formulao e estudo de uma disciplina de Introduo ao Estudo do Direito 68 , Teoria do Direito 69 ou Princpios Grerais de Direito 70 , alm de uma Teoria Geral do Direito Civil, a que se segue, posteriormente, muitas vezes, as Noes Fundamentais de vrios ramos do Direito 71 , antecedendo
66 V.g., em geral, HERNNDEZ GIL, A. Metodologa de la ciencia del Derecho. Vol.I, Madrid, 1971, p.171. 67 significa repartir. 68 Em geral, nos Cursos de Direito, em Portugal. 69 V.g., primeiro ano de Faculdades de Direito em Espanha. 70 V.g., primeiros anos de vrias licenciaturas do ISCSP, UTL. 71 V.g., a recente aprovao governamental da proposta da UI de Lisboa (para todas as reas cientficas, com excepo das Cincias Jurdico-Polticas, com incio logo em Direito Constitucional, Administrativo e Fiscal), para a sua licenciatura de Direito, em que se d grande destaque temeliologia (, , fundamento) das principais reas cientficas do direito (sobre direito procedimental- normas diagogticas (, ); direitos processuais normas diquticas (, , aco judicial, vocbulo que, embora sem abarcar a riqueza do contedo dos direitos processuais, pretende, de qualwuer modo, acentuar, explicitar a separao, a diferena de natureza, entre o procedimento e o processo); e normas onomticas (, , substantivo): sobre criminalidade, economia e relaes privadas). Como abordagem inicial s reas de Cincias Jurdico- Processuais, Cincias Jurdico-Criminais, Cincias Jurdico-Econmicas e Cincias Jurdico-Civilistas, das cadeiras de Noes Fundamentais sobre Resoluo de Conflitos, Noes Fundamentais de Direito Penal, Noes Fundamentais de Economia e Noes Fundamentais de Direito (do direito em geral, aqu integrando no s a dianemologia (teoria referente s razes da existncia dos vrios ramos de direito, cuja inexactido deriva no s da comparao com a rvore em termos de tronco (Direito Constitucional tronco ou ramo? e DIP? e DUE? Como so ramos? Afinal quantos troncos? Ou seja: que tronco? Ou troncos? Ou afinal ramos mais grossos? Troncos secundrios?) e ramos (direito pblico e privado so ramos? ou troncos? Ou terceiros troncos? No ser que os verdadeiros ramos acabaro por sair meras folhas? So ramos ou fazem parte do grande tronco?), o conceito de separao ser prefervel) como a catstese jurdica (:, formao, instituio, termo prefervel ao vocbulo fonte de direito). Ns prprios publicamos, para um curso semestral, em 1999, de Direito Administrativo II, um manual de Noes Fundamentais de Direito do Urbanismo (Direito do Urbanismo: Noez Fundamentais. Lisboa: Quid Juris?, 1999), que visou intrroduzir os alunos nestas
142 os desenvolvimentos das suas matrias ou das reas especiais, temticas desse ramo. Mas, para alm das noes introdutrias, temos em certas reas, construes tericas gerais no mbito de um dado ramo jurdico.
No aqui o lugar para traar a distino entre teoria geral e dogmtica 72 , paradigma dominante e paradigma cientfico 73 , sistema, sistema orgnico ou conceito orgnico de sistema ou conceito lgico de sistema (reduo da cincia do direito ao conceito lgico-dogmtico, na jurisprudncia dos conceitos), sistema piramidal, etc. 74 , mas no deixaremos de referir, sucintamente, alguns aspectos desta temtica.
O conceito de cincia em geral vai seguindo muito numa linha de reflexo dependente da evoluo das descobertas, no campo das cincias naturais, desde a inicial concepo racionalista absoluta at aos nossos dias, at s descobertas do sculo XX, que fizeram romper com os conceitos tradicionais de natureza, causas, leis fixas, proposies evidentes, que foram substitudos por outros mais adequados de
matrias, a desenvolver mais tarde no programa de urbanismo e ambiente a ministrar na cadeira de Direito Administrativo III. 72 Sobre a contraposio, nem sempre fcil, entre teoria geral e dogmtica na cincia do direito, v.g., PREZ ROYO, J. -El proyecto de constitucin del Derecho pblico como ciencia en la doctrina alemana del siglo XIX. REP, n.1, 1978, p.67 e ss.; GEBER, C.F. von Diritto Publico. Milo: Guiffr, 1971, traduo de Grundzge des deutschen Staatsrechts, 1865-1880; LABAND, P. Das Staatsrecht des Deutschen Reiches. Aalen: Scientia, 1964, Vol.I, p.IX, reimpresso da 5. Ed., 1911. 73 RUIZ RICO, J. J. -Problemas de objectividad y neutalidad en el estdio contemporneo de la politica. REP, n.205, 1975, p.191-192; Kuhn, Thomas S. La estructura de las revoluciones cientficas. Madrid: FCE, 1962, p.42 e ss, p.275 e ss, - Segundos pensamientos sobre paradigmas.Madrid: Tecnos:1978, p.13, nota 4. 74 WILHELM, Walter -oc, p.66 e ss, 86 e ss.
143 sistema de relatividade, princpios operativos, premissas convencionais, etc 75 .
Segundo refere HERNNDEZ GIL, a parte geral de uma disciplina () a prova mais palmar, o expoente mais acabado do que a que aspira a dogmtica, constituindo o resultado de um processo lgico completo, aparecendo como um cume que se escala atravs de um procedimento rigorosamente indutivo, sendo com os elementos comuns dos conceitos integrantes do sistema que se formam uns conceitos ainda mais gerais que so a quinta-essncia do sistema: os pontos em que este se unifica 76 , fazendo-se no entanto, habitualmente, a distino entre elaborao conceptual geral de uma matria e construo dogmtica por referncia ao sistema jurdico prprio 77 .
No se trata, pois, de apresentar uma teoria geral do direito administrativo, maneira de ADOLF MERKL, mas de uma teoria mais modesta dos princpios estruturantes da construo, da onticidade e da teleologia normativa do direito administrativo, com objectivos didcticos, ligando-os principiologia enquadrante e explicativa do sistema constitucional.
75 Na expresso sinttica de BALAGUER CALLEJN, F. -o.c., nota 29, p.28. Sobre o tema, Vide BOBBIO, N. Teora della scienza guiridica. Turim: Giappichelli, 1950, p.200. 76 A, e o.c., p.178. 77 Nas expresses de BALAGUER CALLEJN o.c., 2 da nota 31, p.30. Sobre o tema, sobretudo, CRISAFULLI, V. Lezioni di Diritto costituzionale. Vol.I, Pdua:Cedam, 1970, p.43 e ss.;ver tambm sobre sistema e dogmtica jurdica, LUHMANN, N. Rechtssystem und Rechtsdogmatik, 1974.
144 A propsito no deixarei de referir a lapidar concluso de PAULO OTERO sobre a temtica em geral das partes gerais dos programas das cadeiras. Diz ele, a propsito do programa de uma cadeira designvel como Direito Vida: H, desde logo, que separar aquilo que se pode designar como uma parte geral e uma parte especial no mbito do Direito da Vida: existe um conjunto de matrias que, dizendo respeito a todos os problemas especficos e revelando-se operativas no enquadramento de todas as questes, tm uma precedncia lgica sobre as matrias mais circunscritas ou especficas - aqui reside o fundamento da referida parte geral.
Neste mbito de reflexo, agora mais situada no mbito do direito administrativo, permitimo-nos ainda introduzir na reflexo a posio de CHAPUS. O autor resume as consideraes sobre o que considera o direito administrativo geral do seguinte modo 78 :
Les moyens d'action de l'administration: ce pourrait tre le sous-titre de ce volume par lequel se poursuit et s'achve l'tude du droit administratif gnral, tel que j'ai prcdemment essay de le dfinir (). Tel est, en tout cas, l'intitul par lequel les auteurs classiques (de Maurice Hauriou Marcel Waline) justifiaient que fasse l'objet d'une partie de
78 CHAUS, Ren -Droit administratif gnral. Tome I, 4.e d., 1988 (n15 e ss.) e de novo em Avant-propos. In Droit administratif gnral. Tome 2, 3.e d., Paris :Montchrestien, 1998,
145 leur ouvrage ou d'un ouvrage distinct l'tude de matires aussi diverses - en elles-mmes comme par l'tendue des dveloppements qu'elles appellent - que celles auxquelles ce volume se rapporte. Moyens en personnels, et c'est l'tude de la fonction publique. Moyens en biens, et c'est celle du domaine des personnes publiques. Moyens de ralisation d'oprations immobilires (relevant du droit administratif gnral) : c'est l'tude, d'une part des travaux publics, et d'autre part de l'expropriation pour cause d'utilit publique ( laquelle, il convient de comparer les droits de rquisition et de premption) 79 .
No fundo, partilhamos da posio dos que consideram como direito administrativos geral, as matrias que, no autonomizadas em termos de cadeiras acadmicas, se referem s vrias Administraes e sua tipologia interventiva e modos de agir, ou seja, alm dos fundamentos conceptuais da matria e das fontes normativas, a teoria referente organizao (estadual e infra-estadual; institucional, empresarial, associativa; atravs de entidades particulares) e actividade administrativa, incluindo a teoria da sua responsabilidade (e meios garantsticos de reaco dos administrados, a justia administrativa), e, ainda, os meios ao servio das Administraes pblicas em geral (direito da funo pblicas e dos bens
79 O regime de obras pblicas (travaux publiques) tanto se aplica s obras efectivadas por entidades pblicas como s efectivadas por particulares desde que tenham um fim de interesse pblico e sejam realizadas no cumprimento de uma misso de servio pblico, que incumba a uma pessoa pblica(Tomo 2, oc, p.388).
146 das administraes pblicas).
Portanto, e, nesta linha de orientao, a cincia do direito administrativo geral integra o estudo cientfico de matrias que se prendem com os fundamentos conceptuais do Direito Administrativo, desde o prprio conceito deste ramo do direito, tipologia das suas normas, problemtica da gesto pblica e gesto privada pela Administrao Pblica e do concomitante uso de um direito privado administrativizado; as diferenas entre o Direito Administrativo e outros ramos do direito pblico, especialmente a sua relao com os direitos internacional, unionista europeu e constitucional, e a comparao e interligao com reas cientficas auxiliares do Direito Administrativo e ainda a diviso do Direito Administrativo nos seus vrios ramos especiais; a teoria das atribuies e competncias, teoria dos rgos (especialmente, os colegiais) e dos servios pblicos administrativos, da delegao de poderes, a teoria do poder de direco e da hierarquia e do enquadramento do princpio da obedincia dos subalternos, a teoria da superintendncia e da tutela, com especial anlise dos poderes governamentais em relao s autarquias, e designadamente sobre as pessoas colectivas de direito privado e regime jurdico misto, e, ainda, o estudo da organizao do Estado e entes menores, especialmente das autarquias locais (embora no se desenvolva esta matria, caso haja uma cadeira especfica obrigatria no mestrado, pois ento, neste mbito, tal ser melhor desenvolvido), os princpios constitucionais da organizao administrativa e da sua actividade, a teoria dos poderes normativos (regulamentos)
147 e outros tipos de actividade jurdica (actos administrativos e contratos administrativos, em geral com grande incidncia no direito procedimental geral) e no jurdica das Administraes, a teoria da responsabilidade civil extracontratual e noes gerais sobre o processo nos tribunais administrativos, e, ainda, as matrias do direito do emprego pblico e dos bens do domnio pblico.
***
16.RAMOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO E RAMOS ECLTICOS
O direito administrativo especial, em que se desdobra os vrios ramos do direito administrativo, constitudo por matrias que foram ganhando um tratamento prprio dentro do direito administrativo, como o Direito Administrativo Militar, o Direito Administrativo Cultural, o Direito Administrativo Social, o Direito Administrativo Econmico, o Direito Administrativo Financeiro, etc., designaes normalmente utilizadas.
No entanto, h que referir algumas reas que esto integradas nestas classificaes, nestes ramos fundamentais do direito administrativo especial e que tm ganho autonomia disciplinar, tudo ramos especiais que ganharam foros de debate e tratamento especfico nos ltimos anos, de que aqui apenas damos breves definies, base das
148 nossas lies publicadas, que deles tratem, designadamente, quanto aos quatro primeiros, o Direito do Urbanismo (Quid Juris?, 1999), o Direito do Ambiente (Almedina, 2001) e o Ordenamento do Territrio (ISCSP, 2005):
O direito do urbanismo, ramo misto porquanto existe um conjunto importante de normas de direito civil que aplicvel construo civil, mesmo que os seus destinatrios sejam em geral os particulares e no a Administrao pblica, embora seja constitudo essencialmente por normas revogatrias do direito privado no que se refere s faculdades de loteamento, urbanizao e edificao. Trata de regular a interveno da Administrao no correcto ordenamento fsico dos solos municipais, especialmente dos aglomerados urbanos e sua expanso, tendo a montante um enquadramento pelo direito do ordenamento do territrio, e procupando-se especialmente, enqunto tal com o condicionamento da edificao. Os diplomas fundamentais so o Decreto-Lei n. 555/99, de 16 de Dezembro, neste momento j com uma sexta e significativa alterao, e, na parte dos planos municipais (dos quais. temos os especificamente de direito urbanstico a regulados, os planos de urbanizao e os planos de pormenor) e especiais, os nicos directamente aplicveis aos particulares, o Decreto-Lei n. 380/99, de 22 de Setembro.
O direito do ordenamento do territrio, que trata esencialmente da programao e planificao das actividades econmicas e urbanizadoras no territrio,
149 regulamentando os contedos, a autoria e os procedimentos de elabotao, aprovao e alterao do Programa Nacional do Ordenamento do Territrio, dos Planos Regionais do Ordenamento Territrio assim como dos Planos Sectoriais dos vrios Ministrios, os Planos Especiais (das reas protegidas, das Albufeiras de guas Pblicas e da Orla Costeira) e os Planos Municipais de Ordenamento do Territrio (Planos Directores Municipais, Planos de Urbanizao e Planos de Pormenor). O diploma fundamental o Decreto-Lei n. 380/99, de 22 de Setembro.
O direito do patrimnio cultural visa assegurar a proteco e valorizao dos bens que so testemunhos com valor de civilizao ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, designadamente histrico, paleontolgico, arqueolgico, arquitectnico, lingustico, documental, artstico, etnogrfico, cientfico, social, industrial ou tcnico, assim como daqueles que reflictam valores de antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade e de memria (mesmo que imateriais desde que constituam parcelas estruturantes da identidade e da memria colectiva portuguesas)
e os respectivos contextos que, pelo seu valor de testemunho, possuam com aqueles uma relao interpretativa e informativa 80 .
80 Lei n. 107/2001, de 8 de Setembro, Estabelece as bases da poltica e do regime de proteco e valorizao do patrimnio cultural (D.R. n. 209, Srie I-A, Pginas 5808 a 5829):Artigo 1.-Objecto: 1-A presente lei estabelece as bases da poltica e do regime de proteco e valorizao do patrimnio cultural, como realidade da maior relevncia para a compreenso, permanncia e construo da identidade nacional e para a democratizao da cultura.2-A poltica do patrimnio cultural integra as aces
150
O direito do ambiente, tambm um ramo misto desde logo ao integrar normas civilistas sobre responsabilidade civil, mas que essencialmente um ramo do direito administrativo especial de direito supranacional e nacional, que regula com normas substantivas e tambm sancionatria, penais e contra-ordenacionais, a conservao da natureza (flora, fauna, paisagens, reas protegidas, orla martima, albufeiras de guas pblicas), e a manuteno e recuperao de elementos ambientais (gua, ar, solos) assim como a eliminao ou reutilizao de resduos, em termos humanos sadios e ecologicamente
promovidas pelo Estado, pelas Regies Autnomas, pelas autarquias locais e pela restante Administrao Pblica, visando assegurar, no territrio portugus, a efectivao do direito cultura e fruio cultural e a realizao dos demais valores e das tarefas e vinculaes impostas, neste domnio, pela Constituio e pelo direito internacional. Artigo 2.-Conceito e mbito do patrimnio cultural: 1-Para os efeitos da presente lei integram o patrimnio cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilizao ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial proteco e valorizao.2-A lngua portuguesa, enquanto fundamento da soberania nacional, um elemento essencial do patrimnio cultural portugus.3-O interesse cultural relevante, designadamente histrico, paleontolgico, arqueolgico, arquitectnico, lingustico, documental, artstico, etnogrfico, cientfico, social, industrial ou tcnico, dos bens que integram o patrimnio cultural reflectir valores de memria, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade. 4- Integram, igualmente, o patrimnio cultural aqueles bens imateriais que constituam parcelas estruturantes da identidade e da memria colectiva portuguesas. 5-Constituem, ainda, patrimnio cultural quaisquer outros bens que como tal sejam considerados por fora de convenes internacionais que vinculem o Estado Portugus, pelo menos para os efeitos nelas previstos. 6-Integram o patrimnio cultural no s o conjunto de bens materiais e imateriais de interesse cultural relevante, mas tambm, quando for caso disso, os respectivos contextos que, pelo seu valor de testemunho, possuam com aqueles uma relao interpretativa e informativa. 7-O ensino, a valorizao e a defesa da lngua portuguesa e das suas variedades regionais no territrio nacional, bem como a sua difuso internacional, constituem objecto de legislao e polticas prprias. 8-A cultura tradicional popular ocupa uma posio de relevo na poltica do Estado e das Regies Autnomas sobre a proteco e valorizao do patrimnio cultural e constitui objecto de legislao prpria.
151 sustentveis.
O direito da sade regula a organizao e o funcionamento das unidades de sade do estado e do sector particular, e os deveres destas para com os utentes assim como os direitos destes face a elas e ao Estado em geral
O direito do consumo, que um ramo misto, que visa proteger os consumidores, designadamente assegurando o direito qualidade dos bens e servios em geral e, especialmente, de sade, assim como a interdio de quaisquer formas de publicidade oculta ou enganosa.
O direito da segurana social, que o conjunto de normas e princpios elaborados pelo Estado coma finalidade de criar um sistema de proteco das situaes de necessidade dos indivduos, na doena, velhice, desemprego, incapacidade para o trabalho e outras situaes de carncia econmica, independentemente da sua vinculao social a um empresrio ou Administrao Pblica, e da sua contribuio ou no para o sistema, de natureza pblica e com tendncia para a universalidade. Ou seja, estamos perante um carcter misto em termos de prestaes, contributivas ou no; um sistema de carcter pblico, sem prejuzo da colaborao de entidades privadas; numa perspectiva histrica ligado ao direito do trabalho, mas actualmente com cetra emancipao, dada a tendncia universalidade subjectiva, alargado a sujeitos que no so trabalhadores por conta de outrem ou nem sequer trabalhadores; exisnto um direito internacional,
152 comunitrio europeu, constitucional da segurana social, assim como um direito do trabalho (normas de Convenes Colectivas do Trabalho) e de direito processual da segurana social.
O direito agrrio refere-se a regras sobre a actividade agrcola, designadamente sobre a utilizao de produtos qumicos na agricultura e outras normas relacionadas com proteco do prprio ambiente..
O direito da comunicao social (que alguma doutrina denomina direito da informao), tambm um ramo misto, regulando o direito da organizao e actividade de interveno pblica, incluindo a referente ao servio pblico, nesta matria e designadamente da Entidade Reguladora da Comunicao e a iniciativa empresarial e suas obrigaes neste mbito, assim como os direitos dos jornalistas e de entidades exteriores (cidados, partidos, governo e oposio) face a estas entidades, assim como normas especficas de publicidade comunicacional e direitos de autor dos jornalistas
O direito do desporto, que um ramo misto, de origem plural, que regula as actividades desportivas e o seu condicionamento e fiscalizao por organizaes privadas e Estaduais, designadamente internacionais; etc..
***
153 17.IMPORTNCIA CONDICIONANTE DO DIREITO CONSTITUCIONAL
17.1.Consideraes gerais
No que se refere relao entre o direito administrativo e os outros ramos do direito que o subordinam, ou seja, quer o direito internacional e o direito da Unio Europeia, quer o Direito Constitucional, importa definir e referir alguns tpicos relevantes para o direito administrativo:
O direito da Unio Europeia (comunitrio europeu), que constitudo pelas normas constantes dos tratados que regem a organizao da Unio Europeia, seus poderes materiais cedidos pelos Estados, processos decisrios, fontes normativas e de criao de actos jurdicos derivados da actuao das Instituies por eles criados.
Como, tambm, h muito refere a doutrina estrangeira e nacional, o direito administrativo sofreu tambm um contragolpe devido emergncia do direito comunitrio, cujas regras vm cada vez mais sobrepor-se s regras nacionais 81 .
Por tudo isto, tambm necessrio expor aos alunos os fundamentos do direito da Unio Europeia, designadamente a teoria das fontes e os princpios essenciais
81 CHAPUS, R.-o.c., p.6
154 do direito da Unio, a sua hierarquia normativa e sistema jurisdiconal, entre outros temas, que so importantes para a apreenso do modo como se cria, do valor relativo das suas normas no contexto do sistema normativo global comunitrio, estadual e jusinternacional, modo de execuo, garantias de efectividade, etc., de algo que constitudo, na sua maior parte, por direito administrativo, que os Estados aplicam directamente ou tm de transpor, o que se faz apresentando conceitos fundamentais que se sintetizam.
17.2. Direito constitucional e o direito administrativo
17.2.1. Noo de direito constitucional
O direito constitucional, de que j falamos, e recapitulando, o fundamento de muitas normas de direito administrativo, tendo supremacia sobre as restantes fontes de direito interno, designadamente de direito administrativo. Este ramo do direito pblico tem valor normativo supremo dentro do ordenamento jurdico de fonte nacional.
constitudo, essencialmente, por normas de enquadramento do sistema de organizao dos poderes do Estado, direitos fundamentais, normas garantsticas da prpria constituio com especial destaque para o sistema de fiscalizao da inconstitucionalidade das normas e contm normas sobre vrios temas que so impositivas
155 para os vrios ramos do direito, designadamente no que se refere organizao e actividade da Administrao pblica, e portanto do direito administrativo. Ou seja, ele , essencialmente, constitudo por direito orgnico (normas sobre a organizao e atribuies dos rgos de soberania e outras entidades infra-estaduais, assim como fontes normativas e procedimentos de aprovao parlamentares), direitos subjectivos (direitos fundamentais e garantias institucionais, quer os direitos, liberdades e garantias quer os direitos econmicos, sociais e culturais), direito programtico (grandes orientaes para a governao e concretizao do ordenamento jurdico) e direito garantstico da prpria constituio (sistema de fiscalizao do ordenamento jurdico, cuja operacionalidade, pese embora o seu articulado, se reduz s normas de fonte interna, quer s leis constitucionais de reviso, quer a todas as normas infra-constitucional, enquanto estas no ganharem validade jurdica contra constitucionem, quer porque qualquer apreciao do Tribunal Constitucional no teve a virtualidade de as considerar nulas com efeitos erga omnes, mantendo-as com um sentido abrogatrio da norma constitucional, quer porque haja ocorrido um fenmeno de vigncia social criador de direito consuetudinrio).
Importa, no entanto, constatar que o direito constitucional no o critrio e liomite de todo o direito aplicvel pelos tribunais portugueses.
Com efeito, no o critrio de validade de normas de direito internacional (nem de normas derivadas de
156 organizaes internacionais dotadas de poderes decisrios que se imponham aos Estados, v.g., decises do Conselho de segurana da ONU), e, muito menos, do direito unionista europeu, com origem na Unio Europeia ou no direito internacional que a obrigue (dado que ela constiui uma unio supranacional de natureza para-estatal), nem limite de todo direito nacional, quer porque h reas importantes do direito nacional a que ele no se refere, quer porque pode ser posto em causa pela entrada em vigncia de normas consuetudinrias que no s o complemente como se lhe oponham.
O que significa que a Administrao Pblica, os tribunais e os cidados portugueses tanto podem desaplicar normas positivas de fonte interna por contradio ou outros vcios anticonstitucionais (inconstitucionalidade material, orgnica e formal), como podem desaplicar uma norma constitucional, por contradio ou com uma norma do direito supranacional, seja internacional seja unionista europeu, ou com uma norma consuetudinria nacional, qualquer que seja a nsua natureza material, constitucional ou infraconstitucional
Assim, procurando dar uma noo materialmente abrangente do direito constitucional instrumental, podemos dizer que o ramo do direito constitudo por normas subordinantes de todo o ordenamento jurdico de fonte estatal e infra-estatal, que regulam a organizao, tarefas e funcionamento dos rgos de soberania e outros poderes do Estado-Comunidade, os direitos fundamentais dos indivduos, enquanto tais e enquanto cidados, e garantias
157 institucionais, as grandes orientaes das polticas pblicas e do restante direito interno e ainda a fiscalizao do respeito pelas suas prprias normas.
17.2.2. Relaes entre o direito constitucional e o direito administrativo
Que relaes, imposies e condicionamentos para o Direito Administrativo derivam do direito constitucional?
O direito constitucional tem reduzido a autonomia do direito administrativo?
Sobre o tema, e reportando-se crise e contestao ao direito administrativo, CHAPUS afirmava o seguinte 82 :
Este movimento de contestao sobretudo devido a um duplo conjunto de mutaes concretas na estrutura da ordem juridica, que tocam no prprio estatuto do direito administrativo e reduzem a sua autonomia. A mais espectacular destas mutaes resulte da consolidao do direito constitucional a favor do desenvolvimento da jurisprudncia constitucionel: at ento parente pobre do direito publico, o direito constitucional paece entretanto em via de impor a sua supremacia sobre o direito administrativo; subordinado e enquadrado pelo direito constitucional, este tende a aparecer como um
82 CHAUS, R. oc, p.6.
158 simples direito de aplicao e o juiz administrativo parece apagar-se em face de um juiz constitucional omnipresente.
E acrescentava: A teoria dos princpios gerais do direito perdeu assim muito da sua substncia, a partir do momento em que o Conselho Constitucional consagrou a existncia de princpios de valor constitucional 83 .
*
Damos alguns exemplos de elementos relacionais entre o direito constitucional inscrito na CRP e o direito administrativo 84 . Vejamos os mais importantes com base na teoria da Constituio e no seu texto : -Primado do direito constitucional -Estrutura e imposio de tarefas Administrao Pblica -Consagrao de princpios organizacionais gerais -Teoria das pessoas colectivas e rgos administrativos
83 A estes factores acresce em Frana a perda de espao para a afirmao criativa de direito por parte da jurisprudncia administrativa em face do poids croissant des sources crites, o que, como diz G. GUGLIELMI, modifie lquilibre dun droit dont lessor et le prestige avaient t lis depuis CORMENIN son origine jurisprudentielle. Como diz, em geral, Chevalier embora referindo-se a nomes de prestigio do DA e do CE que passaram a dedicar-se ao direito privado ou tm vindo a abandonar funes no prprio CE, as vrias stratgies de reconversion vers le priv semblent tmoigner de la perte de prestige de la juridiction administrative () 84 Vide alguns exemplos de fluxos bidireccionais entre o direito constitucional e o direito administrativo, em SOUSA, Marcelo Rebelo de Direito administrativo geral, oc, p.89-90.
159 -Teoria geral do acto jurdico-pblico -Enquadramento do exerccio estadual do poder regulamentar autnomo do Governo -Estrutura da separao e interdependncia dos poderes -Admissibilidade de entidades administrativas independentes -Enquadramento do poder de direco-dever de obedincia dos funcionrios pblicos -Interpretao do direito administrativo conforme Constituio -Controlo das normas administrativas desconformes com a Constituio -Princpio da constitucionalidade e no aplicao pelos rgos mximos dos escales da Administrao Pblica de normas manifestamente inconstitucionais -Constitucionalizao de princpios gerais de direito administrativo -Consagrao da transparncia administrativa (n.2 do artigo 268.) -Configurao do sistema jurisdicional e de um direito processual tendencialmente subjectivista (artigo 268.) -Mandato de aplicao directa de normas administrativas de fonte supra-nacional (artigo 8.) -Procedimentalizao da actividade administrativa -Enquadramento da actividade de polcia
17.2.3. O direito administrativo e a cadeira de direito poltico
160 Nas licenciaturas do ISCSP da UTL no h nenhuma cadeira designada de direito constitucional, mas na Licenciatura de Cincia Poltica existe uma cadeira que, recentemente, passou a ser semestral, denominada direito poltico, o que na de Administrao Pblica no ocorre 85 .
A integrao de uma cadeira chamada de direito poltico (designao que j aparece em ROUSSEAU, como sub-ttulo do seu Contrato Social), na licenciatura de Cincia Poltica, obedeceu a uma lgica de aplicao de um programa semelhante ao da cadeira com o mesmo nome nas licenciatura de direito de outros pases, designadamente Espanha, como j dissemos, alis aqui com muito mais razo, dado que a licenciatura em cincia poltica e no em direito, em que a concepo subjacente a esta cadeira mais se justifica, contrariamente identificao temtica apresentada por MARCELO CAETANO na sua obra.
Ora, a ser-se respeitador da opo histrica e da razo de ser de tal disciplina, numa licenciatura de Cincia Poltica, estamos perante uma disciplina cientfica em que junto aos elementos normativo-institucionais oferecidos pela Constituio e as leis que a desenvolvem, se
85 Isto tem implicaes bvias na construo do programa de direito administrativo da Licenciatura de Administrao Pblica, como se constata pela matria que indicamos no Relatrio apresentado em Provas pblicas de Agregao no que se refere ao programa unificado que vigorou at finais do ano lectivo 2004-2005, e importa agora indagar em que termos tem ou deve t-lo, em termos de noes basilares condicionantes da compreenso de matrias de direito administrativo, quer no programa semestral de direito administrativo de Administrao Pblica, a partir do prximo ano, e no anual, eventualmente refundido, a dar, isoladamente, tambm a partir do prximo ano lectivo, para os alunos da Licenciatura de Cincia Poltica.
161 consideram outros de carcter histrico, ideolgico, filosfico, sociolgico, fazendo conviver no seu seio, dois sectores diferenciados: o jurdico e o metajurdico 86 .
E, exemplificando com o programa desta cadeira, seja qual for o problema conceptual do direito poltico, v.g., tal como ele foi sendo desenvolvido por PABLO LUCAS VERD e sua escola, na Complutense de Madrid, at actualidade 87 , temos as seguintes temas: -Teoria do Estado: O Estado como estrutura de convivncia; O Estado Liberal, Demoliberal, Socialista, Fascista-Nacional-Socialista -A Crise do Estado Social: A crise, fenmeno conatural ao Estado ocidental -Teoria Jurdico-Poltica do Estado: Composio do estado, teoria convencional dos elementos do Estado; o Estado contemporneo como Comunidade nacional; o poder poltico soberano; o princpio da separao de poderes; Personalidade jurdica do estado e rgos estatais; teoria jurdica da representao poltica; configurao jurdica das formas polticas; O Estado de Direito como utopia e realidade, Estado de Direito e imaginao constitucional; a democracia como regime poltico -Algumas questes sobre o Estado Federal: federalismo e Estado Federal; formao da teoria clssica do estado federal 88 .
86 LUCAS VERD, P. OC, p.22-23. 87 LUCAS VERD, Pablo e MURILLO DE LA CUEVA, Pablo Lucas Manual de Derecho Poltico. Vol. I, Introduccin y teoria del estado. 3. Edicin Corregida, Madrid, Tecnos, 1994, p.[7-11]. 88 Ora, a ser este, mais ou menos, o figurino que a caber, numa perspectiva lgica, consentnea com a abordagem prpria a uma cadeira de direito poltico, por
162 18. DIREITO JUDICIRIO
18.1.Definio
O direito judicirio o conjunto de normas que regulam quer a organizao e funcionamento dos tribunais (de natureza administrativa), quer o exerccio da funo jurisdicional (de natureza processual, constantes de diferentes cdigos que compilam o processo administrativo, constitucional, civil, penal, tributrio, laboral, etc.).
18.2.Direito judicirio administrativo e o processo contencioso administrativo
A organizao judiciria administrativa consta do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, enquanto a processual administrativa consta essencialmente do Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos, mas o direito processual civil um ramo do direito pblico que tambm aplicvel, embora supletivamente e com as necessrias adaptaes, nos tribunais administrativos. Na parte final deste volume, teceremos consideraes algo mais desenvolvidas sobre estes temas
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maioria de razo numa Licenciatura de Cincia Poltica, alm do mais, de apenas um semestre, parece-nos ser de manter a exposio de alguns conhecimentos que devem considerar-se pressupostos e com ligao umbilical temtica compreensiva do direito administrativo.
163
19.O DIREITO PENAL E DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONATRIO
19.1.O direito penal
O Direito Penal merece uma anotao mais circunstanciada, em termos de relao com o Direito Administrativo. O Direito Penal ou Criminal um conjunto de normas que classificam certos factos sociais de especial gravidade como crimes e, portanto, regulam a aplicao de penas aos seus autores. So sanes de tipo grave, as mais graves previstas na lei. Quem as transgredir punido criminalmente. um Direito repressivo que existe para garantir a segurana da colectividade perante possveis prticas anti-sociais ou marginais.
19.2.O direito das contra-ordenaes sociais
Mas existem no Direito Administrativo tambm certas normas punitivas, que nascem de preocupaes com a segurana. o carcter preventivo do Direito Administrativo que est aqui presente.
So normas que prevem um conjunto de sanes que no se posicionam face a certos valores da sociedade, pois so regras de tipo preventivo, que visam simplesmente impedir a prtica de certos actos prejudiciais para a sociedade. o direito administrativo sancionatrio.
164 So regras de orientao, de precauo, de prudncia para evitar ofensas aos valores que o Direito Criminal protege. Em caso de transgresso, o Direito Administrativo manda que lhes sejam aplicadas sanes pecunirias ou pelo menos de menor gravidade que as sanes criminais, cujo regime resulta do chamado Direito das Contra- Ordenaes, que no direito de natureza penal mas direito administrativo sancionatrio.
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20.CARACTERSTICAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Vejamos algumas notas sobre a autonomia do direito administrativo, cuja apreciao jurisdicionais em casos conflituais est entregue a tribunais especializados, sua sistematizao, factores de evoluo do regime administrativo, a crise do direito administrativo e a questo da codificao. Vejamos desde j, a problemtica da sua sistematicidade e tratamento cientfico autonomizador, deixando par o final a questo da autonomia e jurisdio prpria, por um lado origem e por outro caracterstica maior do regime administrativo.
20.1.Sistematizao da cincia do direito administrativo
165 No que concerne sistematizao da cincia do direito administrativo, podemos sintetizar alguns momentos marcantes:
A primeira obra especfica de direito administrativo foi escrita por ROMAGNOSI, em Itlia, em 1814. E , tambm, em Milo que criada a primeira ctedra universitria sobre a matria.
ROMAGNOSI no segue os autores franceses da poca, no tratamento predominantemente descritivo da matria, pois inicia um trabalho de sntese entre os materiais fornecidos pela antiga cincia de polcia (designao de sentido etimolgico ento dada actividade administrativa), pela legislao administrativa napolenica e a jurisprudncia do Conselho de Estado francs.
Os seus princpios fundamentais de direito administrativo contm noes de razo pblica, competncia funcional, forma em direito administrativo e fazem um tratamento sistemtico do acto administrativo.
Contemporaneamente a ROMAGNOSI, comea a formar-se o direito administrativo francs, que viria a ter influncia decisiva na Europa Continental, propiciado pelo reforo do poder pblico central, formando um aparelho administrativo nacional, pela existncia de uma jurisprudncia aprecivel do perodo da monarquia absoluta, em que existia o Conselho do Rei, que era um rgo central com funes de contencioso administrativo, e pela existncia de abundante legislao referente organizao e ao
166 funcionamento dos poderes pblicos, que exigia um labor de compilao.
Cabe a MACAREL demonstrar que possvel explicitar princpios cientfico-administrativos, a partir da jurisprudncia do Conselho de Estado, cujas decises ele agrupa por matrias.
, em 1819, quando ROMAGNOSI j havia perdido a sua ctedra milanesa de Alta Legislao em Referncia Administrao Pblica, que criada, em Paris, a Ctedra de Direito Pblico e Administrativo, entregue ao visconde DE GERANDO. A ctedra foi abolida pela monarquia de Julho, em 1823, e restaurada em 1828, at que, em 1837, passou a fazer parte do curriculum de todas as universidades francesas, passando, ento, os tratados e cursos a perder o carcter predominantemente descritivo e a ter um carcter sistemtico.
Com o incio da unificao italiana, aparecem, em 1865, leis centralizadoras da Administrao e, em 1889, cria-se a IV Seco do Conselho de Estado e Juntas Provinciais administrativas com poderes jurisdicionais.
A nova dualidade de jurisdies vai levar a doutrina a desenvolver as noes de direito subjectivo e de interesse legtimo, em ordem ao estabelecimento da competncia jurisdicional comum ou administrativa nos litgios contra a Administrao.
ORLANDO o grande nome da construo
167 jurdica do direito administrativo, introduzindo a expresso mtodo jurdico para significar a aplicao do mtodo da escola pandectista.
Ele centra o direito pblico nos temas da personalidade jurdica do Estado e dos direitos subjectivos pblicos, desenvolvendo todo um labor de conciliao das escolas oitocentistas francesa e alem de direito pblico.
A consolidao do direito administrativo italiano processa-se com ORLANDO, BRONDI, RANELLETTI, CAMMEO, CODACCI-PISANELLI e SANTI ROMANO, com a sua teoria da instituio.
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Em Frana, inicia-se a fase da justia delegada, passando em 1872 o Conselho de Estado a ter funes jurisdicionais independentes, o que acentua a elaborao jurisprudencial do direito administrativo, sendo de destacar os institutos da responsabilidade civil, contratos administrativos, vcio de desvio de poder, etc..
LAFERRIRE, com o seu Tratado da Jurisdio Administrativa, de 1887, ser um dos grandes difusores da cincia jurdico-administrativa na Europa Continental.
Importar realar a ideia do direito administrativo como exorbitante e derrogatrio do direito privado e o aparecimento de teorias gerais do direito, com a procura dum critrio nico para fundamentar o direito administrativo,
168 tendo subjacente a necessidade de definir a competncia da jurisdio administrativa. Para HAURIOU, autor da teoria da instituio e da concepo do regime administrativo, a noo-chave a de Poder Pblico, separando a gesto pblica da gesto privada.
Para DUGUIT, fundador da escola do servio pblico, as necessidades da vida colectiva passam pela gesto pblica. Do labor jurdico deste perodo, resulta a separao das autoridades administrativas e judicirias, numa original interpretao da doutrina da separao de poderes, o acento tnico no tema da jurisdio administrativa, conceito de interesse geral com a desigualdade de posio entre a Administrao Pblica e os particulares e a procura de equilbrio entre as prerrogativas da Administrao submetida ao direito e a defesa dos direitos dos particulares.
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No espao germnico, algumas garantias haviam sido asseguradas aos cidados pela criao da teoria do fisco, que viabilizou o confronto entre o Poder Pblico e os particulares, atravs da atribuio da personalidade jurdica privada ao fisco, distinta do soberano e do Estado, o qual passa a ser titular do seu patrimnio e direitos financeiros e regendo-se as relaes com os cidados pelo direito civil.
A teoria do fisco foi depois estendida proteco jurdica em matria administrativa, tambm base do direito civil, o que acarretou a formao mais lenta de um
169 direito especfico para a actividade administrativa. Nas primeiras dcadas do sculo XIX, ocorrem algumas reformas que separam a Administrao Pblica da Justia, comeando a aparecer, paralelamente ao sistema do fisco, um direito pblico da Administrao.
VON MOHL prope a separao sistemtica das funes estaduais e distingue o direito constitucional do direito administrativo.
LORENZ VON STEIN, em 1850, vem considerar como elemento central do Estado de Direito, a garantia da igualdade jurdica, ao mesmo tempo que ressalta a misso social do Estado.
F. FELICE MAYER, em 1857, defende a possibilidade de formulao de princpios gerais de direito administrativo, ao mesmo tempo que importa noes do direito civil e do pandectismo.
Na Alemanha, criado, em 1875, o Tribunal Administrativo Superior da Prssia, em 1876, os Tribunais Administrativos do Estado de Wuttemberg e, em 1878, na Baviera. A Prssia, a partir de 1883, passa a ter uma lei sobre a competncia da jurisdio administrativa. Neste perodo, a doutrina alem procura estabelecer a autonomia do direito pblico, separar a cincia do direito administrativo da cincia da Administrao e aplicar-lhe o mtodo da escola pandectista.
OTTO MAYER, na sua obra j referida, O Direito
170 Administrativo Alemo, de 1895-96, vai analisar a organizao e a actividade administrativa, nos seus aspectos jurdicos, em termos que o tm feito considerar o pai do direito administrativo alemo. Resultados fundamentais do trabalho de OTTO MAYER centraram-se nos temas da autonomia cientfica do direito administrativo em face do Direito do Estado, com o afastamento dos esquemas civilistas, relaes de supremacia especial, de onde vir a brotar a concepo da existncia de espaos de livre actuao administrativa e, em geral, a vinculao do direito administrativo ao Estado de Direito, com superioridade do legislador, como elemento diferenciador do Estado de Polcia.
A partir de 1893, o direito administrativo separa-se do Direito do Estado, vindo a consolidar-se com a obra Direito Administrativo Alemo, de OTTO MAYER. Numa segunda fase, veremos aparecer jurisdies administrativas independentes.
A escola pandectista, que considera a lei como verdadeira fonte do direito, o qual deveria formar um conjunto semelhante ao sistema do direito romano, criada por PUCHTA e WINDSCHEID, influenciar tambm fortemente os administrativistas, entre os quais se destaca GERBER, LABAND e JELLINEK.
Assim, surge a distino civilista em pessoas, coisas e obrigaes, a Administrao considerada como um sujeito jurdico, o acto administrativo configurado nos moldes do acto jurdico, etc..
171 *
Em Espanha, expande-se o modelo francs de concretizao do Estado de Direito a partir da dcada de quarenta do sculo XIX, devido doutrina e jurisprudncia do Conselho Real, assente no reconhecimento da personalidade jurdica do Estado e na existncia de direitos subjectivos pblicos.
tentativa de enveredar por um sistema administrativo de tipo anglo-saxnico, com uma Administrao no dotada do privilgio de auto-tutela declarativa e executria, e com unidade de jurisdio, seguiram-se, em 1845, duas leis que criaram o Conselho Real, com justia retida, e Conselhos Provinciais, com justia delegada.
Em 1856, o Conselho Real transforma-se em Conselho de Estado. E, depois de um perodo de vinte anos de unidade de jurisdio, em 1888, a Lei Santamara Pastor, com a restaurao da monarquia, voltou ao sistema francs e atribuiu carcter perfeitamente jurisdicional ao Conselho de Estado e aos Tribunais Provinciais.
*
Em Portugal, a influncia francesa predominou, tendo a Constituio de 1822 efectivado a separao entre Legislao, Administrao e Justia.
Mouzinho da Silveira inicia uma reforma
172 centralizadora, de tipo napolenico, em 1832.
Uma ctedra de Direito Pblico, abrangendo o Direito Constitucional, o Direito Administrativo e o Direito Internacional, criada em 1836.
Em 1832, criado o Conselho de Estado para aconselhar a Administrao em relao aos conflitos surgidos com os particulares. Em 1853, cria-se a primeira ctedra de Direito Administrativo. De 1924 a 1930, o contencioso administrativo da competncia dos tribunais ordinrios, surgindo, nesta altura, tribunais administrativos autnomos, com justia delegada e prevendo-se um rgo paritrio composto maneira do tribunal de conflitos francs, para a soluo de conflitos de competncia jurisdicional.
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20.2. Codificao do direito administrativo
Quanto codificao, o direito administrativo um Direito novo, no codificado, e algumas intenes de o codificar tm sido consideradas utpicas, dada a sua ininterrupta extenso, variedade temtica e falta de estabilidade normativa.
Em Portugal, os diplomas designados de Cdigos Administrativos codificaram parcelas de reas especficas de matrias que interessavam ao direito administrativo
173 (sobretudo, administrao local comum).
O primeiro texto que recebeu o nome de Cdigo Administrativo, nesta acepo (muito parcelar e incompleta), foi o Cdigo de Passos Manuel (1836), para tentar reagir contra leis de autarquias do tempo das reformas de Mouzinho da Silveira, que eram muito centralizadoras: o poder central dominava as autarquias. Este cdigo de 1836 era muito descentralizador.
A este primeiro texto sucedeu o Cdigo de Costa Cabral, que era mais centralizador devido tendncia relativamente autoritria do seu governo.
Seguidamente, foi o Cdigo de Rodrigues Sampaio, tecnicamente bem elaborado, mas que durou muito pouco (publicado em 1878), e que pretendia acabar com a excessiva centralizao do cdigo de Costa Cabral.
Em 1886, o governo de Luciano de Castro produziu um cdigo novo que substituiu o anterior. Este no se pode dizer que era centralizador, era fruto do novo poder, e tanto assim que foi posteriormente reposto, entrando em vigor quando a Repblica ps fim ao consulado de Joo Franco (que tambm teve um cdigo prprio, 1895/96).
A Primeira Repblica adoptou o Cdigo de Rodrigues Sampaio e o de Luciano de Castro, com algumas adaptaes.
174 A Segunda Repblica, autocrtica, elaborou, efectivamente, um cdigo novo que era fortemente centralizador, devido tendncia anti-democrtica do regime vigente: Cdigo de 1936/40, de Salazar-Marcelo Caetano.
A partir da dcada de 60, comea-se a falar em Portugal na publicao de um cdigo do procedimento administrativo, integrando um ncleo de normas administrativas de tipo processual (procedimentos a ter na preparao e tomada de uma deciso, do modo de agir para com a defesa e informao dos cidados, etc..).
Viria a publicar-se no incio da dcada de noventa, em Maio de 1992, e tal como habitual noutros pases, ultrapassa a matria puramente procedimental, com a designao de Cdigo de Procedimento Administrativo.
Com relevncia codificadora, importa ainda destacar a publicao recente do Cdigo do Processo nos Tribunais Administrativos.
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21. CRISE E EVOLUO DO DIREITO ADMINISTRATIVO COMO REPTO PERMANENTE SOBRE A DOUTRINA E O ENSINO
175 21.1. Evoluo do direito administrativo ao longo de dois sculos
Em termos de factores de evoluo do regime administrativo, como vimos, a reforma de Napoleo procurou, seguindo embora a tradio do liberalismo econmico, dar seguimento a um conjunto de enquadramentos e opes que tinham existido nos dois sculos anteriores.
Iremos, agora, concluir esta abordagem histrica sobre o direito administrativo, referindo-nos aos factores da sua evoluo.
Podemos dizer que o direito administrativo, configurado no ano VIII, no conheceu nenhuma revoluo administrativa depois desse ano, em Frana.
Existem, claro, algumas modificaes de orientao do regime, aplicvel Administrao Pblica, mas nada ser propriamente reconstrudo sobre bases novas.
Em face da instabilidade das instituies polticas, que um fenmeno verificado durante o sculo XIX em Frana, em Portugal e em outros pases, as instituies administrativas aparecem como instituies relativamente estveis. E , por isso, que as revolues e a instabilidade poltica acabam, graas estabilidade do aparelho e do regime do direito administrativo, por permitir a
176 continuidade da actividade do Estado. Administrao do ano VIII respondeu um regime autoritrio.
No tempo de Napoleo existia um regime ditatorial, um regime autoritrio em termos polticos, mas que respeitou completamente o liberalismo econmico. Mais tarde, verifica-se uma evoluo.
importante ficarmos com a ideia de como que, ao longo dos sculos XIX e XX, a Administrao Pblica e o direito administrativo foram evoluindo, at mais ou menos aos nossos dias, incluindo a passagem dum Estado autoritrio para um outro de convivncia democrtica, que se deu em funo da evoluo que se verificou na passagem dum Estado liberal para um Estado intervencionista, j mais no sculo XX. Com efeito, o desenvolvimento da democracia, da liberdade poltica, no podia deixar de ter as suas influncias na ordem administrativa.
Aprofundam-se todas as ideias lanadas pela Revoluo Francesa, em termos de liberalismo poltico, e h uma inverso em relao ao perodo que se seguiu Revoluo e em que Napoleo imperou, quando o liberalismo econmico perdeu terreno porque, por razes vrias, vai comear a acentuar-se, por um lado, a democracia e, por outro, o intervencionismo do Estado na economia. esta a diferena substancial que se vai verificar e que tem influncia na Administrao Pblica.
177
O liberalismo poltico exige, acima de tudo, que o cidado seja protegido contra os excessos do Poder Pblico, contra o Poder Poltico.
H a separao do Poder Executivo e do Poder Legislativo, havendo supremacia reconhecida da lei sobre o Poder Administrativo, dentro da ideologia da Revoluo.
Mas, no incio, as garantias legais, as garantias jurisdicionais, na reforma do ano VIII, eram muito atenuadas. Em termos de evoluo do Regime Administrativo, as coisas vo modificar-se.
O processo evolutivo no sentido do desenvolvimento das garantias legais a favor dos cidados e das garantias de proteco de controlo de deciso por instituies independentes, que so os Tribunais, a favor do cumprimento da lei por parte da Administrao. Isto vai conduzir, de certo modo, no apenas submisso da Administrao ao direito, mas tambm submisso s decises dos Tribunais.
A evoluo no sentido de submeter a Administrao tambm aos Juzes, ou seja, d-se um desenvolvimento gradual das garantias legais e jurisdicionais, o que, aos poucos, trar uma efectiva subordinao da Administrao Pblica ao Direito e aos Tribunais.
Depois, a evoluo democrtica vai tambm passar
178 por uma outra evoluo: a participao dos cidados no exerccio do poder.
No plano administrativo, a relao entre os administrados e o Estado vai-se modificar.
No plano local, desde logo, vemos que a evoluo, na sequncia do perodo ps-napolenico, no sentido da existncia dos administradores municipais, a que hoje chamamos Presidentes da Cmara.
A liberdade poltica tem outra exigncia, que a participao dos cidados no exerccio do poder que os rege.
Aparecem modificaes nas leis (alis, aceleradas nos ltimos tempos), no plano das relaes entre os administrados, o Estado e a Administrao Pblica. O que acontece que, com o desenvolvimento da liberdade poltica, so as prprias populaes que ficam encarregadas de se regerem a si prprias. Elegem-se os Presidentes da Cmara, num processo de verdadeira descentralizao de competncias e poderes.
H um fenmeno, ao longo do sculo XIX e, sobretudo, ao longo do sculo XX, de descentralizao que, hoje, est consagrado como um princpio orientador da organizao administrativa, na Constituio Portuguesa.
Hoje, h uma reflexo no sentido de, de certo modo, reformar a Administrao, encontrando novas formas
179 para fazer proceder a esta descentralizao.
A preocupao, em termos de regime administrativo, de aperfeioamento das garantias dos cidados, a proteco dos cidados contra o arbtrio da Administrao e de promoo da participao dos cidados na aco administrativa, manifestaes simultneas que vo marcando uma evoluo do direito administrativo, em termos de relacionamento entre a Administrao e os administrados, e que um processo inacabado.
H uma evoluo, no plano econmico, do Estado liberal para o Estado intervencionista. H, sem dvida, em geral, uma acentuada interveno do Estado, pondo em causa os princpios do liberalismo econmico, segundo os quais o Estado devia criar as condies legais para a actividade privada se processar, mas no deveria interferir e no deveria substituir-se actividade privada. muito desta filosofia que vai estar em causa, porque vai dar-se o desenvolvimento econmico acelerado das sociedades e o aumento da populao.
Do-se novos desenvolvimentos tecnolgicos e cientficos. Surgem novas reivindicaes, novos interesses a satisfazer e tudo isto vai aumentar consideravelmente as tarefas pblicas nascidas dessas repercusses sobre a estrutura da sociedade.
O liberalismo no respondia ao desenvolvimento econmico, ao desenvolvimento cientfico, ao
180 desenvolvimento tcnico, ao desenvolvimento social e, da, o nascimento de filosofias socialistas, at ao marxismo, procurando reagir contra o extremo da desproteco das classes mais desfavorecidas que tinham aparecido com a industrializao, em face da doutrina liberal que no intervinha, deixava as coisas acontecer e que permitia que os mais fortes explorassem os mais fracos.
este crescendo da necessidade do Estado de responder s necessidades colectivas que vai levar a uma modificao do prprio fim da aco administrativa, vai levar a uma transformao do conceito do interesse geral a partir dos fins do sculo XIX e, depois, durante todo o sculo XX, com um recuo progressivo da concepo liberal do Estado, que levado obrigatoriamente a ter de intervir nos problemas econmicos e sociais.
O interesse geral, inicialmente, no englobava, mas impunha Administrao, a criao de organizao para prosseguir algumas necessidades, como: a defesa nacional, as relaes internacionais, a manuteno da segurana, da ordem interna, a criao de condies gerais para que a economia pudesse prosperar (infraestruturas, estradas, moeda, etc.), a realizao da justia.
Era a poca do liberalismo ligado a um conceito prprio do interesse geral, que podemos chamar de poca do Estado Gendarme.
No plano econmico, o interesse geral comea
181 tambm a integrar uma preocupao que o excessivo crescimento do poderio econmico.
A partir de certa altura, h uma percepo de que o Poder Econmico pode pr em causa o prprio Poder Poltico e, portanto, no plano econmico, a ideia liberal era uma ideia que poderia ser, a prazo, asfixiante da margem de manobra do Poder Poltico e, por esse meio, asfixiar tambm a interveno do Estado na evoluo econmica e no Poder Poltico.
No plano social, a misria, a pobreza, a situao desfavorecida do operariado no mundo industrial, criadora do proletariado, vai impor o desenvolvimento, a pouco e pouco, de uma Administrao Social. a isto que se costuma chamar Estado Providncia. As prprias tarefas tradicionais do Estado vo sofrer algumas transformaes trazidas por esta evoluo. Por um lado, a extenso das tarefas tradicionais, que vo ter uma dimenso muito maior, por exigncias muito maiores, mas, por outro lado, a apario de novas tarefas do Estado.
Ser o Estado Social de Direito a aparecer, aps a 2 Guerra Mundial. E o Estado preocupa-se, hoje, com os domnios do urbanismo, do ambiente, etc.. Alguns falam j no Estado ps-Social. Outros acentuam novos enquadramentos constitucionais, como o portugus ou o brasileiro, apelando afirmao do Estado de Direito Ambiental.
182 O Estado j no alheio a nada e aparece omnicompreensivamente a tratar de todos os aspectos da sociedade, englobando todas as actividades possveis da satisfao das necessidades colectivas e, muitas vezes, devido a certas ideologias, entrando mesmo naquelas que os particulares conseguem enquadrar bem.
Com as revolues do sculo XIX e do sculo XX, que so revolues de ordem tcnica e de ordem cientfica, comea a existir presso social e conscincia de que muitas necessidades colectivas no podem ser respondidas atravs da iniciativa privada, no se prestando ao jogo da concorrncia.
Os privados so os primeiros a duvidar da sua rentabilidade. H necessidade de intervir mais em domnios variados, como caminhos-de-ferro, telgrafos, telefone, higiene, proteco do ambiente, etc..
Assim, para alm do fundamento da vivncia democrtica, h outro acontecimento histrico que tambm impe alteraes, qui mais radicais, o qual tem que ver com o aumento contnuo de tarefas pblicas que a Administrao Pblica vai ter de assumir e que derivam, ao fim e ao cabo, dos desenvolvimentos tecnolgicos e cientficos.
Nesse contexto, ser exigida Administrao uma maior organizao para responder a novas necessidades pblicas. Mantm-se na Administrao Pblica o facto de as coisas serem seguidas em funo de um interesse geral,
183 de um interesse pblico. Mas, a funo de interesse pblico transforma-se, a partir do fim do sculo XIX, com um recuo progressivo do Estado liberal.
Portanto, o Estado vai ser chamado a intervir na economia e no social. E com isso entra em crise. De incio, o interesse pblico no iria muito mais alm da defesa nacional, criao de ordem, etc.. As revolues tcnicas e cientficas dos sculos XIX e XX fazem o Estado intervir em reas que deveriam ser prosseguidas por iniciativa privada, em face da concepo do liberalismo econmico.
O Estado comea a intervir mais no plano econmico e, tambm, no social, para responder a carncias sociais derivadas, sobretudo, da industrializao. Em geral, so as actividades tradicionais do Estado que se desenvolvem mais, mas h tambm outras que o Estado ter de desenvolver.
H uma incidncia recproca porque, se a democracia vai obrigar a tomar em considerao muitas reivindicaes, a necessidade de satisfazer, em novos domnios, interesses pblicos, leva a Administrao a responder a algo a que no atendia tradicionalmente. A Administrao, que era limitada inicialmente a certos domnios tradicionais, hoje, praticamente, no tem limite.
Quanto ao resultado desta evoluo, o que se pode dizer que, ao longo deste tempo, se deu uma grande transformao do contedo das coisas que deram muitas
184 vezes origem a um manter de estruturas, mas j com outro significado, com outra perspectivao. Por exemplo, a estrutura hierrquica na Administrao manteve-se sempre mas, a dada altura, os prprios agentes pblicos deixaram de estar desprotegidos em face dos superiores hierrquicos. Passaram a ter algumas garantias de defesa. Havia uma Administrao complexa na pr- Revoluo Francesa, em que o Privado e o Pblico dificilmente se distinguiam.
A verdade que, com a Revoluo e a reforma napolenica, isto veio a ser colocado no stio. Mas, com o tempo e maior necessidade de interveno da Administrao Pblica, voltou a confuso, passando a haver reas em que essa diferenciao deixou de se sentir.
Hoje, frequente vermos pessoas colectivas privadas associadas a tarefas de interesse pblico e, nesta medida, serem dotadas de prerrogativas da Administrao Pblica. E eis que, aps uma dada evoluo, chegmos ao momento em que as relaes entre a Administrao e os particulares continuam a fazer avanos em termos de relaes do Poder Administrativo e do sujeito administrado. Noutras reas o cidado aparece, face Administrao, numa dupla qualidade: umas vezes ele consumidor e outras, colaborador da Administrao.
Com uma grande amplitude, mesmo nas reas em que a Administrao no age sob poder vinculado, mas sob poder discricionrio, ou seja, quando tem vrias
185 opes possveis escolha, mesmo a possvel que muitos dos seus actos possam vir a ser anulados, desde que um particular se sinta lesado e haja desvio de poder, isto , a Administrao tenha actuado no visando principalmente a prossecuo do interesse pblico apontado pela lei. Se ela causar prejuzo ao particular, ela responsvel e tem de pagar por isso. Por exemplo, um paiol explode e arrasa tudo sua volta. Um carro despenha-se porque rebentou um pneu num buraco da estrada. Um peo morto devido queda de uma rvore podre sobre o passeio por onde seguia. As coisas evoluram excepcionalmente em termos de garantias. Isto no quer dizer que a Administrao tenha chegado ao fim da sua evoluo, porque ainda h muito para fazer.
Muitas das noes fundamentais foram elaboradas no quadro do Estado liberal do sculo XIX, e outras tm sido objecto de resposta devido necessidade da Administrao criar novas tarefas. Ela precisa de uma renovao constante o que a abriga ir-se adaptando, falando-se recorridamente em crise.
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21.2. Evoluo e crise permanente
O direito administrativo tem cerca de dois sculos e s atinge a maturidade a partir de meados do sculo passado.
186 No entanto, a doutrina em geral considera que ele, hoje, est em crise profunda, havendo autores, como o Prof. TORNE JIMENES, que j se referem a ele como uma venervel relquia.
O sistema do direito administrativo foi-se construindo no sculo XIX e nas primeiras dcadas do sculo XX, nos vrios pases da Europa Continental, volta de um ncleo comum de temas, que marcam a essncia dogmtica da nova cincia jurdica, e que atinge a maturidade aps a II Grande Guerra.
Todavia, neste perodo, tambm marcado pelo reforo da aproximao entre o sistema anglo-saxnico e o ocidental continental, constata-se o aparecimento de elementos de crise no plano orgnico, ligado noo de servio pblico, dada a interveno directa do Estado no mundo econmico, com a assumpo de actividades empresariais e com aquilo que alguns autores chamam a penetrao de elementos privatsticos.
Com efeito, a dimension nouvelle de la crise du droit administratif ilustrada pela fuga crescente para a aplicao do direito privado, o que tambm aparece como factor ligado crise actual do direito administrativo, pois son champ dapplication tend se rduire insensiblement du fait de la plus large soumission de ladministration au droit commun et de lattnuation du caractre drogatoire de ses rgles 89 - 90 .
89 CHAPUS, R. o.c..
187
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JACQUES CHEVALIER, na sua apresentao de um estudo sobre As mudanas do direito administrativo, na Jornada de Estudos, organizada em 7 de Maio de 1993, pelo Centre Universitaire de Recherches Administratives et Politiques de Picardie 91 , lembrava o seguinte:
Le thme de la crise du droit administratif est devenu un des lieux communs de la pense juridique franaise depuis les annes quatre vingt: le socle de croyances sur lequel ce droit tait bti sest brutalement fissur puis lzard; critiqu de toutes parts et pris revers par certaines mutations de lordre juridique, le droit administratif parat tre promis une lente rgression, sinon vou une mort certaine. Le bien-fond du modle franais de droit administratif que le monde entier tait cens envier est dsormais pos. () Contrairement certaines ides reues, le systme franais de droit administratif na donc jamais
90 Bibliografia sobre direito administrativo e direito privado: v.g., SOUSA, Marcelo Rebelo de; e Direito Administrativo Geral:Introduo e princpios fundamentais. Tomo I, Lisboa : Dom Quixote, 2004; SANTAMARIA PASTOR -J. LAMARQUE -Recherches sur lapplication du droit priv aux services publics administratifs, Paris, 1960 ; WALINE, J. - Recherche sur lapplication du droit priv par le juge administratif, Paris, 1962 ; ROMANO, S. A. -Lattivit priva ta degli enti pubblici, Milano, 1979 (capacidad jurdica); MARZUOLI, C. - Principio di legalit e attivit di diritto privato della pubblica amministrazione, Milano, 1982; SANTILLI, M. -Il diritto privato dello Stato: momenti di un itinerario tra pubblico e privato, Milano, 1985 ; EHLERS, D. -Rechtsstaatliche und prozessuale Probleme des Verwaltungsprivatrechts. DVBL 1983, p. 422 e ss.; ZEZSCHWITZ, F. V. -Rechtsstatliche und prozessuale Probleme des Verwaltungsprivatrechts, NJW, 1983, p. 1.873 e ss.. 91 Texto posteriormente publicado em PRSENTATION.In Le Droit Administratif en Mutation. Paris :Puf. Centre universitaire de recherches administratives et politiques de Picardie, 1993, p.5-8.
188 relev de lordre de lvidence; la crise actuelle parat des lors relver dun phnomne cyclique. Esta crise ser, pois, a lexpression dun simple processus rcurrent.
Mas se o droit administratif a en effet t priodiquement confront des mouvements de contestation et des facteurs de dstabilisation 92 , a verdade que a crise du droit administratif, telle quelle sest dveloppe rcemment, comporte en effet des aspects nouveaux, qui excluent toute ide de simple rptition compulsive, pois, agora, le mouvement de contestation du droit administratif a pris une coloration diffrente, tido pelos sectores gestionrios que julgam poder exportar-se para a os mtodos da administrao privada e pelos sectores neo- liberais como um obstculo modernizao necessria da Administrao 93 , le droit administratif a subi ainsi un
92 Facto que nem o reforo de lindpendance du juge administratif na pus mis fin aux critiques, sendo certo que tambm linvocation tardive de certains principes gnraux du droit ne saurait faire oublier lampleur des dnaturations que le droit administratif a subies lpreuve des lois dexception. 93 Muitas crticas aparecem ainda enformadas por preconceitos histricos como a ideuia de que o DA um direito derrogatrio do direito comum, privado, um direito de privilgio, um direito estatutrio priviligiador da organizao administrativa. Como destacava CHEVALIER, na apresentao do estudo do Centre universitaire de recherches administratives et politiques de Picardie, a que presidiu, Sans doute, retrouve-t-on dans les approches managriale et no-librale, qui en ralit sentrecroisent et sappuient rciproquement (), trace des critiques traditionnelles formules lencontre dun droit administratif, peru comme droit de drogation et de privilge: le droit administratif constituerait un cadre excessivement rigide, un vritable carcan, qui serait un obstacle la modernisation ncessaire de ladministration; irrversiblement marqu du sceau de lunilatralit, il serait linstrument de la mise en tutelle de la socit par lEtat. L important est pourtant que ce mouvement de contestation mane, non seulement des professionnels de la politique et des intellectuels, mais encore de la doctrine administrative elle-mme; et la circulation de ces reprsentations dun champ lautre contribue les conforter et les objectiver. Desenvolvidamente, em DUBOIS, F.; ENGUELEGUELE, M.; LEFEVRE, G. ; LOISELLE ; M. La contestation du droit administratif dans le champ intellectuel et politique, o.c., p.149-174.
189 dficit de lgitimit dont on ne saurait sous-estimer limportance.
Mas a crise actual do direito administrativo, embora apresente aspectos particulares, cela ne signifie pas pour autant quelle constitue le signe avant-coureur, du dclin de celui-ci.
Como diz CHEVALIER, referindo-se realidade do direito administrativo e da crise em Frana, Dabord, les svres critiques formules lencontre du droit administratif ont t en fin de compte salutaires, en incitant le Conseil dEtat ragir, dans un contexte dsormais concurrentiel, par de nouvelles avances jurisprudentielles 94 , que acrescenta: La rarfaction progressive des critiques portant sur le droit administratif atteste que cet objectif a t atteint. E, ainda:
Par ailleurs, les mutations en cours de lordre juridique ne sauraient tre perues comme signant larrt de mort du droit administratif. L effet de lessor de la jurisprudence constitutionnelle sur le droit administratif est beaucoup plus ambig que la doctrine
94 Em face do desafio, o Conseil dEtat procurou positivamente retomar a iniciativa no campo dos Direitos e liberdades, e efectivou ainda aprofundamentos meritrios no domnio da responsabilidade, com claro alargamento da responsabilidade-sano, designadamente atravs da dcouverte de nouveaux gisements de faute, la restriction du domaine de la faute lourde et une admission plus frquente de la prsomption de faute, propiciando um caminho de maior abertura para uma meilleure indemnisation des victimes: o.c., com referncia ao estudo de LOCHAK, Danile -Rflexions sur les Fonctions Sociales de la Responsabilit Administrative la Lumire des Rcents Dveloppements de la Jurisprudence et de la Lgislation, oc, p.275-316.
190 constitutionnelle la parfois prtendu: non seulement la jurisprudence constitutionnelle apparat comme un lment du droit administratif lui-mme, intgr ce droit 95 , mais encore cette intgration ne saurait avoir lieu sans la contribution active du juge administratif 96 , comme le prouvent notamment les ajustements quil a apports la thorie des principes gnraux du droit 97 ; et, si elle est porteuse de contraintes pour le juge administratif, elle apparat aussi comme un facteur de consolidation et dextension de sou contrle. En pair, le juge constitutionnel et le juge administratif tendent se prter un appui mutuel, ce qui exclut toute ide de dpendance unilatrale et toute vision dun ordre juridique monolithique. On retrouve des mcanismes rigoureusement identiques en ce qui concerne lintgration du droit communautaire. Cette capacit du droit administratif perdurer en tant que corps de rgles spcifiques est particulirement manifeste en cas de nouveau partage des comptences juridictionnelles - le transfert aux tribunaux judiciaires du contentieux des actes de certaines autorits administratives indpendantes n impliquant pas, en tant que tel, un recul du droit administratif 98 - et de modification des processus dlaboration des normes: les sages eux-mmes resteraient prisonniers dun habitus juridique qui les pousserait se soumettre aux canons
95 CHEVALLIER, Jacques -Le droit administratif entre science administrative et droit constitucionnel, o.c., p.11-50. 96 MERCUZOT, Benot -LIntgration de la jurisprudence constitutionnelle la Jurisprudence Administrative, o.c., p.175-200. 97 MENNA, Domenico -la theorie des Principes Gnraux du Droit a lpreuve de la Jurisprudence Constitucionnelle, o.c., p.201-210. 98 DECOOPMAN, Nicole -Le contrle Juridictionnel des Autorits Administratives Indpendantes, o.c., P.211-230.
191 de la production juridique ( 99 ). La survie du droit administratif nen est pus moins assortie dune srie de changements en profondeur, dont il convient de ne pus sous-estimer limportance. lncontestablement, le modle classique qui faisait du juge administratif le producteur, sinon exclusif, du moins primordial, dun droit administratif conu comme essentiellement jurisprudentiel, est en dclin ( 100 ): non seulement le juge administratif se trouve concurrenc par dautres juridictions, notamment constitutionnelle et europennes, mais encore lessor du droit crit et le dveloppement dinstances de rgulation situes plus en amont ( 101 ) tend rduire son rle dans la production normative. On assiste ainsi une transformation, sans doute irrversible, du mode de production du droit administratif, dans le sens de louverture et du pluralisme. La production du droit administratif passe dsormais par une multitude dacteurs, qui interviennent des moments et sous des formes diffrentes dans le processus normatif: lintervention des sages est une des illustrations typiques de cette volution; en s appuyant sur un ensemble de ressources, les sages ont russi simposer comme concurrents part entire, ct des professionnels de la politique et du droit, dans la comptition pour le droit dire le droit 102 . Cette ouverture est assortie dune volont de rationalisation des modes ddiction de la norme, qui suppose le recours des mthodes scientifiques de prparation des dcisions, notamment par la mobilisation des ressources de lintelligence
99 BACHIR-BENLAHSEN, M. -Lois Sages et sagesse des Lgistes: Lnonciation du Droit en Matire de Biothique et dImmigration,o.c., p.231-256. 100 POIRMEUR, Y. ; FAYET, E.idem. 101 DECOOPMAN, N., idem. 102 BOURCIER, Danile - idem.
192 artificielle( 103 ). Cette transformation des conditions de production du droit administratif a une incidence sur les professionnels de ce droit: elle entrane la diffrenciation croissante de loffre de produits doctrinaux ( 104 ), ainsi que la perte dattrait des positions juridictionnelles ( 105 ). Elle se double surtout dune mutation dans le contenu mme du droit administratif: lquilibre lentement forg au fil de lhistoire par le juge administratif entre les prrogatives dont devait tre dote ladministration et la protection des droits individuels, tend tre remis en cause, sous la pression des jurisprudences constitutionnelle et europennes ( 106 ); le droit administratif tend ainsi tre inflchi dans son contenu mme par la remise en cause de certains privilges administratifs et ce mouvement ne fera, selon toute probabilit, que samplifier au cours des annes venir.
No estando, pois, em causa a sobrevivncia do direito administrativo, so vrios os factores significativos e de resultados ainda no totalmente desvendveis, que o acompanham, implicando mudanas de grande profundidade, ocasionadoras da crise que a cincia jusadministrativista atravessa.
21.3. Evoluo para o direito privado administrativizado.Caso do emprego pblico
103 BOURCIER, D. -oc, p.257-274. 104 POIRMEUR, Yves e FAYET, Emmanuelle -La Doctrine Administrative et le Juge Administratif, oc, p.97-120. 105 KESSLER, Marie Christine-Lvasion des members du conseil dtat vers le secteur priv, oc, p.121-148. 106 MERCUZOT, Benot -idem.
193 No s no plano da organizao das entidades no territoriais da Administrao Pblica, como noutros domnios a aplicao do direito privado tem feito caminho, embora no plano da sua actividade a chamada gesto privada deva sempre ocorrer com aplicao do direito privado complementado com os princpios constitucionalizados do direito administrativo (n.5 do artigo 2. do Cdigo do Procedimento Administrativo).
Um caso paradigmtico desta evoluo, alis muito longe de estar terminada, o do emprego pblico, cujo regime, por isso, embora em termos sintticos, aqui se refere.
Em causa est, pois, a relao jurdica de emprego com a administrao pblica, alm do regime de prestao de servios na Administrao Pblica, em substituio do regime jurdico da funo pblica e do regime jurdico do contrato administrativo de provimento 107 .
107 A problemtica geral da matria exigiria um desenvolvimento maior, que aqui no se far: contrato de trabalho: normas aplicveis, o artigo 6. da Lei n.99/2003, de 22 de Agosto (CT) e a Lei n.23/2004, de 22 de Junho (RJCITAP), as normas aplicveis e as revogadas da Lei n. 3/2004, de 15 de Maro (LQIP), alteraes e revogaes nos DL n. 184/89, de 2 de Junho (art.9. e 11.-A) e n.427/89, de 7 de Dezembro (art.s 18. a 21.), o regime jurdico do CITAP: aplicao do CT e legislao especial, especificidades do contrato individual de trabalho por tempo indeterminado na AP (mbito orgnico de aplicao do regime jurdico do CIT na AP, processo de seleco, limites contratao, forma contratual e menes obrigatrias, regime de aprovao dos regulamentos laborais, regime de contratao de pessoal de direco e chefia, deveres dos trabalhadores, nveis remuneratrios, regime do despedimento colectivo e da extino, fuso ou reestruturao dos servios, tipologia e nveis das convenes colectivas de trabalho e sua articulao, princpio geral da revogao das normas especiais anteriores sobre a matria e aplicao da LRJCITAP no tempo).
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A celebrao de contratos de trabalho pelo Estado e outras pessoas colectivas pblicas (designadamente, a Administrao regional autnoma e a administrao municipal 108 ), agora j admitido genericamente como regime normal para satisfao das necessidades pblicas permanentes 109 , em paralelo com o da funo pblica (e no apenas a ttulo excepcional como anteriormente); no seguimento da previso expressa no artigo 6. da Lei n.99/2003, de 22 de Agosto, que aprovou o novo Cdigo do Trabalho, vindo a Lei n.23/2004, de 22 de Junho, e respectivas alteraes ao Decreto-Lei n.184/89, de 2 de Junho, e 427/89, de 7 de Dezembro (artigo 28.) no s aplicar e adaptar o regime geral deste Cdigo na Administrao pblica, como tratar matrias de bases do regime e mbito da funo pblica (alnea t) do n.1 do artigo 165. da CRP).
Comearei por dizer, neste breve resumo do tema, que necessria uma previso expressa nos diplomas orgnicos das entidades pblicas para as legitimar a
108 Mas sem aplicao dos n. 3, 5 e 6 do artigo 7., n.5 do artigo 9., n.3 do artigo 11., n. 2 do artigo 15. e artigos 19. a 21.., a sua adaptao devendo excluir em geral a matria sobre competncias e o regime de interveno tutelar: vide, neste sentido, RAMALHO, Maria do Rosrio Palma; BRITO, Pedro Madeira de Contrato de Trabalho na Administrao Pblica. Coimbra: Almedina, 2004. 109 No entanto, conjugando os artigos 46. e 34. da Lei-Quadro dos Institutos Pblicos, constata-se que o regime regra o contrato de trabalho, embora possa adoptar-se o regime da funo pblica, devendo os diplomas instituidores determinar o regime concreto que ser aplicado, sem prejuzo de em situaes de transio institucional geral de regime, o da funo pblica s poder aplicar-se (manter-se) para o pessoal j em funes segundo esse regime (n. 2 do artigo 46.).
195 celebrar contratos nos termos do Cdigo do Trabalho, desde que o faam nos termos e sujeitos s especificidades deste regime de aplicao geral, designadamente debaixo da prvia criao de quadros especficos para esta categoria de empregados e quanto Administrao directa do Estado tendo presente as limitaes em funo das tarefas a desempenhar, que, para alm das de apoio administrativo, auxiliar e servios gerais (n.1 do artigo 25.), outras a definir em decreto-lei autnomo, que respeitar as excepes do n. 4 do artigo 1.. O mbito subjectivo de aplicao do regime do contrato de trabalho desenha-se atravs de um duplo dispositivo, um positivo (genericamente dizendo quem fica sujeito a este regime contratual laboral especfico: n. 1 e 2 do artigo 1.) e outro negativo (dizendo quem fica excludo deste regime, independentemente de poder ou no recorrer contratao privada nos termos gerais: n.3 e 4 do artigo 1.). Os critrios excepcionatrios usados no so unvocos, pois tanto so de natureza material (actividades da Administrao estadual directa: n.4 do artigo 1.) como institucional (excluso tipolgica orgnica: n.3 do artigo 1.) O regime jurdico do contrato de trabalho no se aplica: a) Nem s entidades a que j se aplica normalmente o direito privado laboral sem especificidades: empresas pblicas, pessoas colectivas particulares de utilidade pblica administrativa, associaes pblicas, associaes ou fundaes criadas como pessoas colectivas de direito privado por pessoas colectivas de direito
196 pblico, entidades administrativas independentes, universidades, institutos politcnicos e escolas no integradas do ensino superior, Banco de Portugal e os fundos que funcionam junto dele (n.3 do artigo 1.); b) Nem, no mbito da administrao directa do Estado, s actividades que impliquem o exerccio directo de poderes de autoridade, que definam situaes jurdicas subjectivas de terceiros ou o exerccio de poderes de soberania, que no podem ser objecto de contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Quando as entidades pblicas ajam como empregadores pblicos (artigo 3.): a)-Equiparao, em geral, s grandes empresas privadas, no plano da aplicao das regras laborais privadas (Cdigo do Trabalho, legislao especial e lei especfica). b)-Equiparao, no domnio das relaes de colaborao entre pessoas colectivas pblicas ou da existncia de estruturas organizativas comuns, s grandes empresas privadas (v.g., servios partilhados com prestao de trabalho subordinado a mais de uma pessoa colectiva), com aplicao do regime da pluralidade de empregadores do Cdigo do Trabalho. c)-Dependncia da sua celebrao da existncia de um quadro de pessoal de trabalhadores por tempo indeterminado e nos limites a previstos (artigo 7.). d)-Sujeio destes contratos para funes dirigentes (direco e chefia) ao regime de comisso de servio prevista no prprio Cdigo do Trabalho (artigo 6.), e ficando tais dirigentes sujeitos ao regime de
197 incompatibilidades e aos deveres especficos do pessoal no regime da Funo Pblica. e)-Competncia contratual, na Administrao directa do Estado, apenas do dirigente mximo do servio, sob pena de nulidade do mesmo e de responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos rgos que os celebrem; f)-Comunicao ao Ministro das Finanas e ao membro do Governo que tiver a seu cargo a Administrao Pblica; g)-Sujeio a autorizao do Ministro das Finanas da sua celebrao desde que envolvam encargos com remuneraes globais (contando quaisquer suplementos remuneratrios, designadamente a fixao de indemnizaes ou valores pecunirios incertos: n. 6 do artigo 7.) superiores s que resultam da aplicao de regulamentos internos ou dos instrumentos de regulamentao colectiva;
Quanto ao empregados pblicos, este contrato segundo o direito laboral privado no confere a qualidade de funcionrio pblico ou agente administrativo, ainda que estas tenham um quadro de pessoal em regime de direito pblico (n.2 do artigo 2.).
Quanto ao regime jurdico dos trabalhadores pblicos (artigo 2.), ele o do Cdigo do Trabalho e legislao especial, mas com vrias especificidades: a)-No plano dos deveres especiais, regem as seguintes orientaes (artigo 4.):
198 -sujeio aos deveres gerais do Cdigo do Trabalho, instrumento de regulamentao colectiva de trabalho ou decorrentes do contrato; -sujeio especial ao dever de prossecuo do interesse pblico; -obrigao de agir com imparcialidade e iseno perante os cidados; -cumprimento do regime de incompatibilidades do pessoal com vnculo de funcionrio pblico ou de agente administrativo; -necessidade de autorizao para exercerem outra actividade, nos mesmos termos que o pessoal com vnculo de funcionrio ou agente;
b)- No plano do processo de celebrao do contrato (artigo 5.), ele tem que ser regido por regras (que devem constar dos estatutos ou dos regulamentos internos) de transparncia (princpio da publicitao da oferta de trabalho: feita em jornal de expanso regional e nacional, incluindo obrigatoriamente informao sobre o servio a que se destina, a actividade para a qual o trabalhador contratado, os requisitos exigidos e os mtodos e critrios objectivos de seleco), igualdade de acesso (respeito pela igualdade de condies e oportunidades) e rejeio de motivaes de natureza subjectiva (seleco fundamentada, por escrito, comunicado aos candidatos, segundo critrios objectivos: mtodos e critrios de seleco efectuados por uma comisso, preferencialmente constituda por pessoas com formao especfica na rea do recrutamento e seleco). Mas a este processo prvio de seleco no se aplica o Cdigo do
199 Procedimento Administrativo, a no ser no que se refere aos princpios gerais da actividade administrativa.
Estes contratos esto sujeitos forma escrita, sob pena de nulidade (artigo 8.), devendo do mesmo constar, designadamente, o tipo de contrato e prazo (quando no for por tempo indeterminado), actividade contratada e retribuio do trabalhador (estas referncias, tal como nome ou denominao e domiclio ou sede dos contraentes, tambm sob pena de nulidade) e, ainda, a indicao do processo de seleco adoptado e a identificao da entidade que autorizou a contratao.
Estes contratos no podem conter um termo resolutivo (artigo 9.), a no ser para: a) livremente, para substituir, directa ou indirecta, outro empregado pblico (qualquer que seja o seu regime), ausente ou temporariamente impedido de prestar servio, em relao ao qual esteja pendente em juzo aco de apreciao da licitude do despedimento, em situao de licena sem retribuio, ou em regime de tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial; b)-sujeito a autorizao do Ministro das Finanas e do membro do Governo que tiver a seu cargo a Administrao Pblica, para assegurar necessidades pblicas urgentes de funcionamento das pessoas colectivas pblicas (e, neste caso, s pode ser celebrado a termo certo); c)-executar tarefa ocasional ou servio determinado, precisamente definido e no duradouro; d)-exerccio de funes em estruturas temporrias;
200 e)- responder a um aumento excepcional e temporrio da actividade do servio; f)-realizar projectos fora das actividades normais dos servios; g)-quando a formao dos trabalhadores no mbito das pessoas colectivas pblicas envolva a prestao de trabalho subordinado.
Os contratos celebrados para assegurar necessidades pblicas urgentes de funcionamento dos servios (durao mxima de seis meses) e pelo facto de tarefas de formao dos trabalhadores envolver a prestao de trabalho subordinado, no podem ser celebrados a termo incerto.
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Quanto ao contrato de trabalho a termo certo 110 conta hoje com especificidades na AP que tm vindo a ser reguladas nos art.s 9. e 10. da Lei 23/2004 e subsidiariamente pelo Cdigo do Trabalho 111 . De grande importncia a aplicao do disposto no n.3 do artigo 131. do CT, que obriga tambm na Administrao
110 Anteriormente regido pelo Decreto-Lei 427/89, de 7 de Dezembro, tal como previsto no Decreto-Lei n.184/89, de 2 de Junho. 111 Em parte, dado o artigo 8. do regime na AP, a al.c) do n. 2 do artigo 103.; artigo 108. -perodo experimental; artigos 127. e 128., 130. -no o n. 2, 131. -no o n.1, excepto al.e), e n.4, 132. -no o n.3, 133. a 138. -mas a aplicao do artigo 135. est condicionada ao disposto no artigos 5. e 7. do regime na AP, 139. -no o n. 3, 140 no o n.4, e 141 a 145.- tudo sobre regras gerais, durao e renovao a termo certo e durao a termo incerto, com excepo artigos 129., n. 2 do artigo 130., n.3 do artigo 331.-efeitos da suspenso ou da reduo de actividade, al.a) do artigo 387., 388. e 389.. cessao por caducidade.
201 Pblica, segundo o qual tem de se indicar o motivo justificativo da aposio da clusula a termo, com meno expressa dos factos subjacentes e respectiva relao entre estes e o tempo do contrato. H que atentar tambm em que o contrato de trabalho a termo resolutivo certo, que obedece a um processo de seleco simplificado (precedido de publicao da oferta de trabalho por meios adequados, com deciso reduzida a escrito e fundamentada em critrios objectivos de seleco), no pode ser celebrado, sob pena de nulidade, com clusula de sujeio a renovao automtica, caducando no termo do prazo mximo de durao previsto no Cdigo do Trabalho, no se podendo converter em contrato por tempo indeterminado (artigo 10.). Finalmente, ainda, no mbito do CITAP, refira-se que possvel a reduo do perodo normal de trabalho ou a suspenso dos contratos, quando haja uma reduo grave e anormal da sua actividade por razes estruturais ou tecnolgicas (declarada em termos devidamente fundamentados pelo ministro da tutela), pela ocorrncia de catstrofes ou por outras razes de natureza anloga, nos mesmos termos do Cdigo do Trabalho, com algumas especificidades (artigo 15. e seguintes), sem prejuzo do direito do trabalhador a receber uma compensao retributiva (nos termos do Cdigo do Trabalho) 112 .
112 Estes e outros temas sero desenvolvidos na cadeira de Regime Jurdico da Funo Pblica (melhor se diria hoje do emprego pblico). Desde logo, h que distinguir entre contratos de constituio de relao de emprego e os contratos de prestao de servios, explicitando as especificidades do contrato de prestao de servios AP (art.s 10 e 11. do DL 184/89). Depois outros temas igualmente essenciais so o do recrutamento e seleco de pessoal (o concurso como meio de acesso funo publica, os princpios fundamentais do recrutamento e seleco de pessoal, a
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classificao dos concursos, a abertura do concurso: competncia, restries e eventual obrigatoriedade, natureza jurdica do acto autorizador da abertura do concurso, a composio do jri, o aviso de abertura do concurso: requisitos e formas de divulgao, a apresentao das candidaturas e procedimento decisrio, requisitos de admisso ao concurso, gerais e especiais, a lista dos candidatos admitidos e excludos, os mtodos de seleco, a classificao e ordenao dos candidatos, a audincia dos interessados, a homologao da acta contendo a lista de classificao final, a publicitao da classificao final, eventuais reaces contra o acto homologatrio, a eficcia do acto homologatrio. Seguidamente, importa tratar do acto de nomeao: modalidades e efeitos, a publicitao do despacho de nomeao, a aceitao da nomeao e seus efeitos. Essencial na economia da matria tambm o tema das modificaes da relao jurdica de emprego com a Administrao pblica (mbito de aplicao das modificaes da relao jurdica e diferentes situaes), a nomeao em substituio, a comisso de servio extraordinria, a transferncia, a permuta, a requisio e o destacamento e outras formas de modificao da relao jurdica de emprego. Outro tema a tratar o da extino da relao jurdica de emprego com a Administrao pblica, natureza taxativa das causas extintivas, causas de extino prprias dos funcionrios e comuns aos agentes e causas de extino prprias dos agentes contratados em regime de contrato administrativo de provimento. A seguir, parece ser o momento de tratar do regime de progresso na categoria: a promoo na carreira e a reclassificao profissional; da acumulao de funes (acumulao de funes pblicas, acumulao de funes privadas, autorizao de acumulao de funes) e da antiguidade (e aposentao). Sobre o emprego pblico, quadros de pessoal e carreiras, h que desenvolver as questes relacionadas com as necessidades dos servios pblicos e a constituio de quadros de pessoal de direito pblico e privado, a competncia para a aprovao dos quadros, as modalidades de quadros de pessoal: privativos, departamentais e interdepartamentais, a estruturao dos quadros de pessoal: grupos, carreiras e categorias; a noo de carreira e sua tipologia: verticais, horizontais, mistas e de dotao global, carreira como arqutipo ou como designao de profisso, as categorias: sua noo e diferenciao, as alteraes aos quadros de pessoal, as classificaes de servio. Matria tambm fundamental a que se refere aos deveres funcionais e ao regime disciplinar substantivo e processual, que devem ser dadas com algum possvel aprofundamento. Outras matrias a expor referem-se ao regime do horrio de trabalho e das frias, faltas e licenas, segurana social e regalias dos trabalhadores estudantes. Finalmente, a matria da publicidade dos actos relativos situao do pessoal ao servio da Administrao pblica merece algumas consideraes: actos sujeitos a publicao em Dirio da Repblica e a publicidade como requisito de eficcia. E, se houver tempo, o sistema retributivo da funo pblica merecer no s consideraes genricas introdutrias (direito ao lugar e ao exerccio efectivo de funes, proteco constitucional da remunerao, caracteres gerais e natureza jurdica da remunerao dos funcionrios e agentes administrativos), como um a certa explanao dos seus diferentes aspectos: componentes do sistema retributivo (remunerao base, adicional remunerao, prestaes sociais/familiares (e sua enumerao: subsdio familiar a crianas e jovens, subsdio por frequncia de estabelecimento de educao especial, subsdio mensal vitalcio, subsdio por assistncia de terceira pessoa, subsdio de funeral; titularidade, condies de atribuio e durao
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das prestaes sociais/familiares; cumulabilidade das prestaes sociais /familiares, prestaes de aco social complementar, subsdio por morte, subsdio de refeio, suplementos (por trabalho extraordinrio, por trabalho nocturno, por trabalho em dia de descanso semanal e feriado, por disponibilidade permanente ou por outros regimes especiais de trabalho, por trabalho prestado em condies de risco, penosidade ou insalubridade, suplementos por incentivo fixao em zonas de periferia, pela prestao de trabalho em regime de turnos, para falhas, pela participao em reunies, comisses ou grupos de trabalho, por compensao de despesas efectuadas por motivo servio (ajudas de custo em territrio nacional, ajudas de custo no estrangeiro, suplementos de transporte, despesas de representao, despesas por transferncia para localidade diversa), as remuneraes extraordinrias (subsdio de frias, subsdio de Natal), os limites remuneratrios, Os descontos obrigatrios e facultativos, o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, as quotas para aposentao e sobrevivncia, a quota para a ADSE, a reposio e restituio de vencimentos. Bibliografia nacional sobre a matria a destacar: ALFAIA, Joo -Conceitos Fundamentais do Regime Jurdico do Funcionalismo Pblico. Vol.I, 1985 e Vol.II, 1988. AMADO, Joo Leal -A proteco do salrio. Coimbra, 1993. AZEVEDO, Arnaldo Funo Pblica.(....). Lisboa: Grupo Editorial Vida Econmica, 2000. BORGES, Lus Pais -Concursos de Provimento na Administrao Pblica: Critrios de Avaliao. Revista do Ministrio Pblico, Ano 10, n. 39, p. 55-61. CARDOSO, Teresa Alves -Atribuio de abono para falhas. Revista de Administrao Local, n. 123, Ano 14, Maio/Julho 1991, p. 454-456. CARVALHO, A. Nunes De -Sobre o dever de ocupao efectiva do trabalhador. Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXXIII (VI da 2, srie), n. 3-4, Julho/Dezembro 1991, p. 261-327. CAUPERS, Joo - Os Direitos Fundamentais dos trabalhadores e a Constituio. Lisboa, 1985.-Situao jurdico comparada dos trabalhadores da Administrao Pblica e dos trabalhadores abrangidos pela legislao do contrato de trabalho. Revista de Direito e Estudos Sociais, Janeiro/Junho de 1989, Ano XXXI (IV da 2. Srie), n 1 e 2, p. 243- 254.CORREIA, Srvulo -Legalidade a Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos. Coimbra, 1987. COUTINHO, Pereira -A relao de emprego pblico na Constituio: Algumas notas. In Estudos sobre a Constituio, 3. Vol., p. 684-706. DIAS, Francisco Maria -Estatuto Remuneratrio da Funo Pblica. Coimbra, 1990. ESTEVO, Jos Carlos -A transferncia dos funcionrios na Administrao Pblica Portuguesa. Revista da Administrao Pblica, Ano V, n 17, Julho/Setembro 1982, p. 389-421. FERNANDES, F. Liberal Sobre a proibio de converso dos contratos de trabalho a termo certo no emprego pblico: comentrio jurisprudncia do Tribunal Constitucional. QL, n.19, 2002, p.76-95; -O direito de negociao colectiva na Administrao Pblica. QL, n.12, 1998, p.221-225 (221); -Autonomia Colectiva dos Trabalhadores da Administrao. Crise do modelo clssico de Emprego Pblico. Coimbra, 1995. FERNANDES, Monteiro -Direito do Trabalho. Vol. 1, 7 Ed., 1991. GANHO -A Acumulao de funes no funcionalismo pblico: Regime jurdico geral. Revista do Ministrio Pblico, Ano 17, n 67, Julho/Setembro 1996, p. 57-124. GODINHO, Jlio S. -Conceito jurdico de funcionrio e empregado pblico segundo o Cdigo Penal. Mensrio Administrativo, 1949, n 22-23. GONALVES, Pedro - Quem vence um concurso para escolha do funcionrio a nomear: o primeiro classificado ou, em conjunto, todas os que ficam em condies de ser nomeados?. Cadernos de Justia
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206 II - NOMOGNESE DO DIREITO POSITIVO
22.FONTES E FUNDAMENTOS INTERNACIONALISTAS E UNIONISTAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO: NOMOLOGIA, PLURALIDADE DAS FONTES DE CRIAO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
22.1. Consideraes gerais
O direito administrativo, vigente na nossa ordem jurdica, integrado, desde que Portugal pertence Unio Europeia, no s por normas de produo nacional, mas tambm, em grande medida, por normas de direito internacional oriundos da Comunidade Internacional, de mbito geral, regional ou bilateral, e de Direito Comunitrio Europeu ou Direito da Unio Europeia, oriundo das Instituies Europeias (dotadas de poderes multimateriais de natureza para-estatal, que lhes foram
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207 afectadas por atribuio directa ou com base em clusula de ampliao evolutiva), ou de instituies de organizaes internacionais clssicas, dotadas de atribuies especificadas, criadas em Tratados, celebrados pelos Estados ou pela celebrados pela UE, e cuja aplicao, em caso de divergncia reguladora, tm primazia sobre quaisquer normas de fonte nacional (princpio do primado do Direito Internacional e do Direito da Unio Europeia ou Direito Comunitrio Europeu).
O Direito da Unio Europeia, salvo as normas sobre organizao e poderes das instituies e de outros rgos da Unio e normas sobre sociedades europeias e poucas mais, so, em geral, normas de direito administrativo, pelo que, pela sua importncia e volume, a teoria das suas fontes matria extremamente importante no estudo quer do direito administrativo geral, quer de vrios ramos de direito administrativo especial. Sendo o Estado portugus um Estado unionista europeu, sujeito nomognese comunitria europeia, em processo aberto contnua unificao europeia 113 , no admira que se esteja face a matria que as revises constitucionais procuraram enquadrar nos n. 6 do artigo 7. e n. 3 e 4 do artigo 8., e, tendo presente essa importncia quantitativa e qualitativa, tanto em domnios substantivos como procedimentais e jurisdicionais, do direito administrativo oriundo das Instituies da Unio,
113 Usando aqui a expresso aberto com um sentido j anteriormente utilizado em outra obra (Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2001), e que, falta de melhor terminologia, tambm LUCIANO PAREJO ALFONSO, em seu recente Manual, acabou por acolher.
208 de interesse ministrar conceitos basilares sobre o tema 114 , matria a que passamos a referir-nos.
Com efeito, Portugal membro da Unio Europeia, encontrando-se as suas autoridades legislativas e administrativas, enquanto Administrao indirecta da Unio, obrigadas a aplicar o direito comunitrio europeu.
Por isso, alm da afirmao inicial da existncia do primado do direito comunitrio, designadamente dos princpios de direito administrativo geral, designadamente procedimental comunitrio, sobre qualquer norma de direito interno, importa tecer algumas consideraes gerais sobre a nomologia comunitria.
*
Comeamos por referir que tambm se integram neste direito de aplicao obrigatria por todas as entidades do Estado e cidados as normas de direito internacional, de aplicao ligada clusula da recepo plena, e tambm afastando a aplicao de normas de fonte nacional incompatveis (princpio do monismo com primado do direito internacional e n. 1 e 2. do artigo 8. da CRP). Estas afirmaes levam-nos a tratar, nesta altura, da nomologia administrativa, dado que, numa Administrao nomocrtica, subordinada no s aos legisladores internos mas tambm aos supra-nacionais e ao direito
114 Domnio em que seguimos os tpicos da exposio relativamente sinttica Nomologia comunitria, inserida na nossa publicao Direito do Ambiente, edio da Almedina, 2001, p.283 e ss.
209 internacional, ganha grande importncia a questo da identificao e hierarquizao das fontes globais do direito administrativo que lhe aplicvel. Vamos fazer breves referncias quer ao DIP e especialmente ao jus cogens internacional quer ao direito da Unio Europeia (o direito originrio: convencional, cuja fonte est nas normas dos tratados e, em breve, Tratado nico de Lisboa; o direito derivado: institucional, cuja fonte est em normas e actos jurdicos produzidos pelos rgos cimeiros, de natureza para estatal, as chamadas Instituies da Unio; e o direito complementar: tambm convencional constante das normas de tratados celebrados pela Unio com estados terceiros, estritamente nos termos das Convenes de Viena do Direitos dos Tratados).
Depois, uma referncia, em geral recapitulativa de matria tida como dada noutras cadeiras, s normas da Constituio, desde as normas directamente aplicveis e exequveis por si mesmas; normas no exequveis por si mesmas e normas programticas), interpretao sobre o enquadramento do DIP em geral e do DUE (artigo 8. da CRP), leis ordinrias de valor reforado geral e especfico, leis ordinrias, regulamentos estaduais (decreto regulamentar, resoluo, portaria e despacho normativo, etc.) e infra-estaduais, costume, jurisprudncia e doutrina.
210 22.2.TEORIA GERAL DAS FONTES DE DIREITO ADMINISTRATIVO
22.2.1. Consideraes prvias sobre as fontes do direito administrativo
O direito administrativo tem, em geral, as mesmas espcies de fontes que a generalidade dos outros ramos do direito, aplicando-se-lhe os mesmos princpios que, cientificamente, se construam, em geral, em sede da teoria nomocrtica.
Mas, tudo isto, sem prejuzo de, por um lado, como frequente em outros sectores da normatividade, se dever constatar especialidades, com significado no regime das fontes (com influncia no campo da determinao das normas aplicveis e do sentido a atribuir-lhes).
E, por outro, depararmos aqui com tipos de fontes com especial importncia, como acontece com os princpios de aplicao actividade administrativa em geral, em gesto pblica ou em gesto privada (direito privado administrativizado), hoje constitucionalizados.
Estes princpios assumem um mesmo valor jurdico, por fora da lei e da existncia de vastos poderes discricionrios em muitas matrias).
E tem, mesmo, de se acrescentar a importncia de certos tipos de fontes especficas, como acontece com as praxes administrativas e de prticas interpretativas correntes, no s
211 obrigando fundamentao das solues deferentes como preenchendo a densificao da clusula geral de autorizao de poderes delegados em imediatos inferiores hierrquicos, adjuntos ou substitutos (n.1 do artigo 35. do CPA).
E no pode esquecer-se a especial quantidade e portanto importncia da multiplicidade, por vezes escalonada, de regulamentos, mas tambm as directivas internas e pareceres ou recomendaes, designadamente do Provedor de Justia 115 e deliberaes de Entidades Independentes 116 .
Alm disso, realce-se o facto de estarmos perante uma rea do direito que vive no apenas de normas verticais, que tratam directamente matrias como o ambiente, directamente aplicveis, em termos imperativos ou subsidiariamente, mas tambm de normas de direito judicirio e processual, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos, o que significa que, nos termos dos critrios distintivos tradicionais, enformado por normas quer de natureza orgnica, quer substantivas, quer processuais, e cujas fontes e seus regimes jurdicos diversos adquirem relevo maior ou menor, mas que importa destacar e situar.
Vamos estudar primeiro, sinteticamente, a teoria
115 E as decises, se, ao na linha da teoria do DUE, incluirmos tambm os actos administrativos como fonte de direito.Vide, v.g., CONDESSO, F. A nomologia comunitria. In Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2001, p.283 e ss. 116 Artigo 24., n.2, al.c) do EERC: Aprovar regulamentos, directivas e decises, bem como as demais deliberaes que lhe so atribudas pela lei e pelos presentes Estatutos. N. 6 do artigo 65.: Os regulamentos, as directivas, as recomendaes e as decises da Entidade Reguladora da Comunicao ().
212 geral das fontes de direito e depois apontaremos alguns diplomas fundamentais que se lhe referem e abordaremos o papel das outras fontes, sejam as internas (geradas no mbito da comunidade nacional) sejam as comunitrias europeias e as internacionais (geradas no mbito supranacional da Unio Europeia ou da sociedade internacional em geral).
22.2.2.TEORIA DAS FONTES DE DIREITO EM GERAL
A)- TEORIA CLSSICA E NEOCLSSICA
Na teoria clssica das fontes, vigente em Portugal na maior parte do sculo XX, e cuja orientao aparece seguida no Cdigo Civil de 1966, a fonte formal de direito era a lei (norma positiva) e a jurisprudncia apenas a ttulo excepcional, quando imposta por lei (os assentos, enquanto acrdos uniformizadores da jurisprudncia com impositividade prevista a partir de 1926), aparecendo o costume com fora obrigatria dependente da lei, mas no se aceitando o costume autnomo, que se afirmasse por si mesmo (apesar de ser a fonte mais antiga e genuna 117 ), nem a jurisprudncia e a doutrina enquanto tais.
Com efeito, segundo o Cdigo Civil (artigos 1. a 4., com estatuies com pretenso nesta matria, a assumir uma natureza materialmente constitucional; de
117 AMARAL, Diogo Freitas do Manual de Introduo ao Direiuto. Colaborao Ravi Afonso Pereira. Coimbra: Almedina, 2004, p.371.
213 regulao exclusiva das fontes), a principal fonte imediata era a lei e previam-se como fontes mediatas, dependente da vontade da lei (ou seja, existentes na medida em que do legislador lhe conferisse tal qualidade), os assentos, os usos e a equidade (apesar de no se compreender tal integrao, pois esta no fonte de factos normativos, mas apenas um modo de deciso meramente casustica, ou seja, recurso admissvel, em certas situaes, para casos individuais e concretos 118 ).
B)- TEORIA GERAL ADOPTADA E POSIO SOBRE A QUESTO DAS FONTES DE DIREITO ADMINISTRATIVO, SUA HIERARQUIZAO E APLICAO PELA ADMINISTRAO PBLICA
Nesta matria, remete-se para os conhecimentos j adquiridos na Introduo ao Estudo Direito ou em Princpios Gerais de Direito 119 , limitando-nos antes a expor as questes especficas que se levantam ao nvel da aplicao do direito administrativo, e onde h que tomar-se posio clara sobre a aplicao do direito pela Administrao Pblica, em que, em geral, as posies da doutrina portuguesa no nos tm merecido acolhimento, designadamente quanto s fontes do direito, sua hierarquizao e aplicao pela Administrao Pblica.
118 AMARAL, D.F. o.c., p.359. 119 Quer em termos de fontes, quer de competncias para legislar (Assembleia da Repblica, Governo, Assembleias Legislativas Regionais) ou regulamentar, quer sobre a forma e publicao das leis e a sua vigncia ou a teoria jurdico-poltica da lei, processos legislativos, etc., matrias que, a no serem dadas em PGD, melhor cabero na cadeira de Direito Poltico ou de Direito Constitucional.
214 *
Os temas que consideramos de interesse desenvolver aos alunos de direito do ISCSP, sobre a teoria das fontes do direito e a sua hierarquia (em que se interligam consideraes sobre a teoria da produo das fontes internas, das fontes de direito da Unio Europeia, das fontes de direito internacional e sua relativa ordenao global), podem ser ordenados do seguinte modo:
a)- noo de fontes do direito e a noo de norma jurdica; sentido jurdico-formal de fonte de direito; fontes de actos jurdicos em geral e fontes de normas jurdicas;
b)- tipologia das normas jurdicas: tipologia estrutural (regras e princpios; princpios generais do direito); tipologia formal das normas jurdicas (normas de tratados internacionais e unionistas, normas constitucionais, leis, regulamentos); classificao das normas jurdicas;
c)- teoria das fontes: teoria nacionalista positivista (clssica) das fontes e o CCV de 1946; teorias neoclssica ps-Constituio da Repblica Portuguesa; reformulao da teoria das fontes imposta pela realidade poltico-social do pas: teoria realista, pan-nomocrtica, integradora de todas as fontes e segundo um escalonamento de hierarquizao a todos os nveis, coerente com a ordenao relativa dos vrios poderes, supra e intranacionais, que a que corresponde nossa posio tradicional e doutrina pluralista das fontes expressa no Manual de Introduo ao Direito, de DIOGO FREITAS DO
215 AMARAL 120 ; questo da equidade e o artigo 4. do CCV;
d)- princpio de hierarquia, ordenamento integral das vrias fontes 121 e sua razo de ser. ***
Quanto noo de fonte, comeo por referir que a palavra fonte equivoca por ser multvoca, podendo atribuir-se- lhe vrios sentidos, desde o sentido fsico a sentidos metafsicos. Se de facto, no primeiro sentido, o vocbulo fonte usado correntemente com um significado, o de nascente de gua, j, em sentido figurado, usado com sentidos mais extensos, normalmente, embora no s, volta das ideias de causa, factor desencadeante, nascente ou origem de
120 AMARAL, D.F.-Manual de Introduo ao Direito.Coimbra: Almedina, 2004, I Vol., p.343 e ss. ndice temtico do captulo sobre o sistema da hierarquia das fontes: O problema da hierarquia das fontes, O problema em face da teoria clssica, A teoria neo- clssica: um constitucionalismo nacionalista, A Posio de DIOGO FREITAS DO AMARAL: As fontes internacionais, As fontes comunitrias europeias, A guerra e a revoluo, A Constituio, O Direito ordinrio, ou infra-constitucional. 121 Artigo 1 do CCV (Fontes imediatas): 1So fontes imediatas do direito as leis e as normas corporativas. 2. Consideram-se leis todas as disposies genricas provindas dos rgos estaduais competentes; so normas corporativas as regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, econmicas ou profissionais, no domnio das suas atribuies, bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos. 3. As normas corporativas no podem contrariar as disposies legais de carcter imperativo; Artigo 2 (Assentos): Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com fora obrigatria geral (Revogado pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12-12); Artigo 3 (Valor jurdico dos usos):1. Os usos que no forem contrrios aos princpios da boa f so juridicamente atendveis quando a lei o determine. 2. As normas corporativas prevalecem sobre os usos; Artigo 4 (Valor da equidade): Os tribunais s podem resolver segundo a equidade): Quando haja disposio legal que o permita; b) Quando haja acordo das partes e a relao jurdica no seja indisponvel; c) Quando as partes tenham previamente convencionado o recurso equidade, nos termos aplicveis clusula compromissria (Cdigo Civil, Livro I, Parte Geral, Ttulo I, Das leis, sua interpretao e aplicao, Captulo I, Fontes do direito).
216 algo.
Em sentido figurado, mas prximo do literal, a aplicao do vocbulo fontes no mbito do direito (fontes de direito, mesmo que um pouco forada realidade e cincia do direito) traduziria a ideia de factos de onde parte (origens, causas) o aparecimento de normas de conduta social consideradas como impositivas (com fora jurdica), ou que as viabiliza ou que funcionam como circunstncias que conformam as suas solues concretas. Ou seja, no so as normas em si, mas os vrios tipos de factos (jurdicos) criadores destas 122 , as organizaes que a processam ou os factores que implicaram uma dada modelao concreta do seu contedo 123 .
*
Mas podemos falar de fonte de direito em vrios sentidos: a)- fonte radical (de radix, radicis, raiz), causal, a um tempo justificativa e aferidora da validade do direito, identificada com o Direito Natural ou Direito Racional, que sem necessidade de positivao seria fonte normal do direito e, mais do que fonte de direito, seria tambm fonte e medida de validade do direito positivo; b)- fonte explicitadora do direito (material, explicativa
122 MARQUES, Jos Dias Introduo ao Estudo do Direito .3.Ed., Lisboa: Jos Dias Marques, 1970, p.197 e ss. 123 Os diplomas concretos em que aparecem escritas na medida em que so apenas o continente das normas, so designados como fontes em sentido textual, para se distinguir do seu sentido jurdico-formal, ou seja, dos factos normativos.
217 ou fonte iuris cognoscendi), para referir a fonte do conhecimento do direito; e c)- fonte expositiva (ou fonte iuris essendi), para significar as normas (o direito exposto, normas que se expem) em sentido directamente normativo: as normas de conduta e de produo dessas mesmas normas comportamentais (ou normas primrias e secundrias, na construo de H. Hart) 124 .
*
A expresso fontes de direito usada na teoria do direito em sentido formal, como as maneiras atravs das quais se efectiva, independentemente das suas modalidades, o aparecimento escrito ou oral (criao ou revelao) de normas com fora jurdica. Portanto refere-se quer s fontes produtoras de factos normativos (quanto ao direito de origem estadual, -e sem prejuzo de outros centros estaduais no oficiais ou supra e infra-estaduais, pblicos ou particulares, geradores de normas jurdicas-, o direito estadual oficial nasce dos poderes legislativo, executivo e jurisdicional do Estado), criadores,
124 Prximo desta catalogao, no plano jurdico, veja-se De Castro, enunciando como principais, os trs tipos de fontes que considera utilizados na cincia jurdica, que denomina fonte filosfica (raz do jurdico), fonte tcnica (fontes de direito positivo, com a sua variada tipologia de normas constituindo o ordenamento jurdico positivo, determinadas legitimamente por organizaes jurdicas, v.g., lei, costume) e fonte instrumental (fontes de conhecimento do direito positivo ou o material que se utiliza para averiguar o contedo das normas jurdicas):DE CASTRO, F. Naturaleza de las reglas para la interpretacin. Madrid, 1978, p.139-140.. h quem fale no direito como faculdades (como direitos subjectivos), como norma (como fonte xe direito objectivo) ou como conhecimento ou cincia (como fonte do conhecimento do direito ): CASTAN TOBEAS, J Derecho Civil Espaol Comn y Foral. Ed.rev.ista por Jos Luis de los Mozos. Madrid, 1975.
218 modificadores ou extintores de normas (actos normativos legislativos, administrativos e jurisdicionais; fontes constitutivas de direito, modos de o produzir, fontes juris essendi, 125 ), quer s fontes reveladas, que permitem aceder ao conhecimento do direito complementando (adicionando, suprindo, corrigindo ou modificando) os factos normativos produtores deste (factos de natureza diversa, como a doutrina, as regras de cincia ou de arte, ou mesmo factos normativos de natureza interpretativa: fontes declarativas, reveladoras, modos de o conhecer, fontes juris cognoscendi 126 .
Quanto s teses sobre as fontes, constata-se que, na literatura nacional, temos, de um lado, as tradicionais teses clssicas, que rejeitamos, e, do outro, a tese realista (que sempre perfilhmos, nas vrias disciplinas em que tivemos de expor sobre fontes, designadamente nas cadeiras de direito comunitrio, direito internacional pblico, direito da comunicao social e direito administrativo, e que, recentemente, aparece bastante desenvolvida e fundamentada, em termos muito semelhantes, por DIOGO FREITAS DO AMARAL, no seu Manual de Introduo ao Direito).
No podemos deixar de nos demarcarmos de teses neoclssicas, em posturas em que se reconhecem progressos de base terica, mas que, ficando sempre a meio caminho, entre novos princpios e dados polticos, que se aceitam
125 Traduzindo letra: fontes do ser do direito. 126 Traduzindo letra: fontes de conhecimento do direito.
219 em face da realidade, para a qual se mostra sensibilidade, mas dos quais no se tiram todas as consequncias, e, portanto, imprimindo avanos relativos em simultneo coma a manuteno, em parte, de solues tradicionais, com concluses la carte (que lhes introduz toda uma incoerncia cientfica), de que os prprios no conseguem deixar de se admirar e lamentar.
Mesmo que os propsitos afirmados parecem diferentes, em geral, acabamos realmente por nos deparar perante construes globais incoerentes, que s aparentemente poderiam fugir a uma integrao no rol de teses neoclssicas, dado que se situam mais numa postura de racionalizao de parte do status quo e, portanto, de conformao com as prticas ou na maior parte continuando presas s bases e premissas de reflexo das doutrinas correntes, de que no conseguem afastar-se (por vezes, afirmando o direito a partir de textos e dogmas no jurdicos, mesmo que respeitveis), at chegarem, finalmente, em sede de antinomias jurdicas a concluir, em sede de regras de hierarquizao aplicativa das normas, que as cientificamente vlidas o so apenas para os tribunais, mas no para a Administrao Pblica, ou seja, que a Administrao Pblica deve aplicar um direito diferente do dos tribunais e, portanto, tambm daquele a que esto sujeitos os administrados, numa construo dual, pretensamente cientfica, em que o direito poderia, ao mesmo tempo, ser e no ser, pois que o cidado, em caso de conflito de normas ou de sucesso de normas ou de cumulao de normas de poderes diferentes, no poderia deixar de procurar reger-se pela norma que deve ser
220 aplicvel 127 , mas em que a Administrao Pblica teria que aplicar normas diferentes realmente e no aplicveis 128 , porque pautando-se essencialmente pelo princpio lex posterior ou, quando muito, lex specialis, com desprezo em geral da supremacia da norma constitucional, do DIP e do DUE, para que caiba depois aos tribunais, nos poucos casos que a vo parar, intervirem para repor a verdadeira legalidade, aplicando as normas que devem ser cientificamente aplicveis 129 - 130 .
127 O cidado no tem de conhecer a norma que aplicvel em cada momento e interpret-la correctamente (ignorantia legis non excusat: vide artigo 6. do CCV)? 128 E na medida em que, quem desobedecer s autoridades, comete o crime do artigo 348. do Cdigo Penal (desobedincia autoridade pblica), sujeitando-se o cidado, por princpio, a estar sujeito a processos crimes se quiser cumprir, contra a posio errada da autoridade, a norma aplicvel, sob pena de se sujeitar a julgamento e provar em tribunal a ilegalidade da ordem por invocao de norma indevida, para obter a justa absolvio? Se os tribunais no podem aplicar normas injustas ou imorais, por fora da prpria cRP, como pode admitir-se tal postura injusta e at imoral, por princpio, no agir da Administrao Pblica? 129 Em geral, comungamos das posies e argumentos de DIOGO FREITAS DO AMARAL, que explanaremos, posies que sempre foram em geral as nossas, constantes de textos (e lies policopiadas desde 1992), sofrendo a influncia da universidade de Bruxelas, onde, na dcada de oitenta, estudamos, sem prejuzo de mantermos definies, expresses, argumentos e at algumas posies distintas, na linha do que sempre ensinamos. 130 Vide, v.g., JORGE MIRANDA Direito Constitucional. 3. Ed, Vol III.No nos referiremos desenvolvidamente s posies com que PAULO OTERO, em recente livro denominado Legalidade e Administrao Pblica, enfileira na defesa de uma doutrina que obriga ou dispensa a Administrao Pblica de pocurar aplicar a norma que resulta aplicvel, para os cidados e os tribunais, segundo os critrios cientficos da hierarquia das normas, aps um esforo de longa investigao neste caminho (tal como no aqui o ligar para desmontar todas a argumentao em que assentam estas doutrinas criadores a de uma dualidade de direitos aplicveis num s ordenamento jurdico). Mas, repescando algumas passagens mais significativas deste autor, no que se refere aplicao das normas pela Administrao Pblica, no deixamos de referir que o autor opta por preferir sacrificar momentaneamente a discusso sobre a validade do fundamento normativo da actuao administrativa e, nesse sentido, a prpria validade da respectiva deciso por considerar de preferir a segurana () fundada numa norma invlida, legalidade ou inconstitucionalidade, assim acabando por chegar a um opo subjacente excepcionalidade da vinculao administrativa ao critrio hierrquico, a
221 Ser que aceitvel que os princpios da primazia de normas de direito internacional e comunitrias sobre todo o direito de fonte interna e das constitucionais em relao s outras que destas dependem, pode ter um valor relativo para a Administrao Pblica, a decidir cientificamente a la carte, e com um regime diferente do aplicvel aos cidados e tribunais, que est obrigada ou habilitada a aplicar normas infra-ordenadas com elas incompatveis?
uma preferncia pela invalidade do fundamento normativo da actuao dos rgos administrativos (sic), concluindo, entre vrias coisas, face s posies que vai tomando, que vinculada normalmente a ter de aplicar uma normatividade inconstitucional ou ilegal, enquanto expresso da ausncia de um poder administrativo genrico de rejeio aplicativa de normas invlidas, a Administrao Pblica pode encontrar-se obrigada a praticar actos ilegais. E, por isso, o autor no tem outro remdio seno, em coerncia, reconhecer a aberrao a que as suas argumentaes do origem, concluindo, pelos vistos tranquilamente, dado que no reviu: revelando-se aqui a incoerncia da configurao global do princpio da juridicidade e a quebra da ideia de sistema jurdico-administrativo: em tais casos, o sentido vinculativo dos rgos administrativos juridicidade contraditrio, imperfeito e incompleto (ponto c) da concluso geral, ou ponto 21.7, stima concluso, da Parte II). O autor, prisioneiro das suas posies ultraconservadoras sobre a relao da Administrao Pblica com o direito, no pode deixar de concluir pelo absurdo da normalidade da auto-vinculao da Administrao Pblica invalidade e, portanto, pela normalidade de um obrigatrio e sistemtico recurso aos tribunais pelos cidados e outras administraes em relao interadministrativa, transformando a jurisdico em verdadeira administrada quotidiana da legalidade administrativa, e nem intenta voltar ao incio para se obrigar a rever todas as bases dogmticas nsitas nas suas posies anteriores, de modo a ter de concluir da nica maneira possvel em Estado de Direito, para o qual a sua reflexo devia contribuir, aceitavelmente: que o sentido vinculativo dos rgos administrativos juridicidade, tal como deve ser cientificamente configurado pelo sistema jurdico, no (pelo menos no campo dos princpios, do dever-ser, independentemente das prticas ou doutrinas erradas), nem contraditrio, nem imperfeito e nem incompleto. At porque se a concluso, com as suas teses, o que , e no devendo, no podendo ser, ento haveria que dizer o que deve ser feito para no o ser, o que levaria, na mesma, o autor a dizer frente o que evitaria se voltasse atrs e tivesse refeito todas as suas posies tericas anteriores que o obrigaram a cair nesse inaceitvel abismo terico da ilegalidade que teve de considerar insupervel. Basta ler a doutrina defendida por DIOGO FREITAS DO AMARAL ou por ns mesmos sobre a hierarquia das normas para se perceber como as concluses sobre o tema se situam ou podem situar em termos bem diferentes.
222 A minha posio, comungando embora das precaues de JORGE MIRANDA e na linha das posies de princpio de Freitas do Amaral, a de que a juridicidade que a Administrao est obrigada a respeitar, inclui em geral as prprias normas supranacionais 131 e as normas constitucionais, todas elas parte do bloco da normatividade enquanto vigentes, e dotadas de supremacia normadora, embora, quanto Constituio da Repblica Portuguesa, s em casos de inconstitucionalidade material com uma desconformidade manifesta, especialmente em situaes de unanimidade doutrinal sobre o tema, ou em que os tribunais, no controlo difuso ou concentrado, j tenham considerado alguma vez a norma infraconstitucional (pelo menos, recentemente, se se trata de tribunais comuns) como desconforme Constituio, e desde que a questo seja colocada ao e resolvida pelo rgo mximo do ministrio (ou de pessoa colectiva em causa), tudo sem prejuzo do direito normal de impugnao pelo destinatrio, pblico ou privado, da deciso que no aplique a norma tida como inconstitucional, para o tribunal administrativo competente.
De qualquer modo, esclarea-se que o termo fonte de direito, ser aqui usado, no no sentido corrente em direito comunitrio, de modo de produo ou revelao de actos impositivos 132 , mas de modos de produo (criam uma norma
131 E mais do que isso, inclui mesmo a obrigao de aplicar as Decises da Unio Europeia, que em geral so meros actos administrativos, mesmo que contrrias a normas nacionais. 132 No direito comunitrio abrange no s actos gerais e abstractos, mas at os actos concretos e individuais. No Tratado da Comunidade Europeia, temos como actos tpicos criadores de direito, os regulamentos, directivas, decises e, por vezes mesmo, tudo
223 ou alteram e extinguem normas existente; carcter inovador, natureza constitutiva da norma) e de modos de revelao (do a conhecer pela primeira vez, em si ou no seu contedo, direito pr-existente; sem carcter inovador, mas meramente declarativo) de uma parte desse actos, as normas jurdicas 133 .
Dado que as fontes tanto se encontram numa relao de paridade (situao em que uma pode revogar as outras: caso do costume, lei e decreto-lei), como, na maior partes dos casos, em p de desigualdade, numa relao de supra e infra-ordenao (em que a de valor infra-ordenado invlida (nulidade, anulabilidade, ineficcia) se contraria a de nvel superior, enquanto esta pode revoga aquela, ou seja, de hierarquia ou de ordenao vertical (por ordem de supremacia relativa, Direito Internacional Pblico, Direito da Unio Europeia, Constituio da Repblica Portuguesa, Lei de Valor Reforado, Lei Simples, Regulamento, etc. 134 .).
DIOGO FREITAS DO AMARAL 135 , criticando
dependendo do seu contedo real, independentemente da designao atpica, os pareceres e recomendaes. 133 Princpios e regras jurdicas constituem as normas jurdicas. Sobre estes conceitos, vide, v.g., Souda, Marcelo Rebelo de; Galvo, Sofia Introduo ao Estudo do Direito. 4. Ed., Lisboa: Europa-Amrica, 1998, p.188 e ss. 134 Vide, AMARAL, Diogo Freitas do oc, p.483 a 562: como actos produtores de direito, as praxes administrativas e usos sociais, convenes colectivas de trabalho, normas corporativas e profissionais, adopp de normas tcnica, declaraes polticas orais. 135 Tal como ns sempre havamos feito no ensino em geral e, tambm, j no debate em Comisso de Reviso Constitucional, no processo no acabado de finais da primeira metade da dcada de noventa e, simultaneamente, em textos acadmicos, designadamente no captulo sobre fundamentos comunitrios da poltica e do direito do
224 os constitucionalistas nacionalistas (e a desvalorizao da norma supranacional, do DIP e do DUE, em face da Constituio da Repblica Portuguesa, cujo valor e significado exageram), ordena as fontes da seguinte maneira:
No topo, coloca o Direito Internacional Pblico em geral (costume, tratado, princpios gerais, jurisprudncia, etc.). E isto, em face do princpio do seu primado, pese embora aos enunciados, designadamente em sede de fiscalizao da constitucionalidade caracterizadores de uma Constituio que pretenderia amarrar-nos ao primado do direito interno, sendo certo que estas clusulas constitucionais ilegtimas face do direito internacional, quer o princpio pacta sunt servanda, transcrito no artigo 26., quer o disposto no artigo 27. da Conveno de Viena sobre o Direito dos Tratados, que constituem ius cogens e elas violam, pelo que so invlidas ou, pelo menos, ineficazes e como tal devem ser desaplicadas pelos nossos tribunais 136 .
E quanto ao direito comunitrio, afirma este autor, na linha do Manual de Direito Internacional, de ANDR GONALVES PEREIRA e FAUSTO DE QUADROS e em correspondncia com os nossos textos sobre a matria, que o princpio do primado abrange todas as normas, designadamente as da Constituio da Repblica
ambiente: CONDESSO, F. Direito do Ambiente. Coimbra:Almedina, 2001, p.282 e ss. 136 AMARAL, D.F. oc,P.570.
225 Portuguesa, o que considera resolvido pelo novo n.4 do artigo 8. da Constituio da Repblica Portuguesa, em face da Lei Constitucional n.1/2004, de 24 de Julho., no tendo o inciso final qualquer interesse prtico, porque a Unio Europeia um espao respeitador dos direitos fundamentais 137 .
Em geral, teremos presente que, no desenvolvimento desta temtica, importante abord-la, tendo em ateno as questes especficas que se levantam em relao Administrao Pblica: o dever de obedincia da Administrao Pblica lei e o bloco da legalidade, ou seja, os princpios da constitucionalidade, da legalidade, o jus cogens internacional e o primado do Direito Comunitrio.
22. 3. Fontes de direito administrativo
Iremos debruar-nos sobre as principais e mais correntes, que interessam mais ao dia a dia do direito administrativo. No nos referiremos aqui nem aos contratos, que tm fora normativa entre as partes, nem aos actos administrativos, que so decises individuais e concretas proferidas unilateralmente pela Administrao Pblica que, tambm, a vinculam nos seus termos e da lei em face dos seus destinatrios.
a)- Os princpios gerais de direito.
137 A. e o.c., p.575 e 576.
226 Em termos de princpios gerais de direito 138 , aplicveis no direito administrativo em geral, importa destacar sobretudo os consagrados na prpria Constituio da Repblica Portuguesa e Cdigo do Procedimento Administrativo, sobretudo os princpios fundamentais de toda a actividade da Administrao Pblica, princpios gerais da actividade desenvolvida pela organizao enquanto tal ou por quem, a qualquer ttulo, desenvolva uma actividade considerada no mbito da Funo Administrativa do Estado-Comunidade, em que h que, desde j, comear por destacar no s os princpios da igualdade, imparcialidade, justia, interdio de excesso, boa f, legalidade positiva em geral e especialmente o do respeito pelas posies jurdicas subjectivas dos particulares - dos direitos e interesses legalmente protegidos- e princpios de natureza procedimental, tambm, pela sua importncia fundamental neste campo, outros princpio de raiz constitucional, como os da ponderao de quaisquer interesses relevantes para a actividade decisria, da transparncia no funcionamento da Administrao pblica (livre acesso aos documentos e informaes detidos pelos servios pblicos, fora das excepes que, alis, apenas permitem o deferimento do seu conhecimento no tempo- ligadas confidencialidade da vida ntima das pessoas e famlias, juzos de valor negativos sobre pessoas singulares, segredos de defesa nacional e de segurana interna sob prvia classificao governamental, segredo de justia penal impostos pelos tribunais e, eventualmente, quando
138 CRISAFULLI, Vezio Per la determinazione del concetto dei principi generali del diritto. In Studi sui principi generali dellordinamento guiridico. Pisa, 1941.
227 se justifique, matrias de natureza econmica empresarial) 139 , da garantia patrimonial (sujeita ao regime administrativo especial da responsabilizao civil extra- contratual: actos ilcitos, dolosos ou negligentes responsabilidade subjectiva, pela culpa individualizvel, ou pela culpa dos servios; actos resultantes de actividades perigosas- responsabilidade objectiva, pelo risco-; actos lcitos: legalmente previstos no interesse geral mas que criem sacrifcios apenas a alguns; desde que entre o acto e o dano produzido haja um nexo de causalidade adequada), matrias que cujo tratamento caber na parte referente ao direito da actividade administrativa.
b)- O costume (supranacional ou interno)
c)-A Constituio, as leis e as restantes normas escritas (lei em sentido amplo, no sentido de bloco da legalidade: quer a comummente designada como norma fundamental, texto positivo de impositividade interna, a Constituio, quer as verdadeiras leis, comummente designadas como leis infra-constitucionais, quer e os regulamentos, quer as normas supranacionais (acordos internacionais e decises normativas de instituies de mbito supra-nacional): uma qualquer norma jurdica, originada numa manifestao de vontade impositiva de
139 Constante da Lei n. 46/2007, 24 de Agosto de 2007, que regula o acesso aos documentos administrativos e a sua reutilizao, revoga a Lei n. 65/93, de 26 de Agosto, com a redaco introduzida pelas Lei n.os 8/95, de 29 de Maro, e 94/99, de 16 de Julho, e transpe para a ordem jurdica nacional a Directiva n. 2003/98/CE, do Parlamento e do Conselho, de 17 de Novembro, relativa reutilizao de informaes do sector pblico (D.R. n. 163 Srie I)
228 uma qualquer autoridade com competncia para tal) 140 - 141 .
d)-A jurisprudncia e a doutrina. Seu valor como fontes produtoras ou reveladoras do jurdico. A importncia do recurso jurisprudncia e doutrina, nacionais e estrangeiras.
*
Comeo por referir j uma noo perfunctria de costume, que justificarei e que se voltar posteriormente.
O costume no uma fonte receptcia de direito, dado que a sua obrigatoriedade no provm do reconhecimento estabelecido positivamente por qualquer norma, de natureza constitucional, legal ou regulamentar, nas situaes em que o legislador se esqueceu de criar uma norma adequada para a situao ou se demitiu de o fazer remetendo para o costume.
Ele existe por si independentemente da vontade do legislador representativo, de base directamente popular, sendo uma fonte espontnea do direito (fruto da autonomia privada, que no tem que ser reconhecida pelo
140 V.g., MENDES, Joo de Castro Introduo ao Estudo do Direito. Lisboa.PF, 1994, p.77. 141 E normas, segundo a seguinte ordenao de valor hierrquico: normas internacionais, normas comunitrias e da Unio Europeia em geral, normas constitucionais nacionais, leis de valor reforado, leis simples, regulamentos (de acordo com a diferente ordenao se supremacia dos rgos emissores), etc.. Neste mbito, h que referir o fenmeno do declnio e relativizao da lei em sentido estrito como fonte do direito.
229 Poder, porque, alis, em democracia, ela que reconhece o Poder).
Em tempos recuados, antes do aparecimento da lei, ele ter mesmo sido a fonte nica do direito, tendo ela a partir de certo momento acompanhado o direito costumeiro. Mas, por razes da sua quase instantaneidade de formao e necessidade de se afirmar a actividade legislativa como principal atributo do Poder poltico na Europa continental (no assim nos pases anglo-saxnicos, em que continua a ser a principal fonte normativa), sujeita a perodos de grande mudana poltica e exigindo alteraes normativas rpidas e a subalternizao do papel dos tribunais conservadores, a lei viria a impor-se como fonte qualitativamente dominante e viu mesmo os dirigentes polticos procurarem anular ou subalternizar-lhe os costumes, que no s, quando anteriores, eram objecto de revogao, como, se posteriores, de uma pretenso de desvalor para no poderem ter efeito revogatrio das leis.
*
A teoria da vontade da doutrina tradicional apontava como requisitos fada existncia de um costume com valor jurdico, o uso uniforme, frequente e duradouro, a conformidade desse uso com o direito natural e a aprovao expressa ou tcita pelo Estado 142 .
142 MARTNEZ ROLDN, L; FERNNDEZ SUREZ, J.A.-Curso de teora del Derecho y metodologa jurdica. Barcelona: Ariel derecho, 1994 , p.167.
230
Independentemente de voltarmos ao assunto mais abaixo, em termos mais desenvolvidos, diga-se, desde j, que esta no a concepo dominante na doutrina moderna, que perfilhamos.
Os costumes jurdicos so factos normativos, constitudos por condutas ou omisses, seguidas na vida social ou de uma instituio, de modo reiterado ao longo do tempo, por serem tidas como de cumprimento obrigatrio, ou por permisses lcitas (e portanto insancionvel).
Ou seja, na sua formao congregam-se, pois, dois elementos: a)- por um lado, o elemento externo: a prtica prolongada, generalizada, e uniforme; e b)- por outro, o elemento interno: a opinio iuris vel necessitatis, ou seja, a convico jurdica generalizada da obrigatoriedade de conformar os comportamente a esse costume.
A generalidade dessa prtica existe mesmo que no tenha uma abrangncia em todo o territrio nacional, mas apenas que no mbito em que esse uso exista ele se revele no comportamento da generalidade das pessoas a residentes ou das que integram uma dada instituio, classe ou actividade.
A uniformidade implica que os actos sejam semelhantes, e no necessariamente idnticos.
231
A sua durao no tempo tem que ficar demonstrada, mas no se exigem perodos de tempo determinados partida, sendo suficiente a sua repetio constante durante um certo tempo necessrio para se concluir que passou a ser cumprido como sendo obrigatrio.
*
Em direito pblico, designadamente internacional, constitucional ou administrativo, acontece a formao de uma norma consuetudinria quando se constate que uma norma, legal ou do costume, com soluo contrria, j no aplicvel e exigvel.
Quanto ao costume e aos usos sociais, como dizem MARCELO REBELO DE SOUSA E SOFIA GALVO, ao lado do direito estadual, gerado a partir do poder poltico do Estado, direito escrito, existe um Direito estadual no escrito, costumeiro ou consuetudinrio, que fruto das pulses dirias do grupo e da sociedade, sem necessidade da interveno do poder poltico do Estado, ou seja, que resultam da prpria dinmica da sociedade civil, que Brotam de um jogo de vida entre foras que procuram solues para um projecto de construo colectiva em permanente reviso, afirmando-se como tal apenas logo que reunidos os dois requisitos que so o usus e a opinio iuris vel necessitas, no dependendo nem de um reconhecimento da lei nem de uma efectiva aplicao
232 coactiva, sendo uma forma autnoma de criao do Direito 143 .
No direito administrativo, DIOGO FREITAS DO AMARAL refere a existncia de numerosos casos, quer de uns, quer de outros, designadamente de costumes vigentes a todos os nveis 144 , v.g., o poder regulamentar para a boa execuo das leis detido pelos rgos dirigentes da Administrao directa e institutos pblicos estaduais, na medida em que no estejam previstos em norma positiva, tal como, em geral, o reconhecimento pelo ordenamento jurdico do poder regulamentar de auto-organizao, em termos de estrutura e funcionamento, dos rgos administrativos colegiais (elaborao e aprovao dos seus regimentos); amplos poderes de delegao dos superiores nos seus subalternos; costumes regionais sobre feriados e locais sobre feiras; e mesmo costumes universitrios sobre os intervalos acadmicos, voto de Minerva (que, assente em mito tradicional sobre a vontade da Deusa da Sabedoria, leva a que, no caso de dvida ou empate num jri acadmico, a votao ser desempatada a favor do aluno), a tradio que leva a dever suspender-se as aulas e exames durante o perodo de durao da Queimas das Fitas.
O costume no seria fonte imediata de direito, segundo as disposies iniciais do CCV sobre a matria, mas o prprio Cdigo Civil viria posteriormente tambm a reconhecer que o costume pode ser aplicado pelos tribunais do Estado e, portanto, pode ser um fonte de
143 SOUSA, Marcelo Rebelo de; GALVO, Sofia Introduo ao Estudo do Direito. 4. Ed., Lisboa: Europa-Amrica, 1998, 130 e ss. 144 Manual de Introduo ao Direito. Coimbra: Almedina, 2004, p.379.
233 direito (com primazia sobre a lei: n.1 do artigo 348. do Cdigo Civil 145 ), embora, como j dizia J. BAPTISTA MACHADO (-Introduo ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra: Almedina, 1983, p.158), tal no tenha carcter decisivo, pois a sua fora no s no advm da lei como esta tambm, por isso mesmo, no tem, s por si, fora social prpria para proibir o costume, dado que se este onde existir tem primazia face lei, ento esta no pode ditar genericamente a sua sorte, o que significa que, onde o costume se impuser, ele ser fonte autnoma de direito, de aplicao preferente lei, sem prejuzo da possibilidade de revogao recproca casustica.
A questo que importa dirimir a de saber se o costume uma fonte primria do direito, nos termos da definio perfunctria, dada acima, ou no? Ora, as duas principais teses sobre o assunto so a teoria estatista e a teoria sociolgica. Segundo a primeira teoria, clssica entre ns, o costume j no , em Portugal, como foi no passado, uma fonte primria do direito, pois a nica fonte primria a lei, aparecendo o costume com vigncia apenas nas
145 Artigo 348. (Direito consuetudinrio, local, ou estrangeiro): 1. quele que invocar direito consuetudinrio, local ou estrangeiro, compete fazer a prova da sua existncia e contedo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento.2. O conhecimento oficioso incumbe tambm ao tribunal, sempre que este tenha de decidir com base no direito consuetudinrio, local ou estrangeiro, e nenhuma das partes o tenha invocado, ou a parte contrria tenha reconhecido a sua existncia e contedo ou no haja deduzido oposio.3. Na impossibilidade de determinar o contedo do direito aplicvel, o tribunal recorrer s regras do direito comum portugus. Trata-se, alis, de uma norma que vem no seguimento da soluo j constante do artigo 521. do CPC de 1939. Vide REIS, Jos Alberto dos Cdigo de Processo civil Anotado, Vol.III, 3. Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1950, p.304 e ss, e AMARAL, D.F. do o.c., p.382, nota 17.
234 situaes e na estrita medida em que ele for mandado aplicar pela lei 146 . Para a segunda teoria 147 , no positivista, realista, o costume continua hoje a ser, embora nos pases do continente e designadamente em Portugal, com muito menor importncia e densidade normativa, uma fonte primria do direito, o que alis se constata em situaes muitos claras, mesmo contra legem, que a doutrina vai apontando (como referimos anteriormente e a que poderamos acrescentar outros exemplos colhidos na doutrina, v.g., nmero de litros da pipa de vinho por regies, touros de morte nas touradas de Barrancos, etc.)
Portanto, neste debate, h que considerar inaceitvel a irrealista teoria estatista e positivista, segundo a qual o costume obrigatrio se e apenas na medida em que consentido pela vontade do Estado, ou seja, pela lei, dependendo desta no seu valor jurdico, e adoptar a doutrina romana do tacitus consensus populi (longa consuetudine comprobavit), na expresso de ULPIANO, sintonizada com a teoria sociolgica, para a qual o costume obrigatrio porque e sempre que seja querido pela vontade popular ao cri-lo, mesmo que opondo-se a regras anteriormente escritas e, portanto, de facto, socialmente rejeitadas.
Ele identifica-se por se traduzir num comportamento
146 Como acontece, v. g., nos artigos 1400. e 1401. do Cdigo Civil; tese assente no dogma positivista mas que, mesmo assim, vai ao ponto de esquecer o prprio mandato geral dado aos tribunais e em geral aos aplicadores do direito, constante do n.1 do artigo 348. tambm do Cdigo Civil. 147 Na linha da doutrina anglo-saxnica, que sempre valorizou o costume e a jurisprudncia como fontes de direito.
235 habitual na vida social, mesmo que apenas seguido por uma parte das pessoas que a integram, devido convico de que se est perante uma prtica de regras permissivas ou impositivas do ordenamento jurdico, neste caso passveis de a sua violao permitir a aplicao de sanes pelas s instncias de controlo social.
Em concluso, constituem costumes quaisquer condutas ou omisses reiteradas ao longo do tempo, habitualmente respeitadas por serem tidas como de cumprimento obrigatrio ou com permisso lcita, e, portanto, no sancionvel, na vida social ou de uma instituio. Na medida em que tais prticas sejam aceite como fonte de direito, so criadoras de chamado direito costumeiro ou direito consuetudinrio
Dito isto, fcil destacar os elementos essenciais do costume, que so o corpus e o animus: a)-O corpus, que a prtica generalizada, ou seja, habitualmente seguida pelos membros da respectiva comunidade. A habitualidade implica uma dada reiterao ao longo do tempo e uma dada generalizao dos comportamentos em cada momento durante esse tempo, sem prejuzo de condutas divergentes, que podem traduzir meros incumprimentos da regra.
Hoje, devido ao ritmo acelerado da vida social, quer no decurso do tempo, quer em cada momento, que permite constatar rapidamente a repetio e generalizao maior ou menor com as prticas sociais se processam, j no se
236 exigir um perodo to longo de tempo, como o fazia o DIP ou, no direito interno, a Lei pombalina da Boa Razo (100 anos), para que um costume deva ser aceite como fonte de direito, nem mesmo uma prtica imemorial (ou seja, uma prtica que ningum sabe quando comeou por se perder na memria dos tempos).
No domnio do direito pblico, basta que se entenda que uma norma positiva contrria j no aplicvel, exigvel, para desde logo, sem mais indagaes, devermos considerar estarmos perante um costume
b)-O animus (opinio juris vel necessitatis), que a convico da obrigatoriedade (regras impositivas) ou da licitude (regras permissivas).
Posto isto, vejamos as diferentes espcies de costumes, para podermos, desde j, manejar os diferentes conceitos.
Quanto ao mbito territorial de abrangncia, ele pode ser internacional, se gerado na sociedade internacional; comunitrio, se gerado no mbito das Instituies da Unio Europeia; regional, se gerado a nvel de uma regio poltico- administrativa ou meramente administrativa 148 ; e local, se meramente ao nvel da autarquia de base de uma povoao 149 .
148 Seria o caso de costume formado nas regies Autnomas dos Aores ou/e Madeira, ou de qualquer maneira em reas geogrfica infraterritoriais alargadas, v.g., para l do Maro (onde mandam os que para l esto), no Algarve, no Minho, etc. 149 Exemplo de um costume meramente local o da morte pblica dos touros em praa, na povoao de Barrancos.
237
Quanto s suas posio em face das normas escritas, temos os costumes secundum legem (desenvolvendo o seu contedo aplicativo, muitas vezes em termos regulamentadores), praeter legem (complementando a norma escrita, em termos inovadores, em termos que normalmente caberiam a outra norma escrita) e contra legem (efectivando uma normao diferente da que est consignada na norma escrita (cada em desuso -eficcia social-, com consequente perda de eficcia jurdica), apontando assim solues em sentido diferente).
De qualquer modo, como diz DIOGO FREITAS DO AMARAL, que defende uma teoria pluralista das fontes de direito, em face do CCV portugus, o tribunal s est autorizado a julgar o caso por aplicao da lei, se no existir (ou no puder determinar-se o respectivo contedo) uma norma consuetudinria mais adequada que deva ser aplicada, pelo que numa interpretao actualista deste artigo o costume e a lei so no entendimento da prpria lei- duas fontes do Direito primrio, colocadas em p de igualdade, de tal modo que o tribunal se puder conhecer bem o contedo da ambas as normas deve aplicar ao caso sub judice
aquela das duas normas que se mostrar mais adequada resoluo correcta desse caso, ou seja, aquela das duas normas potencialmente aplicveis que se mostrar mais adequada resoluo do caso 150 - 151 .
150 Oc, p.384.Tese de igualdade e disponibilidade judicial de escolha de norma aplicvel, que, a nosso ver, foi concebida por um legislador que no pretendia atribuir ao costume natureza de fonte primria, mas se viu confrontado com a necessidade de enquadrar a aplicao por tribunais nacionais de direito estrangeiro, sendo certo que, nalguns
238
E, em relao questo mais delicada do costume contra legem ou contra constitucionem, devem ter-se como aplicveis estes critrios de preferncia normativa em relao lei (ou a costume anteriormente afirmado): - aplica-se o costume contra legem, que faz cair em desuso a norma legal, operando a sua caducidade, tal como o costume contra constitucionem faz cair a norma constitucional escrita (ou costumeira anterior); - aplica-se a norma para que este costume remeter; - em caso de normas legais ou costumeiras internas contrrias a uma norma supranacional (internacional ou comunitria), aplica-se esta fonte, sendo aquelas ilegtimas, por no poderem afectar o princpio da supremacia normativa desta e, portanto, a legitimidade aplicativa da norma do DIP e DUE; -se se tratar de uma norma geral e outra especial, aplica-se esta; -se se tratar de uma geral ou especial e outra norma excepcional aplica-se a norma excepcional, desde que seja legtima; E se ambas regularem a situao de maneira semelhante, ou se houver identidade de situaes, tipos e circunstncias? Segundo DIOGO FREITAS DO
sistemas, o costume direito aplicvel, pelo que a jurisdio nacional, de qualquer modo, teria de o aplicar em situaes definidas pelo direito internacional privado. Trata-se, pois, de um artigo que pretendeu em geral responder a essa necessidade, como se v quando fala na parte final do n.3 em direito comum portugus, mas a que o legislador acabou por referir o direito consuetudinrio, mas meramente o local, em que, nas condies a referidas, admitiria a preterio da lei, alis parecendo mesmo pretender acentuar, em princpio, a preferncia pela aplicao do costume. 151
239 AMARAL, no primeiro caso, prevalece a que melhor se ajustar s circunstncias especficas de caso concreto, e, no segundo, a que proporcionar uma soluo mais justa do caso concreto em apreciao, em homenagem ao valor justia.
Mas uma coisa o costume e outra so as praxes administrativas e os usos sociais. Comeo por referir o contedo do n. 1 do artigo 3 do CCV sobre o valor jurdico dos usos, que afirma que Os usos que no forem contrrios aos princpios da boa f so juridicamente atendveis quando a lei o determine. Estes usos seriam meros costumes de facto, simples prticas sociais (tidas como destitudas de animus cogentis), que no s so diferentes do costume como fonte de direito consuetudinrio 152 , como no seriam fonte seno quando a lei para eles remetesse. Aqui, a no afronta aos princpios da boa f traduz uma exigncia, a apreciar em cada caso, relacionada o estado tico-moral do momento 153 .
Quanto s praxes administrativas, que traduzem condutas usuais que, em termos idnticos, os rgos da Administrao costumam ter habitualmente para solucionar alguns problemas de gesto corrente. Temos aqui, v.g., no mbito da vida universitria, a no se considerar como costume, a prtica em geral sedimentada no tempo de se fazer intervalos acadmicos de 10 minutos entre as aulas e mesmo de um perodo adicional de tolerncia de durao semelhante para o incio
152 PINTO, Carlos Mota Teoria Geral. 2. Ed.,Coimbra, p.49. 153 Vide, v.g., LIMA, Pires de; VARELA, Antunes Cdigo Civil Anotado, 1., 11.
240 das preleces (no s para permitir a troca de salas e docentes, mas tambm para satisfao de necessidades fisiolgicas e descanso regenerador dos alunos e docentes, com vista aula seguinte), a que se poderia acrescentar-se, v.g., uma prtica acadmica sobre a leccionao de aulas, que se pode enunciar assim: prima non datur, ultima non reciptitur, ou ainda a prtica de menor exigncia sobre conhecimentos para a aprovao na ltima cadeira de licenciatura etc..
O carcter usual de uma prtica constante e idntica, constituindo o seu corpus identificativo, aponta para um elemento semelhante ao do direito consuetudinrio, tendo como especificidade o mbito restrito dessas posturas comportamentais, apenas referentes vida da Administraes pblicas e no vida social em geral, pelo que se impe perguntar se no estaremos perante o costume administrativo, ou melhor, um costume criador de direito administrativo, ou, antes, face a meros usos acadmicos. A alnea d) do n. 1 do artigo 124. (Dever de fundamentao), diz que, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, decidam de modo diferente da prtica habitualmente seguida na resoluo de casos semelhantes, ou na interpretao e aplicao dos mesmos princpios ou preceitos legais.
E, assim, podemos concluir que de duas uma: se tal prtica no for contra legem, situao em que o preceito no aplicvel a menos que deva s-lo obrigatoriamente por ser costume, temos prticas interpretativas ou integrativas de lacunas, e portanto, meramente secundum
241 legem ou praeter legem, em que importa procurar distinguir a sua natureza jurdica segundo a sua intensidade normativa mas no segundo a sua natureza jurdica e no jurdica, pois no possvel defender-se a tese de que tais prticas so indiferentes ao direito, ou seja, no vinculam minimamente a Administrao Pblica.
Ou seja, caso no se comprove que existe o animus suficiente para se considerar que estamos em face de costume e portanto de uma regra de cumprimento obrigatrio sem mais, ento estaremos perante uma mera praxe administrativa, mas que, por fora da lei procedimental geral, de qualquer maneira continua a ser obrigatria e, portanto, tambm, fonte de direito, se no houver razo aceitvel para a alterar, mudando de critrio justificadamente.
A menos que, o que nada impede, entretanto, mesmo sem justificao, comece a ser desrespeitada por uma prtica diferente, criada e reiterada com animus prprio do costume, ou aparea norma escrita distinta, a sai no aplicao sem qualquer razo vlida ilegal, no s por fora directa da norma citada, mas de verdade em geral tambm por fora do princpio constitucional da igualdade de tratamento, pelo que temos que convir que em princpio a praxe vinculativa e, portanto, fonte de direito e como tal s passvel de revogao por outra fonte de direito ou por outra orientao devidamente justificada, que, por sua vez, se poder vir a afirmar tambm, se ganhar estabilidade aplicativa, e como tal merecer integrar o ordenamento jurdico, como fonte de direito.
242
No que se refere norma jurdica positiva (lei em sentido amplo), importa esclarecer o seguinte:
A norma interna escrita, lei ou regulamento, fonte primria do direito 154 . Qualquer comando de carcter geral e abstracto, regra ou princpio, na medida em que obriga a um comportamento social fonte de direito e, portanto, uma norma jurdica, embora s se considere como leis aqueles que simultaneamente tenham origem numa instituio do poder legislativo e formalmente se designem de lei ou decreto-lei, dado quer os titulares deste poder tambm podem produzir actos de outra natureza, cuja distino material em geral questionvel (v.g., resolues ou normas regimentais, a AR, e regulamentos, o governo). Mas, alm destes actos normativos, quando em Direito Administrativo nos referimos ao princpio da legalidade, devemos considerar includas quaisquer outras normas, no apenas convencionais, de natureza legal ou regulamentar, de fontes supranacionais, internacionais ou unionistas (da CE ou da EU em geral) e nacionais (tambm a Constituio da Repblica Portuguesa), regionais (leis e regulamentos) como as regulamentares locais.
***
154 Os tipos de actos legislativos encontram-se previstos no artigo 112., n. 1, da Constituio, sendo as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais.
243 23.DIREITO DA UNIO EUROPEIA E SUAS FONTES
1. Consideraes gerais
No que se refere s fontes de direito administrativo, sendo o Estado portugus um Estado unionista europeu, sujeito nomognese comunitria, porque aberto ao processo da unificao europeia 155 , matria que as revises constitucionais procuraram enquadrar nos n. 6 do artigo 7. e n. 3 e 4 do artigo 8., e tendo presente a importncia quantitativa e qualitativa, tanto em domnios substantivos como procedimentais e jurisdicionais, do direito administrativo oriundo das Instituies da Unio, de interesse ministrar conceitos basilares sobre o tema 156 , matria que passamos a expor.
Com efeito, Portugal membro da Unio Europeia, encontrando-se as suas autoridades administrativas obrigadas a aplicar o direito comunitrio europeu em sentido estrito e outras normas orieundas da Unio Europeia. Por isso, alm da afirmao inicial da existncia do primado do direito comunitrio, designadamente dos princpios de direito administrativo geral e procedimental
155 Usando aqui a expresso aberto com um sentido j anteriormente utilizado em outra obra (Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2001), e que, falta de melhor terminologia, tambm LUCIANO PAREJO ALFONSO, em seu recente Manual, acabou por acolher. 156 Domnio em que seguimos os tpicos da exposio relativamente sinttica Nomologia comunitria, inserida na nossa publicao Direito do Ambiente, edio da Almedina, 2001, p.283 e ss.
244 comunitrio sobre qualquer norma de direito interno, importa tecer algumas consideraes gerais sobre a nomologia comunitria. Comeamos pois por nos referir ao sistema jurdico das Comunidades Europeias.
Comeamos pois por nos referir ao sistema jurdico das Comunidades Europeias.
Uma ordem jurdica o conjunto organizado e estruturado de normas jurdicas, dotado de rgos e procedimentos, aptos a criar e interpretar as suas prprias fontes e, sendo necessrio, a faz-las aplicar e a sancionar as suas violaes. Ora, a Unio Europeia tm uma ordem jurdica. E a ordem jurdica comunitria europeia 157 existe porquanto o direito comunitrio uma ordem jurdica prpria, integrada no sistema jurdico dos Estados membros (a caracterstica mais original da ordem jurdica comunitria) 158 .
Os tratados comunitrios no se limitaram a criar obrigaes recprocas entre os diferentes sujeitos de direito a que se aplica.
157 conforme afirmou o Acrdo M. Flamino Costa contra ENEL, de 15 de Julho de 1964: assunto n.6-64, sobre questo prejudicial ao abrigo do art. 177. do TCE, a solicitao do Giudice Conciliatore de Milo, Recueil, 1964, pgs.1141 e segs. e GEORGES VANDERSANDEN, Droit des Communauts Europennes, Recueil de Documents et Textes, Universidade Livre de Bruxelas, PUB, 2. Ed. 1994-1995/1, pg. 26. (sumrio: 3.Comunidade CEE-ordem jurdica comunitria-carcter particular- classificao com referncia aos sistemas nacionais, primado das normas comunitrias- limitao definitiva dos direitos soberanos dos Estados membros. 158 Acordo de 13.11.64, COM c/. Luxemburgo e Blgica; proc. 90/63, Rec. 1964, p. 1217.
245 Estes estabeleceram uma ordem jurdica nova, que regula os poderes, direitos e obrigaes desses sujeitos, assim como os procedimentos necessrios para fazer constatar e sancionar qualquer eventual violao.
O Tratado da Unio Europeia, apesar de concludo sob a forma de acordo internacional, no deixa de ser a carta constitucional de uma Comunidade de Direito. mesmo o mais avanado Tratado-Fundao existente pelas Atribuies e Poderes, j estabelecidos ou passveis de se desenvolver, com uma clara fisionomia de estadualidade situando a Unio como uma construo poltica parafederal.
Os tratados comunitrios criaram uma nova ordem jurdica, em benefcio da qual os Estados tm limitado, cada vez mais, os seus direitos soberanos, e cujos sujeitos so no s os Estados mas tambm os seus cidados e residentes.
E as caractersticas essenciais desta ordem jurdica so sobretudo a sua primazia em relao aos direitos estaduais e o efeito directo de toda uma srie de disposies aplicveis aos Estados e aos seus residentes, o que coloca a teoria da sua nomognese como questo fundamental do estudo sobre os mtodos da sua aplicao na ordem interna e da sua relao com a Constituio, designadamente em termos de debate sobre a aferio da constitucionalidade das normas constantes das suas vrias fontes.
E quanto s fontes do direito comunitrio, comea-se
246 por referir que o direito comunitrio no indica as suas fontes taxativamente atravs de uma lista, maneira do artigo 38. do Estatuto do Tribunal Internacional de Justia, mesmo que esta hoje j se considere desactualizada.
O regime das fontes (catlogo e hierarquia) resulta no s dos tratados como da prtica das Instituies, da prtica dos Estados, e, sobretudo, da sistematizao feita pelo Tribunal das Comunidades 159 .
Quanto ao direito comunitrio originrio ou primrio, temos tido, por razes histricas, uma multiplicidade de tratados comunitrios. Com efeito, o direito comunitrio primrio ou originrio tem sido constitudo pelos tratados institucionais comunitrios (trs, um dos quais j expirara a sua vigncia temporal, o da CECA), procurando-se hoje, com o novo projecto de Tratado Europeu de Lisboa, aps a inviabilizao pela Frana e Holanda da Constituio Europeia, a unificao de todas as matrias num s texto).
159 Segundo a jurisprudncia do TJC do Luxemburgo. Mas o ncleo central destas fontes resulta do direito comunitrio em sentido estrito (art. 5, 177 C.E.), compondo-se dos Tratados institutivos - fonte primria ou direito originrio, e das regras contidas nos actos criados institucionalmente em aplicao dos Tratados - fontes secundrias ou direito derivado. No entanto, nas fontes em sentido amplo, global, integra-se todo o conjunto de regras de direito aplicvel na ordem jurdica comunitria (164, 173 C.E). Ou seja, tambm, as normas no escritas, como os princpios gerais de direito e a jurisprudncia, as regras com origem exterior ordem jurdica comunitria, como o direito das relaes exteriores da comunidade, o direito complementar derivado de actos convencionais celebrados pelos Estados membros para a aplicao dos Tratados.
247 Mas os Tratados constitutivos anteriores haviam j sido modificados por muitos instrumentos convencionais posteriores. No chamado direito originrio, integram-no, por isso, todas as normas dos tratados originais e as de tratados posteriores que as modificaram. No entanto, os tratados comunitrios, embora tendo vivido integrados no chapu do Tratado da UE, mantm a sua autonomia. O Tratado de Bruxelas de 1965 sobre a fuso dos executivos manteve as Instituies exercendo poderes no quadro das diferentes Comunidades, deixando no artigo 32. para data indeterminada a unificao dos tratados, o que coloca problemas no mbito das relaes mtuas entre os vrios actos convencionais, ou seja, entre os tratados, que se regem pelo disposto no artigo 232. do Tratado da Comunidade Europeia (seguem as regras do direito internacional pblico): o tratado geral no modificava as normas do Tratado da Comunidade Europeia do Carvo e do Ao, nem derroga o Tratado da Comunidade Europeia da Energia Atmica, porque so tratados especiais, pelo que as regras especficas da CECA no se aplicavam no quadro da Comunidade Europeia, mas as normas do tratado geral e do direito derivado da Comunidade Europeia aplicam-se nas lacunas dos tratados especiais, sem necessidade de acto especfico ou de outra interpretao ou declarao interpretativa 160 . O Tribunal da Comunidades procurou a harmonizao, interpretando
160 Acrdo de 15.12.87, Deutsche Babcock contra Hauptzolland Lbeck-Ost, Rec. 1987, p.5119
248 as disposies de um tratado luz dos outros como tratados especiais, que so interpretados sistematicamente luz do Tratado da Comunidade Europeia.
Quanto ao contedo dos tratados, temos 4 categorias de clusulas, estruturando os tratados. Podemos distinguir o prembulo e as disposies iniciais, que contm os objectivos scio-econmicos prprios das Comunidades, princpios de carcter geral e as aces a prosseguir pelas instituies. So disposies sem aplicao directa, embora no sejam s declaraes de inteno, bastando recordar que o princpio do efeito directo confirmado pelo Tribunal das Comunidades a partir do Prembulo do Tratado da Comunidade Europeia 161 , parte do Tratado alis com papel fundamental na explicitao de competncias potenciais das Comunidades. Na fundamentao sobre o efeito directo imediato no direito interno, afirma-se no seu 3 que Atendendo a que o objectivo do Tratado da C.E.E., que instituir o mercado comum cujo funcionamento respeita directamente aos cidados da Comunidade, implica que este tratado constitua mais do que um mero acordo que s criaria obrigaes mtuas entre Estados contratantes; que esta concepo se encontra confirmada pelo prembulo do
161 Acrdo de 5 de Fevereiro de 1963, Assunto n.26/62, N.V. Algemeine Transport en Expeditie Onderneming van Gend & Loos contra a Administrao Fiscal Holandesa, em pedido de parecer, apresentado por Tariefcommissie de Amesterdo, em 16.8.1962). O mtodo da interpretao finalista assente nesta parte do Tratado da Comunidade Europeia (Acrdo de 21.2.73, no caso Europembalage) que orienta imperativamente a interpretao do conjunto dos Tratados. O Acrdo Van Gend En Loos resulta do processo n. 26-62, em pedido de deciso prejudicial ao abrigo do art. 177. do TCEE, apresentado pela TariefCommissie de Amesterdo, em 16.8.1962 no litgio N.V.Algemene Transport en Expeditie onderneming Van Gend & Loos contra a Administrao Fiscal Holandesa, Recueil, 1963, pg. 1 e segs..
249 Tratado que, para alm dos Governos, visa os povos, e de maneira ainda mais concreta, pela criao de rgos que institucionalizam direitos soberanos cujo exerccio afecta tanto os Estados membros como os seus cidados e, no 6 Que preciso concluir, deste estado de coisas, que a Comunidade constitui uma nova ordem jurdica de Direito internacional, em benefcio da qual os Estados limitaram, ainda que em domnios restritos, os seus direitos soberanos, e cujos sujeitos so no s os Estados membros mas igualmente os seus nacionais.
O Tratado no estabelece a hierarquia no interior dos objectivos fundamentais, todos tendo um carcter igualmente imperativo, apesar de isso implicar problemas de conciliao. E h as clusulas materiais que definem o regime econmico e social, criando, numa viso tcnico-jurdica, tratados com a natureza de tratados-leis (tratados especializados da CECA e EURATOM) e de tratado- quadro (CEE e depois CE). O Tratado da Comunidade Europeia contm clasulas materiais que se limitam geralmente a formular objectivos e princpios a cumprir, deixando s instituies a tarefa de legislar, e no Tratado EURATOM, a maior parte das vezes, as instituies tm competncias mais operacionais do que normativas. Quanto natureza e efeitos das disposies materiais dos Tratados, h disposies de aplicao directa e outras sujeitas a medidas prvias de desenvolvimento por parte quer dos Estados quer das
250 Instituies 162 .
Quanto autoridade dos Tratados, h que destacar a sua proeminncia. O direito originrio est no topo da hierarquia da ordem jurdica comunitria, prevalecendo sobre qualquer outra norma de direito comunitrio sem excepo, sendo o fundamento, o quadro e os limites do direito derivado e dos tratados sados das relaes exteriores, no fundo em sistema de parametricidade agindo segundo o modelo de aferio de constitucionalidade. No caso dos tratados internacionais concludos pela Comunidade, h a fiscalizao preventiva pelo Tribunal das Comunidades Europeias dos textos a aprovar, com exigncia de reviso formal do tratado, em caso de parecer negativo. O direito originrio prevalece sobre outros Tratados entre os Estados membros, mesmo anteriores, os quais s mantm valor quando compatveis. Prevalece sobre Tratados concludos entre Estados membros com terceiros Estados posteriormente entrada em vigor. De acordo com o direito internacional pblico, o direito originrio s cederia perante Tratados concludos anteriormente por Estados membros, na medida em que os Estados no podem invocar o Direito Comunitrio
162 Depois temos as clusulas institucionais, que, materialmente, aparecem como a constituio das CE. Finalmente, os tratados contm declaraes finais, que tratam das modalidades de comprometimento dos Estados, posicionamento em face dos compromissos internacionais dos Estados membros, entrada em vigor e reviso dos tratados.
251 para deixar de cumprir as obrigaes internacionais anteriores. Mas as obrigaes comunitrias implicam que os Estados membros se devam desligar-se desses acordos que se revelam contrrios ou que se tornem supervenientemente desconformes. E no podem usufruir contra a Comunidade dos direitos usufruveis por fora de Convenes anteriores. O direito comunitrio derivado no direito convencional, mas direito legiferado. Resulta e traduz a institucionalizao da capacidade de criar regras de direito, confiada a certos rgos, segundo procedimento pr- estabelecido. um direito derivado de um poder normativo. O Tribunal da UE fala de um sistema legislativo do Tratado,
e de um poder legislativo da Comunidade (Acrdo de 9.3.78, Simmenthal). 163
As fontes de direito tpicas (nomenclatura oficial do TCE), so os Regulamentos da Comunidade Europeia (correspondiam s decises gerais da CECA), as Directivas (correspondem s recomendaes) e as Decises (s decises individuais). No entanto, a natureza do acto no depende da sua denominao, mas do seu objecto e
163 Assunto 106/77, Administrao de Finanas do estado contra a Sociedade Annima Simmenthal, apresentado pelo pretor de Susaversando sobre a no aplicao pelo juiz nacional de uma lei contrria ao direito comunitrio (GEORGES VANDERSANDEN, Droit des Communauts Europennes, Recueil de Documents et Textes, Universidade Livre de Bruxelas, PUB, 2. Ed. 1994-1995/1, pg.68).
252 contedo. O Tribunal das Comunidades reserva-se o direito de proceder sua requalificao. Por isso, a recomendao ou o parecer podem ter carcter vinculativo, conforme o Tribunal da CE j declarou em vrias situaes, tendo dependendo do seu contedo.
O Regulamento a principal fonte do direito derivado, por onde se exprime, sobretudo, o poder legislativo das Comunidades, conferindo-lhe o Tratado da CE uma eficcia comparvel de lei no sistema nacional. As suas caractersticas so as seguintes: o Regulamento tem alcance geral, de carcter essencialmente normativo, aplicvel a categorias visadas abstractamente e no seu conjunto e no a destinatrios limitados, designados e identificveis. Correspondia anterior Deciso no Tratado da CECA que tambm estabelece princpios normativos, condies abstractas aplicveis com consequncias jurdicas decorrentes. Tem um carcter normativo erga omnes.
O Regulamento obrigatrio em todos os seus elementos, impedindo a aplicao incompleta aos Estados. Traduz o poder normativo completo das Comunidades, porque no s prescreve o resultado, como acontece com as Directivas, mas as prprias modalidades de aplicao e de execuo julgadas oportunas. Embora possam existir regulamentos incompletos, que reenviem, explicitamente ou implicitamente, para as autoridades nacionais ou comunitrios a tomada de medidas
253 de aplicao ou de execuo. O Regulamento directamente aplicvel em todos os Estados (nica fonte de direito que directamente aplicvel, nos termos expressos do Tratado). Produz, por si, automaticamente, efeitos jurdicos na ordem jurdica interna dos Estados, sem interposio das autoridades nacionais 45 . D irige-se directamente aos sujeitos, seus destinatrios, criando por si direitos e obrigaes aos particulares. Tem efeitos imediatos, porque so aptos a confiar aos particulares direitos que as jurisdies nacionais tm de proteger obrigatoriamente. Tem eficcia em todos os Estados, pois um Regulamento no pode reger a situao especfica dum determinado Estado, com excluso dos outros, porque tem de entrar em vigor e aplicar-se simultnea e uniformemente no conjunto das Comunidades.
Quanto Directiva, definida no Tratado da CE, trata-se de um mtodo de legislao em duas etapas (como tcnica de lei-quadro) completada por diplomas de aplicao). um instrumento de uniformizao jurdica, assente na diviso de tarefas e na colaborao clara entre o nvel comunitrio e o nvel nacional. Pode no ter alcance geral, obrigando s os Estados, dirigindo-se a Estado(s) ou empresas, pois pode no ser dirigida a todos os Estados. Tendo alcance geral, deve ser executada e, portanto, adquirir efeito normativo simultaneamente no conjunto dos Estados. Ento, um processo legislativo
D 45 sem a sua recepo-transcrio ou transformao como acto jurdico interno, que proibida.
254 indirecto (Acrdo de 22.2.84, Kloppenburg).
H uma total liberdade na escolha do acto jurdico de transposio (lei, decreto, despacho, circular e designao entidades competentes e dos meios, conforme a finalidade). Neste plano da intensidade normativa das Directivas, a margem de escolha deixada aos Estados (forma, meios) depende do resultado pretendido pela Comisso ou Conselho. Em princpio, no directamente aplicvel, havendo no final do articulado um artigo a fixar o prazo de transposio. Portanto no tem efeitos obrigatrios por ela, mas no deixa de ter efeitos jurdicos, designadamente para os particulares, na medida em que o Estado no pode exigir o seu cumprimento nem pode criar regras desconformes com as suas orientaes enquanto no a transcreve, e pode ainda adquirir efeito directo, ou seja, tornar-se invocvel pelos destinatrios dos seus objectivos, aps o decurso do prazo de transposio, em relao a normas passveis de execuo, por serem claras, precisas e incondicionais.
A Deciso obriga em todos os seus elementos os destinatrios indicados, mas no tem alcance geral (obriga um Estado, uma empresa ou um indivduo). Normalmente aplica o direito dos tratados a um caso particular (acto administrativo comunitrio), como instrumento de execuo administrativa do direito comunitrio. Mas tambm pode ser instrumento legislativo indirecto, quando prescreve a um Estado ou a um conjunto de Estados um objectivo que
255 passa pela criao de medidas nacionais de alcance geral. Pode ser muito detalhada e prescrever os meios para atingir o resultado imposto, deixando aos Estados apenas a escolha das formas jurdicas de execuo nacional. Consequentemente, tem efeito direito, quando o destinatrio um particular porque modifica por si a situao jurdica. Mas essa modificao da situao jurdica do particular s ocorre com a transposio estadual quando o destinatrio um Estado, embora com efeitos internos directos tambm, se inaplicada, tal como Directivas. Na primeira situao h aplicao directa, na segunda h efeito direito possvel.
Quanto s Recomendaes e aos Pareceres, no tm em princpio fora obrigatria, enquanto instrumentos tpicos de interveno comunitrio, porquanto no aparecem expressamente referidas no Tratado como fonte de direito. A Recomendao um convite para a adopo de regras de conduta, como fonte indirecta de uniformizao legislativa, mas sem a obrigatoriedade das Directivas. O Parecer uma opinio, servindo de instrumento de orientao dos comportamentos e da legislao.
No entanto, o Tribunal da Comunidade atribuiu a estes actos efeito jurdico, obrigando os Estados a consider-los, quando clarificam a interpretao das disposies nacionais para plena execuo ou visam completar disposies de direito comunitrio com carcter obrigatrio, em que correspondem Deciso (v,.g., Acrdo Grimaldi, de 13.12.89).
256 No que se refere ao regime de edio do direito derivado, o sistema legislativo comunitrio implica o respeito do princpio do uso previsto dos actos comunitrios.
Em termos de atribuies das Comunidades e da UE em geral, vigora o princpio da competncia de atribuio, pelo que as instituies, Conselho, Comisso, Parlamento Europeu e Banco Central Europeu no tm um poder normativo geral. A competncia nacional a regra e a competncia comunitria a excepo.
Portanto, trata-se de competncias especficas, porque funcionais. Assim, quanto aos vrios princpios que regem os limites ao poder normativo das instituies comunitrias, comearei por referir que as principais competncias de atribuio esto ligadas s competncias funcionais (poderes e meios para o cumprimento de uma misso cometida Comunidade). O princpio da atribuio completado pela reserva de competncias subsidirias e o conceito pretoriano de competncias implcitas.
As competncias subsidirias impem-se quando necessrio, para realizar um objectivo com falta ou insuficincia de poderes. As competncias implcitas so competncias no escritas ligadas teoria dos poderes implcitos (com origem jusinternacionalista, no Parecer do Tribunal Internacional de Justia de 11 de Abril de 1949: trata-se de novas competncias e funes necessrias realizao dos fins fixados no Tratado ONU). O princpio da legalidade comunitria (art.4 do TCE)
257 implica que cada instituio aja nos limites das atribuies conferidas pelo Tratado, com controlo jurisdicional que o operacionaliza (173CE/33CECA). O poder comunutrio tem de respeitar normas habilitantes (base jurdica do acto) e o conjunto de disposies gerais dos Tratados (Ac. Bela-Mhle de 5.7.77). Ele tem de respeitar o conjunto ou bloco da legalidade comunitria, os Acordos internacionais e os princpios gerais de direito no escritos. E impera o princpio da vinculao aos instrumentos normativos consagrados, embora as instituies escolham o tipo de acto jurdico que consideram apropriado segundo a natureza e contedo das medidas queridas quanto o tratado no prev o tipo instrumento a utilizar. Se no h escolha, embora a Comisso tenha base do artigo 155. o poder geral de Recomendao ou Parecer e na prtica siga tambm emita programas ou declaraes de inteno, actos principalmente polticos.
O princpio da hierarquizao do direito derivado resulta do no esgotamento de toda a regulao comunitria num momento e acto.
O processo de criao do direito derivado pode ter duas fases sucessivas, numa aparecendo um direito derivado de primeiro grau, com regulamentos ou directivas de base (medidas assentes directamente no tratado) e um direito derivado de segundo grau (visando assegurar a execuo das primeiras medidas), com regulamentos ou directivas de execuo, actos normativos adoptados quer pela Comisso, com habilitao do Conselho (artigo 155 CE),
258 quer pelo prprio Conselho de Ministros (e na prtica tambm directivas de execuo adoptadas pela Comisso, com fundamento num regulamento ou numa directiva do Conselho de Ministros.
Portanto, os regulamento e directiva de execuo no podem modificar nem desconhecer os regulamentos e directivas de base (Ac. Tradax 10.3.71).
H actos comunitrios fora da nomenclatura, ou seja, no previstos no articulado dos actos jurdicos, mas previstos nos Tratados.
So os actos atpicos, usados com os nomes referidos na normas referente aos actos tipicos, mas sem a natureza nem os efeitos tpicos desses actos. E no so submetidos ao mesmo regime de edio. Ou seja, tambm se designam como Regulamentos os regulamentos internos das instituies, regimentos, que assim so partes integrantes do direito orgnico das Comunidades; sem alcance geral, obrigando s as instituies, mas com importncia porque tm alcance externo, contendo, v.g., regras sobre delegao de oderes que condicionam a validade dos actos.
H Directivas, Recomendaes e Pareceres que so actos dirigidos a outra Instituio comunitria sem efeitos jurdicos fora das relaes interinstitucionais. Exprimem o exerccio de funes de certos rgos consultivos (pareceres) ou directivas de orientao das negociaes da Comisso com Estados terceiros, aps a recomendao da Comisso em comunicao ao Conselho de Ministros, para ser
259 autorizada a abrir negociaes. Ou Decises sui generis, sem destinatrios e sem sujeio a regras de notificao da norma referente s Decises tpicas, emnqunto actos administrativos individuais e concretos. Estas Decises esto na hierarquia mxima do direito derivado, acima dos regulamentos de base. So utilizadas pelo Conselho de Ministros para exercer poderes de reviso dos tratados, autonomamente, modificando disposies institucionais.
As Decises podem ser emitidas ao abrigo do artigo 235. do Tratado da CE (disposies mais genricas que especficas) ou dos artigos referentes s vrias modalidade de estabelecimento de programas econmicos de mdio termo ou fundados sobre os tratados (Deciso de 29.12.81 sobre actividades da pesca enquanto no tomadas medidas definitivas).
Podem, ainda, ser Decises orgnicas de criao organismos subsidirios, de criao de estatutos, de nomeaes. Isto , de alcance interno ou orgnico.
Toma, tambm, a forma de Deciso a obrigao de os Estados-Membros cobrarem e verterem os recursos prprios da Comunidade.
H Decises do Presidente do Parlamento Europeu sobre a aprovao do oramento e Decises da concluso de Tratados (acordos externos) no processo de comprometimento internacional (sem ser o acto
260 vinculante).
H, ainda, os Actos das instituies, no previstos pelos Tratados (actos extra-convencionais).
E temos os Actos nascidos da prtica comum: resolues, deliberaes, concluses, declarao, comunicaes, cuja adopo comeou por ser criticada pelo Parlamento Europeu, pelos riscos de falseamento dos mecanismos comunitrios; mas a jurisprudncia aceitou- os, sob reserva de no poderem derrogar os tratados constitutivos e reconheceu a alguns carcter obrigatrio.
Na prtica, do Conselho de Ministros (oficializado pelo artigo 3.4 do Acto de Adeso de 1972),
temos tambm Programas com princpios fundamentais de aco, v.g., os referentes poltica ambiental comunitria, com prazos de desenvolvimento, que so declaraes de inteno, expresso da vontade poltica, documentos preparatrios de futuros actos obrigatrios 164 . De qualquer modo, alguns destes Actos so obrigatrios. Quando, independentemente da denominao formal, o seu contedo mostra que o Conselho de Ministros teve a inteno de se vincular, tomando
164 V.g., Ac. Comisso contra o Conselho, de 31.3.71, sobre deliberao obrigatria das instituies e dos Estados membros; Ac.France contra Reino Unido de 4.10.79 e da Comisso tambm contra o RU, de 10.7.80, sobre a Resoluo de 3.11.76 - anexo VI Resoluo de Haya, autorizando os Estados transitoriamente a proteger recursos piscatrios, com associao da Comisso e Declarao complementar de 30.1.80.
261 disposies visando produzir efeitos de direito.
E h as Declaraes que acompanham a adopo de um acto tpico (visando condicion-lo) do Conselho de Ministros, da Comisso e dos Estados membros 165 .
Na prtica da Comisso, temos as Comunicaes, de alcance geral, em matrias onde s h poder de deciso casustica.
Vm fixar orientaes ao exerccio futuro do poder discricionrio. Ou os simples pareceres de carcter geral (com alcance jurdico indirecto, porque responsabiliza a Comunidade a segui-los, em face do princpio da confiana legtima dos administrados nas declaraes da prpria Administrao 166 . 167
A prtica passa ainda por declaraes comuns a vrias instituies, com compromissos recprocos de seguir um dado procedimento ou a respeitar certos princpios de funcionamento 168 , o que pode implicar obrigaes jurdicas, quando contm obrigaes precisas e
165 A Jurisprudncia serve-se delas para confirmar interpretao assente noutras condideraes (Ac. Auer 7.2.79), mas despreza os elementos no conformes ao acto, designadamente declarao unilateral dos Estados membros (Ac. Comisso contra Dan, de 30.1.85).
166 V.g., ac. Companhie Continental France, de 4.2.75.
168
q 57 Vg. sobre os direitos fundamentais JOCE 27.4.77.
262 incondicionais para as instituies 169 .
O que importa reter, em geral em relao a actos comunitrios, que juridicidade est ligada vontade manifestada de os aplicar.
Tambm so importantes as regras sobre as formas dos actos e a sua vigncia.
Quanto s formas, os regulamentos internos do Conselho de Ministros e da Comisso dispem que o acto comunitrio deve ser precedido da indicao dos dispositivos que legitimam a sua criao, os vistos respeitantes a propostas, pareceres e consultas recolhidas, a motivao do acto.
Quanto entrada em vigor, impe-se a sua publicidade prvia execuo.
O acto s oponvel depois da possibilidade de se tomar conhecimento dele. H a obrigao de publicao dos Regulamentos da CE e da EURATOM, regulamento, directiva e decises em co-deciso, directiva do Conselho de Ministros e Comisso dirigidas a todos os Estados-Membros, e das
169 58 Vg. Acordo Interinstitucinal de 29.6.88 sobre disciplina oramental e melhoria procedimento oramental JOCE 15.7.88. 56 Vg. Comunicao de 7.11.74, relativa ao enquadramento no plano comunitrio das ajudas de Estado em matria de ambiente; Comunicao de 26.2.75, referente aos novos princpios de coordenao de ajudas nacionais com finalidade regional, acto que vincula juridicamente a Comisso (correspondendo ao regulamento de auto-vinculao no direito administrativo.
263 decises e recomendaes gerais CECA.
E as disposies de aplicao de um acto no publicado s entram em vigor aps a publicao do texto principal. Se no, impe-se a notificao. So notificveis as decises do Conselho de Ministros e Comisso, mesmo que os destinatrios sejam todos os Estados-membros e as directivas dirigidas s a certos Estados membros.
As formas de notificao e de publicao so as seguintes: a notificao feita por via postal, registada com aviso de recepo, envio contra recibo a uma pessoa com qualidade para os receber; ao Estado membro atravs representantes permanentes em Bruxelas; aos particulares por via postal ou via diplomtica quanto s empresas sujeitas jurisdio de Estados terceiros. E na lngua do Estado a cuja jurisdio o particular est sujeito. Quanto aos prazos (contagem para efeitos da entrada em vigor), os actos consideram-se notificados, normalmente, no dia da notificao.
Quanto aos actos publicados: as instituies fixam livremente a data, sob reserva de regras referentes retroactividade. Ou no seu silncio, 20 dias aps publicao.
Considera-se como dia da publicao, o dia em que a publicao do JOCE fica disponvel na sede servio publicaes oficiais da Comunidade no Luxemburgo que, salvo prova em contrrio, coincide com a data do n do Jornal, que est no texto, independentemente da data da
264 chegada ao territrio de cada Estado-Membro (Ac. Racke 15.1.79).
Na soluo habitual, prev-se a entrada em vigor retardada (aps 20 dias). Mas pode ocorrer a aplicao diferida (produo efeitos aps entrada em vigor) para permitir Estados tomar medidas de aplicao requeridas.
Nas situaes urgentes, a entrada em vigor no respeita o prazo mnimo de 20 dias, mas no deve ser inferior a 3 dias (necessrios para o encaminhamento para o territrio dos Estados). A entrada em vigor imediata, no dia da publicao JOCE so aceite quando h a obrigao de evitar o vazio legislativo ou de prevenir a especulao.
Tal invocao controlvel pelo TCE, que afere caso a caso a possibilidade de prejuzos comunitrios, pela no entrada imediata (Ac. Max Neumann 13.12.67). V.g., um regulamento fixando montantes a receber por importao ou exportao de produtos agrcolas. E a Comisso comunica na vspera ou no dia de manh via telex a apario do regulamento.
Quanto transposio das directivas, a data da aplicao na ordem jurdica dos Estados fixada na prpria directiva. No plano da aplicao dos actos comunitrios no tempo, a regra a do efeito imediato das novas regulamentaes (Ac. Westgucker 4.7.73): as normas modificativas de disposio anterior aplicam-se, salvo disposio em contrrio, aos efeitos actuais e futuros das
265 situaes materiais criadas sob o imprio da norma antiga.
Sob reserva que no sejam ofendidos direitos definitivamente adquiridos livre a modificao ou revogao de regulamentos (princpio da no retroactividade).
Mesmo sem direitos adquiridos manuteno do regulamento, os seus destinatrios bebeficiam da teoria da proteco da confiana legtima na regulamentao existente que responsabiliza a Comunidade na supresso ou modificao com efeito imediato, sem aviso, e sem medidas transitrias adequadas, excepto existindo um interesse pblico peremptrio ou fosse previsvel para o operador econmico.
Portanto, em termos de aplicao do direito comunitrio no tempo, temos o efeito imediato dos regulamentos modificativos das normas anteriores.
O problema da retroactividade (efeitos jurdicos fixados para situaes anteriores publicao) leva-nos s seguintes consideraes: vigora o princpio da no retroactividade para as situaes constitudas ao abrigo da regulamentao anterior criadora de direitos definitivamente adquiridos. A retroactividade dos regulamentos excepcional.
Quando o fim a atingir o exige e devidamente respeitada a confiana legtima dos interessados (Ac. Racke 25.1.79).
266 Ou seja, a retroactividade condicionada a duas condies: que a confiana na manuteno da regulamentao no seja legtima porque seria possvel ou pelo menos previsvel a interveno de medidas retroactivas (v.g. sistema a que seja conatural qualquer alterao produzida); que a instituio cuide de fazer conhecer aos Estados em tempo til, vg. telex, as alteraes (Ac. IRCA, 7.7.76).
No plano da revogao retroactiva dos actos administrativos, a jurisprudncia admite a revogao dos actos ilegais unilaterais por parte da autoridade competente (A. Algera 12.7.57). Quanto aos actos criadores de direito s so revogveis quando ilegais (Ac. SNUPAT 22.3.61). O prazo para reforma dos actos ilegais, deve efectuar-se s em tempo razovel: actos criadores direitos, dentro de mais ou menos seis meses; actos no criadores de direitos, at a um mximo de 2 a 3 anos (Ac. Hoogonens 12.7.62).
Impe-se a ponderao de interesses, em face da irregularidade do acto, da necessidade de retroactividade entre o interesse pblico e interesses privados (Ac. Lemmerz-Werke 13.7.65), seno haver simples abrogao para o futuro do acto ilegal.
Em termos de caractersticas, o direito comunitrio
267 no um direito exterior s ordens jurdicas nacionais, mas um direito prprio de cada um dos Estados membros, na medida em que aplicvel nos seus territrios nos mesmos termos que os direitos nacionais e colocado no topo da hierarquia das normas aplicveis em cada um dos Estados, porque o direito comunitrio adquire automaticamente o estatuto de direito positivo na ordem interna dos Estados (princpio de aplicao imediata). O direito comunitrio pode criar por si mesmo direitos e obrigaes para os particulares (princpio da aplicabilidade directa).
O direito comunitrio aplica-se nas ordens jurdicas nacionais, mesmo que conflitue com as normas de criao interna de qualquer natureza (princpio da primazia).
Hoje, podemos falar na construo de um direito pblico europeu, numa linha de evoluo jurdico- administrativa ocidental, em que no s o Tribunal dos Direito do Homem, de Estrasburgo, ao interpretar o direito referente aos Direitos do Homem, como o Tribunal da Unio, a nvel dos seus Estados, ao erigir os Direitos do Homem em princpios gerais dos Estados membros, tal como a europeizao dos Tribunais Constitucionais nacionais, com recurso anlise comparada na aplicao dos direitos fundamentais nos ordenamentos internos, propiciam a europeizao dos direitos pblicos nacionais.
O Tribunal da Unio um rgo jurisdicional muito marcado pelas experincias nacionais, e com uma jurisprudncia construtiva que exerce grande influncia
268 nos Estados membros, implicando a Unio uma profunda e constante interaco entre os ordenamentos comunitrio e os dos diferentes Estados, o que faz prefigurar uma dada uniformizao do direito administrativo na Europa, com razes no Direito Comunitrio.
Os Tratados ou o direito derivado consagravam alguns princpios gerais do direito administrativo, como o dever de motivao dos actos normativos ou a enumerao dos vcios substantivos passveis de reviso judicial, mas a sua maior parte foi elaborada pela jurisprudncia, com base nos princpios comuns dos Estados membros, v.g., desde o Acrdo Algera, em matria de funcionrios, caso 7/56, referente revogao dos actos administrativos, no prevista no T.CEE, o que colocava a questo da denegao da justia, se o Tribunal das Comunidades no avanasse pela aplicao de princpios comuns aceites pela doutrina, legislao e jurisprudncia dos Estados.
Depois veio o princpio da legalidade da aco administrativa, o direito ao processo devido, nomeadamente o direito a ser ouvido, o princpio da igualdade, da interdio de excesso (proporcionalidade) e da confiana legtima.
E h no apenas a emergncia de um direito administrativo, substantivo e procedimental, mas uma emergncia jurdico-constitucional comunitria.
Este plano do direito constitucional constitui o segundo bloco normativo material emergente do Direito Pblico Europeu.
269
Depois da primeiro abordagem de reticncia no reconhecimento de direitos subjectivos positivados no mbito da proteco dos direitos fundamentais, o TCE inflectiu a sua orientao a partir do Acrdo Stander de 1959, reconhecendo o enraizamento dos direitos fundamentais nos princpios gerais do Direito Comunitrio, de modo que logo em 1970, o Acrdo Insternacionale Haudelsgesellschaft, em que parte das tradies comuns dos Estados quanto proteco destes direitos, reconhece que os mesmos tinham que ser garantidos no mbito da estrutura e objectivos da Comunidade.
No Ac. Nold de 1974, aps a ratificao francesa da Conveno Europeia Direitos do Homem, o TCE declarava que o Direito Comunitrio pode integrar princpios gerais e critrios a partir dos tratados internacionais de que os Estados sejam parte.
O Tratado de Maastricht, no artigo F2, veio consagrar expressamente esta doutrina, sobre Direitos Fundamentais, especialmente quanto CEDH de 1950 e s tradies constitucionais comuns.
H, pois, hoje, princpios gerais comunitrios no mbito dos direitos fundamentais, que importa considerar.
Esta supremacia absoluta do direito da Unio Europeia impele sua considerao como direito supraconstitucional (independentemente das normas constitucionais sobre a regulao do tema, ou mesmo da
270 sua inexistncia, e da diviso doutrinal dos autores sobre o modo de enquadrar a aplicao da regra da sua supremacia, pelo menos, suspenso da vigncia das normas que o contradigam) ou, no se aceitando tal, e impelindo-se assim obrigao sistemtica de uma reviso constitucional prvia sua adopo (embora sem real autonomia da vontade nacional, s formalmente soberana, do parlamento estadual, obrigado a ir a reboque da vontade comunitria, em que a vontade nacional dos representantes governamentais ou dos parlamentares europeus se impe), sempre que haja desconformidade de preceitos.
Quanto s fontes no escritas do direito comunitrio, temos o Costume (de facto, pela joventude da Unio e sua forte dinmica legisladora e evolutiva, ele uma realidade quase inexistente: (v.g., havia a exigncia de parecer conforme do Parlamento Europeu na fixao do oramento operacional da CECA) e
a Jurisprudncia, que, esta sim, tem tido um lugar importante e memso fundamental na criao jurdica, podendo falar-se de um direito de fonte jurisprudencial, aparecendo sobretudo ao nvel da explicitao de princpios gerais de direito a partir dos Tratados constitutivos e dos ordenamentos jurdicos dos Estados.
O direito jurisprudencial tornou-se importante devido ao carcter geral, impreciso e incompleto das regras dos
271 Tratados, rigidez do direito primrio, rigidez do seu procedimento reviso, inrcia do direito derivado por bloqueamentos de membros do Conselho de Ministros, aptido do Tribunal da Unio de criar direito devido igualdade institucional que sempre teve com o Conselho de Ministros e a Comisso Europeia e sua capacidade operacional em face do monoplio da interpretao autntica.
A misso normativa do Tribunal da Unio afirma-se no devido ao uso de mtodos interpretativos dinmicos e no recurso generalizado aos princpios gerais de direito.
Quanto aos mtodos de interpretao, eles correspondem s ecxigncias de uma jurisprudncia construtiva. H a preferncia pelos mtodos sistemticos (contexto geral) e mtodos teleolgicos (objecto e fim), ultrapassando a interpretao literal, em termos diferentes, portanto, do disposto no art. 31. da Conveno de Viena sobre o Direito dos Tratados.
O mtodo sistemtico explicitado perfeitamente no Acrdo Manghera, de 3.2.76, que prossegue uma interpretao no contexto em relao com outros pargrafos do mesmo artigo e no sistema geral do tratado (interpretao sistemtica).
Mas, como o Tribunal refere, menos importante a conexo das disposies do que as relaes estruturais (interpretao dos artigos, tendo presente os ttulos das subdivises do Tratado) ou do seu lugar nessas
272 subdivises (v.g., Acrdo Unger de 19.3.64; Acrdo Comisso contra o Luxemburgo e a Blgica, de 14.12.82). Noutras alturas, refere que o efeito directo do Direito depende da sua funo no sistema do Tratado (v.g., Acrdo SACE, de Bergame).
O mtodo teleolgico resultante da busca do sentido, apreendido no quadro dos objectivos propostos pelo Tratado (Prembulo e disposies iniciais, interpretveis luz das finalidades do Tratado: Ac. Mij PPV 13.3.73; RFA cntra COM 16.6.66), como princpio de interpretao.
Conclui-se, vrias vezes, pelo efeito directo de normas dos Tratados (v.g., artigo 119 do TCEE), tendo presente a natureza do princpio da igualdade das remuneraes, do objectivo perseguido e do lugar no sistema do Tratado (Ac. Defrenne 8.4.76).
O mtodo sistemtico e teleolgico (usado na interpretao dos regulamentos em relao direito originrio e tambm em relao regulamentos de base para medir poderes de execuo da Comisso (v.g. Ac. Koster, de 17.12.70), sobretudo importante nos Tratados, pois os princpios da interpretao so instrumentos directamente operatrios, tanto para interpretar restritivamente excepes (Ac. Reyners 21.6.74), como para afastar as consequncias duma omisso normativa do Conselho, assim evitando aplicar princpios de interpretao do juiz internacional (vg. Ac. Charmusso, de 10.12.74).
273 H a desvinculao em relao aos mtodos de interpretao do juiz internacional (DIP). No DIP, o princpio da soberania dos Estados obriga a uma interpretao estrita dos compromissos dos Estados, enquanto a jurisprudncua comunitria vai contra a soberania dos Estados em nome das finalidades da integrao: no se presume a caducidade das normas Tratado e portanto no renacionalizao atribuies conferidas Comunidade, no exercidas sem disposies expressas Tratados (Ac. Comisso contra Frana, de 14.12.71), atribuio implcita competncia compromissos internacionais (Parecer 1/76, 26.4.77), rejeio regra 3, artigo 31 da Conveno de Viena do Direito dos Tratados, quanto ao valor das condutas posteriores dos Estados para deduzir a vontade inicial das partes ou constatar a modificao implicitamente do contedo do tratado na insuficincia de reaco contra a Comisso (Ac. Defrenne, 8.4.76), sendo tais condutas sempre violaes (para no esvaziar os tratados e a Comunidade).
A utilizao da regra do efeito til leva a afastar as interpretaes que fazem perder tal efeito, enfraquecer ou limit-lo em relao a qualquer norma, com consequncias na afirmao da interpretao actualista (Parecer 1/75 11.11.75 e 1/78 4.10.79, em que se afirma que a leitura dos Tratados deve ser feita segundo as necessidades actuais). Ou seja, no segundo uma leitura indutiva (pensamento dos autores dos textos), mas uma leitura dedutiva, a partir da noo de Comunidade, com consequncias inelutveis. Desde logo, a ideia do respeito pelo acervo comunitrio (estado do avano da construo europeia e implicaes
274 necessrias, e, desde logo, a salvaguarda da existncia e unidade do direito, atravs do princpio da primazia do direito comunitrio (Ac. Costa, de 15.7.64; San Michele, de 22.6.1965); e princpio da autonomia do direito comunitrio (no aplicao regras nacionais para apreciar a validade dos actos jurdicos comunitrios ou para limitar o alcance das suas disposies, atacar a unidade e eficcia do direito comunitrio (Ac. internationale. Handelsg. 1970).
Da noo de Comunidade e da noo de poltica comum resulta o princpio do paralelismo de competncias internas e externas da Unio, para contratar com Estados terceiros: o carcter exclusivo das competncias externas comunitrias, aps as competncias internas da Comunidade comearem a ser exercidas, em face do princpio da preempo.
E temos, ainda, os princpios gerais de direito, j referidos anteriofrmente. Em termos de natureza, so regras no escritas, que o juiz, constatando existirem, compatibiliza e aplica, integrando na ordem jurdica comunitria, a partir dos diferentes sistemas jurdicos, designadamente dos dos Estados membros.
H trs categorias de princpios: os princpios gerais de direito (princpios comuns ao conjunto dos sistemas jurdicos nacionais e internacional, que do resposta a exigncias supremas de direito e da conscincia colectiva, v.g., o do
63
275 carcter contraditrio do processo judicial 65 , o u princpio geral da segurana jurdica, com contedo operativo mais difcil de identificar; os princpios de direito internacional pblico, s aplicveis a ttulo excepcional, v.g. matria de tratados contraditrios, dado que normalmente so incompatveis com a estrutura e as exigncias do sistema comunitrio (pois a noo de Comunidade impede que os Estados faam justia por si mesmos ou se desobriguem, invocando o princpio de direito internacional da reciprocidade, em face da inexecuo de obrigaes que lhes incumbam, por incumprimento por parte do outro Estado, etc.); e os princpios gerais comuns aos direitos dos Estados membros, que traduzem um patrimnio jurdico comum, o ponto de convergncia do conjunto dos sistemas nacionais ou uma corrente dominante, mas tambm pode ser minoritria (v.g., o princpio da proporcionalidade, da confiana jurdica, prprios da RFA.) quando os outros Estados no tm disposio significativa na matria. No caso Sayag (Ac. 11.7.68), adopta-se a noo restritiva de exerccio de funes de agentes pblicos, s vigente num Estado. Por vezes, adopta-se um princpio transposto de dada regra, derivada da autonomia do Direito Comunitrio (o Ac. International Handelsgesellschaft, de 17.12.70, rejeita princpios comuns no compatveis com as exigncias comunitrias: Ac. Dausin 11.7.68).
No que diz respeito s fontes complementares do direito
276 comunitrio, temos o direito resultante de Acordos entre os Estados membros, nos domnios de competncia nacional reservada, situando-se no desenvolvimento dos objectivos definidos pelos tratados. Ou seja, direito que ainda direito comunitrio em sentido amplo, porque apesar do regime inter-estadual tm relaes com a ordem jurdica comunitria.
E assim, temos as Convenes Comunitrias, as Decises e Acordos convencionados pelos representantes dos governos dos Estados membros reunidos no seio do Conselho de Ministros em conferncia diplomtica e as Declaraes, resolues e tomadas de posio relativas s Comunidades, adoptadas por comum acordo dos Estados membros.
H, ainda, outros actos jurdicos que vinculam a Comunidade. H, ainda, a considerar o direito resultante dos compromissos externos das Comunidades. Trata-se de acordos celebrados no quadro das competncias externas, que obrigam internacionalmente (pela simples concluso internacional). Integram-se na ordem jurdica comunitria, e, portanto, dos Estados membros, tendo aplicao interna com a mera publicao.
E a integrao de qualquer Estado aderente na ordem jurdica comunitria processa-se desde a entrada em vigor dessas normas ou das sentenas proferidas pela Jurisdio da Unio (com informao no Jornal Oficial da anteriores Comunidades e da Unio).
277 H, depois, os actos unilaterais dos rgos criados por certos Acordos externos (sejam tratados da UE sejam mistos), com poder decisional adequado, verdadeiro direito derivado dessas organizaes. Refiro-me a rgos de gesto com poderes para adoptar actos obrigatrios unilaterais (sem necessidade de ratificao ou aprovao). So fontes de direito comunitrio.
As Decises de rgos criados por acordos externos ou de organizao internacional em que a Comunidade se integre fazem parte integrante do Direito Comunitrio desde que produzam efeitos jurdicos sobre a Comunidade, adquirindo fora obrigatria segundo o direito internacional, mesmo que a Comunidade no os transponha para regulamentos, como habitual e mesmo que no os publique autonomamente.
E os tratados concludos por Estados membros com Estados terceiros, em que a Comunidade no foi parte, vinculam-na quando esta dever considerar-se substituda pelos Estados, comprometidos em tratados multilaterais anteriores a 1958.
Quanto aos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais, em vez de considerar a Comunidade vinculada Conveno Europeia como fonte formal da legalidade comunitria, o TUE limitou-se a considerar CEDH como fonte inspirao indirecta, junto com catlogos constituies nacionais, pela via dos princpios gerais de direito.
278 E quanto s Convenes Internacionais concludas pelos Estados depois da entrada em vigor do Tratado da CEE, em domnios de competncia residual ou transitria, v.g., no domnio do trabalho, a Organizao Internacional do Trabalho, ou no quadro Conselho da Europa? uma questo no resolvida pelo Tribunal das Comunidades Europeias.
A resposta parece dever ser no sentido da sua no integrao automtica na ordem jurdica comunitria, ou seja, enquanto no haja a sua aceitao (declarao de aceitao).
No plano da hierarquia entre normas vigentes na ordem jurdica comunitria, comeo por referir que, quanto hierarquia do direito convencional, celebrado com terceiros, obrigando a Comunidade, alguma doutrina a considera como inferior ao direito comunitrio primrio, mas superior ao direito comunitrio derivado 170 , embora se deva aplicar aqui o mesmo princpio da supremacia aplicvel em relao ao direito interno dos Estados.
Quanto ao princpio da primazia do direito convencional complementar sobre o direito derivado, ele assegura o seu respeito em via contenciosa ou prejudicial e em relao aos actos comunitrios anteriores ou posteriores, independentemente da forma da concluso do tratado internacional.
Quanto direito primrio orgnico e procedimental, que
170 GUY ISAAC -Direito Comunitrio Geral, 1996.
279 fixa normas atributivas de competncias externas e regras de procedimento no seu exerccio, h nulidade dos Acordos internacionais se faltarem atribuio Comunidade na matria e pode haver a invalidade no plano interno por falta de procedimento, mesmo que seja vlido internacionalmente face da Conveno de Viena sobre o Direito dos Tratados.
Quanto direito primrio material, a sua violao pode ser evitada pelo controlo preventivo do Tribunal da Unio, segundo o procedimento organizado nos termos da respectiva norma do Tratado da UE.
No que diz respeito s fontes complementares do direito comunitrio, em relao ao direito originrio, elas so fontes de igual valor convencional, sem relao de subordinao.
Mas as finalidades do direito complementar exige uma relao de compatibilidade (pelo que no h por princpio antinomias a resolver), e implica, de qualquer modo, sempre, uma interpretao no prejudicial do direito comunitrio, presumindo-se que os Estados no derrogaram o Tratado da Unio Europeia, em face da clusula de fidelidade do artigo 5.: dupla obrigao dos Estados-membros, expressamente veiculado no Tratado de Roma, sem prejuzo da aplicao do novo princpio da subsidiariedade.
Quanto s relaes entre o direito complementar e o direito comunitrio derivado, importa distinguir entre as matrias da competncia comunitria exclusiva, situao em que a
280 regulao convencional pelos Estados traduz violao do tratado, por incurso dos Estados membros nas atribuies transferidas.
Quanto s matrias da competncia concorrente, especialmente no mbito do artigo 235. do Tratado da CE, impera o princpio da prioridade do direito derivado.
E nas matrias de competncia nacional exclusiva, s pode haver actos comunitrios com fundamento e para execuo de actos de direito complementar, subordinados a estes.
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24.HIERARQUIA DAS NORMAS JURDICAS
Quanto sua hierarquia, temos o direito internacional geral, a Constituio, as leis de valor reforado, as leis e decretos-leis, os decretos legislativos regionais, os regulamentos gerais (do Estado), os regulamentos regionais e os regulamentos locais.
Os princpios sobre a hierarquia das normas, pode enunciar-se assim: a norma de valor superior pode revogar a norma inferior que no se conforme com ela (afectada de ilegalidade, e se, implicar directa ou indirectamente (directamente: lei de valor reforado) a Constituio da Repblica Portuguesa, a nulidade de que fica afectada (ilegalidade ou inconstitucionalidade), declarvel pelo
281 Tribunal Constitucional; se ofender norma internacionalista ou comunitria/unionista, inaplicvel, considerando-se, no mnimo como de vigncia suspensa).
Quanto jurisprudncia, os trs sentidos correntes em que entendida so correspondem a cincia do direito, actividade casustica cogente dos tribunais (jurisdicional na resoluo dos casos concretos submetidos a julgamento) ou actividade doutrinal resultante da actuao corrente (traduzida em orientaes gerais dedutveis das resolues dos tribunais na soluo de casos semelhantes. ou seja, questes factuais idnticas com aplicao das mesmas normas jurdicas). em relao ao conjunto destas orientaes que se pe a questo de saber se elas so ou no fontes de direito. E em sentido criador ou revelador?.
Seguindo de perto DIOGO FREITAS DO AMARAL, que distingue entre fontes juris essendi e fontes juris cognoscendi, podemos encontrar vrias teorias sobre a matria: a)- Segundo a teoria montesquiana da negao da autonomia terica da qualificao da jurisprudncia como fonte do Direito, que a teoria clssica, resultante do prprio pensamento de MONTESQUIEU 171 , e que tem sido seguida pela maioria da doutrina portuguesa, os juzes no criam direito, tendo apenas uma funo secundria, que se traduz na mera aplicao do direito, pelo que sendo as fontes do direito so apenas a lei e o costume, a jurisprudncia
171 Segundo ele, le juge cest la bouche qui prononce les paroles de la loi.
282 no o . Como refere DIOGO FREITAS DO AMARAL, esta teoria inaceitvel, porquanto os tribunais no so meras mquinas de reproduo exacta da vontade do normador, constitudos por juzes transformados em puros agentes passivos, meros conversores de ditados exteriores em solues concretas, e portanto a jurisprudncia no um mero altifalante da voz do legislador, neutra, sendo certo que os tribunais ultrapassam o mero labor de executores da norma escrita ou costumeira, pelo que tal teoria de afastar.
b)- Segundo a teoria realista radical, defende-se no s a autonomizao conceptual da jurisprudncia como fonte do direito, como a secundarizao em geral do papel da lei e do legislador. Com efeito, para esta concepo americana, quem cria o direito so os juzes, afirmando rotundamente que antes dos tribunais de um pas se pronunciarem, no se sabe verdadeiramente qual o direito vigente nesse pas. Nesta linha de pensamento, o clebre juiz americano HOLMES 172 chegava ao ponto extremo de dizer que as leis no passam de meras pro- fecias daquilo que os tribunais acabaro por decidir quando julgarem os casos concretos. Mais concretamente, escreveu HOLMES, em 1897, que uma obrigao legal no mais do que a predio de que, se um homem faz ou deixa de fazer certas coisas, ter de sofrer desta ou daquela maneira, por sentena dum tribunal, as profecias do que
172 HOLMES, O.W. The Path of Law. In The Holmes Reader, oc, p.60, apud LATORRE, ngel Los Realistas Norteamericanos. In Introduccin al derecho: Nueva edicin puesta al da. Barcelona: Ariel, 1997, p.142, traduo portuguesa de Manuel de Alarco: Introduo ao Directo. 5. reimpresso, Coimbra: Almedina, p.191.
283 faro os tribunais, e nada mais pretensioso do que isso, o que eu entendo por Direito, num caminho de mera anlise do funcionamento real dos tribunais com rejeio do direito como sistema lgico 173 .
Comentando estas afirmaes, DIOGO FREITAS DO AMARAL demarcando-se, diz que as leis no so meras profecias, pois tm valor prprio, so obrigatrias por si mesmas, independentemente de virem ou no a ser interpretadas e aplicadas pelos tribunais. Alis, a maioria das leis so obedecidas espontaneamente pela maioria dos cidados na maioria dos casos, sem recurso a qualquer tribunal, pelo que haver aqui algum excesso no modo de encarar a relao lei-sentena.
Consideramos que, quer a teoria clssica em Portugal, quer a teoria realista radical, generalizam o campo factual que seleccionam e a que se agarram redutoramente nas suas anlises, pois, no pelo facto de, muitas vezes, os juzes tal como os rgos das Administrao Pblica, na aplicao de certos conceitos e previses normativas no terem margens de inovao jurdica que pode negar-se as outras, e so muitas, em que o tm, por no se estar perante conceitos e previses muitas precisas (em que se limitam efectivao de operaes de clculo matemtico) ou perante uma estreita margem de densificao jurdica, em que no h espao para grande criatividade apreciativa e decisria.
173 A. e o.c., p.192.
284 Como possvel desconhecer-se que h situaes tpicas em que a jurisprudncia aparece como um fonte no s reveladora como realmente autnoma em termos de criao de direito e, assim, fonte de direito, tal como: acontece com os acrdos com fora obrigatria geral, acrdos uniformizadores de jurisprudncia com eficcia jurdica, acrdos de actualizao de jurisprudncia uniformizada, as correntes jurisprudenciais uniformes?
c)-Nesta linha de constatao e numa postura terica realista moderada, em que nos colocamos, e que em Portugal vemos perfilhada, desde logo, por DIOGO FREITAS DO AMARAL, h que considerar que, embora na maioria dos casos, a fonte primria do direito seja a lei ou o costume, a jurisprudncia, tambm pode ser fonte juris esssendi, e fonte cognoscendi.
Com efeito, nas situaes em que os tribunais intervm, os juzes, de facto, muitas vezes, desempenham uma funo criativa, que h que reconhecer que integra o seu espao institucional de interveno.
H situaes em que os juzes, nas suas tarefas de aplicao de conceitos e previses normativas operam operaes com clara criatividade apreciativa e decisria, reservando-lhes o prprio direito espaos heursticos no plano da conformao dos factos a subsumir ou decisrios seja em termos de tempo de actuao e contedos das solues que revelam remisses criativas mais ou menos significativos, atravs do uso de conceitos imprecisos (vagos, indeterminados), seja pelo recursos a termos e saberes tcnicos e cientficos de implicam uma mobilidade
285 de solues medida dos avanos na densificao desses conceitos extra-jurdicos, seja pela atribuio de poderes discricionrios, sendo certo que, no caso dos tribunais, isso d origem afirmao do direito vigente no caso e, por influncia posterior da prpria deciso precedente, a orientaes generalizveis na jurisdio, e embora nem todos os casos de aplicao do direito cheguem a tribunal propiciando este espao reorientador ou corrector da aplicao do direito, as suas orientaes, na medida em que existam, influenciam a doutrina e os destinatrios das normas, designadamente os poderes pblicos, devendo, de qualquer modo, evitar confundir os planos de interveno pois estamos perante aspectos distintos que a anlise dos processos revela claramente: se verdade que os tribunais no criam normas jurdicas, pois a deciso dos casos concretos no traduzem comandos gerais e abstractos, de eficcia erga omnes, pelo que as sentenas, sendo, em si e em geral, meras decises individuais e concretas, no tm natureza normativa 174 , tambm verdade que no sendo realmente as sentenas fonte de direito, no deixa de se constatar como historicamente sedimentada a realidade de um fenmeno extremamente relevante que a existncia de decises jurisdicionais criativas na soluo casustica das questes jurdicas colocadas aos tribunais, que no podem considerar-se derivadas, automaticamente, de uma mera aplicao da norma ao caso concreto. Independentemente de haver pases (Inglaterra e em parte tambm nos
174 Noutro lugar nos referimos ao papel do TC nas suas declaraes de inconstitucionalidade com eficcia geral, eliminadora das normas jurdicas. E do STA, em aplicao da al.g) do n.1 do artigo 119. da CRP, ao produzir declaraes de ilegalidade com fora obrigatria geral (artigos 72., 73. e 76. do CPTA).
286 E.U.A.), em que o precedente judicial obrigatrio nos casos julgados posteriormente, e, em regra, tal no ocorrer em Portugal, onde a lei, no entanto, no deixa de, excepcionalmente, impor uma jurisprudncia obrigatria (de jure) em certas situaes 175 : o preenchimento de casos omissos, com o dever no s de julgar, mesmo que ocorra falta ou obscuridade da lei ou dvida acerca dos factos em litgio; o dever de tomar em considerao todos os casos que meream tratamento anlogo, a fim de obter uma interpretao e aplicao uniformes do direito 176 , a concretizao de conceitos imprecisos, geralmente designados como conceitos vagos ou indeterminados (situaes de uso de margens de livre deciso ou de poderes discricionrios pelo juiz), as sentenas especiais, a que d lugar, os acrdos de uniformizao de jurisprudncia, que implicam a sua obrigatoriedade para todos os tribunais hierarquicamente subordinados, instituto do julgamento ampliado de revista e agravo para assegurar a uniformidade da jurisprudncia 177 , recursos para uniformizao da jurisprudncia penal (artigo 437. do Cdigo de Processo Penal, e recurso de reexame actualizador da jurisprudncia, no interesse da unidade do direito, do artigo 447. do Cdigo de Processo Penal, que DIOGO FREITAS DO
175 Recorde-se que, em Portugal, existiu at 1993 o chamado instituto chamado dos assentos, previsto no artigo 2. do Cdigo Civil, que foi declarado inconstitucional pelo Acrdo do Tribunal Constitucional n. 810/93, de 7.12.93, soluo que, alis, tem sido criticada por alguma doutrina. 176 Artigo 8. (Obrigao de julgar e dever de obedincia lei): 1. O tribunal no pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dvida insanvel acerca dos factos em litgio.2. O dever de obedincia lei no pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o contedo do preceito legislativo.3. Nas decises que proferir, o julgador ter em considerao todos os casos que meream tratamento anlogo, a fim de obter uma interpretao e aplicao uniformes do direito. 177 Artigos 732.-A e n.3, 762..
287 AMARAL considera de aplicao analgica a todos os tipo de processos 178 ) e da administrativa 179 - 180 - 181 .
Alm disso, a jurisprudncia dos tribunais ser tambm fonte indirecta do costume, designadamente quando leve afirmao de normas claramente contrrias ao direito tido como vigente at a ou quando seja manifestao da sua existncia, em que ela aparea como nomogentica, na medida em que seja inovadoramente geradora de actos jurdicas gerais e abstractos, que posteriormente no s a generalidade dos tribunais como tambm as autoridades administrativas e os cidados acatem como sendo de natureza obrigatria, ou seja, verdadeiro direito. No entanto, como se constata, neste caso de co-autoria material de direito, juridicamente a verdadeira fonte o costume, cuja lgica protocriativa propicia ou a cuja afirmao responde, embora o arranque da sua prtica reiterada possa partir da prpria actuao dos tribunais, em processo algo semelhante do costume internacional com base nas resolues parlamentares da Assembleia-Geral da Organizao das Naes Unidas (que alguns autores chamam de fonte parlamentar, para distinguir do costume de criao normativa no escrita e inicialmente no intencional).
178 O.c., p.477. 179 Artigo 152. do CPTA. 180 Vide, desenvolvidamente sobre o tema, AMARAL, DIOGO FREITAS DO o.c., p.459 e ss. 181 Em plenrio das seces cveis, requerido pelas partes ou MP, sugerido pelo relator ou adjuntos, presidentes das seces, parecer MP, publicao 1. Srie A do DR: artigos 732.-A e 732.-B do Cdigo do Processo Civil). Sobre os assentos, na sua configurao antiga, sem contraditrio e imodificveis: Acrdo do Tribunal Constitucional n.810/93.
288
Isto pode acontecer sobretudo em dois tipos de situaes: Quando se criem correntes jurisprudenciais claramente maioritrias, que criem a convico de que um caso idntico vir a ser decidido segundo essa orientao (da mesma maneira), e que portanto comecem a ser acatadas, de facto, como se fossem obrigatrias at que entrando na prtica social corrente, acompanhadas da convico da sua vinculatividade, se tornem obrigatrias ou seja acatadas de iure.
De qualquer modo, quer para os tribunais, quer para a Administrao Pblica e os cidados em geral, o valor prtico da jurisprudncia, seja na interpretao e aplicao da lei aos casos concretos, seja como fonte excepcional de normatividade ou como sua base nomognica, bastante muito importante. O direito socialmente vigente o que o juiz diz que direito e aplica, pois as sentenas obrigam todos os seus destinatrios, cidados ou poderes pblicos 182 - 183 .
182 De facto, mesmo quer toda a doutrina defenda uma dada interpretao de uma norma que pode ter mais do que uma interpretao possvel, se o juiz optar por uma interpretao diferente, esta a que passa a valer, enquanto a doutrina, sendo uma mera opinio de especialistas, existente a montante do momento aplicativo, por muito conceituada que seja, no aplicvel por si, ao no obrigar nem cidados nem autoridades. 183 Com efeito, o cidado ou a Administrao Pblica ficaro sujeitos interpretao em que assenta a sentena, no caso submetido a julgamento, independentemente das posies cientficas propostas pelas Escolas e seus Doutores. Para se compreender a diferena, basta reproduzir a seguinte explicao dada por AMARAL, DIOGO FREITAS DO: se acerca de um dado assunto, toda a doutrina entender A e a jurisprudncia decidir B, um advogado portugus, interrogado por um cliente estrangeiro sobre qual o Direito portugus sobre a matria, ter de responder
289 Em concluso, o conhecimento do direito de um dado pas no passa apenas pelo conhecimento da norma-regra, pois h, alm dos princpios gerais (embora estes tenham perdido muito do seu anterior sentido autnomo, ao serem paulatinamente consagrados em normas escritas, muitas vezes mesmo de natureza constitucional) e do costume, a jurisprudncia dos tribunais, sobretudo a dos tribunais superiores.
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No que se refere problemtica relacionada com o papel da doutrina na construo do direito, ou seja, ao valor da doutrina como fonte do direito, temos em plos opostos, a doutrina (teoria clssica) que se rejeita como fonte do direito e as posies doutrinais, como a expressa por Diogo Freitas do Amaral, segundo as quais a doutrina simultaneamente uma fonte juris essendi e uma fonte juris cognoscendi.
Desde j, se afirma que no se considera nunca doutrina em geral como fonte primria de direito. Mas afirma-se que ela pode exercer um papel protonormador ou conformador do contedo ou interpretao concretos de normas pr-existentes, pois, por vezes, exerce uma influncia decisiva no s na criao de normas positivas e outras na explicitao de normas consuetudinrias, quer junto do legislador e Administrao
B; se responder A, estar a enganar o cliente - e poder ser responsabilizado pelos danos que lhe causar.
290 Pblica (elaborao de novas leis e regulamentaes e alterao de normas existentes), como na aplicao das normas pela Administrao Pblica e, sobretudo, pelos julgadores, desde logo junto dos tribunais superiores, ajudando, juntamente com a aco casustica dos advogados, a construir aquela parte da jurisprudncia que muitas vezes se revela mais estvel.
E, sobretudo, a doutrina unnime ou, pelo menos, maioritria tm realmente uma influncia marcante, junto dos tribunais. Com efeito, quotidianamente a jurisprudncia portuguesa, em apoio aos fundamentos das suas decises judiciais, recorre e cita essencialmente a doutrina, que assim, por esta via, ganha foros de uma fonte indirecta do Direito (Diogo Freitas do Amaral).
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No terminaremos estas breves consideraes sem lembrar que a Administrao Pblica portuguesa chamada a aplicar directamente normas comunitrias, quer as de vigncia directa e transcrio interdita em normas nacionais, como acontece com os regulamentos da CE, quer as dependentes de transcrio obrigatria, e mesmo que no efectivada, apesar de decorrido o tempo para o efeito (Directivas; e mesmo Decises dirigidas ao Estado) desde que tenham efeito directo (nos termos fixados pela doutrina pretoriana do Tribunal do Luxemburgo) 184 .
184 Sob pena de condenao pelo TUE. Seria, v.g., impensvel que um dirigente
291
Pela sua importncia, vejamos, pois, especificamente a teoria das fontes unionistas.
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25. FONTES DE DIREITO E SUA APLICAO. PRINCIPIO DA SUPREMACIA DAS NORMAS INTERNACIONAIS E UNIONISTAS. PRINCPIOS DA LEGALIDADE E DA CONSTITUCIONALIDADE E ADMINISTRAO PBLICA
A Administrao pblica portuguesa tem os seus princpios organizatrios e de actividade inseridos no texto constitucional. Vivemos em Estado constitucional democrtico, o que implica um conjunto de consideraes que permitam fazer a ligao do direito constitucional e suas exigncias ao direito administrativo. No Estado democrtico actual, a Constituio no um mero conjunto de linhas programticas a juridificar pelo legislador ou a concretizar em polticas pblicas pela Administrao. normao. No s a sua criao deve ter eficcia imediata mesmo no exequibilidade ou aplicao directa, como cumprimento das normas constitucionais,
da Administrao Pblica tivesse punido um funcionrio, que acabasse de ser progenitor e, falta de legislao de aplicao da Directiva sobre a igualdade dos cnjuges, tivesse gozado desse direito com ausncia ao servio, nos termos da normativa europeia, que teve efeito directo no perodo de inadimplemento estatal, at ser objecto de transcrio em fonte interna.
292 tal como o controlo deste, assumem uma importncia fundamental. E isto no pode deixar de implicar que qualquer teoria de exerccio e de limitao dos Poderes a nvel nacional s ganha sentido numa abordagem constitucionalocntrica. No significa isto que a tripartio clssica dos Poderes ou mesmo mais, aceitando a funo poltica, designadamente a moderadora do Estado, tenha que perder interesse. E isto no tanto por corresponder ou no delimitao material de distintas funes (que , hoje, secundrio na perspectiva garantstica, reganhando sobretudo valor, no plano da eficcia organizacional do Estado), sendo certo que tal distino no existe seno tendencialmente, com confuso das vrias funes nos vrios Poderes. Mas porque hoje o heterocontrolo no deriva apenas da pluriorganicidade do Estado, em termos do exerccio da soberania, mas porque h uma funo bsica que exprime a totalidade da soberania popular, de cuja expresso resulta a conformao concreta de todos os poderes, a sua importncia e a validade dos seus actos. Porque a soberania est no Povo, os Poderes de Estado no so apenas rgos de Soberania. So rgos Soberanos, no poderes institudos. H aqui uma ideia de Poder e Funo Constituinte que tornam fundamentais e superiores, no plano do exerccio interno de poderes, as normas que criam. Por isso, a Constituio a Grande Norma, a Lei Fundamental do Estado. Todas as actividades necessrias ao desenrolar quotidiano da sociedade, criando normas e
293 aplicando-as em concreto ou actuando para a sua concretizao em geral, tm que a respeitar e aplicar. Isto , os Poderes que dirigem o Estado so poderes juridicamente subordinados Constituio, o que se exprime e cumpre na perspectivao teleolgico- constitucional da sua actividade e no respeito do princpio da constitucionalidade. Ou seja, as funes clssicas de MONTESQUIEU so hoje apenas sub-funes referentes gesto corrente de Estado: sub-funes da Funo Governativa (governao em sentido amplo, aqui usado). A prpria funo tida como a mais importante no Estado, a Funo Legislativa, porque uma funo subordinante, tambm uma funo subordinada, porquanto a nomocracia e a nomognese esto constitucionalmente definidas. Toda a funo governativa - seja ligada ao Poder Legislativo, ao Poder Executivo ou ao Poder Judicial, ou seja, que satisfaa necessidades de enquadramento de convenincia - constitucionalocntrica e, portanto, no tem sentido falar a este nvel de uma funo poltica ou governativa seno como actos derivados da Constituio e, assim, passveis de controlo aferidor do seu cumprimento. Neste aspecto, no haveria actividade anmica do Executivo e dos rgos de soberania, visto que as actividades governativas so nomocntricas, quanto mais no seja penduradas directamente na Constituio.
Quer a normao entregue pelo legislador Administrao Pblica, quer a execuo, interpretao e aplicao das normas pela Administrao Pblica e Tribunais, so actividades legitimadas e guardadas na
294 Constituio, que aplicam. Classicamente, entendia-se que o Parlamento seria fiscalizador do cumprimento da Constituio e das leis que ele prprio elaborava, devendo no s perder a capacidade de controlar o Executivo, dada a evoluo dos regimes democrticos para a partidocracia que acabou com a subordinao do Executivo ao Parlamento, ambos sujeitos a uma direco poltica nica. E, de qualquer modo, os Parlamentos podem ser constitucionalicidas, liberticidas. Impe-se o controlo da funo governativa, para verificar a sua conformidade com a vontade soberana expressa na Constituio. A Constituio, base do consenso social, do contrato social, s persiste pela funo reconstituinte e actualizadora permanente do Tribunal Constitucional e dos tribunais em geral, que devem fiscalizar as actividades nomocntricas bem como os actos que tm sido enquadrados como anmicos, no sindicveis. Uma funo reconstituinte porque elimina do ordenamento jurdico as normas que ensombram (revogam) a Constituio, actuando como legislador inconstitucional, ou seja, em nosso entender, tal como HANS KELSEN pensava, como legislador negativo.
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Tema a destacar o da supremacia do direito supranacional, internacional e unionista, e da Constituio e da eficcia das suas normas.
O Direito Administrativo um subsistema normativo dentro do ordenamento jurdico global, que tem a sua base
295 no DIP, DUE e Constituio, sendo certo que todo o direito positivo ter de se adequar a ela e interpretar-se a partir dela. o DIP, o DUE e a Constituio contm enunciados fundamentais de muitos ramos do direito., que se impem, aqueles a todo o direito de fonte interna, e o direito constituciona, no queles, mas a todo o restante direito de fonte nacional.
Quanto ao direito constitucional, OTTO MAYER, no seu Direito Administrativo Alemo, acentuava o carcter de permanncia do Direito Administrativo em face do carcter passageiro do Direito Constitucional. E FRITZ WERNER no deixaria de proclamar que o Direito Administrativo era Direito Constitucional concretizado.
A Administrao e o Direito Administrativo so uma realidade histrica, porque instrumento ao servio de opes constitucionais, em cada momento assumidas pela soberania popular. O Direito Administrativo constri-se em grande parte a partir de parmetros consensualizados na Constituio, a cujos postulados tem de se adaptar. Aqui, tal como no DIP e DUE, e alis com primazia relativa para estes, h princpios que se impem ao legislador e, no caso do DC, tal ocorre quer na construo da Administrao, como na conformao dos regimes jurdicos nas diferentes matrias, e posteriormente na actuao concreta da Administrao. E, dado o carcter jusprogramtico da Constituio, h orientaes dirigidas Administrao em diversos
296 sectores, que cobrem as atribuies dos vrios ministrios. Normalmente no so normas de aplicao directa, porquanto dependem da interpositio legislatoris, e assim condicionadas organicamente e, nas suas exigncias materiais, pelo estado de desenvolvimento do pas. De qualquer modo, toda a norma constitucional obrigatria. A sua aplicao que pode no ser imediata. No entanto, a questo da aplicabilidade directa continua, hoje, a provocar reflexes doutrinais inacabadas.
No Brasil, em face do artigo 5. da Constituio de 1988, referente ao direito de acesso informao administrativa, este direito declarado de aplicao directa. Com efeito, ressalvando as vrias situaes de excepo (que no devam resultar j de outros preceitos referentes intimidade e honra das pessoas), ligadas segurana nacional, apenas se deixa para o legislador, tal como em Portugal, a fixao do prazo mximo de resposta obrigatria ao requerimento de acesso. Mas no fora a possibilidade de o cidado recorrer ao mandado de injuno e a declarao da aplicabilidade imediata desta norma poderia ver-se paralisada. verdade que a questo da aplicabilidade de certos direitos proclamados na Constituio brasileira se complicou, com alguma doutrina e jurisprudncia a ler desinserida a letra do 1 do artigo 5, que, apesar de colocado apenas no captulo dos direitos e deveres individuais e colectivos, fala na aplicao imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
297 (a que justamente se refere todo o ttulo II), que logo a seguir tem o captulo dos Direitos Sociais, a que aqueles sectores querem estender o mandado de injuno (que permite o suprimento pelo juiz da falta de regulamentao pelo legislador, apenas aplicvel na situao em apreo, e a efectuar segundo parmetros de equidade). Esta diviso doutrinal tem prejudicado o desenvolvimento da jurisprudncia que, receosa das consequncias da extenso do mbito da sua aplicao, em vez de o clarificar, comeou a corromper a prpria construo terica deste mandado. Importa ainda referir que, no Brasil, o cidado pode impugnar directamente qualquer agresso aos direitos fundamentais ( semelhana do recurso de amparo espanhol e de alguns pases latino-americanos, bebido na experincia piloto da Constituio mexicana de 1917, e que tem geminao no recurso pblico suio e nos recursos constitucionais alemo e austraco), atravs do mandado de segurana (que acaba por se ir construindo em reaco evoluo restritiva do habeas corpus, acantonado ofensa ou ameaa de violao da liberdade de locomoo).
Mas qualquer que seja a tcnica garantstica criada para obviar falta da interpositio legislatoris, prevista na Constituio, e o sentido das declaraes sobre a aplicabilidade inseridas na prpria lei fundamental, a questo da eficcia das normas constitucionais mantm todo o seu sentido. Dizer que certas normas so de aplicao directa significa reconhecer que outras o no so. Mas se a distino tem sentido, s pode querer dizer que todas as
298 normas tm valor jurdico. No entanto, h normas que no so passveis de aplicao seno em termos mediatos, porquanto s podem ser aplicadas aps a verificao de certas alteraes, sejam elas de ordem programtica (implicando inovaes a executar pelo governo, com uma dada margerm de liberdade, dado que seria ilegtimo, o quer se poderia designar por um governo de Constituio, o confiscar da governao pela gerao criadora da Constituio, sem prejuzo do respeito do fim pretendido, sob pena de inconstitucionalidade por desvio de poder legislativo), de ordem institucional ou simplesmente legislativa (muitas vezes, explicvel para evitar uma excessiva regulamentao constitucional, outras para fugir regidificao das regras de funcionamento, a ir fixando e alterando de acordo com as lies da experincia). Mas se assim, por mais hbeis que sejam as reflexes sobre o tema, s tem sentido falar de aplicao directa a propsito de uma norma que puder ser imediatamente aplicada, ou seja, que puder ter eficcia plena, por ela ter o enquadramento mnimo para a vivencialidade social que pretenda regular, porquanto se todas so normas jurdicas todas produzem certos efeitos directos em face do legislador (obrigado a cumpri-las), ou de outras normas (cuja conformidade quelas e interpretao e integrao base delas se impor). Neste aspecto, poder dizer-se que, na ausncia da atribuio de um poder de regulamentao concreta atribudo ao juiz e de lei regulamentadora com carcter geral, a norma ou ou no directamente aplicvel por si mesma, independentemente da declarao que sobre a sua eficcia imediata o legislador constituinte puder efectivar, a qual,
299 como o demonstra a realidade da sua no aplicao (em muitas situaes declaradas nas Constituies como de aplicao directa ou imediata), at criao da respectiva regulamentao quando esta no elaborada em simultneo com a prpria lei fundamental.
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A Constituio encerra macroprincpios que implicam, explcita ou implicitamente, a Administrao Pblica e o direito administrativo. As normas constitucionais tm fora vinculativa. E mesmo as clusulas gerais, como a do Estado de Direito Democrtico, que integram a macro-estrutura normativizadora do sistema constitucional, traduzindo tecnicamente princpios gerais de direito, princpios de princpios, encarnando valores superiores da ordem jurdica: a liberdade, a justia e a igualdade perante a lei, como valor superior do Estado de Direito; a Justia Social e a Promoo da Igualdade, como valores nsitos ao Estado Social; o pluralismo e liberdade de informao, activa e passiva, como valores ligadps formao da opinio pbliac e ao estatuto do cidado, condio de participao e escolha, livre e esclarecida, do seus representantes, no Estado Democrtico, e a unidade, a autonomia e a solidariedade, como valores que traduzem a ideia da realizao adequada da vida de um Estado nico mas com autonomias regionais e locais. Estes princpios colocam questes de eficcia concreta (operatividade) e de coexistncia. Em termos de eficcia, como princpios gerais de direito, so autnticas normas jurdicas que se impem
300 como fonte de poderes dos vrios poderes pblicos, critrios interpretativos de todo o sistema jurdico, at das outras normas constitucionais, orientaes para a actividade positiva de todos os poderes pblicos e limites jurdicos a essa actividade. Em termos de coexistncia, o facto de alguns destes princpios chocarem entre si tem que ser superado, tendo presente que eles regem em simultneo e com o mesmo valor jurdico, sem sobreposio, o que obriga a encontrar o ponto de equilbrio entre todos num dado caso concreto. A organizao e a actividade administrativas encontram- se integralmente imbudas e condicionadas por estes princpios, que so as suas autnticas bases jurdico- constitucionais, pelo que h que analisar as disposies constitucionais referentes ao Estado de Direito, Estado Social, Estado Democrtico, Estado Autonmico e Unificao Europeia.
O Estado de Direito constitucional implica alm do princpio da pr-determinao normativa, o da injuno normadora primria da Constituio. A expresso Estado de Direito tem assumido historicamente um significado que tem evoludo. Deve-se a ROBERT VON MOHL a criao do termo Rechsstaat, que veio a cristalizar a concepo terica de Estado do primeiro liberalismo alemo, com razes em KANT, FICHTE e ALEXANDER VON HUMBOLDT, em oposio ao Estado de Polcia ou Estado de Bem-Estar, designaes de Estado da monarquia absoluta que, no entanto, aparecia ligada a preocupaes de felicidade e
301 bem-estar dos sbditos. O Estado de Direito aparecia exigindo que o Estado se limitasse a garantir a liberdade dos cidados, atravs da criao e manuteno de uma ordem jurdica adequada. um Estado que se define axiologicamente como garantidor da Liberdade e do Direito - portanto, um Estado limitado, no intervencionista. O Estado de Direito o antimodelo dialctico ao modelo endemonista do Estado idealizado por CHRISTIAN WOLFF, e que perpassa a ideologia do despotismo iluminado. Depois, ocorre um processo de desubstanciao e, portanto, de formalizao do conceito, iniciado em meados do sculo com F.J.STAHL, que se aprofunda com o positivismo de LABAND e JELLINEK, no fim do sculo, culminando com HANS KELSEN, que esvazia o contedo originariamente liberal do conceito, agora confinado identificao absoluta entre Estado e Direito, na preocupao de reduzir toda a actividade do Estado ao Direito. Os juristas alemes do primeiro tero do sculo XX acabariam por caracterizar o Estado de Direito como aquele que regido pelo princpio da legalidade da Administrao Pblica, em que esta no pode intervir na esfera da liberdade dos cidados seno com expressa habilitao legal e em que impera a diviso de poderes, a supremacia e reserva de lei, a proteco dos cidados mediante rgos jurisdicionais independentes e a responsabilidade do Estado por actos ilcitos. O desastre nacional-socialista revelou a insuficincia das tcnicas jurdicas, nsita ao Formalles
302 Rechtsstaat, pelo que a doutrina do ps-guerra procurou criar um Materialles Rechtsstaat, dando quele um contedo material complementar de natureza axiolgica, a beber nas suas origens histricas. O Estado de Direito aparece ento concebido como um princpio material de ordenao da actividade estatal, dirigido a valores, entre os quais tm de sobressair o da garantia e proteco da liberdade pessoal e poltica, assim unificando a forma e o contedo na densificao do Estado de Direito. Hoje, entre os princpios integrantes da ideia de Estado de Direito, afectando directamente a Administrao Pblica, temos, desde logo, o princpio da legalidade, o princpio da tutela judicial efectiva e o princpio da garantia patrimonial, alm da imperiosidade de respeitar o princpio da diviso de poderes e as regras estruturais do sistema normativo que traduzam a Administrao como organizao e actividade ligada a um dos poderes e a sua subordinao aos outros poderes. Outra dimenso desta exposio referente ao Estado nomocrtico tem que ver com a submisso da Administrao ao direito, em que importa tratar alguns tpicos explicativos, referentes s manifestaes histricas do Estado de Direito em relao Administrao Pblica.
H uma relao entre aco administrativa e direito. Mas ser que essa relao indispensvel? Historicamente, essa relao nem sempre existiu. E alm disso, h modelos diferentes de submisso da Administrao ao Direito. Com efeito, a Administrao pode, teoricamente,
303 no estar submetida ao Direito. Por exemplo, antes dos regimes democrticos, durante as monarquias absolutas, a administrao actuava, de certo modo, arbitrariamente. Isso no significa que no houvesse regras. Pode haver regras sem haver subordinao ao Direito. Se h regras mas a Administrao tem toda a liberdade de as fazer e de as mudar, se elas se criam para ter influncia apenas no crculo dos administradores, bvio que no nos encontramos numa Administrao submetida ao Direito. Uma Administrao submetida ao Direito aquela em que as regras existem para a defesa do cidado e, quando no so cumpridas, aquele tem o direito de reagir, se se sentir prejudicado por isso. O chamado Estado de Polcia o Estado em que a Administrao, que nessa altura se designava Polcia, est submetida a uma dada regulamentao, mas no tendo essa regulamentao qualquer valor jurdico no plano exterior Administrao. Era assim, ainda, a Administrao no sculo XVIII, no tempo do Absolutismo, do Iluminismo ou do Despotismo Iluminado. Ainda hoje, por vezes, se encontram vestgios deste modo de actuar em certos documentos de valor interno, chamados circulares ou directrizes, que so documentos que tm, por vezes, repercusses, que no so neutras, na vida dos cidados, bem como nos seus interesses. A Administrao tem de ser objecto de controlo exterior. No pode ser um simples assunto interno. Por contraposio ao Estado de Polcia surge-nos, assim, o
304 Estado de Direito, em que suposto reger totalmente o princpio da legalidade.
O Estado de Direito caracterstico dos regimes modernos, dos regimes democrticos. O seu princpio fundamental o liberalismo poltico, que nasceu com a Revoluo Francesa que teve, desde logo, a ver com a ideologia da criao e defesa dos Direitos do Homem e do Cidado, a ideologia de 1789.
A existncia de separao de poderes est ligada preveno contra a queda na ditadura. Os poderes devem ser divididos por vrias entidades, de modo a no haver a hegemonia de uma s pessoa e, por outro lado, devem assentar na supremacia do Parlamento, rgo directamente legitimado pelo Povo. A lei, uma vez criada, tem de ser respeitada - este o papel da Administrao. daqui que vem o hbito de chamar aos Governos o Poder Executivo. A Administrao tinha, e ainda hoje tem, uma funo essencialmente executiva, embora tambm j possa legislar. A Administrao tambm pode criar regulamentos, mas estes tm que ser permitidos pela lei, nunca podem ser independentes desta.
O princpio da legalidade (positiva: s legtimo actuar nas reas em que a lei expressamente d poderes para tal, sendo a lei que define os limites em que ser pode actuar), embora, de facto, no seja aplicado em relao actividade prestacional e de fomento, seno na sua formulao de vinculao negativa, fundamental para enquadrar e legitimar a Administrao Pblica.
305
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Mas, como j dissemos, existem tambm os princpios da primazia do direito supranacional e o princpio da constitucionalidade, ou seja, o princpio da supremacia do direito supranacional e da Constituio. Quanto Constituio um conjunto de normas de imposio prevalecente no plano do direito de fonte nacional. Todos os Poderes lhe devem respeito e, portanto, a Administrao deve-lhe tambm respeito. Tema importante o da posio dos cidados perante normas inconstitucionais, e, em especial, sobre a inconstitucionalidade das normas administrativas e o sistema institucional de controlo pela Administrao e pelos tribunais 185 , matria que melhor cabe ser
185 Ou seja, a inconstitucionalidade em geral, noo de inconstitucionalidade, o sistema constitucional de garantia da Constituio, a hierarquia das normas, inconstitucionalidade e ilegalidade controlvel pelo Tribunal Constitucional de normas desconformes com leis ordinrias paraconstitucionais, tipologia da inconstitucionalidade e das formas de invalidade das normas inconstitucionais, inconstitucionalidade e desvio de poder legislativo; norma jurdica, imperatividade e meios de garantia de sua efectividade; sistemas de garantia institucional e o modelo hiperblico portugus: caracterizao geral, falta de recurso geral de amparo, a fiscalizao difusa e concentrada, critrios substantivos e processuais de fiscalizao, consequncias da declarao de inconstitucionalidade e, por fim, a margem de sindicabilidade administrativa da constitucionalidade: a Administrao Pblica, princpio da legalidade e princpio da constitucionalidade, a Administrao Pblica perante norma declarada inconstitucional erga omnes, a Administrao Pblica e as situaes de inexistncia jurdica-constitucional, a Administrao Pblica e as situaes de mera irregularidade orgnico-formal, a Administrao Pblica perante a normal figura de paranulidade da norma, Administrao Pblica e direito de resistncia dos cidados no caso de matria de Diretos, Liberdades e Garantias, os requisitos orgnicos gerais de ponderao administrativa da inaplicabilidade da norma, os requisitos substantivos da inaplicabilidade da norma, critrio de invalidade manifesta, a Administrao Pblica estatal e a infra-estatal no caso da inconstitucionalidade orgnica, o caso da inconstitucionalidade formal, vcios de procedimento documentado, vcios de forma, o caso de
306 desenvolvida na cadeira de Direito Constitucional e Direito Poltico. Mas, sobre ela, pela sua importncia, referiremos alguns apontamentos, com a nossa posio, no que essencialmente importa Administrao Pblica.
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O regime geral das inconstitucionalidades a invalidade na forma de nulidade de regime misto 186 , enquanto segue os elementos caracterizadores da anulabilidade (as autoridades e os cidados devem obedecer norma enquanto no declarada nula) e da nulidade (efeitos ex tunc, porque ab inicio invlida, pois a declarao de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional retroage ao momento da sua produo: nulidade radical, de direito; excepto se o Tribunal Constitucional decidir diferentemente e com possveis efeitos putativos, mas em direito constitucional determinar-se o respeito por expectativas razoveis e com base em condutas pblicas
inconstitucionalidade material manifesta, as situaes consideradas na doutrina unnime, as situaes j apreciadas pelo Tribunal Constitucional em fiscalizao preventiva e sucessiva, as normas dependentes de leis de reviso constitucional com ofensa do clausulado sobre limites materiais, as normas e actos praticados com ofensa do artigo 19. da Constituio, a Administrao Pblica e a apreciao jurisdicional de regulamentos e actos administrativos, a situao de regulamentos inconstitucionais ou ilegais em face de leis paraconstitucionais, a situao de normas e actos dependentes de leis paraconstitucionais declaradas inconstitucionais, a declarao de inconstitucionalidade e a modulao dos seus efeitos na actividade disciplinar e contra- ordenacional da Administrao Pblica, a interdio de indefesa procedimental e processual e o ordenamento jurdico portugus. 186 Vide sntese recapitulativa de suas caractersticas, embora chegando a concluso distinta, MIRANDA, J. Manual de Direito Constitucional: Constituio e Inconstitucionalidade. Tomo II, 3. Ed. (reimpresso), Coimbra: Coimbra Editora1996, p.372-373.
307 ou particulares a respeitar (n. 4 do artigo 282.), tal implica um desvio que revela uma nulidade no radical.
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Mas e qual a posio da Administrao face a normas inconstitucionais e tambm de direito supranacional que seja chamada a aplicar em casos concretos ou a executar? No que concerne aplicao da Constituio pela Administrao Pblica, em geral (e mesmo em caso de normas de aplicabilidade directa ou de exequibilidade de per se, se acontece haver normas de desenvolvimento desconformes), tem-se afirmado a tese da no atribuio constitucional de poderes de inaplicao de normas aos rgos administrativos 187 , por fora do princpio da legalidade, quando estas sejam inconstitucionais, perante o artigo 204., o qual s manda faz-lo aos tribunais. E mais, Paulo Otero no seu ltimo livro sobre a Legalidade, vai mesmo ao ponto de defender uma tese sobre a hierarquia das normas que implica a dualidade de vigncias normativas sobre uma mesma matria, ou seja, a existncia de dois direitos, um aplicvel aos cidados e pelos tribunais e outro aplicvel pela Administrao pblica, na medida em que aqueles tm que aplicar a norma que em cada momento dever considerar-se vigente na ordem jurdica portuguesa, e aquela a norma que resultar dos princpios da posteridade e especialidade, sem curarem de saber qual a que de valor superior em face de princpios da constitucionalidade ou supranacionalidade (DIP e
187 MIRANDA, J. -oc, p.373.
308 Direito originrio ou derivado da Unio Europeia, podendo e devendo desconhecer o impositivo princpio da primazia destas normas), tudo numa construo aberrante, totalmente alheia ideia de Estado de Direito e da unidade da ordem jurdica no plano da sua aplicao material. Recentemente, no seu Manual sobre Introduo ao Direito, vem Freitas do Amaral tomar em toda a matria das fontes e hierarquia as nicas posies que nos parecem aceitveis e correspondem ao nosso ensino desde sempre.
Ou seja, e falando agora especificamente sobre a questo da aplicao ou no do constitucionalidade, tal posio dual , pelo menos, numa dada leitura radical, totalmente questionvel, pois a Constituio da Repblica Portuguesa manda a todas as autoridades respeitar a Constituio e h um afloramento de um princpio que deve reputar-se geral, nos ns 6 e 7 do artigo 19. (no respeito dos limites dos poderes materiais e orgnicos em situao de estado de stio).
Assim, parece no dever seguir-se totalmente por esta posio, desde que os actos dos distintos poderes possam ser controlados pelos tribunais, o que s no ocorre na actividade governativa: actos polticos, constitucionais ou de governo do Executivo.
Esta tese de excluso por princpio no o permitiria nem sequer, pelo menos, quando haja direito de resistncia, no caso de direitos fundamentais? Somos de parecer que no h, por princpio, uma faculdade genrica de inaplicar normas com fundamento
309 na invocao da inconstitucionalidade, mas (sem prejuzo de tal s dever caber aos rgos mximos da Administrao Pblica, suscitada a questo pelos subalternos, e da consagrada sindicabilidade jurisdicional de todos os actos pelo destinatrio da deciso, neste caso com inaplicao da lei ou regulamento) em casos limite de inconstitucionalidade manifesta ou quando a doutrina ou a jurisprudncia j se venham pronunciando nesse sentido, isto , desde logo quando os tribunais ou o Tribunal Constitucional, mesmo sem declarao obrigatria (porque neste caso pacfico: no h aplicao, dada a sua eliminao do ordenamento jurdico), se pronunciaram j nesse sentido, a Administrao Pblica pode decidir os casos em apreciao, com inaplicao da norma considerada inconstitucional, notificando sempre do fundamento de suas decises concretas os destinatrios, para efeito de impugnao.
310 III SISTEMAS DE REGIME ADMINISTARTIVO E REGIME JUDICIAL
26.SISTEMAS DE REGIME ADMINISTRATIVO: PLURALIDADE DE DIREITOS E PLURALIDADE DE JURISDIES
26.1. Autonomia do direito administrativo e regime administrativo
O direito administrativo (apesar de relativamente recente, dado ter comeado a construir-se apenas aps a Revoluo Francesa), um ramo do direito autnomo.
Esta afirmao impe-se pelo facto de ele ter o seu objecto, princpios gerais prprios, solues especficas para os diferentes problemas implicados pela organizao e a actividade da Administrao, expressas em regras diferentes da regras comuns do direito que regula a organizao da sociedade e as relaes entre os particulares.
A jurisprudncia e o legislador foram criando regras jurdicas distintas dos princpios e regras de direito privado. E, por isso, o direito administrativo distinto do direito privado.
Elas aparecem no direito administrativo devido pelas prprias necessidades da Administrao Pblica no prosseguimento das suas finalidades ou da resoluo institucionalizada de conflitos que ela se confiou inicialmente a si mesma, o que deu origem a regras de tipo
311 dissemelhante ou que no respondem ao mesmo tipo de problemas da Administrao Privada.
Por isso, a doutrina tem considerado que no aceitvel defender-se uma concepo de direito administrativo como direito especial, constitudo por excepes do direito privado, na medida em que o direito administrativo um direito completo, que forma um todo coerente e articulado, um sub-sistema normativa autnoma dentro do ordenamento jurdico de aplicao nacional. Ele constitui um sistema ou corpo de normas jurdicas: um corpo de princpios e regras que do ao direito administrativo uma coerncia global enquanto direito que autnomo do direito privado.
Podemos constatar que esta autonomia passa, desde logo, pela questo da resoluo dos casos omissos ou integrao das lacunas, em que, em direito administrativo, se comea por recorrer analogia (casos anlogos) dentro do prprio sistema jurdico-administrativo, aos princpios gerais do direito administrativo, analogia nos outros ramos do direito pblico, aos princpios gerais do direito pblico, aos princpios gerais de direito e s, em ltimo caso, de modo adaptado, ao direito privado.
Em verdade, nos ordenamentos jurdicos de inspirao francesa, chamados de regime administrativo, a Administrao tem as suas prprias regras, que vo variando conforme as necessidades dos servios e as necessidades de conciliar os interesses do Estado com os direitos dos particulares.
312
O direito administrativo , portanto, um direito autnomo em relao ao direito privado. O que no quer dizer que, hoje, pela prpria razo de ser dessa autonomia reguladora da vida da Administrao em si e na sua relao com os cidados, desde que as solues do direito privado servirem para satisfazer as necessidades colectivas, no se possa e em certos casos deva mesmo 188 este ramo do direito ser utilizado pela Administrao.
No entanto, o legislador em geral livre de seguir uma via distinta, no tem de obrigar a aplicar ou no tendo de copiar o direito privado. Historicamente, o regime administrativo, de inspirao francesa, afirmou-se com a Revoluo Francesa e no ano VIII com Napoleo.
A sua originalidade, face ao modelo judicialista ingls, explica-se pelo facto de os juzes franceses serem, na altura da Revoluo, muito conservadores e a Revoluo precisar de no ter o controlo desses juzes, que poderiam anular a sua obra, que, muitas vezes, j tinham feito com os governos monrquicos anteriores.
Era preciso, pois, afast-los e arranjar as suas prprias entidades desconflituadoras das relaes intersubjectivas implicando a Administrao Pblica, os seus prprios juzes, funcionrios pertencentes
188 O direito de expropriao pressupe, obrigatoriamente, um procedimento de negociao privada prvio ao acto administrativo de vlida declarao de utilidade pblica.
313 Administrao, pelo que se foi criando uma jurisdio prpria, e depois especial, estreitamente ligada ao Poder Executivo.
Acontece que ela foi ganhando alguma autonomia e, constituda por agentes prestigiados mas desconhecedores do direito, tornou-se casuisticamente aplicadoras de princpios que criaram precedentes e regras, base da criao de muitas normas novas, normas prprias do direito administrativo.
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A formao do direito administrativo, como ramo autnomo, comea na fase do Estado Moderno, em que se inicia o Estado de Direito, estruturado sobre os princpios da legalidade e da separao de poderes, segundo o entendimento resultante dos doutrinadores ps-revolucionrios franceses, garantindo respectivamente a submisso da Administrao s normas jurdicas (e, hoje, at mesmo uma maior proteco dos direitos individuais), concomitantes s revolues que acabaram com os regimes absolutistas.
Para essa formao do direito administrativo contriburam, essencialmente, o direito francs, alemo e italiano: a)- o primeiro, pela interpretao dos textos do Conselho de Estado; b)- o segundo, ao iniciar a sua elaborao cientfica; e c)- o terceiro, pela enorme contribuio dada sua sistematizao.
314
Quanto ao direito administrativo francs, procurando apontar algumas notas evolutivas, destaque-se que a Frana iniciou a organizao jurdica da Administrao Pblica em 1799.
A dualidade de jurisdio, que melhor se explicitar posteriormente, deve-se, como j se referiu, velha desconfiana do conservadorismo dos juzes, o que foi a verdadeira causa da originalidade da teoria de separao dos poderes ter sido conformada, em nome da no admissibilidade da subordinao do Poder Executivo ao Judicial, de modo a no permitir que os juzes apreciassem a actividade da Administrao. Por isso, se cria o contencioso administrativo, tendo, no incio, a Administrao comeado por decidir os seus prprios conflitos com os particulares (fase do administrador-juiz).
Em 1800, com a criao do Conselho de Estado, inicia-se o desenvolvimento de uma jurisdio administrativa, que s ocorrer a partir de 1872, quando ela se tornou independente e as suas decises deixaram de ficar sujeitas aceitao do Chefe de Estado (fim da fase da justia retida).
E a autonomia do direito administrativo, como cincia jurdica, comea a constatar-se a partir do Acrdo Agns Blanco, de 1873, em que o Tribunal de Conflitos afasta explicitamente a aplicao do Cdigo Civil Napolenico, enquadrando a questo da responsabilidade civil extracontratual em termos diferentes daqueles que regulam a matria entre os
315 particulares, dado que o Estado era parte no litgio, decidindo assim, no conflito de atribuies negativo a dirimir, a favor da competncia do Conselho de Estado e no do Tribunal de Cassao.
O Tribunal de Conflitos no s confirma a jurisprudncia administrativa dos casos Rotschild de 1855 e Dekcister de 1862, como vem fixar o critrio de definio da competncia da jurisdio administrativa de acordo com a teoria do servio pblico, e dar uma soluo questo com base em princpios distintos do direito civil.
Em 1945, o Estado vir invocar, na ausncia de direito escrito, princpios gerais de direito, a que atribuir fora de lei, e a que conferir mesmo valor constitucional aps a Constituio Francesa de 1958, que deu poder regulamentar autnomo Administrao Pblica.
O Conselho de Estado francs havia realizado todo um trabalho de produo de direito, que passou no s pela responsabilidade civil extra-contratual da Administrao, como pelo princpio de alterao unilateral dos contratos administrativos, o regime jurdico especial dos bens do domnio pblico, os vcios e a teoria da invalidade dos actos administrativos, num incessante trabalho, no s de preenchimento de lacunas mas tambm de interpretao dinmica e construtiva de leis e regulamentos.
Procura-se solucionar, com regras e princpios de direito administrativo, todas as questes em que a Administrao parte, sendo certo que a sua construo
316 se faz por referncia Administrao Pblica, o que levou ANDR HAURIOU a dizer que ele uma disciplina interior a um grupo, numa concepo estatutria, que, ainda hoje, merece aceitao de certa doutrina, designadamente espanhola 189 .
De qualquer modo, a autonomia do direito administrativo nunca foi absoluta, apesar de o juiz administrativo ser o nico que pode decidir aplicar ou no, a determinada matria lacunar, as normas de direito privado, na medida em que pode derrogar as regras deste direito em benefcio de normas que ele vai criando.
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No direito administrativo alemo, vemos que a Repblica Federal Alem tambm um Estado de regime administrativo, mas com particularidades em relao ao direito administrativo francs, quer quanto aos princpios substanciais e formadores, quer quanto organizao jurdica do contencioso administrativo. Na Alemanha, o direito administrativo resultou, sem rupturas, de uma longa evoluo a partir do sistema administrativo anterior ao Estado de Direito.
Esta evoluo sofreu ritmos diferentes nos vrios Estados, sem eliminaes ou substituies revolucionrias, mas com subsistncias de institutos e concepes de fases
189 V.g., EDUARDO GARCIA DE ENTERRA da Universidade Complutense de Madrid, no seu Curso de Direito Administrativo.
317 anteriores.
Na Idade Mdia, autoridade e sbditos sujeitam-se s instncias jurisdicionais dos Tribunais, sem prejuzo do jus iminens do monarca, integrando prerrogativas e poderes justificados pela defesa do interesse colectivo.
O jus politiae congregava poderes de interveno na vida privada em nome da preservao da segurana e do bem-estar colectivo, com a separao entre a Polcia (ou seja, a Administrao) e a Justia. Para combater este poder absoluto do monarca, aparece a teoria do fisco, que retira o patrimnio pblico da sua propriedade e da do Estado: pertence ao Fisco, entidade de personalidade jurdica de direito privado, diferente do Estado, s este dotado de imprio.
O Fisco submete-se ao direito privado e aos tribunais, enquanto o Estado se rege pelas normas editadas pelo monarca, sem controlo judicial. Assim, passaram a ser regidas pelo direito privado e fiscalizadas muitas das relaes jurdicas implicando a Administrao Pblica, com o reconhecimento aos particulares da titularidade de direitos adquiridos contra o Fisco, ou seja, direitos inscritos no direito civil, porque no h outro, alm do direito penal e processual. Ou seja, no h direito pblico, porquanto os regulamentos do monarca no criam direito para os sbditos, pois no obrigam a Autoridade em face dos administrados. No Estado Moderno desaparece o dualismo
318 Estado-Fisco, mas mantm-se os enquadramentos do regime de polcia, designadamente a submisso de parte da actividade do Estado ao Direito Civil, mas agora em coexistncia com o Direito Pblico, especialmente o Direito Administrativo, sendo aquele aplicvel subsidiariamente.
A origem do direito administrativo alemo e a sua formao diferente da do direito administrativo francs, esta devido ao Conselho de Estado, de carcter pretoriano, aquela devido doutrina, em geral muito mais influenciada pelo direito civil.
A Funo Administrativa tem um direito administrativo que um direito excepcional em face do direito comum ou privado, inspirado por princpios prprios, dando lugar a instituies semelhantes s francesas, embora respondendo historicamente s concepes antagnicas, com o conceito-chave de servio pblico em Frana e Poder Pblico na Alemanha, neste assunto mais prximo do conceito de DUGUIT, em Frana. No plano jurisdicional, o sistema alemo segue o princpio da especializao dos tribunais administrativos.
Hoje, no domnio do recurso contencioso, vigora o princpio da clusula geral, que permite que um particular impugne qualquer acto administrativo ou leve a tribunal qualquer litgio de direito pblico que a lei no leve expressamente ao conhecimento de outra jurisdio. Todos os actos produzidos no mbito de relaes especiais de poder so atacveis jurisdicionalmente.
319
A teoria dos actos de governo no conduziu a restries jurisdicionais comparveis s existentes em Frana e outrora em Espanha.
Juntamente com tribunais administrativos com competncia genrica a nvel federal e dos Estados, existem tribunais administrativos especiais para as questes fiscais, segurana social, disciplinares, militares e referentes ao exerccio da advocacia.
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No que diz respeito ao direito administrativo italiano, este bebe a sua origem no direito administrativo piemonts, influenciado durante a ocupao napolenica pelo direito administrativo francs do perodo ps-Revoluo.
Nesta primeira fase, os esquemas de direito privado inspiram o direito administrativo em concorrncia com a doutrina administrativista francesa.
Na fase posterior a 1865 e at Primeira Guerra Mundial, ele adquiriu sistematizao prpria, embora sofrendo uma especial influncia alem, procurando simultaneamente superar o excessivo casusmo francs e a excessiva abstraco alem.
Aqui, o direito administrativo no atribui Administrao um poder to autnomo, pois em parte a sua actividade est hoje subordinada aos tribunais judiciais.
320
Ele possui um conjunto de leis exclusivamente para regular a actividade administrativa, como corpo jurdico especial da Administrao.
H analogia com os institutos jurdico- administrativos franceses, mas h particularidades quanto ao sistema jurisdicional de controlo da actividade administrativa, sendo o sistema italiano um sistema misto, ou seja, possuindo ainda uma jurisdio administrativa (geral e tambm tribunais administrativos especiais), juntamente com a atribuio de competncias aos tribunais ordinrios.
A jurisdio administrativa, pelas leis de 1865, 1877 e 1889, era composta por juntas provinciais administrativas e seces jurisdicionais do Conselho de Estado.
Questo fundamental foi sendo a do critrio de repartio de competncias entre a jurisdio ordinria e a administrativa, quando uma das partes a Administrao, que veio assentar respectivamente na distino entre direitos subjectivos e interesses legtimos. As excepes referem- se competncia exclusiva da jurisdio administrativa quanto a litgios entre funcionrios pblicos e a Administrao e competncia do Conselho de Estado quanto jurisdio de mrito.
A partir de 1971, criaram-se tribunais de Primeira Instncia, que vieram receber competncias do Conselho de Estado, agora transformado em Tribunal de Apelao.
321
Quanto execuo de sentenas dos tribunais ordinrios, condenatrias da Administrao Pblica, mantm-se a proibio da lei de 1865 sobre a revogao ou modificao por si dos actos administrativos impugnados, dependendo de novo recurso administrativo a anulao propriamente dita destes actos, devendo a Administrao conformar-se com as sentenas dos tribunais, sob pena de o particular poder intentar novo processo agora no Tribunal Administrativo.
Os tribunais ordinrios s podem condenar a Administrao para pagar quantidades de dinheiro ou entregar um bem determinado.
No entanto, o Conselho de Estado e os tribunais administrativos regionais podem anular ou modificar o acto administrativo, embora sem condenar a Administrao Pblica ao ressarcimento de danos em matrias que no sejam da sua competncia exclusiva.
26.2.Sistema de administrao judiciria
Portugal tem uma ordem de jurisdio paralela e independente da jurisdio judicial, a dos Tribunais Administrativos e Fiscais, onde so resolvidos jurisdicionalmente quer os conflitos administrativos quer os de natureza fiscal. Por aqui passam as questes relacionados com a justia administrativa, atravs do processo contencioso administrativo.
322
Esta jurisdio est constituda tambm por verdadeiros rgos de soberania, e, portanto, estritamente independente da Administrao, diferentemente do que acontece no caso francs, em que ela ainda est, embora hoje j s formalmente, integrada na Administrao.
Ou seja, aqui temos verdadeiros tribunais, embora a jurisdio administrativa, distinta da jurisdio ordinria por razes histricas, e hoje justificada apenas pelo facto de se considerar oportuno e mais eficaz existir uma jurisdio especializada, em que se pressupe que os juzes para a nomeados sejam melhor conhecedores deste ramo do direito e se dediquem especificamente a estas matrias.
Quanto jurisdio administrativa francesa, podemos aceitar a afirmao de FRANOIS BURDEAU de que se trata de uma instncia da Administrao, mas distinta dela 190 , dada a inexistncia entre os seus membros de funcionrios da Administrao activa e o reconhecimento da independncia dos juzes administrativos e conselheiros de Estado.
A jurisdio administrativa conhece os litgios nascidos da Administrao, pelo menos em gesto pblica, enquanto a jurisdio judicial regula os litgios entre particulares e penais. No entanto, esta hoje tambm pode conhecer de certos assuntos administrativos.
190 Les Livres du Principe de Dualit de Jurisdictions, 1990, R.F.D.A., p. 724.
323
De qualquer modo, se verdade que as regras de delimitao de competncias so complexas, o critrio fundamental o do direito aplicvel questo em litgio, ou seja, em princpio, se o direito que pode solucionar o diferendo o direito administrativo, a competncia do tribunal administrativo. Pelo contrrio, se o direito a aplicar for o direito privado, a competncia pertence ao tribunal comum. s vezes, h derrogao deste princpio, normalmente em detrimento da jurisdio administrativa, como acontece com os litgios referentes ao direito de propriedade e sanes contra-ordenacionais, designadamente com a aplicao do Cdigo da Estrada.
As questes que se suscitem sobre delimitao de competncias so resolvidas por um tribunal de conflitos, dotado de estrutura paritria, tanto podendo a conflitualidade ser-lhe levada pela jurisdio administrativa (conflito positivo de competncia, quando sem razo um tribunal comum se declarou incompetente para decidir uma questo) ou por um particular, parte num litgio em risco de no apreciao jurisdicional por declarao de incompetncia de ambas as jurisdies (conflito negativo de competncia).
Nestas situaes, compete ao Tribunal Constitucional interpretar a legislao vigente delimitadora de competncias ou estabelecer o critrio adequado em caso de lacuna legislativa.
Em Frana, a hierarquia normal da ordem
324 jurisdicional administrativa francesa composta de tribunais administrativos regionais, que dispem de competncia de direito comum em matria de contencioso administrativo; tribunais de 2 Instncia de recurso das decises dos Tribunais Regionais (desde 1989); e o Conselho de Estado, que dispe de competncias de atribuio sobre matrias limitadas (residuais da competncia de direito comum que deteve at 1953), actuando sobretudo como Administrao de recurso das decises dos tribunais administrativos e juiz de cassao em relao s instncias administrativas que decidem em ltima instncia.
Em Portugal, existem tribunais administrativos de crculo, dois tribunais administrativos centrais (Sul e Norte, em Lisboa e Porto) e o Supremo Tribunal Administrativo. E existem outros tribunais administrativos fora da hierarquia normal, mas que tm uma competncia em relao a actividades muito precisas, como acontece com o Tribunal de Contas e outros.
Em Frana, no Conselho de Estado, h seces que servem de conselheiras da Administrao activa, que obrigada ou pelo menos pode solicitar pareceres no plano do direito e do mrito.
Em Portugal, nenhuma instncia administrativa exerce tal funo consultiva geral. Trata-se de uma dupla vocao bicentenria, que sempre funcionou bem e ajudou a preparar os juzes para a
325 tarefa jurisprudencial que lhe deu grande autoridade e papel essencial na criao do Direito Administrativo continental.
A dualidade jurisdicional desdobra-se numa dualidade de direito aplicvel, sendo certo que, entre alguns aspectos, o direito privado e o direito administrativo tendem a propor solues comuns, dado que nada impede de o juiz criador da norma jurdica se inspire no direito privado, com as devidas adaptaes s necessidades da actividade administrativa.
Foi a partir de 1873, com o Acrdo Blanco, do Tribunal de Conflitos francs, ficou definitivamente consagrado o referido dualismo jurdico.
Importa comear por referir que todos os sistemas, mesmo os no administrativos, tm legislao referente estrutura da Administrao Pblica. Essas estruturas variam com o tempo e de pas para pas. As formas jurdicas de organizao, de funcionamento e de fiscalizao da Administrao no so iguais, nem em todas as pocas nem em todos os espaos polticos. Por isso, quando se fala em sistema administrativo, h, desde logo, uma distino que tem por base uma raiz histrica.
Vejamos como se processava a Administrao Pblica no sistema administrativo tradicional anterior Revoluo Francesa, portanto em contraposio ao sistema moderno da ps-Revoluo, quer em Frana quer em Inglaterra (poca da Casa de Orange, 1688), pases
326 construtores dos dois modelos, o francs que se foi afirmando no sculo XIX e o ingls, distintos, que so os modelos de referncia mundial, embora tenham vindo a aproximar-se.
*
Quanto ao anterior sistema administrativo tradicional, do Antigo Regime, designado de Estado de Polcia (da monarquia tradicional europeia), ele como caractersticas a confuso de poderes (no havia separao) e a inexistncia de um Estado de Direito.
Havia uma indiferenciao entre o rgo executivo e o judicial. O Rei era o rgo supremo. No havia Estado de Direito porque a Administrao no estava subordinada ao Direito.
As leis no podiam ser invocadas pelos cidados. Eram regras internas da Administrao, que procuravam dar coerncia e eficcia aco administrativa. Vinculavam os funcionrios e estes podiam ser responsabilizados pelo seu incumprimento.
Mas estas regras eram apenas internas e, portanto, destitudas de carcter jurdico face ao exterior. Mesmo as regras internas que responsabilizam os funcionrios perante os superiores podiam ser dispensadas pelo Rei que, quando quisesse, as podia alterar livremente. Este era o modelo de funcionamento da Administrao na Monarquia Absoluta da Europa Continental, em geral at
327 ao sculo XIX.
Com a Revoluo Francesa, as coisas vo alterar- se, pois esta Revoluo, na esteira do constitucionalismo ingls, vai tambm trazer a separao de poderes, ou seja, o poder do rei vai ser dividido em funes executivas e jurdicas.
Aparece a ideia de que h um Direito do Homem e que este superior ao Estado, logo tem de ser respeitado pelo Estado e pelo Rei.
Da que a Administrao tenha que estar sujeita a vrias regras que tm a ver com a defesa do cidado e, a partir da, a sujeio da Administrao a verdadeiras regras jurdicas, isto , normas de direito com carcter externo, com eficcia geral, obrigatrias para todos e que podem ser invocadas por particulares quando o Estado no as cumpra. Daqui surge o Estado de Direito.
A evoluo diferente em Inglaterra e em Frana. Quanto a Inglaterra, o direito anglo-saxnico foi-se formando ao longo dos sculos e assenta no costume como fonte fundamental de direito.
Eram os juzes que explicitavam o costume, dizendo que determinado caso devia ser resolvido de determinada forma porque assim era costume. O que os tribunais diziam transformava-se numa lei que os tribunais a seguir tinham que adoptar.
328 A sentena cria precedentes originando uma vinculao regra do precedente. Os juzes ingleses eram pessoas de grande prestgio na sociedade e desempenhavam um papel muito importante na aplicao e explicitao do Direito.
No Reino Unido, o sistema unitrio assenta no princpio da rule of law (primado do direito), historicamente ligado ao desenvolvimento da soberania do Parlamento, sendo certo que o princpio da separao dos poderes no constitui, em regime parlamentar, um fundamento da unidade da jurisdio, pois aqui confunde virtualmente os Poderes Legislativo e Executivo, o que torna tal princpio operativo em termos de independncia dos Juzes do Poder Judicial, que alis podem receber funes normativas ou executivas e que nem sequer lhes garante o monoplio da funo jurisdicional.
As lutas no Reino Unido levaram supremacia do Poder Judicial, contrariamente aos objectivos da luta em Frana que visaram a separao do Poder Executivo em face do Poder Judicial, que o manietava.
No incio do sculo XV, so criadas prerrogative courts, margem dos tribunais de Common Law, nascidos e emancipados do Poder Real no perodo medieval. Estas Prerrogative Courts esto prximas do Conselho do Rei, atravs do qual o monarca exerce quase todos os poderes do Estado, e que vem permitir ao Executivo impr a sua vontade.
329 No sculo XVII, o poder legislativo reage ao aumento dos poderes do Executivo, tendo em 1640 abolido estes tribunais de jurisdio especial e confiado a sua jurisdio aos tribunais de Common Law.
E pelo Bill of Rights, de 1688, o Parlamento ingls proibiu o Rei de isentar ministros e funcionrios do cumprimento da lei, que assim passa definitivamente a reger todas as relaes na sociedade britnica, quer impliquem s os particulares quer impliquem tambm a Administrao Pblica.
E, em 1700, o Parlamento consagra a independncia dos juzes, que passam a poder controlar livremente os actos do Poder Executivo. So estas leis do sculo XVII que acabam com a jurisdio paralela jurisdio ordinria, agora independente do Executivo, e submetem a Administrao ao Direito Comum que esta aplica. No sistema administrativo judicirio (anglo-saxnico), podemos encontrar o princpio da descentralizao aplicado em termos de auto-governo local, enquanto que no sistema francs e, aps a tomada do poder por Napoleo, ocorreu essencialmente a valorizao do princpio da centralizao.
No sistema anglo-saxnico, a Administrao sujeita-se aos tribunais comuns (dos cidados), enquanto em Frana foram criados os tribunais para a prpria Administrao.
Quanto descentralizao, existe a Administrao Central e a Administrao Local, que constituda por
330 vrias figuras (autarquias, etc.), com poderes muito amplos e com grande autonomia (local government). Nunca houve, como em Frana, delegados designados pelo Poder Central.
Quanto sujeio aos tribunais, a Administrao inglesa encontra-se submetida ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns.
Quando h litgios entre a Administrao e os particulares, no so tribunais extra-ordinrios (Administrativos) que vo resolver as questes, mas sim os tribunais dos cidados (Comuns). As relaes entre a Administrao e os particulares so iguais s relaes dos particulares entre si.
A Administrao no tem direito especial, logo no dispe de privilgios (prerrogativas). Qualquer que seja a entidade pblica, est subordinada ao Direito Comum.
Quanto execuo judicial das decises administrativas, se a Administrao Pblica toma uma deciso e o particular no a aceita, aquela no pode executar a sua deciso por autoridade prpria (v.g., no pode decidir fazer uma demolio ou expulsar algum do pas). No pode aplicar meios coercivos e, se quiser impr a sua deciso, tem de recorrer ao tribunal para este, atravs de um processo, acolher a sua posio em termos de direito e torn-la imperativa (no h deciso administrativa com carcter executivo, porque estas so dadas pelos tribunais).
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As decises da Administrao no tm carcter executivo prprio e no podem ser impostas deciso prvia do Poder Judicial, que lhe d o carcter imperativo e coercivo que elas podem ter. Quanto s garantias judiciais da Administrao, os particulares dispem de um sistema de garantias contra os abusos da Administrao.
Podem recorrer das decises nas quais entendam que as leis no so cumpridas ou quando a Administrao toma atitudes que sejam contra a lei. O tribunal comum goza de plena jurisdio face Administrao.
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No regime administrativo, a Administrao tem o poder de executar por sua prpria autoridade as decises, e os particulares que no concordem vo ao tribunal contestar a actividade da Administrao.
O tribunal, se entender que h uma irregularidade, anula a aco mas no substitui a Administrao, ou seja, no actua como Administrao num segundo momento (no lhe diz o que tem ou o que pode fazer, limita-se a anular a irregularidade).
Diferentemente, no Reino Unido, o tribunal tem plena jurisdio face Administrao e, portanto, ordena s autoridades administrativas que cumpram a lei quando ela violada (tem de ser acatada pela Administrao e, se
332 no for, a entidade que desobedecer sofre as devidas sanes).
O sistema de administrao judiciria foi exportado para outros pases anglo-saxnicos (EUA, Canad -hoje pas de sistema dual-, Austrlia, Nova Zelndia, etc.) e para outros pases que tambm receberam as suas influncias, como os da Amrica Latina.
Quanto a Frana, os traos fundamentais do seu direito assentam no direito romano-germnico em geral. Neste tipo de direito, a lei formada pelo Governo (texto da lei) fundamental e o costume tem pouca importncia.
O direito consuetudinrio no fonte principal de criao de direito, sendo esta o poder poltico.
O juiz no tem papel explicitador do direito, mas sim aplicador. O papel principal da lei como fonte de direito.
O legislador cria direito com privilgios na parte que tem que ver com o direito pblico. H uma maior influncia de doutrina jurdica do que de jurisprudncia.
O grande prestgio est no Poder Executivo e no na magistratura, isto , o Governo tem mais prestgio do que os Tribunais. Depois da Revoluo, o princpio da separao de poderes foi consagrado, mas a partir da comeam as diferenas.
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No sistema administrativo executivo (francs), a questo da centralizao traduz a procura de organizao do aparelho hierarquizado de Napoleo. Este sistema era disciplinado atravs da fora do Poder Central, com delegados no local (os Prefeitos eram delegados pelo Poder Central). Pelo menos durante um determinado perodo, os municpios no tm autonomia nem financeira nem administrativa, mas tm possibilidades jurdicas que, no entanto, no passam de instrumentos ao servio do Poder Central.
Quanto sujeio aos tribunais administrativos, os tribunais administrativos no so verdadeiros tribunais porque so rgos da Administrao (como foram em Portugal at ao 25 de Abril).
Os tribunais administrativos so rgos da Administrao, embora dotados de caractersticas de independncia e devendo julgar segundo critrios de independncia e de imparcialidade. Esto incumbidos de fiscalizar a actividade da Administrao, julgar conflitos do contencioso dos seus actos, etc.. Quanto subordinao ao Direito Administrativo, a partir do fim do sculo XIX, comea a desenvolver-se a ideia de que a Administrao tem de ter prerrogativas, uma vez que no est na mesma posio dos particulares, que agem com um objectivo egosta, enquanto a Administrao tem que satisfazer os interesses de toda a comunidade. Assim, comeou-se a afastar as regras comuns e a criar o Direito Administrativo.
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A Administrao dotada de poderes de autoridade (embora lhe seja imposta a sujeio a deveres e restries que no teria se se pautasse apenas pelo Direito Privado); tem o privilgio da execuo prvia (no tem que ir aos tribunais buscar legitimidade).
Tudo se passa como se a deciso da Administrao fosse uma primeira sentena e o particular tem que ir ao tribunal pedir a anulao desta sentena. O facto de ir a tribunal no suspende a execuo.
O acto administrativo tem carcter executrio e fora executria prpria, podendo ser imposto por coaco antes de qualquer deciso do poder judicial. Apesar de os particulares tambm poderem pedir a suspenso do acto enquanto o tribunal aprecia o problema, isto constitui uma excepo. E no sistema puro, a Administrao era normalmente obrigada a indemnizar, mas no a cumprir a deciso do tribunal. Quanto s garantias judiciais dos particulares, apesar da Administrao ter privilgios, os particulares tambm os tm (estamos num Estado de Direito).
O Direito Administrativo oferece aos particulares um conjunto de garantias contra os abusos do Poder. Os privilgios so efectivados atravs dos tribunais administrativos e no dos tribunais comuns, o que poderia trazer muitas mais garantias de independncia.
Os tribunais no gozam de plena jurisdio porque
335 podem declarar um acto nulo, mas no podem dizer Administrao o que deve fazer. Aquela que tira concluses (v.g., se a Administrao nomear para um cargo que exija um curso superior uma pessoa que no o tenha, e houver outro concorrente que seja licenciado, o tribunal pode declarar nulo o acto mas no pode dizer Administrao para contratar o licenciado).
O sistema francs vigora em geral nos pases do continente europeu, embora com algumas nuances. Em Itlia e na Alemanha h muitas diferenas. Este sistema est em vigor em Portugal desde 1832, mas sofreu alteraes mais tarde.
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Hoje, podemos referir a existncia j de um Estado anglo-saxnico que evoluiu para um Sistema Eclctico de Paradualidade.
Com efeito, mesmo sem referir a soluo ecltica italiana, com o direito administrativo aplicado por princpio por duas ordens de jurisdies, a administrativa e a comum, temos o Canad com um sistema administrativo com caractersticas e bases histricas diferentes do francs, dado que, aps a Frana ceder definitivamente este territrio ao Reino Unido, foi instaurado a, em 1763, o Direito Pblico Ingls. Quando, em 1867, o Canad dotado de uma Lei Constitucional, j a Confederao vivia em sistema de unidade de jurisdio. E hoje no h uma verdadeira dualidade porquanto tal pressuporia a
336 estruturao dos tribunais especializados no contencioso administrativo, numa ordem hierarquizada encimada por um Supremo Tribunal tambm especializado neste contencioso, independente do Supremo Tribunal Judicial.
No h um tribunal superior que disponha em exclusivo e definitivamente do contencioso administrativo, tal como os tribunais administrativos inferiores que, sendo formalmente entidades administrativas, embora independentes, esto sujeitas ao controlo dos Tribunais Superiores de Justia do Estado. No entanto, a soluo recente do Direito Administrativo Canadiano criou: Tribunais da Administrao especializados, um Tribunal de Justia com vocao administrativa, e introduziu uma norma de controlo judicial que o aproximam do modelo europeu continental.
E esta procura de especializao jurisdicional no conduz apenas dualidade de jurisdies a um dado nvel jurisdicional, mas tambm propicia, tal como no exemplo francs, o desenvolvimento de um Direito Administrativo autnomo.
O regime federal divide a competncia relativa organizao do sistema judicial entre as Assembleias Estaduais e o Parlamento Federal, tendo cada Estado um ou mais Tribunais Superiores e Inferiores, muitos dos quais foram mantidos pela Constituio de 1867, constituindo os Tribunais Superiores as instncias de Direito Comum, decidindo litgios de toda a natureza,
337 desde constitucionais a civis, penais ou administrativos, enquanto os Tribunais Inferiores tm as competncias que as leis lhes atribuem.
Os Tribunais Superiores tm ainda um poder de superviso e fiscalizao da aco dos Tribunais Inferiores e dos Poderes Executivos, fundado na rule of law (princpio da primazia do direito, a que se refere expressamente a Constituio de 1982, Estado de Direito), que implica desde logo a submisso da Administrao ao Direito Comum e, designadamente, teleologia normativa subjacente atribuio de poderes discricionrios.
Em 1875, o Parlamento Federal criou o Supremo Tribunal do Canad, que aprecia o recurso das decises dos Tribunais Superiores de cada Estado e do Tribunal Federal do Canad (criado tambm pelo parlamento em 1970) sobre qualquer matria, independentemente do direito aplicvel, constitucional ou ordinrio, e da fonte estadual ou federal da sua provenincia. Ao nosso tema interessa, sobretudo, o estatuto do Tribunal Federal, porque lhe foram atribudas, em exclusividade, competncias relacionadas com a actividade administrativa, com o intuito de criar uma jurisdio especializada em certas matrias.
Alm das questes relativas propriedade intelectual e cidadania, s ele pode conhecer sobre certos contratos em que contratante a Cora e efectivar o controlo judicial dos actos da Administrao Federal (organismos criados e dotados fde poderes por uma lei
338 federal).
Alm disso, o Tribunal Federal tem competncia concorrente com os Tribunais Superiores dos Estados, no domnio da responsabilidade contratual e por actos ilcitos envolvendo a Cora, obras inter-estaduais, aeronutica, etc.. A soluo para este sistema mitigado de dualidade imperfeita, que poderia designar-se por sistema paradual, fruto de uma evoluo que partiu da no exigncia constitucional de um monoplio dos Tribunais na aplicao da Justia.
Assim, comeou-se por permitir a convivncia institucional daqueles com organismos no judiciais criados pelos Parlamentos, com funes jurisdicionais e seguindo processos diferentes de apreciao de litgios, mais aptos a uma colaborao moderna, porque mais rpida e eficaz, no enquadramento e superao dos assuntos administrativos num momento em que o Estado- Gendarme h muito havia dado lugar a um crescente Estado-Providncia. J antes da criao do Tribunal Federal se praticavam excepes ao princpio da unidade jurisdicional, dentro da linha tambm trilhada pelos outros pases anglo-saxnicos.
A primeira entidade administrativa autnoma desta ndole, criada no Canad, foi a Comisso dos Caminhos de Ferro.
A criao de tribunais administrativos anglo-saxnicos e, em geral, a motivao criadora destas entidades
339 administrativas independentes segue as explicaes que politlogos e administrativistas tm apontado em face da sua proliferao nestas ltimas dcadas do sculo XX: uma reinstitucionalizao pragmtica de poderes, com transferncia da responsabilidade poltica em domnios sensveis desgastantes para o poder poltico; a necessidade de chamar especialistas ou os prprios interessados ao cumprimento das funes administrativas mais complexas; e a inadequao funcional e demora excessiva do aparelho judicial, submetido a um processo formal demorado numa poca em que a procura de Justia tem cada vez maior consumo (exigindo processos acessveis e decises rpidas e com menos custos). No Canad, estes tribunais administrativos nascem das leis ordinrias, que os criam como prolongamentos do Poder Executivo.
Aqui, as suas decises, tais como as dos rgos da Administrao, esto sujeitas ao controlo dos Tribunais Superiores de Justia. Inicialmente, no plano da sua conformao jurisprudencial, estas entidades estiveram sujeitas tentativa dos Tribunais de Justia de lhes impr o seu processo e modo de funcionamento, mas o Supremo Tribunal, no incio da dcada de 60, reconheceu-lhes autonomia conformadora do seu processo administrativo (v.g., .Komo construction inc. v. com. des rrlations du travail au Qubec,1968) e viria mesmo a favorecer a autonomia decisional nas suas reas de especializao (syndicat canadian de la function pblique, section local 1963 v. socit des alcools du nouveau-brunswick, 1979).
Certas Comisses podem aplicar a Carta
340 Canadiana dos Direitos e Liberdades e declarar a sua aplicao legislao que se lhe oponha (ttreault-gadoury v. canada- com. delemploi et de limmigration, 1991).
Os poderes dos Tribunais Administrativos cifram- se expressamente na apreciao do mrito das decises administrativas, mas tem ocorrido uma evoluo que os tem levado a praticar o Judicial Review (controlo da legalidade dos actos dos organismos administrativos inferiores) que pertenceria apenas aos Tribunais de Justia. O Tribunal Federal um tribunal de justia e no uma entidade de natureza administrativa, visando controlar a legalidade dos actos da Administrao Pblica Federal, o que faz em termos quase exclusivos (os tribunais superiores dos Estados mantm jurisdio, concorrente para apreciar questes de constitucionalidade das leis federais e controlar a legalidade dos actos da Administrao federal que levantem questes de constitucionalidade - CCRT v. Paul lAnglais inc., 1983), marcando claramente uma excepo no s ao monoplio jurisdicional pelo Poder Judicial mas criando finalmente uma excepo formal ao princpio da unidade de jurisdio, tratando-se de uma jurisdio de recurso de decises de organismos e doutros tribunais em certos domnios.
As razes que levaram criao deste tribunal tiveram que ver com a necessidade de uniformizao do direito aplicvel Administrao Federal, para evitar a contradio da jurisprudncia dos tribunais estaduais, e a procura de celeridade na resoluo de litgios envolvendo
341 entidades federais, dada a lentido e sobrecarga dos Tribunais Superiores.
Em sntese, no Canad, as Administraes Pblicas estaduais continuam sujeitas, tal como os particulares, competncia jurisdicional dos tribunais ordinrios e s a Administrao Federal, a partir de 1970, v a legalidade dos seus actos sujeita apreciao de um Tribunal Federal especializado no contencioso administrativo, cujas decises no entanto continuam sujeitas apreciao do Supremo Tribunal Canadiano. No foram razes ideolgicas que levaram criao deste Tribunal e, portanto, desta forma tendencial de dualidade, mas o pragmatismo exigido pela necessidade de dar resposta ao nmero, complexidade e tecnicidade das intervenes do Estado.
26.3.Comparao dos sistemas modelares jurdicos europeus
Em termos de comparao dos sistemas jurdicos europeus, efectuando uma investigao histrica e problemtica sobre as semelhanas e as diferenas entre os diversos sistemas administrativos modernos de Estados de Direito Democrtico, importa concluir que se deparam duas questes fundamentais: a relao entre o Direito Administrativo e o Direito Comum; e o equilbrio entre os remdios contenciosos jurisdicionais e os mecanismos no jurisdicionais de proteco dos cidados em face da Administrao.
342 A doutrina tem continuado a realar a oposio entre o sistema de Direito Comum e o sistema de Direito Administrativo, o primeiro tpico da experincia anglo- saxnica e o segundo caracterstico do sistema de regime administrativo da Europa continental.
No sistema de direito comum (common law, rule of law), tambm designado por sistema judicirio e ao qual cabe melhor a designao de regime de unidade de jurisdio e de direito, as relaes da Administrao com os cidados so reguladas pelo mesmo direito que rege as relaes dos particulares entre si (com algumas derrogaes, sem prejuzo da reconduo essencial ao princpio da aplicao do direito privado).
No sistema de regime administrativo, tambm designado por sistema executivo e a que melhor caberia a designao de sistema de dualidade de jurisdie e direito, aplicam-se, em princpio, regras privilegiadoras da Administrao (colocada numa posio supewrior em nome do interesse colectivo), claramente exorbitantes em relao ao Direito Privado, enformadas por princpios especficos que lhe do carcter de direito autnomo.
Deve-se influncia do professor ALBERT VENN DICEY (atravs do seu difundido livro Introduo ao estudo do direito e da constituio, 1885), a defesa de uma suposta oposio radical entre os dois sistemas, com a proclamao das virtudes da Administrao de direito comum inglesa e dos pecados da inveno do direito administrativo francesa. DICEY influenciado pela
343 ideologia liberal inglesa de LOCKE a BURKE e pela literatura francesa da primeira metade do sculo, como os Estudos Administrativos, de ALEXANDRE VIVIEN e a obra de ALEXIS DE TOCQUEVILLE (Democracia na Amrica, o Antigo Regime e a Revoluo), donde se depreende a tese da continuidade do quadro institucional francs e da origem do direito e da jurisdio administrativos anteriores Revoluo.
Para DICEY, em Inglaterra rege o princpio da regra ou supremacia do direito (rule or supremacy of law), afastando a outorga Administrao Pblica, nas suas relaes com os cidados, de qualquer prerrogativa especial, mantendo-se a sua sujeio ao Direito Comum (ordinary law of the realm) e a competncia do juiz ordinrio em relao aos litgios administrativos. Pelo contrrio, a Administrao francesa governada por um Direito no Comum integrando regras e jurisdies especiais, em que o Conselho de Estado era um corpo dependente do Poder Executivo, pelo que teria de ser considerado um direito privilegiador do Estado e dos seus funcionrios nas relaes com os cidados.
Ou seja, tratar-se-ia de um Direito Administrativo que institua um regime jurdico no paritrio, o que o levou a negar que se estivesse perante a aplicao da rule of law, nico sistema que preencheria as condies da existncia de um Estado de Direito.
A primeira aparecia como a nica prpria de um Estado de Direito (regime da rule of law) e a segunda como
344 a de um regime de no Direito.
S mais tarde, em ulteriores edies do seu livro, DICEY viria a reconhecer os seus exageros, designadamente que o direito da Administrao Pblica britnica tambm tinha regras especiais derrogatrias da common law e que o direito administrativo francs se tornara mais liberal, sobretudo pelo facto do Conselho de Estado tambm passar a ser considerado um rgo jurisdicional e produzir jurisprudncia relevante. DICEY no reparou que tal jurisdicionalizao j havia ocorrido treze anos antes da primeira edio do seu livro e, quanto sua jurisprudncia, ao seu mrito e sua importncia, constituem um dado permanente na construo do Direito Administrativo e na fixao de posies doutrinais favorveis aos cidados.
verdade que, inicialmente, at metade do sculo passado, havia uma grande diferena entre os dois sistemas, com a experincia britnica a transmitir uma ideia de paridade nas relaes entre os cidados e os poderes pblicos, enquanto o sistema francs, com uma gnese autoritria bebida no Antigo Regime e no perodo napolenico, dava uma imagem diferente da afirmao do poder.
A tradio inglesa, desde a Magna Carta, do sculo XIII, portadora de uma concepo liberal do poder e da ligao estreita entre Administrao e Justia. Aqui a formao da Administrao Pblica tardia, sendo certo que, desde os Tudor e os Stuart at ao fim do primeiro
345 decnio do sculo XIX, no existe uma verdadeira Administrao, assumindo o Parlamento uma parte da funo administrativa. Por isso, o Reino Unido no tem necessidade de um direito especial.
E h o respeito dos princpios da justia natural prpria dos processos, implicando a imparcialidade e um procedimento contraditrio, permitindo aos interessados pronunciar-se em sua defesa antes das decises (fair procedure), a complementar com as vias judiciais ordinrias, que assim no assumem um papel garantstico fundamental.
Pelo contrrio, a tradio francesa, com uma forte Administrao Real, centralizada e hierarquizada, formada em fins do sculo XVI e princpios do sculo XVII; e com a separao, em meados deste sculo, entre os poderes administrativos e judicirios (com o conselho do rei e dos intendentes como juzes em causa prpria), que exprime uma soberania no judiciria e um poder administrativo separado do Direito Comum e do exerccio da justia.
O perodo revolucionrio produz leis que confirmam a excluso da autoridade judicial em relao aos litgios administrativos e a Constituio do ano VIII (a constituio napolenica de 1799) sanciona a primazia da Administrao, na pessoa do primeiro Cnsul, entre os poderes do Estado e a irresponsabilidade dos funcionrios pblicos.
346 O direito administrativo consolida uma forte especialidade em relao ao direito privado, derivada da intensidade dos privilgios da Administrao.
Neste sistema, as garantias jurisdicionais assumem uma primacial importncia em face das vias no judiciais.
Em Inglaterra e nos Estados Unidos, desenvolve- se, com base numa antiga tradio inglesa, uma Administrao com especficas funes jurisdicionais e reguladoras de proteco dos administrados, assente nos Administrative Tribunals, copiando o modelo jurisdicional, e em geral noutras entidades administrativas independentes (independent agencies).
Em Frana, no princpio do sculo XIX, houve uma experincia parcial de procedimentos administrativos no contenciosos, prvios adopo dos actos administrativos, que acabou por se perder em face da lgica do controlo sucessivo do juiz administrativo, assente na ideia de que o procedimento compete ao contencioso jurisdicional. Mas a procedimentalizao da actuao da Administrao Pblica tem-se imposto tambm na Europa continental, como o caso de Portugal.
Em concluso, a diferena inicial entre os dois sistemas refere-se tanto natureza dos direitos aplicveis como aos mecanismos de proteco dos cidados, com a Frana e os Estados continentais desenvolvendo regras especiais e remdios contenciosos posteriores adopo
347 dos actos administrativos, confiados a uma jurisdio administrativa, e com o Reino Unido a aplicar as regras da ordinary law of the realm (apesar da existncia do judicial review, reservado aos tribunais ordinrios), dando proeminncia aos mecanismos do procedimento administrativo preliminares s decises administrativas e assumpo de funes jurisdicionais e reguladoras pela prpria Administrao.
O sistema ingls do imprio da lei ou primado da lei (rule of law) tem subjacente uma concepo do princpio da separao de poderes que impe o controlo pelos tribunais ordinrios de toda a actividade administrativa, enquanto no sistema francs tal princpio implica a proibio de esses tribunais se imiscurem na actividade da Administrao e seus funcionrios (ao ponto de os juzes nem poderem proceder penalmente contra eles, nem exigir-lhes responsabilidade civil sem autorizao prvia da Administrao, o que foi derrogado pelo direito francs em 1870).
Mas, no fundo, a questo no podia colocar-se em termos de o sistema ingls se um sistema de Estado de Direito (rule of law) e o francs ser um sistema sem Direito, como pretendia DICEY.
O que possvel concluir apenas que o sistema anglo-saxnico de aplicao do direito comum e da sujeio aos tribunais comuns de todos os sujeitos de direito, cidados ou Administrao. Mas h sempre uma aplicao de direito mesmo contra a Administrao
348 Pblica, e portanto de um regime totalmente distinto do do Estado de Polcia.
E a histria sempre demonstrou, pese embora as teses improvadas de DICEY, que era melhor a existncia de regras especiais e diferentes do direito privado e de uma jurisdio prpria, especial, que tornou possvel a submisso dos poderes pblicos ao Direito, do que a realidade inglesa da existncia de regras que tornavam a Coroa irresponsvel (dogma de que o rei no se engana), que impedia o controlo sobre as relaes contratuais, designadamente com os funcionrios, e impedia de todo aces de indemnizao por danos causados pela Administrao.
No Reino Unido, a Administrao no se submetia s mesmas regras que os particulares (empresas e indivduos) e s os funcionrios, a ttulo particular (no a Administrao), podiam ser perseguidos civil e penalmente por danos, sem necessidade de autorizao prvia da Administrao.
S em 1947, ou seja 77 anos depois do que ocorreu em Frana, a Crown Proceeding Act veio viabilizar (mas no em termos iguais ao do direito comum) a responsabilidade da Coroa pelo incumprimento contratual e por danos de natureza extracontratual, embora os funcionrios continuem a no poder accionar a Administrao. E o crescente intervencionismo estatal fez criar tribunais especiais da Administrao para apreciar certas
A existncia do chamado Regime de Direito Administrativo ou regime administrativo e, portanto, a diferena deste em relao ao direito privado deriva de vrios facores, e, desde logo, do facto de a Administrao Pblica ser dotada de poder de auto-tutela, quer declarativa quer executiva, isto , integrado, tambm, pelo privilgio de deciso executria dos actos administrativos (um e outro, em substituio, em primeira mo, dos tribunais, que apenas intervm se provocados pelos administrados legalmente prejudicados), protegendo directa e indirectamente a eficcia das normas administrativas; e pelo poder sancionador que lhe permite punir, por si mesma, as situaes de incumprimento do direito administrativo, fora do sistema penal.
A estes poderes h que juntar outros privilgios, destacando-se o princpio do cumprimento por equivalncia, o privilgio de prazos mais dilatados para o exerccio de posies processuais, garantias de preferncia na cobrana dos seus crditos, vigentes na legislao tributria e o princpio solve et repete, relatividade do sistema de cumprimento das sentenas referentes Administrao Pblica (inexecuo e suspenso das sentenas e privilgio da inembargabilidade e inexecutoriedade dos bens da Administrao), embora hoje se deva registar a possibilidade de medidas compulsrias em ordema obrigar os dirigentes administrativos a cumprir as senteno em que no exista incidente de causa legtima de inexecuo, maior garantia penal para a proteco das normas de Direito Pblico
350 (condutas que lesem um bem jurdico que pertena Administrao), condutas de funcionrios, sobretudo aparelho policial e militar, disciplina sancionatria dos actos administrativos invlidos, favorvel Administrao (anulabilidade, sanabilidade, convalidao), possibilidade de proteco directa dos bens do domnio pblico e privado da Administrao, ocultao de dados administrativos 191 , etc.
Em sntese, pela confrontao dos dois sistemas, vemos que, nos planos fundamentais da ordenao jurdica, h solues diferentes que ainda se mantm e que importa realar. Quanto organizao administrativa, o modelo francs estava ligado a tendncias centralizadores e o ingls, descentralizadoras. Claro que tal correspondia aos sistemas puros, porque agora a tendncia tem sido sempre para a descentralizao.
Outro elemento e essencial para a carecterizao dos Estados continentais europeus, de regime administrativo, refere-se ao controlo jurisdicional da Administrao.
191 Ainda, hoje, vigora, na generalidade dos pases, a ocultao aos cidados dos dados administrativos (mesmo democrticos e mesmo na UE, excepto nestas no domnio das matrias ambientais, em sentido amplo, em que a transparncia resulta da imposio do Direito da Unio Europeia. O acesso geral e livre informao detida pela Administrao Pblica, anteriormente em regime de segredo administrativo geral, est, hoje, em muitos Estados excludas apenas, no que se refere aos interesses do Estado, em relao a segredos oficiais e a ttulo excepcional e por tempo limitado (por razes de interesse pblico: dados da segurana do Estado e segredos de justia).
351 No sistema ingls, so os tribunais comuns, enquanto que, no francs, comearam por ser os tribunais criados no mbito da Administrao (que no so verdadeiros tribunais, porque no tm estatuto de independncia, tendo, no entanto, evoludo, com o tempo, no sentido de funcionarem em termos independentes).
Quanto ao direito regulador da Administrao, no o direito comum, que rege, em termos de igualdade, as relaes entre os sujeitos de direito. No direito francs e no nosso, uma jurisdio totalmente separada dos tribunais que resolvem os conflitos os cidados. No ingls s h uma ordem de tribunais, seja para resolver os conflitos implicando a Administrao Pblica seja os cidados entre si.
Quanto execuo das decises administrativas, na administrao judicial, os actos s podem ser executados se o tribunal der razo; no sistema executivo, qualquer entidade tem, por si prpria, poder para tomar decises e para as executar.
Quanto s garantias jurdicas da Administrao, as garantias existem nos dois sistemas, mas no ingls diferente, na medida em que a Administrao no sofre o poder de injuno derivado dos poderes de plena jurisdio dos tribunais (no sistema francs sofre-o) e est completamente subordinado s sentenas dos tribunais comuns em Inglaterra.
Quanto organizao administrativa, com o
352 crescimento das tarefas que a Administrao de tipo ingls foi chamada a desempenhar, faz com que a Administrao, para responder s necessidades, assumisse muitas responsabilidades que antes pertenciam ao poder local.
Mas, apesar de tudo isto, efectivamente, podemos detectar uma aproximao dos dois sistemas.
H um fenmeno de crescimento burocrtico para haver uma satisfao mais eficaz das necessidades (fenmeno centralizador). Estes poderes locais ficaram sujeitos a uma superintendncia do poder central.
Quanto aos poderes centrais, independentemente de tendncias centralizadoras, tm-se desenvolvido tendncias descentralizadoras, com a democracia, a eleio de dirigentes autrquicos, as regies autnomas em Portugal, as regies administrativas em Frana e Itlia.
Em relao ao controlo jurisdicional da Administrao, mantm-se o essencial dos sistemas, ou seja, em Inglaterra surgem o que alguns autores chamam de tribunais administrativos, embora no passem de entidades administrativas independentes, e, em Frana, assiste-se ao aumento de casos da Administrao que so resolvidos por tribunais comuns.
A Administrao passa a recorrer mais gesto privada e ao Direito Privado, em vez do Administrativo (embora com respeito dos princpios fundamentais da
353 actividade da Administrao pblica), mas isto no significa dar aos tribunais comuns as competncias de julgar em geral os actos da Administrao. Apenas que a Administrao comeou a regular certas situaes pelo Direito no pblico, que, nessa medida, passam a ser julgados por tribunais comuns, se a lei processual administrativa no dispuser de outra maneira.
A criao ditos chamados tribunais administrativos em Inglaterra no igual ao regime continental, isto , a Administrao inglesa continua baseada e sujeita ao controlo dos tribunais comuns e estes rgos no passam de entidades administrativas mesmo que dotadas de independncia decisria.
O fenmeno de afastamento ou aproximao dos sistemas no tem que ver com o dacto de o sistema administrativo continental ter segregado o prprio direito administrativo para regular o funcionamento da Administrao. As questes organizacionais sempre existiram e foram disciplinadas num e outro sistema e at normas de natureza materialmente administrativa sempre existiram em qualquer dos sistemas. S em parte este fenmeno se acentuou com alguns domnios recentes a implicar que este sistema tivesse criado mais intensamente normas especficas para regular certas matrias novas de grande importncia social (v.g., planeamento, urbanismo, ambiente), que so normas de direito administrativo, que constituem a regulao de uma dada matria, embora no tenham de tratar da relao da Administrao com os cidados. direito administrativo, mas no a essncia,
354 ou seja, no aquilo que caracteriza a diferena de sistemas. Esta evoluo por si no traduz uma linha aproximativa dos sistemas, embora interfira nela e o propicie.
Quanto execuo das decises administrativas, a evoluo no sistema continental tem sido, muitas vezes, a sua efectivao por requerimento da Administrao e com regras reguladoras do procedimento administrativo.
O sistema continental contm realmente princpios relacionais diferentes, desde logo o de autotutela declarativa, autotutela executiva e autotutela sancionatria. Mas h a possibilidade de se requerer perante a prpria Administrao, a suspenso da execuo dos seus actos; mas, mesmo que a Administrao no aceite, possvel, em condies reguladas na lei, que a suspenso seja decretada pelos tribunais, embora o enquadramento legal e jurisprudencial das providncias cautelares e a respectiva eficcia sejam muitos dspares nos vrios ordenamentos continentais. Mas h, aqui, uma moderao do chamado privilgio da execuo prvia.
De qualquer modo, a doutrina jurdica vem considerando que, quanto s garantias face Administrao, hoje elas j so, geralmente, maiores no sistema de matriz francs do que no britnico. O nosso direito processual actual, que neste aspecto veio finalmente pr o processo de acordo com a Constituio, no plano da defesa face a decises ilegais,
355 disso claro exemplo.
E existe, tambm, uma regulao ampla de garantias de defesa perante decises ilegais ou inoportunas, no plano procedimento impugnatrio (procedimento administrativo derivados de reapreciao de actos administrativos anteriores), a exercer perante a prpria Administrao activa ou entidades da Administrao de natureza independente, o seu regime, admitindo-o quer em termos de mrito, quer de legalidade, atravs de reclamao para o autor do acto quer de recurso hierrquico para outra entidade, situada na organizao num plano de hierarquia (recurso hierrquico prprio) ou no (recurso hierrquico imprprio; recurso tutelar, quer em situao de relao de superintendncia quer de mera tutela, quando a lei o preveja), em termos de poder assumir poderes de reapreciao (seja de mera revogao, seja mesmo de reviso da deciso anterior).
Legitimidade procedimental derivada (n. 4. do artigo 53. do CPA): -Os titulares de posies legitimadas em procedimento originrio, independentemente de terem declarado aceitar o acto administrativo antes da sua prtica; ou -tendo-o eceite depois de praticado, se o fizeram com reserva do direito de reclamar
356 ou de recorrer
Tipologia dos r re ec cu ur rs so os s a ad dm mi in ni is st tr ra at ti iv vo os s: :
Procedimento resolutrio derivado (Revogao, alterao e substituio dos actos administrativo)s
H Hi ie er r r rq qu ui ic co o R Re ec cu ur rs so o
-Prprio
- Imprprio
-para superior hierrquico
- para rgo colegial em que se integre o autor do acto administrativo - para delegante/subdelegante fora da cadeia hierrquica - para outra entidade sem relao hierrquica administrativa (v.g. a ministro e secretrio ou sub-secrettio de estado; cmara municipal e seu presidente) T Tu ut te el la ar r : para entidade com poder de superintendncia ou de mera tutela
357 Abertura Abertura do do procedimento procedimento administrativo administrativo derivado derivado art. 138 art. 138 - - Iniciativa oficiosa Iniciativa oficiosa - - Iniciativa dos interessados Iniciativa dos interessados ( impugnao administrativa: meios ( impugnao administrativa: meios graciosos) graciosos) - Rec lam a o ( para autor do acto) - Recurs o administr ativo ( para superior hierrquico, rgo colegial, entidade sem relao hierrquica ou entidade com poder de superintendncia ou tutela) - do prprio autor do acto - do superior hierrquico ( quando o au tor n o d ete nha comp et ncias excl usivas) -Recurso hierrquico - Recurso tutelar - Prprio - I mprprio
R Re eg gi im me e g ge er ra al l d da a r re ev vo og ga a o o
1 1. .C Co om mp pe et t n nc ci ia a: : d do os s a au ut to or re es s e e s su up pe er ri io or re es s h hi ie er r r rq qu ui ic co os s ( (f fo or ra a d da a s si it tu ua a e es s d de e c co om mp pe et t n nc ci ia a e ex xc cl lu us si iv va a d de e s su ub ba al lt te er rn no o) ) e e r rg g o os s d de el le eg ga an nt te es s / / s su ub bd de el le eg ga an nt te es s o ou u t tu ut te el la ar re es s, , s se e e ex xi is st ti ir r p pe er rm mi is ss s o o l le eg ga al l e ex xp pr re es ss sa a ( (a ar rt t. .1 14 42 2 ) )
2 2. .F Fo or rm ma a: : l le eg ga al lm me en nt te e e ex xi ig g v ve el l p pa ar ra a o o a ac ct to o r re ev vo og ga ad do o o ou u m ma ai is s s so ol le en ne e, , s se e e es st ta a t ti iv ve er r s si id do o u us sa ad da a ( (a ar rt t. . 1 14 43 3 ) )
3 3. .F Fo or rm ma al li id da ad de es s: : a as s p pr re ev vi is st ta as s p pa ar ra a o o a ac ct to o r re ev vo og ga ad do o ( (a ar rt t. . 1 14 44 4 ) ) 4 4. . E Ef fi ic c c ci ia a: : - - Q Qu ua an nt to o a ao o a ac ct to o r re ev vo og ga ad do o e ex x- -p po os st t, , n no o c ca as so o d de e a ac ct to o v v l li id do o, , e ex xc ce ep pt to o p po or r a at tr ri ib bu u d do o e ef fe ei it to o r re et tr ro oa ac ct ti iv vo o, , s se en nd do o t ta al l f fa av vo or r v ve el l a ao os s i in nt te er re es ss sa ad do os s o ou u, , t tr ra at ta an nd do o- -s se e d de e d di ir re ei it to os s/ /i in nt te er re es ss se es s d di is sp po on n v ve ei is s, , h ho ou uv ve er r c co on nc co or rd d n nc ci ia a e ex xp pr re es ss sa a d de el le es s, , o ou u s se e s se e t tr ra at ta ar r d de e a ac ct to os s a an nu ul l v ve ei is s. . (art. 145)
- - Q Qu ua an nt to o a a a ac ct to o a an nt te er ri io or rm me en nt te e e ex xi is st te en nt te e: : n n o o p pr ro od du u o o d de e e ef fe ei it to os s
358
Regime revogao actos anulveis (art. 141) 1. Interdio de revogao com invocao de razes de mrito (oportunidade ou convenincia) 2. Limitao temporal correspondente ltimo prazo de impugnabilidade contenciosa ou para a resposta da entidade recorrida (em geral, 1 ano)
359 Regime da revogao dos actos vlidos (art. 140) 1. Princpio da livre revogabilidade (corpo n. 1) 2. Excepes (n1) 3. Revogabilidade condicionada das decises constitutivas de posies jurdicas legalmente protegidas 1. Constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos (al. b) 2. Criao de obrigaes legais para a AP (al. c), 1 parte) 3. Constitutivos de direitos irremunciveis para a AP (al. c), 2 parte) 4. Interdio legal (al. a) - Concordncia de todos os interessados tratando-se de posies disponveis (al b, n.2) - Na medida em que ele seja favorvel aos destinatrios (al. a, n.2)
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De qualquer forma, os nossos tribunais ganham alguns poderes de tipo declarativo face prpria Administrao. Esclarea-se que os tribunais administrativos, na maior parte dos pases, j no so rgos da Administrao. Embora independentes, no eram verdadeiros tribunais porque lhes faltava o estatuto de integrao nos
360 rgos de soberania. Hoje so rgos de soberania e tm uma particularidade especial, ou seja, s julgam casos de Direito Administrativo e, como tal, os juzes so especializados na matria, logo podem julgar melhor.
No caso portugus, hoje e aps a Revoluo de 1974, a jurisdio administrativa deixou de estar na rbita governamental e, embora sem seguir uma soluo segundo o modelo espanhol de integrao na cpula jurisdicional do STJ, ganhou o necessrio estatuto pleno dos tribunais, como rgos de soberania, justificada por razes de aplicao de um ramo especial de direito.
As suas sentenas tm que ser cumpridas sob pena de as entidades que no as cumpram poderem responder disciplinarmente ou at criminalmente. Aqui tambm aparece uma evoluo no sentido do sistema administrativo anglo-saxnico.
Quer um sistema, quer o outro, introduziram uma figura de apoio ao cidado, que o Provedor de Justia (comissrio parlamentar ou do Governo para a Administrao).
***
361 IV-DIREITO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Sumrio de matrias:
Vejamos agora a matria referente ao direito do procedimento administrativo e ao contedo em geral do respectivo Cdigo (CPA), sem prejuzo de um maior desenvolvimento na seco seguinte da temtica referente aoos princpios gerais da actividade administrativa. Comearemos por expor ou aprofundar algumas noes bsicas, desde logo as constantes do artigo 1. do Cdigo do Procedimento Administrativo portugus e, depois, iremos dando conceitos pertinentes no decorrer da apresentao da disciplina do direito procedimental, assente no regime comum previsto neste Cdigo e de acordo com a ordenao a efectivada.
362
1.Noes de enquadramento
1.1. A codificao, de cuja temtica, estrutura e contedos aqui deixamos algumas notas, tal como a disciplina em geral desta matria, recebe a designao de procedimento administrativo, em vez da tradicional de processo administrativo gracioso (Cdigo do procedimento Administrativo). Trata-se, no fundo e essencialmente, de regular juridicamente o modo de proceder da Administrao perante os particulares e da a designao preferida pelo legislador de Cdigo do Procedimento Administrativo, embora o seu contedo global ultrapasse a simples matria procedimental.
363 1.2 O procedimento administrativo a sucesso ordenada de actos e formalidades tendentes formao e manifestao da vontade da Administrao Pblica ou sua execuo
1.3. O processo administrativo o conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento administrativo.
2.Normao em cumprimento da Constituio da Repblica Portuguesa
2.1.Foi em cumprimento de preceito constitucional que se elaborou o presente Cdigo do Procedimento Administrativo.
364 2.2.A Constituio de 1976 veio dispor no artigo 268., n. 3 (actual artigo 267., n. 4), que o processamento da actividade administrativa ser objecto de lei especial, que assegurar a racionalizao dos meios a utilizar pelos servios e a participao dos cidados na formao das decises ou deliberaes que lhes dissserem respeito.
3. Razo prtica da necessidade de um Cdigo do Procedimento Administrativo
3.1. Fundamentalmente, h cinco objectivos: a)- Disciplinar a organizao e o funcionamento da Administrao Pblica, procurando racionalizar a actividade dos servios; o aumento constante das tarefas que Administrao Pblica portuguesa cabe realizar nos mais diversos sectores
365 da vida colectiva bem como a necessidade de reforar a eficincia do seu agir e de garantir a participao dos cidados nas decises que lhes digam respeito, tm vindo a fazer sentir cada vez mais a necessidade de elaborao de uma disciplina geral do procedimento administrativo. b)- Regular a formao da vontade da Administrao, por forma a que sejam tomadas decises justas, legais, teis e oportunas; c)- Assegurar a informao dos interessados e a sua participao na formao das decises que lhes digam directamente respeito; d)- Salvaguardar em geral a transparncia da aco administrativa e o respeito pelos direitos e interesses legtimos dos cidados; uma lei do procedimento administrativo havia sido prometida por sucessivos governos desde o j longnquo ano de
366 1962, mas nem a Administrao conhecia com rigor os seus deveres para com os particulares no decurso dos procedimentos administrativos por ela levados a cabo, nem os cidados sabiam com clareza quais os seus direitos perante a Administrao Pblica. e)- Evitar a burocratizao e aproximar os servios pblicos dos cidados.
3.2. Com ele, quer o cidado comum, quer os rgos e funcionrios da Administrao, passam a dispor de um diploma onde se condensa o que de essencial tm de saber para pautar a sua conduta por forma correcta e para conhecerem os seus direitos e deveres uns para com os outros.
4. Fontes materiais do CDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
367
4.1. Na elaborao deste Cdigo tiveram-se em conta os ensinamentos do direito comparado e a larga experincia que j se pode colher da aplicao de leis de procedimento administrativo em pases com sistemas poltico-administrativos to diferentes como a ustria, os Estados Unidos da Amrica, a Espanha, a Jugoslvia e a Polnia, para apenas citar alguns dos mais importantes sob este ponto de vista. Particular ateno mereceu a Lei do Procedimento Administrativo da Repblica Federal da Alemanha, publicada em 1976, e a riqussima elaborao doutrinal a que deu lugar. Foi, porm, na doutrina e na jurisprudncia portuguesas que se recolheram, de maneira decisiva, muitas das solues adoptadas, devendo igualmente mencionar-se os projectos
368 anteriormente elaborados, que serviram como trabalhos preparatrios indispensveis.
4.2. A primeira verso do projecto, com data de 1980, foi entretanto submetida a ampla discusso pblica, em resultado da qual foi elaborada em 1982 uma segunda verso. Finalmente em 1987 o Governo incumbiu um grupo de especialistas de preparar uma terceira verso.
5. Entidades a quem se aplica o Cdigo do Procedimento Administrativo
5.1.A aplicao das disposies do Cdigo do Procedimento Administrativo abrange todos os rgos da Administrao Pblica que estabeleam relaes com os particulares, no desempenho da sua
369 actividade de gesto pblica, regulando expressamente a actuao intersubjectiva de gesto pblica da Administrao (artigo 2.),
5.2. E os princpios gerais da actuao administrativa, constitucionalmente consagrados e contidos no Cdigo, so ainda aplicveis a toda e qualquer actividade da Administrao Pblica, mesmo que meramente tcnica ou de gesto privada (artigo 2., n. 4), ou seja, a restante actividade administrativa, sem ser directamente regulada, no deixa de ficar subordinada aos princpios gerais da aco administrativa (aplicao de direito privado administrativo).
5.3. E prev-se, ainda, a possibilidade de os preceitos deste Cdigo serem mandados aplicar
370 actuao dos rgos das instituies particulares de interesse pblico disciplinas pelos DL n.460/77, de 7 de Novembro, DL n.119/83, de 25 de Fevereiro e artigo 416. do Cdigo Administrativo (artigo 2., n. 5), bem como a procedimentos especiais, sempre que essa aplicao no envolva diminuio de garantias dos particulares (artigo 2., n. 6).
6. Estrutura das matrias reguladas
6.1. Estrutura analtica do CDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (quatro partes): Parte I - Princpios gerais; Parte II - Dos sujeitos; Parte III - Do procedimento administrativo; Parte IV - Da actividade administrativa.
371 6.2.Parte I noes, entidades e princpios da actuao administrativa a)-Disposies preliminares (artigos 1. e 2.): Noo de processo e de noo de procedimento (art.1.); Entidades e matrias a que se aplica o CDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (art.2.). b)--Princpios gerais da aco administrativa (artigos 3. a 12.; e garantias de imparcialidade - causas e aplicao do princpio da imparcialidade: art. 44 a 51; impedimentos: 44 e suspeio: 48.). Trata-se de princpios gerais cuja existncia decorre, expressa ou implicitamente, dos preceitos constitucionais (mxime, artigos 266. e ss) e que respeitam organizao e ao funcionamento de uma Administrao Pblica tpica de um moderno Estado de direito: princpio da legalidade (artigo 3.),
372 princpios da igualdade e da proporcionalidade (artigo 5.) princpios da justia e da imparcialidade (artigo 6.), princpio da colaborao da Administrao com os particulares (artigo 7.), princpio da participao (artigo 8.), princpio da deciso (artigo 9.), princpio da prossecuo do interesse pblico e da proteco dos direitos e interesses do cidado (artigo 4.: A razo de ser da Administrao pblica e do direito administrativo aparece expressamente afirmada na Constituio da Repblica Portuguesa, que diz que a Administrao Pblica visa a prossecuo do interesse pblico, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados (n 1 do artigo 266.). essa prossecuo do interesse pblico, das necessidades colectivas, que justifica a existncia da Administrao Pblica, enquanto que o respeito
373 pelos direitos e interesses legtimos dos cidados exigvel pela natureza do Estado de Direito democrtico, funcionando simultaneamente como fundamento e limite da actuao da Administrao. isso que tudo isto que d contedo, expresso concreta s normas de Direito Administrativo. Essa prossecuo e estes direitos so referentes em permanente tenso dialctica proporcionada medida dos interesses gerais a satisfazer, o que permite dentro de certos limites o sacrifcio dos interesses particulares em nome dos interesses colectivos. Portanto, a necessidade de dar a supremacia ao interesse geral com a garantia do respeito adequado dos direitos dos particulares marca a essncia, num plano escatolgico e ntico, do Direito Administrativo), princpio da desburocratizao e da eficincia (artigo 10.),
374 princpio da gratuitidade (artigo 11.), princpio do acesso justia (artigo 12.)
6.3.O princpio democrtico exige uma Administrao Pblica democrtica, ou seja, enformada pelas caractersticas de subordinao ao poder poltico-legislativo, aberta ao pluralismo, funcionando com objectividade, tratando todos de maneira pr-determinada e igual (princpios da legalidade, imparcialidade, igualdade), publicidade e transparncia.
6.4.A Administrao Pblica deve respeitar sempre os princpios gerais de actuao: no s quando exerce poderes de autoridade (em gesto pblica, com aplicao de direito administrativo: ao conceder uma licena ou nomear um funcionrio),
375 mas tambm quando age em gesto privada: como se fosse uma entidade privada: ao comprar um automvel ou alugar uma mquina) ou quando pratica simples actos ou operaes tcnicos ou materiais (ao construir uma estrada ou tratar um doente num hospital pblico).
6.5.Os mais importantes desses princpios gerais so:
a)-Princpio da Legalidade: a Administrao Pblica deve obedecer Lei e ao Direito (art3), incluindo aqui todo o bloco da legalidade, em especial: Direito Internacional (DIP: costume e tratados, actos decisrios do Conselho de Segurana da ONU e de outras organizao dotadas de poderes normativos e
376 decisrios concretos, declaraes unilaterais, etc.) e Direito Comunitrio (DUE: Regulamentos, Directivas, Decises, etc.), Constituio, l Leis de valor reforado e Leis ordinrias simples da Assembleia da Repblica, os Decretos-Leis do Governo e Decretos Legislativos Regionais das Regies Autnomas, princpios gerais de Direito (como o do no enriquecimento sem causa), regulamentos administrativos (decretos regulamentares do Governo; decretos regulamentares regionais; portarias; despachos normativos; regulamentos dos governos civis; posturas municipais e outras deliberaes de rgos administrativos), etc. b)-Princpio da Igualdade (art 5, n 1): -lhe vedado favorecer ou desfavorecer algum por razes
377 de ascendncia, sexo, raa, lngua, territrio de origem, religio, convices polticas ou ideolgicas, instruo, situao econmica ou condio social. Este princpio no impe um igualdade de tratamento absoluta. A igualdade justifica-se em relao a situaes equiparveis; se esto em causa situaes objectivamente diferentes, elas devem ser tratadas por forma adequadamente diversa. c)-Princpio da Proporcionalidade: as decises administrativas que atinjam direitos ou interesses legtimos dos particulares tm de ser adequadas e proporcionadas aos seus objectivos, no causando mais prejuzos queles do que os necessrios para alcanar estas finalidades e respeitando um equilbrio na justa medida entre os meios utilizados e os fins a alcanar atravs deles (art 5, n 2).
378 d)-Princpio da Justia: a Administrao Pblica deve actuar por forma ajustada natureza e circunstncias de cada caso ou situao (art 6). e)-Princpio da Imparcialidade: na sua aco, os rgos da Administrao Pblica devem ser isentos, no se deixando influenciar por razes subjectivas ou pessoais, que os levem a favorecer ou desfavorecer indevidamente certos particulares (art 6). f)-Princpio da Boa-f: a Administrao Pblica e os particulares devem, nas suas relaes, agir com boa-f, respeitando, em especial, a confiana que possa ter sido criada pela sua actuao anterior (art 6-A). g)-Princpio da Colaborao da Administrao com os Particulares: a Administrao Pblica deve colaborar estreitamente com os particulares,
379 prestando-lhes, em especial, as informaes e esclarecimentos de que necessitem (art 7). Desenvolvendo este princpio, o Decreto-Lei n 129/91, de 2 de Abril (art 2), dispe que, nas situaes em que sejam possveis procedimentos diferentes para conseguir um mesmo resultado, a Administrao Pblica deve adoptar o que seja mais favorvel ao particular, em especial para a obteno de documentos, comunicao de decises ou transmisso de informaes. h)-Princpio da Participao: cabe Administrao Pblica fazer com que os particulares, e as associaes que defendam os seus interesses, intervenham na preparao das suas decises. Este princpio concretiza-se, especialmente, atravs da chamada audincia dos particulares, no decurso do procedimento administrativo (art 8).
380 i)-Princpio da Deciso: no legtimo, aos rgos da Administrao Pblica, manterem-se pura e simplesmente silenciosos perante as questes que lhes sejam postas pelos particulares. Eles tm, pelo contrrio, o dever de decidir sobre quaisquer assuntos que lhes sejam apresentados, quer se trate de matrias que digam directamente respeito aos que se lhes dirigem, quer de peties, queixas ou reclamaes em defesa da Constituio, das leis ou do interesse geral (art 9). Este dever s deixa de existir se a entidade competente j se tiver pronunciado h menos de dois anos sobre igual pedido, apresentado pelo mesmo particular com idnticos fundamentos. j)-Princpio da Desburocratizao e da Eficincia: a Administrao Pblica deve aproximar os seus servios da populao, agindo por forma
381 desburocratizada, para facilitar a rapidez, economia e eficincia da sua aco (art 10). Uma das consequncias deste princpio a de que a Administrao Pblica no pode exigir formulrios ou formalidades que no sejam expressamente referidos em lei ou regulamento (Decreto-Lei n 129/91, art 3). l)-Princpio da Gratuitidade: salvo lei especial em contrrio, o procedimento administrativo gratuito (art 11). Se alguma lei especial impuser o pagamento de qualquer taxa ou despesa efectuada pela Administrao, o particular que comprove falta de meios econmicos ser destas isento, total ou parcialmente, conforme os casos.
6.6.Princpios especficos do procedimento administrativo
382
Especificamente, quanto s fases procedimentais, elas obedecem a princpios estruturantes de que se destaca, desde j, os seguintes: o princpio do requerimento escrito e da unicidade do pedido que no seja alternativo nem supletivo; o da obrigatoriedade de suprimento oficioso de deficincias do mesmo e da instruo inicial ou em alternativa da concesso da possibilidade do interessado as suprir num dado prazo; o da no vinculatividade da solicitao dos pareceres, quando meramente exigidos (carcter obrigatrio e no vinculativo dos pareceres legalmente previstos: artigo 98.; sem prejuzo dos regimes especficos, designadamente no campo do direito do planeamento territorial, urbanismo e ambiente) e princpio da prova; o princpio do
383 inquisitrio ou oficialidade (artigos 87., 56.) e da verdade material (n.2 do artigo 91., 60.), da no precluso das provas (derivado do da verdade material: artigo 91.), da liberdade de apreciao das provas, da admissibilidade da produo antecipada de prova, em situaes de risco da sua perda (artigo 93.), nus da prova do alegante (artigo 88.) e dever comprovao pela AP (artigo 87.), colaborao intersubjectiva (artigo 7., com a AP a dever colaborar com os particulares, ouvindo-os, etc., e os particulares a deverem ajudar a esclarecer os factos).
Parte II - Sujeitos das relaes administrativas no procedimento
6.3.1.Administrao Pblica em sentido
384 subjectivo ou orgnico, referida aos meios humanos, tcnicos e financeiros, com o seu direito orgnico e a teoria geral da organizao administrativa Na concepo subjectiva ou concepo orgnica, a Administrao Pblica o conjunto de rgos, servios e agentes das pessoas colectivas pblicas e outras entidades particulares que desempenham a Funo Administrativa. Ou seja, a organizao ao servio da Funo Administrativa do estado- Comunidade dos cidados. Trata-se de entidades pblicas integradas no poder executivo e outras que exercem o poder administrativo,isto , entidades pblicas que no pertencem ao poder legislativo e judicial. Os servios legislativos e os servios judiciais no fazem parte da AP, embora em geral se lhes aplique tambm o Direito Administrativo, por remisso legislativa.
385
6.3.2.Administrao em sentido objectivo ou materal refere-se s tarefas que tm a ver com as necessidades colectivas prosseguidas pelas estruturas que organizam aqueles meios, com o seu direito administrativo objectivo e a teoria geral da actividade administrativa. Na concepo objectiva ou concepo material, a Administrao Pblica caracteriza-se por traduzir o desenvolvimento de uma actividade de tipo administrativo, sendo certo que, por um lado, no apenas o poder executivo que executa as normas e, por outro, o prprio poder executivo exerce actividades que no so executivas. A Administrao Pblica em sentido material ou objectivo o conjunto de actividades consistentes no exerccio de tarefas de aplicao da lei, promoo
386 de desenvolvimento econmico-social e em geral de satisfao permanente das necessidades colectivas, enquadradas por normas legitimadoras e balizadoras de interveno pblica em razo do interesse colectivo, sob a direco, orientao ou fiscalizao do poder poltico e sujeitos ao controlo de entidades independentes, administrativas, e em ltima instncia jurisdicionais.
6.3.3.Administrao Pblica em sentido formal parte do tratamento desta e dos seus actos pelo Direito a que est submetida.
6.3.4. A Administrao pblica o sistema de rgos, servios e agentes, integrados em pessoas colectivas, sejam de de direito pblico ou privado, que desempenham tarefas da Funo Administrativa
387 do Estado, designadamente de promoo de desenvolvimento econmico-social e em geral de todas que traduzam a satisfao permanente das necessidades colectivas, enquadradas por normas legitimadoras e balizadoras de interveno pblica em razo do interesse colectivo, sob a direco, orientao ou fiscalizao do poder poltico e sujeitos ao controlo do parlamento e de entidades administrativas independentes e, em ltima instncia, dos tribunais.
6.5. Tendo presente o seu grau de dependncia em relao ao Estado e ao Governo, temos a Administrao dirigida (Administrao directa do Estado: Lei n 4/2004, de 15 de Janeiro), Administrao orientada (Administrao Indirecta, superintendida: Lei n. 3/2004, de 15 de Janeiro:
388 institutos pblicos; e Decreto-Lei n. 558/99, de 17 de Dezembro: empresas pblicas do Estado), Administrao tutelada (Administrao autnoma) e Administrao independente (Entidades Administrativas Independentes, por vezes tambm legalmente designadas como Entidades Pblicas Independentes, personalizadas sob a forma de institutos pblicos, ou no como meros rgos sem personalidade).
6.6.O princpio da desconcentrao administrativa (de competncias) diferente da partilha de atribuies por pessoas colectivas distintas, que se designa por descentralizao de poderes. Na desconcentrao, estamos em face de um princpio que realizado quando, numa pessoa colectiva ou ministrio, no h apenas um rgo a
389 tomar as decises realizadoras das respectivas atribuies, mas as diferentes tarefas a desempenhar so objecto de uma decomposio material, dando esta partilha origem a uma distribuio dos poderes funcionais (competncias), em princpio, efectivada em linha vertical, entre vrios escales orgnicos e, portanto, da hierarquia administrativa. A tipologia da desconcentrao pode ser concebida em funo da disperso territorial (central e perifrica), em funo da relao inter- orgnica (absoluta: criando rgos independentes, isto , com quebra da dependncia hierrquica; e relativa: mantendo a subordinao hierrquica); em funo da forma de concretizao da afectao dos poderes (originria: resulta da lei; e derivada: resulta de delegao de poderes, isto , de uma deciso
390 concreta do titular legal dos poderes, em termos facultativos, mas legalmente enquadrada).
6.7.A Administrao directa do Estado desconcentrada, ou seja, constituda pelos servios centrais e perifricos, que, pela natureza das suas competncias e funes, devam estar sujeitos ao poder de direco do respectivo membro do Governo, designadamente aqueles que tm que ver com atribuies referentes ao exerccio de poderes de soberania, autoridade e representao poltica do Estado ou o estudo e concepo, coordenao, apoio e controlo ou fiscalizao de outros servios administrativos, incluindo a Administrao militar e das foras militarizadas e os servios do Sistema de Informaes da Repblica Portuguesa, com as
391 adaptaes constantes das suas leis orgnicas (artigo 2.).
6.8.A Administrao directa, composta por rgos e servios, vertical, hierarquizada, que assenta numa desconcentrao legal piramidal, fundada na organizao hierrquica da Administrao. A hierarquia administrativa a estruturao escalonada, vertical, com a criao de vnculo jurdico relacional, existente entre rgos singulares e agentes de uma pessoa colectiva pblica ou ministrio, em que o superior detm poderes de autoridade, especialmente o poder de dar ordens e orientaes nos termos legais e em matria de servio e de controlo dos actos e dos agentes subalternos, sujeitos ao dever de obedincia.
392 6.9.Este modelo de organizao vertical caracteriza-se pela aplicao de vrios princpios: 1.Princpio do relacionamento juridicamente vinculado por um encadeamento funcionalmente subordinante; 2.Princpio do escalonamento relacional competencial entre rgos dentro de uma mesma pessoa colectiva pblica (hierarquia externa) ou entre agentes (rgo e agentes) de um mesmo servio dessa pessoa colectiva ou ministrio (hierarquia interna, v.g., dentro de uma direco- geral); 3.Princpio da comunho de atribuies a prosseguir pelos diferentes elos da cadeia (relao interorgnica e no inter-pessoal);
6.10.princpio do respeito pela legalidade no exerccio do poder de direco (sob pena de, fazendo o subalterno meno expressa de que
393 considera ilegal o comando ou instruo), inexistir o dever de obedincia (casos de comandos em matria que no de servio, ou sendo, imponham a prtica de actos nulos ou criminosos ou provenham de actos nulos) ou apenas existir um dever de obedincia diferida (com aplicao do regime do direito de representao (em reclamao, exigncia prvia de transmisso ou confirmao por escrito) perante actos anulveis, mesmo que oriundos de rgo competente e o vcio no seja manifesto, o que permite adiar a execuo daqueles actos (desde que o comando no seja acompanhado de instruo para cumprimento imediato), at resposta reclamao efectivada e pedido de transcrio em escrito da ordem ou ao limite temporal em que o atraso no seu cumprimento pode causar prejuzo ao interesse pblico), ou de obedincia condicionada (com
394 reclamao enviada imediatamente ao recebimento e cumprimento da ordem, dada com indicao de cumprimento imediato, ou comunicao ao imediato superior hierrquico, antes da execuo da ordem, quando, esperando pela confirmao ou no, entenda que a ordem a no ser cumprida pode causar prejuzo ao interesse pblico (artigo 10. do estatuto Disciplinar dos Funcionrios Pblicos); 5.Princpio da afectao de poderes de autoridade funcional, compreendendo o poder de direco (dar ordens: imposio de condutas individuais e concretas, e emitir instrues, no respeito pela legalidade e em matria de servio (sendo as instrues transmitidas por escrito e a todos os subalternos, designadas por circulares), instituindo normas funcionais sem relevncia externa aos servios; o poder de superviso (faculdade de
395 revogar ou suspender actos praticados pelo subalterno) e o poder de decidir recursos (em procedimentos derivados, reapreciadores das decises tomadas pelos subalternos, revogando-as ou confirmando-as, em recurso hierrquico; o poder de inspeco (fiscalizao do funcionamento dos servios e comportamento dos subalternos); poder de instaurar inquritos e processos disciplinares e o poder disciplinar (isto , de punir as infraces nos termos do respectivo Estatuto constante do DL n.24/84, de 16.1) e usando o poder de dirimir conflitos de competncias (declarao sobre a titularidade de poderes funcionais numa dada matria, em caso de conflito positivo ou negativo de competncias, por iniciativa prpria, de subalterno implicado ou do interessado) e, em certas situaes, o poder de substituio [faculdade de exerccio de
396 competncias conferidas por lei ou delegao ao subalterno; as situaes possveis so: substituio sistemtica ou arbitrria (em situaes de competncia simultnea), substituio casustica (avocao), substituio por omisso (em face da absteno de prtica de actos legalmente obrigatrios substituio ou considerados necessrios e urgentes), substituio revogatria (total ou parcial; nas situaes em que exera o poder de revogar o acto do subalterno); a regra geral nas relaes externas a no substituio sistemtica e a regra geral nas relaes internas a inexistncia de competncia simultnea]
6.11.No que respeita ao princpio da descentralizao, ele implica os conceitos de
397 superintendncia das Administraes indirectas e tutela das entidades da Administrao autnoma.
6.12.A Administrao indirecta do Estado (institutos pblicos: servios personalizados do Estado, fundaes pblicas e estabelecimentos pblicos; e empresas pblicas): quanto ao direito institucional, importa enquadrar a sua trplice tipologia: institutos dependentes (de regime geral, sujeitos ao regime geral de superintendncia e tutela), institutos para-autonmicos (v.g., as universidades pblicas) e institutos independentes (as entidades administrativas independentes, quando sejam personalizadas, cuja existncia sem qualquer interveno alheia, com mera sujeio ao controlo jurisdicional est hoje constitucionalizada). Ou seja, os institutos de regime comum (que so servios
398 personalizados e fundos personalizados: fundaes pblicas) e os institutos de regime especial, quer os que, sendo embora ainda de Administrao indirecta, tm uma natureza fortemente autonmica (por imposio constitucional, as universidades) e os institutos pblicos independentes. E analisar a distino entre instituto e o estabelecimento. Referindo em geral os regimes jurdicos aplicveis. A Administrao institucional, que integra a Administrao indirecta do Estado (como das Regies Autnomas 192 : artigo 2.), est hoje enquadrada pela Lei n. 3/2004, de 15 de Janeiro 193 , que estabelece os princpios e as normas reguladoras da organizao e funcionamento dos
192 Este regime geral aplicvel aos institutos pblicos das Regies Autnomas dos Aores e da Madeira, com as necessrias adaptaes estabelecidas em decreto legislativo regional (parte final do n.2 do artigo 2.). 193 Lei-quadro dos institutos pblicos, D.R. n.12 Srie I-A, p. 301-311.
399 institutos pblicos, de aplicao imperativa, prevalecendo sobre quaisquer normas especiais anteriormente em vigor, a menos que tal esteja expressamente ressalvado (artigo1.). No plano conceptual, os institutos pblicos definem-se como pessoas colectivas de direito pblico, dotadas de rgos e patrimnio prprio e, em regra, preenchendo os requisitos caracterizadores da autonomia administrativa e financeira 194 . Os institutos pblicos, que s podem prosseguir os fins especficos que justificaram a sua criao, so criados para a realizao de certas atribuies, especialmente de produo de bens e prestao de servios, que no se mostrem adequadas a uma gesto subordinada direco do governo, face sua especificidade tcnica, estando interdita a sua
194 S em casos excepcionais, devidamente fundamentados, podem existir institutos pblicos sem autonomia financeira (n.3 do artigo 4.).
400 existncia quando as actividades a desenvolver devam ser, nos termos constitucionais, desempenhadas por organismos da administrao directa do Estado, ou se trate de servios de estudo e concepo ou servios de coordenao, apoio e controlo de outros servios administrativos (artigo 8.).
6.13.A tutela administrativa uma actividade administrativa visando garantir a harmonizao dos interesses de uma entidade pblica com os de outra entidade com uma gesto autnoma (mas que desenvolve certas tarefas de interesse colectivo: funo administrativa), e por isso insusceptvel de receber ordens ou mesmo orientaes suas. uma actividade traduzida apenas num poder de interveno externa em relao deciso da
401 entidade tutelada. Ou seja: interveno alheia no plano orgnico (diferente dos controlos efectivados dentro da pessoa colectiva por rgos desta - controlos internos- ou pelo substracto humano da mesma - referendo) e alheia ao procedimento de elaborao da deciso administrativa em apreo, apesar de excepcionalmente poder ser condio de validade (tutela de aprovao prvia do acto da entidade tutelada). Mesmo que se trate da actuao posterior de um procedimento no originrio, referente apreciao de uma deciso administrativa anterior (recurso administrativo dentro da hierarquia administrativa- recurso hierrquico prprio ou sem hierarquia administrativa - recurso hierrquico imprprio), o controlo exercido derivado de uma relao inter-orgnica ou de uma relao pessoal colectiva de superintendncia, ultrapassa a relao
402 administrativa puramente tutelar, sendo englobado instrumentalmente no poder mais amplo de direco ou de superintendncia) Portanto, trata-se da interveno de uma pessoa colectiva pblica na gesto de outra, independentemente da existncia ou no de qualquer relao hierrquica ou de superintendncia, situaes em que a tutela naturalmente tambm existe como direito interorgnico instrumental da verificao do cumprimento das ordens e orientaes - poder de direco prprio da superioridade hierrquica- ou das orientaes (poder de superintendncia), em que aqueles poderes se traduzem, mas visando apenas garantir o respeito pelo bloco da legalidade (tutela da legalidade) ou, quando o legislador ordinrio assim o entender (na Administrao associativa, mas no na
403 Administrao autrquica, em que tal possibilidade est interdita pela CRP, embora o legislador ordinrio possa aqui ultrapassar a simples tutela inspectiva para que tende o ordenamento jurdico portugus actual), tambm da actuao que a entidade interventora tenha como a mais correcta dentro da legalidade (tutela da legalidade e tutela do mrito). Dito isto, conclui-se que os requisitos da existncia de uma relao tutelar so: - a existncia de duas entidades juridicamente distintas, em princpio duas pessoas colectivas; - uma das quais, a tutelante, de direito pblico, prosseguindo a funo administrativa, isto , sem fins lucrativos (pessoa pblica no empresarial), podendo a entidade tutelada ser de direito privado (entidade de direito privado e regime jurdico misto, ou seja, empresa privada e interesse colectivo ou colectividade de
404 utilidade pblica), embora independentemente da propriedade e do direito que enquadrou a sua constituio, tenham sempre que envolver o exerccio de actividades referentes funo administrativa. E o contedo desta relao tutelar refere-se ao direito de interveno na gesto da entidade tutelada: - ou para verificar da regularidade legal com que actua, -ou para levar a uma actuao que corresponda escolha das solues gestionrias tidas como melhores em termos do interesse pblico comum a prosseguir em cada caso, sempre que ele no tenha ainda sofrido uma conformao normativa (caso em que tudo se resolve atravs do controlo da legalidade) ou tenha merecido um enquadramento normativo em termos de afectao exclusiva como atribuio da entidade tutelada, em face da
405 considerao por parte do legislador da predominncia do interesse desta. Em termos de tipologia, a interveno traduz- se por um poder de fiscalizao da organizao, funcionamento e actividade (tutela inspectiva, por vezes atravs de servios de controlo existentes para o efeito, v.g. a Inspeco-Geral da Administrao Local, na tutela estadual), no poder de autorizar um acto que no pode ser produzido sem tal autorizao, condio da sua validade (tutela integrativa a priori), aprovar um acto posteriormente sua produo, em que a sua execuo fica suspensa da posio da entidade tutelar, condio da sua eficcia, mas no da sua validade (tutela integrativa a posteriori, por conformao - declarao de que o aprovou, obrigando a entidade tutelada a aguardar a posio; ou por veto - necessidade de
406 manifestao da posio de no aprovao, para evitar a execuo, a poder efectivar-se sem a declarao de oposio no prazo legalmente fixado), poder de extinguir o acto da entidade tutelada - revogao (tutela revogatria), prtica de actos legalmente devidos pela entidade tutelada, por conta dela, suprindo as omisses verificadas (tutela substitutiva). Qualquer destas formas de tutela tem de resultar expressamente da lei e s pode ser exercida nos termos por esta balizados, tendo a entidade tutelada, por sua vez, direito tutela jurisdicional contra actos da tutela administrativa ilegais, atravs da sua impugnao contenciosa.
6.14.A Administrao autnoma do Estado pode ser associativa ou territorial infra-estatal. A
407 administrao associativa no territorial: associaes pblicas de entidades pblicas (compostas por entidades da mesma natureza: associaes de municpios ou associaes/unies de freguesias, ou por entidades de natureza diferente); associaes pblicas de entidades privadas -Cruz Vermelha Portuguesa, Casa do Douro, Ordens, Cmaras e outras associaes de habilitao profissional ou administrao corporativa; e associaes pblicas de composio mista (centros de formao profissional, centro tecnolgicos). A administrao associativa territorial: administrao associativa intermunicipal Leis 10 e 11/2003, de 18.5 (tipologia das associaes intermunicipais: grandes reas metropolitanas, comunidades urbanas, comunidades intermunicipais e associaes de municpios de fins especficos) e autarquias locais: municpios e
408 freguesias Lei n.169/99 sobre atribuies e competncias autrquicas e Lei de transferncias de atribuies do Estado para as Autarquias, a Lei n.159/99). Quanto ao controlo estadual dos actos de gesto autrquica, temos a tutela governamental sobre as autarquias concebida como uma tutela inspectiva da legalidade, nela desempenhando papel essencial a Inspeco-Geral da Administrao Local e os Governadores Civis. E os tribunais: o Tribunal de Contas, em matria financeira e os outros nas outras matrias. Alm disso, a consagrao geral do direito de livre acesso aos documentos detidos pela Administrao autrquica (LADA) serve tambm ao objectivo da fiscalizao (pblica) da sua actuao.
6.15.rgos administrativos (artigos 14. a 51.)
409 6.15.1. O Cdigo do Procedimento Administrativo regula o funcionamento dos rgos colegiais (artigos 14. e ss); -regras referentes competncia dos rgos administrativos (artigos 29. a 34.). 6.15.2. Regime de funcionamento dos rgos administrativos: qurum de funcionamento e deliberao: a regra geral a da maioria absoluta dos votos dos membros presentes (art.25, 1: mais de metade), desde que lei no exija maioria qualificada (2/3; ; 4/5) ou no permita maioria relativa (maior votao obtida, sem contar abstenes ou votos brancos). Havendo apenas maioria relativa na primeira votao, h logo repetio da votao. E, no caso de nesta no haver maioria absoluta (mesmo contando o voto de qualidade do presidente), adia-se a votao para
410 reunio seguinte; e, no caso de manuteno de falta de maioria absoluta, basta maioria relativa (art. 25). Em caso votao pblica: se mesmo com voto de qualidade do presidente; se mantiver empate: h rejeio da proposta (art. 26). Se em votao secreta, faz-se nova votao, e, mantendo-se empate, na reunio seguinte, ento passa-se a votao nominal; e, se continua o empate, h rejeio da proposta.
6.15.3. Proibio de absteno de qualquer membro em rgos consultivos ou em matria consultiva As deliberaes s ganham eficcia (s so aplicveis) com a aprovao da acta no final da reunio ou posteriormente (ou de minuta avulsa, mesmo parcial sobre um dos assuntos, no final da
411 reunio, havendo urgncia) e assinaturas certificadoras do presidente e do secretrio (art.27, 4).
6.16. Regime da competncia: competncia territorial: art.32.. n. 3 do 30.; competncia para a resoluo de conflitos
6.17. Delegao de poderes 6.17.1. Delegao de poderes: artigos 35. a 40.; substituio: artigo 41.. 6.17.2. No caso do Governo: o regime de delegao encontra-se no Decreto-Lei contendo a chamada Lei Orgnica do Governo. 6.17.3.Quanto desconcentrao derivada da permisso legal e acto de vontade do titular das competncias, a delegao de poderes, ela matria
412 hoje enquadrada nos artigos 35. a 40. e o regime de suplncia, no artigo 41. do CDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. A noo e exigncia de habilitao especfica (ou genrica, em matrias de gesto ordinria e para o imediato inferior hierrquico, adjunto ou substituto esto consignadas no artigo 35.; as regras sobre a subdelegao, no artigo 36.; requisitos do acto de delegao, no 37.; exigncia de meno da qualidade em que age, no 38.; os poderes do delegante e subdelegante, no 39., a extino da delegao, no 40.. 6.17.4.A noo de delegao adoptada corresponde expressa pela maioria da nossa doutrina: transmisso do exerccio de parte de competncias, desde que tal recaia em matrias em que a lei o habilite para tal ou, ento, para meros
413 actos de administrao ordinria, nos agentes previstos no artigo 35..Quanto aos requisitos, por parte do delegante: habilitao legal, acto administrativo concretizador, especificao das competncias em delegao, publicao como condio de eficcia (Dirio da Repblica no caso do estado, Boletim oficial, no caso das regies, locais de estilo ou boletins autrquicos, se existirem). Da parte do delegado ou subdelegado: meno da qualidade em que age e, sendo no exerccio de mero apoio ao dirigente de que mero suplente, respeito pelos limitados poderes de administrao ordinria nas matrias em causa. No que diz respeito aos poderes do delegante e subdelegante, eles traduzem-se no de dar ordens e orientaes, se a delegao ocorre na cadeia hierrquica ou s orientaes, no caso contrrio, e em geral de avocar ou revogar total ou
414 parcialmente o acto de transferncia do exerccio dos poderes em causa. A delegao extingue-se por caducidade (esgotamento dos efeitos, mudana de um dos plos relacionais em face da base de confiana mtua que a justifica: do intuitus personae) ou revogao.
6.17.Conflitos de jurisdio, de atribuies e de competncias (artigos 42. e 43.)
1 1. .N No o o o: : e ex xi is st te e q qu ua an nd do o m ma ai is s d do o q qu ue e u um m r rg g o o o ou u d de e u um m t tr ri ib bu un na al l d de e j ju ur ri is sd di i o o d di if fe er re en nt te e ( (a ad dm mi in ni is st tr ra at ti iv vo o e e j ju ud di ic ci ia al l) ) s se e a ar rr ro og ga a a a c co om mp pe et t n nc ci ia a p pa ar ra a d de ec ci id di ir r ( (c c. . c c. . p po os si it ti iv vo o) ) o ou u q qu ua an nd do o n ne en nh hu um m r rg g o o o ou u t tr ri ib bu un na al l s se e c co on ns si id de er ra a i in nc cu um mb bi id do o d de e d de ec ci id di ir r ( (c c. .c c. . n ne eg ga at ti iv vo o) ): : a ar rt t. . 4 42 2 . .
2 2. . C Co on nf fl li it to os s d de e j ju ur ri is sd di i o o: : R Re es so ol lu u o o p pe el lo o T Tr ri ib bu un na al l d de e C Co on nf fl li it to os s 4 4. . C Co on nf fl li it to os s d de e c co om mp pe et t n nc ci ia a: : ( (n n. . 3 3 d do o a ar rt t. . 4 42 2 ) ): : r rg g o o s su up pe er ri io or r d de e m me en no or r c ca at te eg go or ri ia a h hi ie er r r rq qu ui ic ca a c co om m p po od de er re es s d de e s su up pe er rv vi is s o o. .
- - e en nt tr re e r rg g o os s d de e d di if fe er re en nt te es s p pe es ss so oa as s c co ol le ec ct ti iv va as s: : T Tr ri ib bu un na ai is s A Ad dm mi in ni is st tr ra at ti iv vo os s; ;
- - e en nt tr re e r rg g o os s d de e m mi in ni is st t r ri io os s d di if fe er re en nt te es s: : P Pr ri im me ei ir ro o- -M Mi in ni is st tr ro o; ;
- - e en nt tr re e r rg g o os s d do o m me es sm mo o m mi in ni is st t r ri io o o ou u e en nt tr re e e es st te es s e e p pe es ss so oa a c co ol le ec ct ti iv va a d da a A Ad dm mi in ni is st tr ra a o o
- - i in nd di ir re ec ct ta a: : M Mi in ni is st tr ro o c co om m p po od de er r d di ir re ec c o o o ou u s su up pe er ri in nt te en nd d n nc ci ia a. .
3 3. .C Co on nf fl li it to os s d de e a at tr ri ib bu ui i e es s: : ( (n n. . 2 2 d do o a ar rt t. . 4 42 2 ) )
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Conflitos de jurisdio, atribuies e competncias 5. Procedimento resolutrio de conflito inter-administrativo (art. 43) -Iniciativa - Contraditrio - Decises: Prazo de 30 dias - Impugnao jurisdicional - particular: requerimento fundamentado; - oficiosa: um dos rgos em conflito; - iniciativa do requerente: audio prvia dos rgos em conflito; -iniciativa oficiosa: audio do outro rgo, se s um suscitou fundamenta o assunto. - no directamente da deciso do rgo competente para resolver o conflito; - Apenas das decises administrativas de rgo a favor de ? foi resolvido erradamente o conflito, em aco administrativa especial impugnatria do acto (por incompetncia absoluta ou relativa).
6.18. Uma norma que refira Governo significa que competente o Ministro em razo da matria, sem prejuzo da aplicao da alnea g) do n.1 do art. 200. da CRP
7. Parte III - Procedimento Administrativo
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7.1. Os princpios gerais do procedimento (artigos 54. a 60.).
7.2. Regime dos interessados no procedimento (artigos 52. e 53.).
7.3. Estabelece-se o direito de interveno dos particulares no procedimento administrativo (artigo 52.). 7.4. Atribui-se legitimidade para iniciar o procedimento administrativo ou para intervir nele aos titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos e s associaes que tenham por fim a defesa desses interesses, bem como aos titulares de interesses difusos, que so os que tm por objecto bens fundamentais, referidos na CRP, como a sade
417 pblica, a habitao, a educao, o patrimnio cultural e o ambiente e a qualidade de vida [artigo 53., n. 2, alnea a)]e s associaes dedicadas defesa dos mesmos (artigo 53.)
7.5.O desenvolvimento (marcha) do procedimento administrativo contm princpios gerais que visam equilibrar a participao dos interessados e a celeridade (o procedimento administrativo deve ser rpido e eficaz, tendo, em princpio, de estar concludo no prazo de 90 dias, prazo este prorrogvel, por uma ou mais vezes, at ao limite de mais 90 dias (art 57, 58). No mbito deste procedimento, de dez dias o prazo geral, quer para a prtica de actos pela Administrao, quer para os particulares requererem ou praticarem quaisquer actos (art 71) da
418 Administrao Pblica: o procedimento rege-se pelo princpio do inquisitrio (artigo 56.: no procedimento administrativo, o interesse pblico tem um peso superior ao dos particulares. Por isso, ainda que o procedimento tenha tido incio a requerimento de um particular, a Administrao Pblica pode realizar todas as diligncias que considere convenientes, mesmo para alm das matrias referidas por aquele. E pode decidir coisa diferente ou mais ampla do que o pedido do interessado (art.56), afastando formalidades inteis e assegurando o princpio do contraditrio.
7.6. Direito informao (artigos 61. a 65.) O CDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO contm disposies que concretizam o direito informao (artigos 61. e
419 seguintes), visando tornar a actividade administrativa mais transparente, e remetendo para legislao prpria (LADA) o desenvolvimento do novo princpio constitucional da administrao aberta (artigo 65.), a completar com a Lei n. 46/2007, de 28 de Agosto, de acesso geral documentao detida por entidades pblicas, e leis especiais, tais como a Lei n..12/2005, sobre informao respeitante sade, a Lei n. 19/2006, referente ao acesso informao ambiental, o Decreto-Lei n. 380/99, de 22 de Setembro, com o regime dos Instrumewntos ed Gesto Territorial, e o Decreto-Lei n. 555/99, de 16 de Dezembro, do regime jurdico da urbanizao e edificao.
7.7. Notificaes (artigos 66. a 70.)
420 7.8 Prazos: art. 71 a 73. e 95.; revogao: art.141.; impugnaes dos actos: art.162, 164., 168. e 175.):
7.9. Contm a disciplinada para garantir aos interessados um efectivo conhecimento dos actos administrativos.
8. Parte IV- Actividade Administrativa: regula as trs principais formas jurdicas da actividade administrativa de gesto pblica:
8.1. Procura facilitar e promover a colaborao entre a Administrao Pblica e os interessados, bem como as reais possibilidades de participao destes na instruo e na discusso das questes pertinentes
421
8.2. Regulamento (artigos 114. a 119.) 8.2.2. Fixam-se regras genericamente aplicveis actividade regulamentar da Administrao. 8.2.2. Princpio da participao dos administrados no processo de elaborao dos regulamentos inspira algumas das suas disposies: desde logo, reconhece-se aos particulares o direito de dirigirem peties Administrao, com vista a desencadear o procedimento de criao, alterao ou extino de regulamentos (artigo 115.). 8.2.3. Possibilidade da audincia prvia dos interessados no caso de regulamentos cujo contedo lhes possa ser desfavorvel (artigo 117.)
422 8.2.4. Incentivada a submisso a apreciao pblica, para recolha de sugestes, de regulamentos cuja matria o permita (artigo 118.) 8.2.5. Elaborao dos projectos de regulamento: artigo 116. contm a regra da sua fundamentao obrigatria. 8.2.6. Proibio da mera revogao global (art. 119.), sem substituio por nova disciplina, dos regulamentos necessrios execuo das leis em vigor (necessidade de obviar a vazios susceptveis de comprometer a efectiva aplicao da lei) e a obrigatoriedade da especificao, quando for caso disso, das normas revogadas pelo novo regulamento (preocupaes de certeza e segurana na definio do direito aplicvel)
423 8.3. Acto administrativo (artigos 120. a 177.) 8.3.1. S h acto administrativo se a deciso administrativa tem por objecto uma situao individual e concreta (artigo 120.) e contiver a identificao adequada do destinatrio ou destinatrios [artigo 123., n. 2, alnea b)]
8.3.2. Fases da marcha do procedimento (artigos 74. a 113.): fases inicial (requerimento de apreciao liminar de deficincias), instrutria (instruo pr-decisional, audincia prvia, eventuais diligncias complementares e eventual relatrio), decisria e de produo de eficcia A)-Fase inicial O procedimento iniciado oficiosamente ou a requerimento dos interessados (artigo 54.).
424 Requerimento: Requisitos: art.74.; Lugar de apresentao do requerimento: art.77 a 93.; Requerimento dirigido a rgo incompetente: art. 34.; Questes prejudiciais: art.83 e 31.; Medidas provisrias: 84 e 85. B)-Fase da instruo (art. 86 a 105.); Direco da instruo. Art. 86.; Questes de prova: 87 a 93. (nus de prova: 88.); Exames, vistorias, avaliaes (peritos: 94 a 97.; designao dos peritos: 96.); Regime de pareceres: art. 98 e 99.; Regime da audincia prvia dos interessados: art. 100 a 105, 104, 59., 117.. Faz-se a concretizao do preceito constitucional que visa assegurar a participao dos cidados na formao das decises que lhes disserem respeito: especialmente com a obrigao em geral do direito de audincia dos interessados
425 antes de ser tomada a deciso final do procedimento (artigos 100. a 105.); diligncias complementares: aps a audincia prvia: art. 103.. C)-Fase da deciso e fundamentao do acto (artigos 124. a 126.)
8.3.4.Eficcia do acto administrativo (127 a 132.): regulam-se os termos da eficcia retroactiva e da eficcia diferida (artigos 128. e 129.) e disciplina-se cuidadosamente, com preocupaes de garantia dos particulares, a publicao e a notificao dos actos administrativos.
8.3.5.Invalidade dos actos (art. 133 a 137.: por ilegalidade: vcios de usurpao de Poder (legislativo ou jurisdicional); incompetncia absoluta (falta de atribuies) ou relativa (falta de poderes
426 funcionais do rgo=falta de competncias), vcio de forma (forma incorrecta ou falta de formalidades: fundamentao, pareceres obrigatrios, audincia prvia), desvio de poder )no uso de poderes discricionrios) e violao de lei (normas: regras ou princpios); por iliciude:: vcios da vontade: ameaa, tumulto:art.133.
8.3.6. Sanes jurdicas: explicita-se quais so os actos nulos (clausula geral do n. 1 do art. 133, mais exemplificaes tpicas do n.2, mais as previstas em lei), e estabelecendo aqui que so sempre nulos os actos que ofendam o contedo essencial de um direito fundamental ou cujo objecto constitua um crime (artigo 133.). Regime: 134. Em geral: Inexistncia: previso legal expressa ou falta
427 absoluta de elementos essenciais, se a lei no cominar a sano de nulidade (n.1 do art. 133) Nulidade: previso legal expressa (n1 do art. 133), ou falta de elementos essenciais (n1 do art. 133, in fine) ou situaes exemplicadas mais correntes (n. 2 do art. 133) Anulabilidade: regra geral dos actos administrativos invlidos: sempre que a nulidade no resulte de uma lei ou do art. 133. (artigo 135. e 136.).
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Sanes jurdicas normais (se a lei no cominar outra sano diferente) para os diferentes vcios dos actos administrativos: 1.Usurpao de poder: Nulidade; 2.Incompetncia absoluta: Nulidade; 3.Incompetncia relativa: Anulabilidade; 4.Vcios de forma: em geral: anulabilidade; mas: inexistncia absoluta de forma legal (al. f), n.2, art. 133) e I In nv va al li id da ad de e d do o a ac ct to o a ad dm mi in ni is st tr ra at ti iv vo o e e r re es sp pe ec ct ti iv vo os s v v c ci io os s d de e i il le eg ga al li id da ad de e: :
T Ti ip po ol lo og gi ia a d do os s V V c ci io os s
Orgnicos
Formais
Materiais -Desrespeito do princpio constitucional da separao de poderes - Desrespeito de atribuies de outra pessoa colectiva ou ministrio -Desrespeito de poderes funcionais de outro rgo
-Falta da forma especfica legal-mente exigida -Falta de formalidade essencial (parecer, audincia prvia, etc.)
-desconformidade com o contedo da previso normativa ou princpios gerais da actividade administrativa
-Teleologia desviante do legalmente previsto (motivo principalmente determinante da deciso distinto da finalidade motivante da regulao normativa e do conferimento do poder discricionrio)
- Usurpao de poder (Legislativo, judicial ou moderador) -Incompetncia Absoluta -Incompetncia Relativa
Vcios de forma Violao da lei Desvio de poder
429 desrespeito de quorum legal: nulidade (al. g), n.2, in fine, art. 133).
Outros Vcios do acto administrativo Outros Vcios do acto administrativo e tipo das respectivas sanes jurdicas e tipo das respectivas sanes jurdicas 5. Desvio de poder 5. Desvio de poder 6. Violao da lei 6. Violao da lei 7. Vcios de vontade 7. Vcios de vontade -Em geral - motivado por corrupo -Desrespeito do caso julgado (al. h), n.2, art. 133) - desrespeito do contedo essencial de um direito fundamental (al. d), n.2, art. 133) - desrespeito de contedo substantivo da norma - decises praticadas sob coao (al. e), n.2, art. 133) - deliberaes tomadas tumultuosamente (al g), 1parte, n.2, art. 133) - erro induzidos sobre pressupostos de facto anulabilidade Nulidade Nulidade Anulabilidade Nulidade anulabilidade
8.3.7. Regime geral (consequncias) das sanes jurdicas:
430 inexistncia nulidade anulabilidade Ineficcia por si Ineficcia por si Revogabilidade nos termos do art. 141 do CDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO Ivoncabilidade premanente (Ex tunc) Presuno da legalidade e sanabilidade com decurso do prazo de impugnao Impugnao a todo o tempo (declarao de inexistncia) Impugnao jurisdicional sem prazo (declarao de nulidade) Impugnabilidade jurisdicional em geral, no prazo de 3 meses (), pelos particulares e de 1 ano pelo M. P., nos T.A. (anulao) Cognoscibilidade por qualquer autoridade ou tribunal, de modo provocado ou oficioso Actos impositivos para autoridades e particulares, at anulao jurisdicional Direito de resistncia Direito de resistncia em caso de ofensaa direitos fundamentais Cognoscibilidade apenas pelos TA e por invocao de particulares legitimados Insusceptibilidade de revogao, reforma ou reconverso (al. a), n.1, art. 139 e art. 147) Passveis de revogao, ratificao reforma ou reconverso Impossibilidade de produo efeitos putativos Produo excepcional de efeitos putativos pelo decurso do tempo Sanabilidade ope legis, se no impugnado jurisdicionalmente Declarao com efeitos ex tunc Declarao com efeitos ex nunc
8.3.8. Portanto: regime geral dos actos feridos de nulidade (artigo 134. C PA): 1.Legalidade de incumprimento generalizado a todo o tempo, por ineficcia ex tunc (no produo de efeitos desde a origem) 2.Desnecessidade de accionamento declaratrio 3.Oposio excepcionatria a todo o tempo 4.Faculdade de impugnao a todo o tempo 5.Insanabilidade sem um novo acto administrativo primrio regular 6.Consolidao excepcional por manuteno de feitos indevidos durante um perodo
431 excessivo de tempo (efeitos putativos) 7.Apreciao e inaplicabilidade por qualquer tribunal ou Autoridade 8.Questionamento processual por iniciativa de parte ou do rgo jurisdicional (em processo provocado) 9.Direito de resistncia no caso de ofensa a direitos fundamentais 10.No constituio de crime de desobedincia autoridade no caso de imposio pela mesma 11.No sujeio a dever de obedincia, com incumprimento de ordens por parte de subalternos 12.Sujeio a responsabilidade civil extra-contratual em face de danos ocasionados ao seu destinatrio 12.Carcter sancionatrio severo levando aplicao de norma superveniente menos severa s situaes resultantes de acto originariamente viciado 13.Apreciao pelo tribunal constitucional no caso de assumir forma normativa e ofender a CRP, em processo de fiscalizao preventiva ou sucessiva, abstracta ou concreta (seja um deciso concreta e individual propriamente dita seja uma norma intuitus persona)
8.3.9. Outras causas-formas de extino do procedimento so reguladas em pormenor, para alm da deciso.
8.3.10. Enumera-se tambm um conjunto de situaes em que no silncio da Administrao h deferimento tcito (e previa-se noutros outros o
432 significado de indeferimento para permitir o recurso anulatrio pelo tribunal -artigo 108.-, soluo que hoje est ultrapassada pelo novo CPTA, que criou a aco administrativa especial de condenao da AP na prtica do acto administrativo (legalmente devido).
8.3.11. Regime de ratificao: v.g., decises do Governador civil em situaes de urgncia: art. 8. do Estatuto do Governador Civil), reforma e converso de actos invlidos: art. 137.
8.3.12.Impugnao dos actos administrativos (reclamao e os recursos administrativos). a)-A impugnao pode, em regra, ter por fundamento a ilegalidade ou a inconvenincia do acto administrativo (artigo 159.)
433 b)-H a distino entre reclamao (pedido de reapreciao apresentado ao prprio autor do acto) e recurso, e uma diferente disciplina, em conformidade com a sua diferente natureza) das as trs figuras do recurso: recurso hierrquico prprio, recurso hierrquico imprprio e recurso tutelar (em situaes de superintendncia ou de mera tutela): artigos 176. e ss. c)- Reclamao contra deciso anterior: art. 162 a 165. d)-Recurso administrativo: -recurso hierrquico: art. 166 a 177; e -recurso tutelar: art. 177.
e)- Efeitos destas garantias dos cidados: a reclamao e o recurso hierrquico facultativo no tm em geral efeito suspensivo (artigo 170.), sem
434 prejuzo de requerimento nesse sentido e deciso suspensiva se se verificarem as condies dos artigos 163 e 170.. A reclamao s suspende automaticamente a eficcia do acto quando este no logo susceptvel de recurso contencioso (artigo 163.). O recurso hierrquico necessrio: tem, em geral, efeito suspensivo, cabendo, todavia, ao rgo recorrido atribuir-lhe efeito meramente devolutivo quando a no execuo imediata do acto possa causar graves inconvenientes para o interesse pblico
8.3.13. Revogao (e alterao ou substituio) do acto administrativo (artigos 138. a 148., especialmente o art. 141. (revogao actos anulveis) e 141. (revogao de actos originfria
435 mente vlidos ou que, passado o prazo de impugnao jurisdicional, tal como dispe o art.141., se tornaram vlidos ope legis).
8.3.14. Rectificao de meros erros materiais no acto: art.148.
8.3.15. Execuo do acto administrativo (actividade da Administrao onde ela -em geral com autotutela executiva- mais claramente se manifesta como Poder (artigos 149. a 157.). Faz-se a distino entre executoriedade e execuo. Pode haver apreciao jurisdicional dos actos de execuo arguidos da ilegalidade prpria: que no seja mera consequncia do acto exequendo, ou seja,
436 com ofensa do princpio da legalidade quanto execuo. H trs modalidades clssicas da execuo quanto ao seu objecto: para pagamento de quantia certa (art. 155.: aqui manda aplicar-se o disposto no Cdigo de Processo das Contribuies e Impostos), entrega de coisa certa (art. 156.) e prestao de facto, fungvel (1 e 2 do art. 157.) e infungvel (3 do art. 157.) (a execuo das obrigaes positivas de prestao de facto infungvel rodeada, atenta a sua natureza, de especialssimas cautelas: artigo 157., n. 3). Em geral, porque estamos num Estado de Direito, a imposio coerciva pela prpria Administrao Pblica dos actos administrativos, portanto sem recurso aos tribunais, s seja possvel desde que seja feita pelas formas e nos termos
437 admitidos por lei, designadamente precedida por deciso com respeito das normas do procedimento administrativo e com respeito do contedo dessa deciso (artigo 149., n. 2)
8.4. Contrato administrativo (artigos 178. a 188.) 8.4.1. A importncia do contrato numa Administrao que se quer em medida crescente aberta ao dilogo e colaborao com os administrados, eficiente e malevel, impunha, porm, que se traassem alguns princpios orientadores.
8.4.2. Definio dos tipos de contratos administrativos: contrato de empreitada de obras pblicas: a Administrao Pblica acorda na construo de uma obra e paga-a ao empreiteiro;
438 contrato de concesso (de explorao) de obras pblicas: a Administrao Pblica contra a construo e concede a sua explorao por um dado tempo em que os utentes (v.g., portagens) pagam taxas at o concessionrio se pagar das despesas e auferir os lucros esperados, etc.
8.4.3. Enunciam-se os poderes-privilgios da administrao como parte no contrato (fiscalizao do cumprimento; resgate: resciso unilateral por interesse pblico, com indemnizao de danos emergentes e lucros cessantes; modificao unilateral, com compensao para equilbrio financeiro; sanes, resciso com justa causa ou sequestro (ocupao das instalaes e funcionamento pela Administrao, em caso de abandono do concessionrio, que ter de pagar aos
8.4.5. Consagra-se o princpio da admissibilidade da sua utilizao, salvo quando outra coisa resultar da lei ou da prpria natureza das relaes que tiver por objecto (artigo 179.).
8.4.6. Ao processo de formao dos contratos: aplica-se, na medida do possvel, as disposies relativas ao procedimento administrativo (artigo 181.).
8.4.7. Trata do modo de escolha do co- contratante, regulando de forma geral a dispensa de concurso, limitando, naturalmente, esta possibilidade (artigos 182. e 183.)
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8.4.8. Estabelece-se, com carcter geral, a no executoriedade dos actos administrativos interpretativos ou que modifiquem ou extingam relaes contratuais, pondo, assim, termo possibilidade de comportamentos abusivos: a execuo forada das obrigaes contratuais devidas pelos particulares, salvo se outra coisa tiver sido previamente acordada, s pode ser obtida mediante aco a propor no tribunal competente (artigo 187.)
8.4.9. Consagra-se a admissibilidade de clusulas compromissrias, nos termos da legislao processual civil (responsabilidade, contratos, artigo 188.).
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442 III - A PRINCIPIOLOGIA FUNDAMENTAL DA ACTIVIDADE PBLICA EM ESTADO ADMINISTRATIVO DE DIREITO. DO ENQUADRAMENTO DECAIOLGICO AO REGIME DOS PRINCPIOS GERAIS
Sumrio de matrias:
1. CONSIDERAES GERAIS
1.1.Comecemos por situar o enquadramento da actividade exercida pela Administrao Pblica em Portugal. No porque aqui se encontrem todos os princpios da actividade administrativa aplicvel num Estado unionista como o o caso, que impe a reconstruo da cincia jurdica face estadualidade limitada e aberta, mas porque face realidade do mito democrtico acentuada no sculo XX, com opas das lideranas partidrias sobre os rgos de Poder e do capitalismo sobre a prpria comunicao social, h princpios gerais de actuao das administraes pblicas que se entendeu transcrever na prpria Constituio formal, instrumental, e novos princpios, que esta tambm entendeu afirmar, como o do open file. Vejamos, pois, quais as normas que, na Constituio portuguesa, tratam dessa actividade relacionada com a Funo Executiva (ou melhor, actividade formalmente administrativa em geral) do Estado-Comunidade? Quais os temas que mereceram do legislador constitucional a consagrao na Lei
443 Fundamental? E por qu? * A Constituio, em termos que aparecem repetidos no artigo 4. do Cdigo do Procedimento Administrativo, diz, no n. 1 do seu artigo 266., que A Administrao Pblica visa a prossecuo do interesse pblico, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados. Devidamente interpretada, no pode deixar de se concluir que esta norma justifica a existncia da Administrao Pblica em termos instrumentais (ad manus trahere: para servir o interesse pblico) e, simultaneamente, impe um princpio macrolimitador da sua actuao, o do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados, que, claramente, destaca de todos os outros, ao dar-lhe o mesmo estatuto sistemtico, inultrapassavelmente copulado. Deste modo, exige uma concepo existencial intrinsecamente interligada (no concebe o interesse pblico sem o respeito pelos direitos e interesses dos administrados) e em termos quase isnomos (na medida em que, por um lado, no deixa de referir primeiro o do interesse pblico, mas, por outro, coloca o do respeito pelos direitos ao mesmo nvel deste e no dos outros princpios fundamentais, enunciados no n.2 do mesmo artigo, que considera meras aplicaes ao servio destes (de ambos: directamente, do respeito casustico pelos direitos e interesses em presena com proteco jurdica e, indirectamente, do interesse pblico, pois a imposio do respeito pelos direitos e interesses dos administrados no se limita a encabear a enunciao dois princpios em geral referidos no n. 2, mas vem antes e interligado ao do interesse pblico). Portanto, esta norma constitucional
444 sobre o tema, que implica uma interpretao que aponta para o prosseguimento do interesse pblico no respeito dos direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos, no est colocada numa perspectiva puramente competencial, porque este enquadramento teleolgico no plano orgnico e, portanto, ratio existencialis da Administrao Pblica, envolve e legitima toda a sua actuao, mesmo em gesto privada (mera questo de meio para atingir o fim), quer se trate de actos jurdicos, quer de operaes materiais, enformando assim a prpria densificao do princpio da legalidade, base e baliza da sua actuao em todos os domnio e sob qualquer tipo de interveno (princpio da legalidade positiva).
1.2.Os interesse sociais, qualificados pelo legislador como pblicos ou que o legislador habilitou a Administrao a prosseguir, mesmo que se esteja no mbito do exerccio discricionrio do poder administrativo (em que este tem uma maior margem de escolha e conformao, ou pelo menos de apreciao caso a caso, sobre a oportunidade e as solues, face s circunstncias concretas), devem ser executados dentro de balizas que implicam a limitao da actuao da Administrao em face da obrigatria ponderao das decises a tomar, ou seja, da procura da realizao mais adequada do interesse pblico, tendo presente todos os interesses envolvidos (princpio da justia, princpio da justa ponderao dos interesses relevantes (decorrente da clusula do Estado de Direito); igualdade, boa f, imparcialidade, interdio de excesso (de modo a atingir o interesse pblico sem sacrifcios desnecessrios ou desproporcionados dos interesses dos particulares, titulares de posies materiais legalmente protegidas), etc..
445 E isto, quer estas posies jurdicas se traduzam em direitos subjectivos, em que a pretenso da posio traduz um interesse especfico num determinado bem (coisa, conduta ou utilidade), previsto na norma legal criada para o proteger directamente, em termos que lhe atribuam o poder de exigir da Administrao Pblica condutas em conformidade com ele, pois ele est dentro das condies legais vinculadas sua satisfao, quer ainda quando estas posies traduzam s interesses legalmente protegidos de que um particular titular, quando a norma o faz beneficiar de uma tutela ou proteco jurdica indirecta, na medida em que se por um lado a norma invocada a favor da existncia de tal interesse, tutela directamente interesses e no a sua prpria posio jurdica concreta envolvida na deciso a tomar, por isto mesmo tambm lhe so conferidos poderes jurdicos instrumentais que lhe permitem, caso se realize o interesse pblico pretendido, ver reflexamente satisfeito o seu prprio interesse. No podendo exigir directamente da Administrao a conduta que realiza o seu interesse, pode exigir que ela respeite a legalidade em ordem realizao prevista do interesse pblico, quando tal for o meio adequado a poder esperar tambm do seu interesse prprio. Estamos aqui por algo que devemos entender abranger todas as posies jurdicas dos particulares merecedoras de proteco, todas as situaes de vantagem derivadas do ordenamento jurdico, que no apenas as protegidas individualmente por uma dada norma, como as inseridas em relaes jurdicas poligonais ou multipolares (vg. interesses na fixao de planos urbansticos, interesses ambientais, etc.), que colocam
446 certas pessoas em situaes diferentes da generalidade dos administrados, de modo a merecer especial proteco, dado estarem ligadas a interesses pblicos latentes, serem titulares de interesses difusos 195 . Impe-se tambm a ponderao dos interesses de certos crculos de cidados, cujos interesses ou direitos podem no estar especialmente personalizados, mas que merecem acolhimento (e devem mesmo contar com a atribuio ao cidado uti cives de meios de defesa preventiva ou sucessiva, do tipo procedimental e jurisdicional), na medida em que traduz a incorporao em cada um dos indivduos desse crculo de interesses comunitrios a preservar.
2.A JUSTIA E SEUS PRESSUPOSTOS VALORATIVOS EM FACE DO DIREITO. SUA INFLUNCIA NA CONCEPO DO DIREITO. O PROBLEMA DA JUSTIA FACE NECESSIDADE DE SEGURANA
Algumas consideraes iniciais ao conceito de que de facto os vrios princpios que vamos analisar e ao fim e ao cabo o prprio so tributrios, o conceito de justia. O direito natural propiciou a identificao dos dois termos, na medida em que a rectido comportamental
195 Em toda esta matria, vide, v.g., VIEIRA DE ANDRADE, FREITAS DO AMARAL e FERNANDO CONDESSO, respectivamente, Justia Administrativa (Lies). 6. Edio, Coimbra: Almedina, 2004; Curso de Direito Administrativo. Vol. II, Coimbra: Almedina, 2001, p.61-73 e Direito Administrativo. Lies Policopiadas. Lisboa: AISCSP, 2006/2007 e Relatrio Sobre o Programa, o Contedo e os Mtodos do Ensino de Direito Administrativo, Provas de Agregao em Cincias Jurdico-Polticas, 2005.
447 ditada pela razo implica que o justo o seja em absoluto, ou seja absolutamente bom e desejvel. Isto mesmo resulta, desde logo, da teoria platnica das ideias, em que, no seu enquadramento do ponto de vista tica, numa concepo idealista da justia, esta era a virtude mxima, superior a todas as outras, aparecendo mesmo como a sntese delas. ARISTTELES faz a distino entre justo por natureza e justo por lei., que haver que se acomodar normativamente ao justo por natureza, numa verdadeira afirmao construtiva da ideia de direito natural. A teoria estica, numa linha doutrinria pantesta, com fundamento metafsico, da racionalidade imanente ao Ser, elabora uma primeira preciso sobre o direito natural, como lei ditada pela recta razo (lgos orths), o que justifica o seu valor absoluto O positivismo jurdico ir considerar qualquer valor como alheio ao direito, que mera forma, admitindo qualquer possvel contedo (v.g., Hans Kelsen), podendo portanto haver um direito injusto, que no deixava por isso de ser direito, ou seja, no sendo una contradictio in adjectis (LEGAZ LACAMBRA) falar em direito injusto. Concepo que choca com uma outra segundo a qual a lei s direito se for justa, pois a legalidade apenas mera legalidade, s se assumindo como legitimidade se o seu contedo estiver enformado pela ideia de justia. * Como valor de exigncia formal e com tendncia de exigncia de realizao material aparece, hoje, na Constituio Portuguesa, com valor juridificado, quando refere: a)- o objectivo de construo de um pas mais livre, mais justo e mais fraterno (prembulo);
448 b) - a criao de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justia nas relaes entre os povos (artigo 7., n. 2) ou no empenhamento do fortalecimento da aco dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso econmico e da justia nas relaes entre os povos (n. 5); a transferncia do exerccio convencionado de poderes a nvel da unio europeia, visando a realizao () de um espao de liberdade, segurana e justia (n.6), ou aceitao da jurisdio do Tribunal Penal Internacional, para a realizao de uma justia internacional que promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos (n.7); c)- que a justia no pode ser denegada por insuficincia de meios econmicos (artigo 20., n. 1); d)- que o Provedor de Justia, em face de queixas dos cidados, por aces ou omisses dos poderes pblicos, deve apreci-las, dirigindo aos rgos competentes as recomendaes necessrias para prevenir e reparar injustias (parte final do artigo 23., n. 1); e)- que, entre as incumbncias prioritrias do Estado, que as polticas e o direito tm de traduzir, deve estar a promoo da justia social e o assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessrias correces das desigualdades na distribuio da riqueza e do rendimento, nomeadamente atravs da poltica fiscal (al.b) do artigo 9.), acrescentando, no captulo dos impostos, que a tributao do consumo visa adaptar a estrutura do consumo evoluo das necessidades do desenvolvimento econmico e da justia social, devendo onerar os consumos de luxo (artigo 104., n.4);
449 f)- que os tribunais so rgos de soberania com competncia para administrar a justia em nome do povo (artigo 202., n.1), que o patrocnio forense um elemento essencial administrao da justia (artigo 208.), apelida os funcionrios dos tribunais como funcionrios de justia (artigo 218., n.3), sendo mesmo o mais alto tribunal de da organizao judicial designado tradicionalmente como o STJ, e dispe ainda que o Tribunal Constitucional o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justia em matrias de natureza jurdico-constitucional (artigo 221.); g)- E, finalmente, com todo o relevo que tal deve merecer, ao consagr-la como um dos princpios constitucionais impostos actividade da Administrao Pblica: Os rgos e agentes administrativos esto subordinados Constituio e lei e devem actuar, no exerccio das suas funes, com respeito pelos princpios da igualdade, da proporcionalidade, da justia, da imparcialidade e da boa-f (artigo 266., n.2). * As duas noes, embora devam tender a interpenetrar-se, e, portanto, devam estar prximas, no coincidindo em si mesmas, no tm que coexistir, sendo certo que o direito apenas um conjunto de normas cuja obrigatoriedade social implica que a sua violao leve aplicao de sanes, pelas instncias sociais de controlo, e a justia se reporta a valores que devem enformar a convivncia social, mas sem que a sociedade os possa impor directamente, dado que a sua no realizao no permite a aplicao de qualquer tipo de sanes. Isto s acontece se e na medida em que a normas jurdicas os
450 aceitem e integrem, o que, em princpio, deve ocorrer, mas pode no ocorrer por vezes, com ou sem fundadas razes assentes noutros fins do direito, desde logo o da segurana. A justia anterior e est acima do direito positivo, devendo ser de considerada o fim fundamental do direito. Como proclamava ACRCIO, a justia vem antes (prius iustitia quod ius), ou, como considerava Baldo, o direito nasce da justia (ius iustitia ortum hubuisse) 196 . A segurana tambm um fim do direito, a combinar adequadamente com os outros fins, cabendo-lhe garantir em geral a certeza do direito (prazos, prescrio de direitos, caducidade das aces; publicao das normas como condio da sua vigncia, fundamentao precisa, coerente e suficiente das decises dos rgos de poder; verdade formal, precluso da prova; caso julgado judicial; irrevogabilidade incondicionada de decises administrativas invlidas aps certo decurso do tempo, ope legis, com formao de caso decidido administrativo, etc.) e estabelecer mecanismo que evitem perigos, ou permitam funcionar adequadamente as instncias de investigao criminal ou realizar os direitos de outros (regras do cdigo da estrada, designadamente interdies de circulao redoviria; priso preventiva, solues de limitao da liberdade para inimputveis perigosos, segredo de segurana interna e segredo de justia, etc.). * Dada a importncia do tema, vamos aprofundar um pouco esta questo.
196 Vide citaes em Amaral, D. F.- oc, p.53
451 A justia o fim indissocivel do direito, independentemente das questes de segurana, que so importantes e da defesa e dignidade da pessoa humana. E, muitas vezes, a dignidade e o direito no tm choques, a no ser no direito positivo de Estados autoritrios, no democrticos. J a dignidade e a segurana podem ter choques. Como j referi, s vezes a segurana vence sobre a justia na afirmao do direito. Aprofundando o conceito de justia para nos permitir entender muitas questes, vamos ver muitas ideias fundamentais da evoluo histrica do conceito de justia. O ideal de justia corresponde muito ao ideal do direito. Este ideal andou sempre muito ligado ao pensamento do homem culto, do homem que procura aprofundar a razo de ser das coisas e a paz nas relaes sociais. Sem justia, uma norma, um direito imposto no conduz paz, no conduz, obviamente, ao favorecimento do interesse geral, que exige o equilbrio de interesses, que , tambm, um modo de procurar a paz social a que o direito e as instituies jurdicas, designadamente os tribunais, devem procurar responder. Numa aproximao popular corrente do termo, a justia implica a ideia de represso do mal, do castigo dos crimes, em ordem a garantir que os outros, os que querem cumprir, possam ser membros da sociedade, vivendo em paz e segurana, quer individual, quer colectiva. Isto pem-nos, desde logo, a ideia da dinmica fundamental da ideia de justia nas sociedades, mesmo nas primitivas, quer fosse a justia mais pblica, quer fosse justia individual ou privada. a ideia da justia poltica ou justia repressiva.
452 A partir daqui, as coisas no deixam de evoluir, e, a justia aparece como uma das funes do Estado. A lei aparece ligada ao Estado, a quem compete dizer o que justo e o que injusto. Uma ideia de justia que o Estado deve assumir pela lei a lei fruto do poder poltico, portanto do Estado. Esta ideia leva a esta afirmao; h que actuar de acordo com o que, para ser justo, a lei estabelece. H aqui, j, uma exigncia da lei, no como produto da fora mas, como produto do que justo. Fala- se ento na justia legal. Ainda hoje habitual, v.g., Jos Carlos Vieira de Andrade, no seu conhecido manual de processo dos tribunais administrativos, fala em Justia Administrativa, num dado sentido da sua real aplicao plena pelos tribunais. No entanto, h ainda noes que a filosofia clssica greco-romana no deixa de nos apontar, em que j aparece a gnese do embate entre justia e vida em sociedade, socialismo vivencial. ARISTTELES, o grande filsofo e politlogo grego, sai para fora desta ideia de justia e lei, ou justia pela lei. Para se ser justo, dizia ele, para alm da obedincia lei, preciso que se respeite duas ideias fundamentais, sem as quais no h justia, independente da lei a respeitar ou no: igualdade de tratamento e proporcionalidade das solues nas resolues do conflito. importante que se diga, que este conceito, que podemos chamar extralegal, impe aquilo, que, em princpio, o legislador consagra ou deve consagrar. Vejamos, ainda, uma questo muito actual nos dias de hoje, a que se referiu Aristteles: a distino importantssima entre justia comutativa e justia distributiva. Quando se fala em justia comutativa, o que se pretende
453 fazer apelo a uma ideia de equivalncia das prestaes num contrato. Nas prestaes de um contrato, ter que haver justia comutativa. Por exemplo, se algum vende um terreno, o preo deve corresponder aos preos que esto no mercado, porque se for cem vezes mais, diz-se que um negcio leonino. Pois, deve de haver equivalncia das prestaes num contrato. A justia distributiva tem que ver com esta ideia: deve haver a justa repartio das riquezas, a justa repartio dos cargos, a justa repartio dos privilgios entre os cidados. J no algo que toque o mundo individual, mesmo entra na interrelao, pois algo que toca o mundo do colectivo, da vida em sociedade. Estamos perante conceitos de justia, comutativa e distributiva, que se dever reter. Sabe-se que, entre os grandes filsofos da Grcia, que influenciaram o saber romano e, tambm, at muito do pensamento cristo, que lhe sucedeu, do pensamento renascentista e da poca moderna, est um outro filsofo que ter sido, nos tempos antigos, antes do tomismo (doutrinao de S. Toms de Aquino), na idade mdia: Plato. Este no seguiu por esta procura de construo de um conceito individual de justia. Para ele, h que abandonar o conceito de justia, ou pelo menos no dar esta importncia justia individual ou justia meramente no plano dos comportamentos intersubjectivos, interpessoais, dos comportamentos individuais. Ele formula uma outra ideia de justia. Para ele, a justia, tem que partir de um critrio igualitrio na organizao geral do Estado, na organizao do Estado e da sociedade. Critrio igualitrio significa que, para ele, uma menor importncia do tratamento do homem injusto, apesar de importante, a partir do momento em que um
454 homem vive essencialmente em grupo, como ser socivel. O que mais importante no estado de sociedade vivencial pensar o que justo em termos de sociedade. O importante falar-se do Estado justo e da sociedade justa. Esta aponta para aquilo que podemos referir como conceito de justia social. O tomismo, filosofia S. Toms de Aquino, frade extremamente inteligente, grande luz intelectual da idade mdia, que a Igreja catlica, mais tarde, canonizou, vem dizer-nos outra coisa importante, que , hoje, uma conquista da humanidade, algo muito importante na luta contra a tirania, contra o desportismo, contra aquilo que era a caracterstica do poder absoluto, que existiu na Idade Mdia e existe em todas as pocas, mas que irrompeu muito na Europa sobretudo at ao sculo XVIII. Ele vem dizer que a ideia de justia est acima da lei. No podemos ver a justia na lei, porque ela pode no estar l. S. Toms de Aquino analisa o Estado e a lei do seu tempo e chega concluso de que os homens no tm que respeitar a lei, mesmo que haja quem diga que a lei feita pelo poder monrquico uma lei divina. Ele no aceita isso. A justia tem que estar acima da lei. Ele diz que a justia que deve orientar a elaborao da lei, mas quem a faz pode no ter preocupaes de justia. E, como de facto ela pode no orientar essa elaborao, no a respeitando, deve por isso analisar-se a lei para ver se ela justa. Esta concepo de justia acima da lei vai permitir que todo o cidado tenha direito a criticar a lei. Isto na sua poca era um escndalo. revolucionrio admitir que todo o cidado tem direito a criticar a lei, tem direito a contest-la e tem direito a procurar alter-la, e, nos casos mais
455 extremos, admitir mesmo que o cidado possa desobedecer- lhe. Se a tirania a impuser ao cidado, pode fazer-se guerra ao tirano (direito de revoluo), pondo em causa um direito de distribuio do poder, que era matemtico, automtico, de gerao em gerao, no plano da sucesso e legitimidade real (e, mesmo, habitualmente de todos os cargos relacionados com o funcionrio pblico civil e militar). Este um conceito supralegal. Recapitulando: so trs as noes fundamentais de justia, em relao com as leis do Estado e outras j fora da relao entre as leis e a justia: uma procurando relacionar a justia com a lei, construindo o conceito por relao ou no com a lei; e outra situando-se completamente fora da lei, como o caso do pensamento de Plato. Em relao justia do Estado, a justia legal, temos uma questo de valor ou conjunto de valores assumidos pela lei. No conceito de justia extralegal, a justia aparece como um critrio ou conjunto de critrios que obrigam os homens a procurarem ir alm do que est na lei. Quanto justia supralegal, a justia encarna um valor ou um conjunto de valores que so anteriores lei, tem assento desde logo na ideia da dignidade da pessoa humana. A lei no pode ir contra eles. So superiores, so anteriores lei, so cogentes. Mas, como tal pode acontecer, logicamente s resta a aceitao legtima de que temos todo o direito de crtica e de oposio s leis injustas e aos tiranos que as fazem: critrio supralegal. Num plano em que as coisas j no so vistas nesta relao de justia e da lei, temos essa outra concepo social de Plato, da justia social, que s seria retomada a
456 partir do sculo XIX pelos socialistas e pelos sociais- democratas em sentido relacional com o social, e que, nesse sentido, hoje aceite por todas as correntes, porque, desde logo, a partir da segunda guerra mundial, o mundo destrudo, o mundo desfasado, o mundo de guerras, de pases mas tambm de classes, demonstrou que vivamos num poca essencialmente injusta, independentemente das leis, o que levou a emergncia do estado Social de Direito, eivado essencialmente da ideia de justia social. * O princpio da igualdade, subproduto do conceito de justia em sentido amplo, era algo entendido a partir daquilo que j se era, mas como uns nasciam to desiguais dos outros, com meios to desiguais para se afirmarem, por mais mritos pessoais que tivessem no era possvel igualdade. Havia um mundo de tal maneira desigual que havia sempre quem tivesse a dianteira. A desigualdade perante a lei importante. O legislador, em princpio, no deve favorecer uns em detrimento de outros, mas tambm deve propiciar igualdade em face da procura da igualizao, isto : para criar a paz social, evitar, a igualdade desigualizadora, aplicando regras iguais para o que igual, mas admitindo a aplicao de regras desiguais para o que desigual. E isto no ofende igualdade. As discriminaes positivas que, sobretudo depois da construo alem em 1946 vo dar origem quilo que se veio a chamar, no um Estado meramente liberal em que o Estado garante os direitos e as liberdades, mas em que o Estado promove que todos tenham acesso aos direitos e a um tendencialmente exerccio dessas liberdades. No nosso pas cada vez h mais extremos, mas isso j um erro dos
457 homens no das concepes. Haver muita gente com fome e muita gente que esbanja, mas, so erros da governao no da concepo da justia ou do direito. Todas as correntes do pensamento, hoje, acabaram por alinhar com estas ideias fundamentais do socialismo e da justia social. A justia situa-se no plano das relaes de igualdade ou desigualdade econmica e social dos homens. Como possvel afirmar-se que se respeita a dignidade de algum que vive debaixo de uma escada ou num casebre sem condies, que no tem uma remunerao mnima? No ser o princpio da igualdade mas o princpio mnimo da dignidade humana de que todos possam viver de cabea levantada e como seres humanos dignos. Isto a mais-valia de que o pensamento grego troce, despegando-se da sua reflexo sobre o que justo na sociedade e no Estado, independentemente daquilo que so as construes do poder e das leis. O princpio da igualdade consagrado na nossa constituio manda ter um tratamento desigual para igualizar, tambm o sacrifcio imposto como punio, mas que normalmente os nossos tribunais tm muito pouco em considerao, pela pressa, pelo conjunto de processos suspensos, porque no h arbitragens quase nenhumas, vai tudo para os juzes de tribunais permanentes. Uma boa reflexo destes permitir-lhes-ia uma melhor justia nesse sentido. Qual , ento, a melhor definio de justia? Nenhuma definio perfeita. Toda a definio reduz um complexo de conhecimento e elemento a um esquema restrito para ns permitir uma apreenso didctica aproximada da realidade, atravs de um esquema
458 para fixarmos melhor e percebermos o funcionamento dessa realidade, custa do seu empobrecimento, na medida em que se retiram sempre elementos dela. Isto, apesar de o conceito dever reter os elementos que tenham maior importncia caracterizadora, pois no h conceitos perfeitos. No entanto, podemos dizer que a justia uma noo, uma ideia que traduz um conjunto de valores que implicam o Estado, impondo-lhe (todas as autoridades pblicas, Estado e mesmo aos cidados em geral) obrigao de se dar a cada um aquilo que lhe pertence, na definio clssica suum cuique tribuere (obrigao de dar a cada um o que lhe devido) em funo dos novos valores, designadamente a dignidade da pessoa humana. Normalmente o sentimento do colectivo de uma sociedade aponta qual esta onde comea e onde acaba essa obrigao de dar, mas a verdade que h dois mundos diferentes: um de obrigao de dar a cada um o que lhe pertence e outro mundo relativamente individualista e que o Estado liberal at meados do sculo XX aceitou. O dar a cada um o que lhe devido, pertence j a este outro mundo em que a justia social se associa justia, a esse tal outro conceito mais legalista ou at individualista de justia. Os valores obrigam a dar a cada um o que lhe devido, quer seja seu, que no seja. A dignidade da pessoa humana impe que tambm seja dividido com essas pessoas. Aqui temos as dimenses da noo de justia, globalmente considerada e neste modo, para quem preferir dizer s, a cada um o que lhe devido, isto , o que seu e o que deve de ser seu num Estado de justia social. Significa, portanto, que no est em causa apenas
459 os direitos, as liberdades, as garantias, o direito de propriedade, o direito remunerao mnima que lhe permita no passar fome, est em causa, tambm os direitos sociais, econmico, culturais, o direito habitao, etc., etc. Nesse aspecto, de acolher a doutrina, hoje muito ligada a outros direitos naturais ou princpios da racionalidade do direito, que assenta, como critrio orientador, no critrio da dignidade da pessoa humana. Esta a concepo de S. Toms, que j existia tambm em Plato e que a expresso do pensar de um grande jurisconsulto romano, Ccero.
III - OS PRINCPIOS GERAIS DA ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA
2.1.Os princpios gerais que devem enformar a actividade administrativa tm, hoje, consagrao positiva, no s a nvel legal como mesmo constitucional, sendo aplicveis quer em gesto pblica quer em gesto privada da Administrao, quer porque a prpria Constituio que o exige, ao impor no n. 2 do artigo 266. que Os rgos e agentes administrativos esto subordinados Constituio e lei e devem actuar, no exerccio das suas funes, com respeito por esses princpios, quer porque, concretizando- a, tal claramente expresso no n.5 do artigo 2. do Cdigo do Procedimento Administrativo, ao estipular que estes Os princpios gerais da actividade administrativa so aplicveis a toda a actuao da Administrao, ainda que meramente tcnica ou de gesto privada.
460 Estamos, hoje, perante princpios gerais, ou melhor, princpios escritos de aplicao geral, cuja existncia decorre, expressa ou implicitamente, dos preceitos constitucionais (especialmente dos artigos 266. e ss) e que respeitam ao funcionamento e actividade de uma Administrao Pblica tpica de um moderno Estado de Direito.
2.2.Para alm dos princpios que enquadram a vida da Administrao Pblica em face do desenrolar da actividade administrativa (o princpio da procedimentalizao da actuao administrativa: artigo 268., n.3 da CRP; da responsabilizao e garantia patrimonial, da transparncia, da sujeio ao controlo dos tribunais, instncias independentes e cidados, etc.), que tambm abordaremos, importa citar os que, uns de natureza propulsora e outros limitadores 197 , devem enformar, directamente, em concreto, o contedo das vrias formas dessa actividade, sobretudo, os seguintes princpios: -o princpio nomocrtico (da juridicidade ou da legalidade: artigo 3. do CPA); -o princpio da prossecuo do interesse pblico;
197 Princpios derivados da natureza dicaitica (, , justo, devido) e fileleuterpica (, , liberal, amante da liberdade) enformante da nossa AP, administrao em Estado Liberal de Direito (e no meramente de legalidade), o que lhe impem condutas com interdio de assimetria nas solues (, , falta de proporo, implicando a exigncia de , proporcionidade, adequao), dotadas de isonomia (: iso, igual e nomos, norma; igualdade no tratamento; segundo a politloga HANNAH ARENDT, a vocbulo isonomia apecere usado, no tempo de Herdoto, com um conceito equivalente a liberdade poltica) e, com iseno, imparcialidade, ainda condutas aplotticas (, , boa f), ou seja, com interdio a posturas de apistia (, m f).
461 - o da proteco dos direitos e interesses dos cidados (artigo 4.); - o da boa f: (artigo 6.-A CPA); - o da igualdade (artigo 5.), - o da transparncia (artigos 61. a 65. do CPA e Lei n.46/2007, de 24.8); - o da justia - o da imparcialidade na conduo e resoluo do processo (artigo 6. e respectivo regime de impedimento e de suspeio: artigos 44. a 51. do CPA); - o da interdio de excesso (proporcionalidade em sentido amplo: idoneidade ou adequao da medida prevista, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito); e - o princpio da devida ponderao dos interesses relevantes; pblicos e privados (nsito na clusula do Estado de Direito); o princpio da colaborao da Administrao com os particulares (artigo 7.). - o da princpio da participao (artigo 8.), - o da princpio da deciso (artigo 9.), - o da princpio da desburocratizao e da eficincia (artigo 10.), - o da princpio da gratuitidade (artigo 11.), - o da princpio do controlo jurisdicional ou da sujeio Justia (artigo 12.)
2.3.Muitos destes princpios, de que alm dos constitucionalizados, abordaremos os mais importantes, expressos na legislao procedimental, resultam da clusula do Estado de Direito Democrtico.
462 Com efeito, o princpio democrtico exige uma Administrao Pblica democrtica, ou seja, enformada pelas caractersticas de subordinao ao poder poltico-legislativo, aberta ao pluralismo, funcionando com objectividade, tratando todos de maneira pr-determinada e igual (princpios da legalidade, imparcialidade, igualdade, publicidade e transparncia).
2.4.A Administrao Pblica deve respeitar sempre os princpios gerais de actuao: no s quando exerce poderes de autoridade (em gesto pblica, com aplicao de direito administrativo: ao conceder uma licena ou nomear um funcionrio), mas tambm quando age em gesto privada: como se fosse uma entidade privada: ao comprar um automvel ou alugar uma mquina) ou quando pratica simples actos ou operaes tcnicos ou materiais (ao construir uma estrada ou tratar um doente num hospital pblico).
IV DENSIFICAO DOS PRINCPIOS QUE ENFORMAM E ENVOLVEM A VIDA DAS ADMINISTRAES PBLICAS
Vejamos, pois, o que impem AP os mais importantes desses princpios gerais da actividade administrativa, comeando por aquele que a orienta acima de tudo, e que constitui a sua razo de ser e base da sua legitimao originria e funcional, e o que mais a limita. Dado que regime sobre responsabilidade civil extracontratual consagra uma disciplina unitria e muitas questes de responsabilidade com origem nos vrios rgos se implicam no que se refere aos fundamentos
463 jurdicos de onde deriva o dano em concreto, trataremos este tema em relao s diferentes funes pblicas, e, tal como em relao ao tema da transparncia da Administrao pblica, alargaremos a sua exposio um pouco mais, dado o facto de estarmos perante diplomas muito recentes e sobre os quais a literatura actualizada no existe.
3.1. Princpio da prossecuo do interesse pblico e da proteco dos direitos e interesses do cidado
3.1.1.A razo de ser da Administrao pblica e do direito administrativo aparece expressamente afirmada na Constituio da Repblica Portuguesa, que diz que a Administrao Pblica visa a prossecuo do interesse pblico, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados (n 1 do artigo 266. da CRP e artigo 4. do CPA). essa prossecuo do interesse pblico, das necessidades colectivas, que justifica a existncia da Administrao Pblica, enquanto que o respeito pelos direitos e interesses legtimos dos cidados exigvel pela natureza do Estado de Direito democrtico, funcionando simultaneamente como fundamento e limite da actuao da Administrao. isso que tudo isto que d contedo, expresso concreta s normas de Direito Administrativo. Essa prossecuo e estes direitos so referentes em permanente tenso dialctica proporcionada medida dos interesses gerais a satisfazer, o que permite dentro de
464 certos limites o sacrifcio dos interesses particulares em nome dos interesses colectivos. Portanto, a necessidade de dar a supremacia ao interesse geral com a garantia do respeito adequado dos direitos dos particulares marca a essncia, num plano escatolgico e ntico, do Direito Administrativo)
3.1.2.No plano da obrigao de respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, tal implica que a Administrao Pblica tenha em conta os vrios tipos de situaes jurdicas, quer os direitos subjectivos quer os interesses simples, de que os particulares so portadores.
A)-Os direitos subjectivos desdobram-se em: a)- direitos subjectivos de tutela plena (direitos subjectivos clssicos: com proteco directa e imediata resultante da norma); b)- direitos subjectivos sem tutela plena: )-Os direitos subjectivos limitados so direitos subjectivos sujeitos a limitaes sua existncia, realizao ou fruio (com estatuto existencial debilitado, menorizado, em si mesmo: v.g., direito de propriedade face ao poder pblico de imposio de planos urbansticos ou de expropriao; )-os direitos subjectivos condicionados so direitos subjectivos dependentes de interveno pblica: sujeitos a interveno permissiva do seu exerccio: sujeitos a licenas ou inscries viabilizadoras do seu exerccio legal: exerccio da medicina, carta de conduo); e )-os direitos subjectivos de contedo impreciso so direitos subjectivos sem concretizao de elementos
465 importantes da sua realizao prtica: no directamente accionveis, necessitando que o seu contedo seja precisado a posteriori, na medida em que, apesar de estarem protegidos como interesses individualizveis directamente, por uma norma, esto ainda sujeitos a intermediaes que os concretizem: v.g., direitos genricos a prestaes de tipo ou montante varivel.
B)- Os interesses legtimos, que, por gozarem de um estatuto quase totalmente equiparado aos direitos subjectivos clssicos, face desde logo ao disposto em geral na CRP e no CPA, permitindo em geral a reaco contra situaes anmalas que prejudiquem a hiptese da sua afirmao nos termos legalmente enquadrados, poderamos considerar como direitos subjectivos de tutela paraplena.. H, em geral, uma equiparao legal entre dos interesses legtimos ao regime dos direitos clssicos, designadamente para efeitos de desencadeamento da responsabilidade civil das entidades pblicas, no domnio do regime condicionado da revogao dos actos constitutivos de direitos (regulado pela alnea a) do n.2 do artigo 140. e 141. do CPA), obrigatoriedade de fundamentao das decises que os afectem (a, 1,124. CPA), accionabilidade jurisdicional (CPTA); podendo apontar-se como diferena a possibilidade da retroactividade de normas restritivas referentes a interesses legtimos ou inexistncia de certas limitaes actividade policial 198 impostas em relao aos direitos clssicos e em
198 Amaral, D Freitas Curso de Direito Adminstrativo. Vol.II, Coimbra:
466 geral situaes em que resulta da lei uma tutela total para os direitos clssicos e no apenas um interesse no cumprimento da lei como meio de defesa dos seus interesses.
C)- Os interesses simples, quer os interesses resultantes de vantagens acidentais auferidas por normas que partida so estranhas aos seus objectivos ou interesses directos: so meras situaes jurdicas de vantagem acidental; interesses acidentalmente, lateralmente, protegidos; na medida em que no h qualquer intencionalidade normativa de proteco, mas aproveitando ao beneficirio a legalidade da actuao alheia, o que lhe permite impugnar as actuaes ilegais de outrem, apesar de elas no o tocarem enquanto tal e, por isso, a ofensa da legalidade nunca pode implicar qualquer para si qualquer direito indemnizatrio, quer os interesses no individualizveis, sejam os interesses colectivos (interesses de entidades representativas de interesses dos associados afectados; ou interesses de usufruidores de bens do domnio pblico local, ou seja de bens de entidades autrquicas ao dispor da generalidade dos seus residentes), sejam os interesses difusos: interesses indivisveis de grupos amplos de pessoas: 60, 66, 78 CPA; ? CRP; Lei Aco Popular e Participao Procedimental).
3.1.3.Quanto diferena de regime entre os direitos, interesses legalmente protegidos e os simples interesses, tal assume um maior significado, devendo ser encontrado nas normas especficas que visam proteg-los,
Almedina, 2001, p.70.
467 mas sem qualquer obrigao em geral de motivao de actos que os desconheam, nem atribuio de direitos indemnizatrios, nem condicionamentos revogatrios que os afectem.
3.2.Princpio da procedimentalizao
3.2.1.Hoje, a Administrao pblica portuguesa, na sua actuao, obedece a um conjunto de normas que se encontram ou codificadas no CPA, de procedimento administrativo comum, ou em diplomas materiais, com procedimentos administrativos especiais, em que aquele tambm se aplica supletivamente. Foi o aumento exponencial das tarefas de que a Administrao Pblica cada vez mais incumbida pelo legislador nos mais diversos sectores da vida da comunidade e o avana num processo, embora inacabado, de construo do Estado de Direito, que face, necessidade de potenciar a sua eficincia quer a de melhor garantir a participao dos cidados nas decises que lhes digam respeito e a defesa dos seus direito e interesses com proteco jurdica, levaram elaborao desta regulao do procedimento administrativo em geral. Deve-se ao artigo 267., n. 4 da Constituio (anterior artigo 268., n. 3), a obrigao imposta ao legislador para disciplinar o processamento da actividade administrativa, apontando-se a como sua finalidade o assegurar a racionalizao dos meios a utilizar pelos servios e a
468 participao dos cidados na formao das decises que lhes interessam 199 .
3.2.3.No direito procedimental da actividade administrativa, o legislador vem aplicar, dando exequibilidade e em geral desenvolvendo, normas ou princpios constitucionais, tornando efectiva a orientao e imposio da norma fundamental (sem prejuzo de em certos domnios dever ter-se presente certas regras do direito procedimental comunitrio, que tambm tem relevncia 200 ), tendo como finalidade a ponderao devida da pretenso, no seu iter e no contedo da deciso administrativa final, fixando o desenvolvimento das vrias fases da sua prossecuo em termos que garantam a certeza sobre as motivaes e a imposio e verificao dos prazos, em ordem tomada de decises da Administrao, consubstanciadoras quer de actos administrativos e regulamentos quer de contratos ou operaes materiais, e, ainda, o enquadramento da iniciativa de reviso das decises, a requerimento dos interessados ou a ttulo oficioso, e exerccio de poderes modificativos ou no, nesse mbito da Administrao. O C.P.A. prev o regime geral do procedimento administrativo, sendo pois de aplicao como norma subsidiria.
199 Como refere o CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n. 442/91, de 15 de Novembro, (D.R. n. 263/91, Srie I-A, pginas 5852 a 5871. 200 Vide, v.g., Isaac, Ruy Manual de Derecho Comunitria General. 2. ed., Barcelona: Ariel,1992, p.121 e ss.; CONDESSO, F. -Os Fundamentos da Programao Comunitria. In Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2001, p.282.
469 O legislador comea por apresentar, no artigo 1. do CPA, os conceitos de procedimento (sucesso ordenada de actos e formalidades tendentes formao e manifestao da vontade da Administrao Pblica ou sua execuo) e processo administrativo conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento administrativo).
3.2.4.Quanto ao procedimento administrativo geral resolutrio, original e derivado, o CPA consagra os seus princpios enformadores e enquadra as sanes jurdicas e seu regime jurdicas, quer para o seu desrespeito, quer em geral para os vrios vcios de ilegalidade. Os aspectos essenciais do iter procedimental administrativo so arrumados em fases e princpios pertinentes: desde a fase inicial (requerimento e apreciao liminar), passando pela instruo normal, audincia prvia, eventual instruo complementar, at deciso e actos de produo de eficcia, alm de regular os temas transfsicos, como o das medidas provisrias e produo antecipada das provas. Ou seja, trata a fase inicial, com o respectivo princpio da unicidade do pedido que no seja alternativo nem subsidirio, que termina com a apreciao liminar, para eventual correco de deficincias instrutrias do requerimento ou na juno inicial de documentos, e respectiva notificao para suprimento (quando no puderem ser supridas oficiosamente); fase da instruo, com respectivos nus de prova pelo interessado, sem prejuzo do princpio da oficialidade; a fase da elaborao do relatrio e projecto de deciso; a audincia pr-decisonal e eventual instruo suplementar para efectivar diligncias requeridas pelo
470 destinatrio do acto administrativo; a fase resolutria e a fase complementar de produo de eficcia.
3.2.5.Ele consagra os princpios gerais especficos do procedimento, procura-se dar uma explicao sobre os princpios referentes aos requisitos do requerimento e do seu suprimento, ou seja, sobre a legitimidade e o requerimento em si, questes prvias para o bom desenrolar do procedimento: regularidade do requerimento, juno de documentos, legitimidade, oportunidade temporal, etc.., como o princpio do carcter escrito (artigo 122., corpo do n.1 do artigo 74.), unicidade do pedido (n.2 do artigo 74.), suprimento oficioso das deficincias do pedido (n.2 do artigo 57.), passando pelos referentes instruo normal e complementar audincia pr-decisional, assim como os referentes a esta, para terminar com os que dizem respeito deciso e sua produo de eficcia. Em geral, destaco os princpios da economia processual, rapidez e eficcia, da celeridade do procedimento (artigos 10. e 57.), com as obrigaes da decorrentes para os rgos e os destinatrios das decises: em ordem a evitar a burocracia, com consequente no formalismo das formalidades (com indicao apenas das linhas gerais da marcha e formalidades essenciais ou, pelo menos, simplificao do formalismo (procedimento livre de formalismos rgidos) e interdio de requerimento de diligncias dilatrias (artigo 6.). E temos, ainda, o princpio da pluralizao dos locais e meios de apresentao do pedido (artigos 77. a 79.). Enquadra, ainda, a natureza jurdica do prazo, regulando o incio e forma da sua contagem. Trata da
471 gratuitidade (dos actos que no impliquem actividade extraordinria dos servios requerida em proveito predominante dos particulares), admissibilidade das medidas provisrias (artigo 84.), assistncia s partes e da responsabilidade em geral pela informao deficiente ou errada que seja prestada por escrito ou devida (n.2 do artigo 7.) e comunicao aos contra-interessados como forma de consagrao dos princpios da participao e do contraditrio.
3.2.6.Quanto ao procedimento administrativo derivado, reclamaes e recursos administrativos (hierrquicos, prprios e imprprios; ou tutelares; e seus prazos de apresentao e deciso), algo de essencial para a garantia jurdica dos particulares, a tal ponto que a generalidade - dos mais recentes manuais norte-americanos de Direito Administrativo versam quase exclusivamente sobre essa matria 201 , tal como o novo processo jurisdicional, reconstrudo pelo CPTA. Alis, em geral, disciplina-se no s o procedimento derivado, de reapreciao de acto administrativo anterior, por questes de legalidade ou simplesmente de de mrito, passvel de provocar uma revogao ou alterao da deciso administrativa, assim como o regime da revogao oficiosa, de actos anulveis ou actos originariamente vlidos ou tidos como tais ope legis, por sanao dos primeiros (art. 141. e 140. do C.P.A.).
201 AMARAL, D. F. Relatrio, o.c,, p.263.
472 3.3.Princpio da subordinao ao direito. Princpio nomocrtico
3.3.1.A Administrao Pblica deve obedecer Lei e ao Direito (art3), incluindo aqui todo o bloco da legalidade, em especial: Direito Internacional (DIP: costume e tratados, actos decisrios do Conselho de Segurana da ONU e de outras organizao dotadas de poderes normativos e decisrios concretos, declaraes unilaterais, etc.) e Direito Comunitrio (Regulamentos, Directivas, Decises, etc.), normas da Constituio, Leis de Valor Reforado e Leis ordinrias simples da Assembleia da Repblica, Decretos-Leis do Governo e Decretos Legislativos Regionais -das Regies Autnomas-, princpios gerais de Direito, regulamentos administrativos e outras normas fonte de direito (decretos regulamentares do Governo: portarias; despachos normativos; regulamentos dos governos civis; decretos regulamentares regionais; posturas municipais e outras deliberaes de rgos administrativos), etc.
3.3.2.O princpio da legalidade implica a subordinao da Administrao Pblica ao Direito, quer a normas (regras e os princpios jurdicos, escritas ou costumeiras), quer a outros actos a que as normas atribuem fora impositiva (neste sentido , literalmente, um princpio da juridicidade, mas do que da legalidade): com duas dimenses distintas: a Administrao Pblica no pode contrariar o direito vigente (preferncia de lei), e deve fundar-se, basear- se, no Direito, estando reservada a este a definio primria das actuaes administrativas (reserva de lei: com
473 duas vertentes: por uma lado, anterioridade necessria do fundamento jurdico-normativo da actuao administrativa (precedncia de lei) e necessidade desse fundamento legal (reserva de suficiente densificao normativa contendo a disciplina do essencial da matria, dos interesses pblicos a prosseguir enquanto escopo especfico, e a repartio de atribuies e competncias, sendo certo que o princpio da legalidade tem concretizao atravs do princpio da competncia).
3.3.3.No h espaos de exerccio arbitrrio de actividade administrativa. Este princpio da legalidade abarca todos os tipos de interveno da administrao, no s a de tipo limitador das liberdades como a prpria Administrao constitutiva, todas as formas de actividade, desde o regulamento, s decises concretas e individuais e aos contratos e sujeita-se a toda as fontes de direito, sejam de carcter geral, normas supranacionais e da CRP, leis e regulamentos (princpio da inderrogabilidade singular das suas prprias normas regulamentos), sejam aos actos jurdicos unilaterais por ela proferidos ou aos actos bilaterais, sejam estes ou no acordos sinalagmticos.
*
3.3.4.Mas a normatividade impe-se em termos e segundo intensidades variadas: mais ou menos vinculados, mais ou menos controlados, mais ou menos sancionveis. Esto sujeitos ao respeito do princpio da subordinao ao direito o regime do estado de necessidade em
474 sentido amplo (regime legal excepcional: n. 2 do art. 3.; art. 8. da Estatuto do Governador Civil, etc.), o regime de insindicabilidade dos actos polticos (apenas passveis de responsabilidade civil, pela falta de respeito CRP e lei) e o exerccio de poder discricionrio ou do preenchimento de conceitos imprecisos ou da aplicao de regras extra-jurdicas de natureza tcnica, para que o legislador remeta . 3.3.5.A aplicao de regras extra-jurdicas, tcnicas ou morais, ou regras de prudncia comum, para que as normas jurdicas remetam ou que naturalmente devam ser respeitadas como exigncias mnimas da sociabilidade, a sua fora normativa impositiva advm-lhes do comando normativo que, no as transcrevendo directamente (por comodidade ou para evitar a contnua instabilidade normativa, por impossibilidade de as fixar, em face do seu dinamismo evolutivo independente da vontade e da conformao do legislador), remete para elas tal como existam num dado momento, renunciando a fossiliz-las desactualizadamente. Valendo como lei por fora da lei, vinculam tambm os poderes administrativos, integrando o bloco da legalidade, que na medida em que sejam admitidas com um contedo mvel, a regra actualizvel, que esteja em vigoror em cada momento (e no meramente a regra extra-jurdica para que se remeteu, apenas fixada como tcnica de normao indirecta), ser uma legalidade heterofixada.
3.3.6.O poder discricionrio (que tanto pode existir sobre a deciso de agir ou no; o momento de agir; a determinao em geral dos pressupostos factuais para a
475 aplicao de certa medida ou escolha de certa soluo, atravs de avaliaes pessoais situadas, ou seja orientadas pelo interesse pblico especfico mas sem prejuzo da devida ponderao dos interesses relevantes envolvidos no caso, pblicos ou privados; a determinao do contedo concreto da deciso, na forma de discricionariedade optativa -opo entre vrias solues legalmente previstas- ou criativa conformao global da soluo concreta dentro dos limites apontados pela norma; a forma ou formalidades a adoptar; a motivao da deciso quando a norma a no imponha; o poder de apor condies, modos e outras clusulas acessrias, quando a norma as no proba ou de lhe dar contedo quando a norma as preveja sem o precisar) uma das formas tpicas de concretizao da subordinao ao direito, sem vinculao total norma; mas sempre com legalidade na atribuio e juridicidade na actuao, com obrigao de prosseguir a soluo que, na perspectiva de um decisor competente e responsvel, seja tida como mais ajustada para o interesse pblico, em face da ponderao devida de todas as circunstncias do caso concreto: aparecendo aqui no o executor autmato mas o executor inteligente e diligente). O exerccio do poder discricionrio, quando a norma atributiva no aponte para a manuteno do poder de livre apreciao das circunstncias e condicionalismos de cada caso, apenas abalizado pela ela, ou seja a isso se no oponha, pode passar pela elaborao prvia de normas genricas dos critrios decisrios no futuro, situao em que esta auto-vinculao se impe, sem prejuzo da sua revogao, tal como mesmo independentemente de qualquer normao, em nome do
476 princpio da igualdade de tratamento e da proteco da confiana de terceiros no pode altera os critrios que v aplicando sem a devida fundamentao da referida modificao. Os actos derivados do poder discricionrio so jurisdicionalmente impugnveis na medida em que os poderes pblicos os actuem sem atribuies e competncia ou os concretizem com defeitos de vontade (erro de facto, etc.), com desrespeito de forma ou formalidades exigidas para a sua prtica (de que se destacam a falta de fundamentao, de audincia de outras entidades (pareceres) quando exigida e audincia dos interessados prvia deciso), ou com contedos contrrios ao disposto materialmente nas normas ou alheios finalidade que deveriam visar, pelo menos que traduzam uma motivao que no foi decisiva na sua produo (motivo no principalmente determinante: art. 19. da LOSTA) ou aplicao dos princpios aqui analisados. No que se reporta em geral ao controlo dos actos discricionrios, ele tanto se efectiva em face do vcio tpico de desvio de poder, como de vcios de violao de lei (desrespeito dos princpios gerais da actividade administrativa, de que aqui se trata), vcios orgnicos (usurpao de poder, incompetncia absoluta ou relativa), vcios de forma (falta de forma ou formalidades exigidas), ou mesmo erro de facto (defeitos de vontade)
3.3.7.O conceito de conceitos imprecisos integra um conjunto variado de expresses lingusticas com um contedo caracterizado por revelar uma maior incerteza e portanto dificuldade concretizadora e, portanto, traduzem
477 uma exigncia acrescida no plano interpretativo ou mesmo no plano recreativo no seu momento aplicativo. Com efeito, umas vezes, implicam o apelo a conhecimentos comuns ou acessveis a um aplicador minimamente inserido e capaz, directamente ou com apoio de especialistas, sejam regras da experincia, sejam conhecimentos tcnicos e cientficos (por vezes mesmo a regras extra-jurdicas de natureza tcnica, para que o legislador remete e que se tornam juridicamente vinculativas, o que questo diferente) sejam saberes jurdicos, o que permite a sua normal sindicabilidade jurisdicional, mas outras vezes implica uma ponderao valorativa, seja objectiva (vigentes na vida social, de moralidade, em certos sectores, etc., ou seja implicando uma eurstica das concepes vigentes em cada momento, aplicativa, o que, sendo tambm um exerccio vinculado, viabiliza a sua sindicabilidade correctora) seja subjectiva (viabilizando apreciaes assentes na prpria experincia ou convices do decisor administrativo: a soluo mais adequada ao interesse pblico segundo os seus prprios critrios, v.g. o poder de adoptar providncia fora das regras normalmente estabelecida em circunstncias excepcionais e urgentes de interesse pblico, desde que o seu resultado no possa ser obtido por outras vias, o que inviabiliza a sua sindicabilidade, neste plano justificativo e das solues tidas como mais adequadas, o que significaria a substituio do papel discricionrio da Administrao pelo juiz, ou seja uma Administrao pelos tribunais, embora os aspectos envolventes sejam controlveis na medida em que sejam legalmente conferveis).
478 3.4. Princpio da justia em sentido amplo e estrito
3.4.1.Em sentido estrito, com um contedo historicamente cada vez mais exigente, o princpio da justia a que se reporta o n. 2 do artigo 266. da CRP e ao CPA, afirma-se como o principal princpio enformador da construo do sistema jurdico, desde logo das regras positivas e da sua interpretao. Este princpio constitui a ltima ratio da subordinao da AP ao direito, intervindo residualmente apenas em situaes concretizadoras do princpio da justia e sentido amplo, onde no sejam aplicveis outras condicionantes da actividade administrativa 202 , que evitem que sejam intolerveis as solues que as regras e outros princpios no excluam. No fundo, podemos afirmar que existe um direito justia
3.4.2.O princpio da justia, tomado no seu sentido mais amplo, implica que a Administrao Pblica deva actuar em geral por forma ajustada natureza e circunstncias de cada caso ou situao (art 6), decompe-se, hoje, em vrios princpios que tm designao e autonomia legal e cientfica: igualdade, imparcialidade, interdio de excesso, boa f, etc. Vamos analisar cada um deles de per si.
3.5. Princpio da Igualdade
202 Ac.STA, de 12.5.98, Caso Oliveira Fernandes e Ribeiro, Lda.
479 3.5.1. vedado AP (art. 13. da CRP, etc, art 5, n 1 do CPA) favorecer ou desfavorecer algum por razes de ascendncia, sexo, raa, lngua, territrio de origem, religio, convices polticas ou ideolgicas, instruo, situao econmica ou condio social. Este princpio no impe uma igualdade de tratamento absoluta. A igualdade justifica-se em relao a situaes equiparveis; se esto em causa situaes objectivamente diferentes, elas devem ser tratadas por forma adequadamente diversa (discriminao positiva).V.g., quando h diferente tratamento com valorizao diferente da experincia de candidatos nacionais e da UE; ou repetio de prova em concurso pblico apenas para alguns candidatos, com base n suspeita em relao a estes de que tiverem conhecimento prvio da prova; depois de encerrado o perodo instrutrio e imediatamente antes da deciso, a aceitao de um nova proposta mais baixa do que a originalmente apresentada por um concorrente sem ouvir o outro, que juntamente consigo havia sido preliminarmente seleccionado.
3.5.2.O princpio da igualdade e no discriminao fruto, juntamente com a liberdade, das Revolues liberais de finais do sculo XVIII, especialmente da revoluo americana e francesa. Mas o seu entendimento actual deriva de uma longa evoluo histrica 203 , de natureza acumulativa de sentido, que, desde essas Revolues, o foi densificando at ao aperfeioamento
203 PREZ LUO, A. E. -Dimensiones sobre la igualdad material. In Anurio de Derechos Humanos, n.3, Madrid, 1985.
480 que adquiriu no Estado Social, com gradual ampliao do seu mbito e a aquisio de novas dimenses isonnicas. Na primitiva concepo liberal est em causa uma afirmao formal na aplicao igual do direito (igualdade perante a lei, do artigo 1. da Declarao francesa dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789), integrando dois elementos 204 : a igual capacidade de todos os cidados face aplicao do aplicao do direito pelos tribunais, e a exigncia de generalidade da lei. Trata-se de uma concepo de igualdade formal, no ponto de partida de cada um, mas sem contedo jurdico que leve sua real vigncia, e que portanto por si s se transformar em meio de descriminao. Com efeito 205 , ele oferece na sua aplicao vida inmeras e srias dificuldades. De facto, ele indissocivel da realizao da justia, pois conduziria a inominveis injustias se importasse em tratamento igual para os que se achem em desigualdade de situaes 206 . de destacar que o princpio da igualdade j era entendido como um conceito de justia na anlise do filsofo grego Aristteles, que se referiu a ela da seguinte forma 207 : Assim pois, se o injusto desigual, o justo igualE uma vez que o igual um termo mdio, o justo ser tambm um termo mdio Necessariamente o justo
204 GARCIA DE MORA, M. V. G. y A. et alteri- Derecho Constitucional III: Derechos y Libertades. Madrid: Colex, 2003, p.99. 205 Como refere Manuel Gonalves Ferreira Filho -Comentrios Constituio de 1967. Saraiva, So Paulo, 1983, p.587. 206 MALUF, Said - Direito Constitucional. 13. Ed., So Paulo: Sugestes Edies, 1983, p.337. 207 tica Nicomquea, traduo espanhola, Livro V, n.3, Madrid, Gredos, 1985, p.243.
481 ser um termo mdio e igual em relao com algo e com alguns.
3.5.3.Precocemente, os EUA haviam marcado o avano histrico, em 28 de Julho de 1868, com a sua dcima quarta Emenda Constitucional 208 . Na Europa, tal s ocorreria posteriormente, com a crise do Estado liberal, que permitiu superar tal concepo, com uma evoluo terica que apontar claramente para uma igualdade-finalidade, igualdade no ponto de chegada 209 , ou igualdade na lei, no contedo da normao, funcionando como um comando e um limite ao legislador, materializado no seu reconhecimento constitucional. O principio da igualdade dos homens foi consagrado pela primeira vez no Virgnia Bill of Rights, de 12/06/1776 (Todos os homens so pela natureza, igualmente livres e independentes, e tm certos direitos que lhe so inerentes), foi retomada na Constituio de Massachussets, de 2.3.1780, que afirma que todos os homens nascem livres e iguais e tm certos direitos naturais, essenciais e inalienveis e, depois, aperfeioado no artigo n.1 da Declarao francesa dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789, segundo a qual os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. A Constituio francesa de 1791 viria, depois, consignar, no seu prembulo o seguinte: A Assembleia Nacional
208 O.c., p.99. 209 RUBIO LLORENTE, F. -Juez y ley desde el punto de vista del princpio de igualdad. In La Forma del Poder. Estudios sobre la Constitucin. Centro de Estudios Constitucionales. Madrid, 1993, p.656.
482 Elimina irrevogavelmente as instituies que agridam a liberdade e a igualdade dos direitos. J no h nem nobreza, nem pares do reino, nem distines hereditrias, nem de ordens, referindo-se, neste ltimo caso, aos trs estamentos sociais componentes das Cortes monrquicas tradicionais: o clero, a nobreza e o povo.
3.5.4.Hoje, o princpio da igualdade proclamado como um valor fundamental, no s pelas constituies de diversos pases, como tambm por duas das mais importantes declaraes de direitos: a Declarao Universal dos Direitos do Homem e a Conveno Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Apesar disso, o sentido e alcance do princpio da igualdade assumam uma dimenso histrica, como referiu Castanheira Neves 210 : um daqueles princpios que, pela densa carga ideolgica e axiolgica que lhes vai imanente, no permanecem inalterados no seu sentido autntico ao longo do tempo, apesar da constncia das formulas, e antes tero de ser sempre compreendidas no contexto histrico e social em que se proclamem.
3.5.5.Em Portugal, o princpio da igualdade est consagrado no artigo 13. de Constituio da Republica Portuguesa. Refere o seu n.1 que todos os cidados tm a mesma dignidade social e so iguais perante a lei. No n.2 probe distines que se traduzam na Constituio de
210 Curso de Introduo ao Estudo do Direito, Lies Proferidas a um Curso do 1. Ano da Faculdade de Direito de Coimbra no Ano Lectivo 1971-72, p. 118-119.
483 privilgios, benefcios, prejuzos, privao de qualquer direito ou iseno de qualquer dever com base na ascendncia, sexo, raa, lngua, territrio de origem, religio, convices politicas ou ideolgicas, instruo, situao econmica, condio social ou orientao sexual. Acresce no n.9, al. d) a promoo da igualdade real entre os portugueses. No artigo 47, n.2 refere que todos os cidados tm acesso funo pblica, em condies de igualdade. O artigo 50 n.1, proclama o direito de acesso em condies de igualdade aos cargos pblicos. O artigo n.58 n.3, al. b) igualdade de oportunidades na escolha da profisso. O artigo n. 59, n.1, al. a) diz que para trabalho igual salrio igual, sem distino de idade, sexo, cidadania, territrio de origem, religio e convices politicas e ideolgicas. O artigo n.74, n.1 refere a Igualdade de oportunidades de acesso ao ensino e xito escolar.
3.5.6.No contexto dos valores afirmados na ordem constitucional portuguesa, a justificao do conceito nsito ao princpio da igualdade assenta na isonomia ligada dignidade social dos cidados, derivada da igual dignidade humana de todas as pessoas, o que transforma este principio numa regra fundamental do estatuto social dos cidados. A nossa concepo actual ultrapassa a viso historicamente adquirida por afirmao do estado liberal, da mera igualdade perante a lei, recebendo hoje em Estado Social de direito, um contedo muito mais rico que se vem alargando continuamente.
484 Finalmente, a pluralidade das suas valncias desdobra-se na imposio de igual posio de todos em matria de direitos e deveres (interdio de privilgios ou de prejuzos discriminatrios), interdio do arbtrio, interdio de discriminaes ilegtimas e obrigaes de diferenciao (atribuindo-lhe uma funo social e respeito por especficos direitos fundamentais no plano material determinante no labor legislativo da Administrao Pblica e dos Tribunais). um direito fundamental de invocao directa, sem necessidade de envolvimento legislativo especfico. um princpio que se encontra muitas vezes repetido e mesmo aplicado na construo de normas do prprio Direito Constitucional. Podemos dizer que um valor superior do ordenamento jurdico, juntamente com a justia, a liberdade, o pluralismo poltico e, em geral, a defesa da dignidade humana, devendo todos eles impregnar toda a ordem jurdica portuguesa. A constituio portuguesa vai mesmo ao ponto de atribuir a este principio, a capacidade para afastar os obstculos, para que os poderes pblicos possam garantir o seu cumprimento, aparecendo assim como uma aspirao, cujo carcter finalista ao desenvolvimento da vida social. Na sua configurao constitucional existe, de facto, um claro mandato a todos os poderes pblicos: O legislativo na criao do direito, mas tambm o administrativo e o jurisdicional na sua aplicao, obrigando ao cumprimento efectivo da igualdade.
485 Exemplos de normas da constituio que o enformam, temo-lo no direito de acesso ao emprego pblico, igualdade do sistema tributrio juntamente com a progressividade dos impostos, a igualdade dos conjugues, igualdade entre filhos legtimos e ilegtimos e muitos outros.
3.5.7.Decompondo este princpio fundamental, distinguirei sobretudo a existncia de excluso da discriminao e o direito diferena. Quanto ao primeiro, podemos dizer que estamos perante uma desigualdade em face da lei, quando esta em face de pressupostos, de facto idnticos, trata de forma diferente, sem nenhuma justificao, diferentes sujeitos por algumas das causas referidas. A discriminao na aplicao do direito conduz- nos tambm desigualdade por falta de tutela judicial, quando os tribunais ditam sentenas diferentes, perante pressupostos de facto semelhantes. A igualdade como direito diferena impe-se na medida em que implica a ideia de que a proibio de discriminao tenha algo de finalista. Se a sociedade desigual impe-se a formulao da desigualdade compensatria, como meio de obter nveis maiores de igualdade real. Ou seja, esta desigualdade compensatria ou descriminao positiva justifica-se precisamente, a partir da considerao finalista da igualdade, que implica o afastamento de uma leitura meramente formal da proibio da descriminao.
486 3.6. Princpio da Proporcionalidade
3.6.1.Este princpio impede o exerccio desproporcional da margem de livre deciso no uso de poderes discricionrios, atentatrio de bens ou interesses privados em termos inidneos (inadequados, meios manifestamente incapazes de atingir o objectivo em causa) ou mais lesivos do que o estritamente necessrio para se atingir o fim pblico visado ou, de qualquer modo, desrazovel (ou mesmo intolervel) por traduzirem solues de grande desequilbrio (desproporo) entre os benefcios esperveis e os custos a suportar.
3.6.2.As decises administrativas que atinjam direitos ou interesses legtimos dos particulares tm de ser idneas (adequadas), estritamente necessrias (no causando mais prejuzos queles do que os necessrios para alcanar estas finalidades) e proporcionadas aos seus objectivos (respeitando um equilbrio, segundo parmetros materiais razoveis, em termos de custo benefcio) na justa medida entre os meios utilizados e os fins a alcanar atravs deles (art. 5, n 2).
3.7. Princpio da Imparcialidade (artigos 3. a 12.) e garantias de da mesma (art. 44 a 51 do CPA)
3.7.1.O princpio da imparcialidade, integrante do princpio da objectividade, que, pela sua importncia, assumiu uma regulao garantstica especialmente cuidadosa no CPA: contedo, importncia do princpio, delimitao da imparcialidade numa abordagem subjectiva e objectiva, o procedimento garantstico de imparcialidade subjectiva, a
487 falta de imparcialidade objectiva (dfices absoluto e relativo de ponderao e excesso de ponderao dos interesses), as situaes de impedimentos e de mera suspeio, os deveres do titular do rgo e do agente pblico envolvido, a delimitao dos casos de impedimento e de suspenso, a escusa, o sub- procedimento Administrativo, os efeitos sancionatrios em relao ao acto administrativo e ao agente, so tudo temas que no podem deixar de ser abordados. Em geral, podemos, prima facie, reduzir a ideia central deste princpio, dizendo que, na sua aco concreta, os rgos da Administrao Pblica devem ser isentos, no se deixando influenciar por razes subjectivas ou pessoais, que os levem a favorecer ou desfavorecer indevidamente certos particulares (art. 6.), designadamente tomando em considerao todos os interesses pblicos e privados juridicamente relevantes.
3.7.2.Quais as causas e qual a aplicao concreta do princpio da imparcialidade (art. 44 a 51; impedimentos: 44. e suspeio: 48. do CPA)? As garantias de imparcialidade, impem-se atravs da previso de impedimento de carcter absoluto ou sujeito a apreciao interna para a interveno no procedimento administrativo. O procedimento a efectivar, face constatao de uma situao de impedimento, passa pela comunicao imediata do agente pblico 211 (n. 1 do artigo 45.: deve
211 Os actos em que tiverem intervindo ilegalmente os agentes so anulveis, alm de que a omisso do dever de comunicao no caso das situaes de impedimento constitui falta grave para efeitos disciplinares (artigo 51.).
488 o mesmo comunicar desde logo o facto ao respectivos superior hierrquico ou ao presidente do rgo colegial dirigente, consoante os casos) e auto-suspenso da sua actividade concreta ou requerimento de interdio pelo destinatrio do acto (n.2: At ser proferida a deciso definitiva ou praticado o acto, qualquer interessado pode requerer a declarao do impedimento, especificando as circunstncias de facto que constituam a sua causa), com auto-suspenso do referido titular, a partir do conhecimento do mesmo (incio do n.1 do artigo 46.: O titular do rgo ou agente deve suspender a sua actividade no procedimento logo que faa a comunicao ou tenha conhecimento do requerimento do interessado, at deciso do incidente), salvo se receber uma ordem em contrrio do superior hierrquico; aguardando posterior declarao do impedimento pelo superior hierrquico ou presidente do rgo colegial (n.3 do art. 45: Compete ao superior hierrquico ou ao presidente do rgo colegial conhecer da existncia do impedimento e declar-lo ouvindo, se considerar necessrio, o titular do rgo ou agente) ou pelo rgo, tratando-se do presidente (n. 4 do art. 45: Tratando-se do impedimento do presidente do rgo colegial a deciso do incidente compete ao prprio rgo sem interveno do presidente), a verificarem-se as circunstncias invocadas (n.3 do art. 45. e n. 1, in fine do art. 46.). Logo que o impedimento seja declarado, o titular agente ser imediatamente substitudo no procedimento pelo seu substituto legal, a menos que o superior hierrquico resolva tratar directamente da questo, avocando-a. No caso de estarmos perante um rgo colegial, em que no haja ou no possa designar-se
489 substituto, ele funcionar sem o membro impedido e, ou seja, sem a sua pronncia, quer no caso de resolues quer de meros pedidos de emisso da pareceres ou informaes burocrticas (artigo 47.). Portanto, tratando-se de um rgo colegial, ocorrer obrigatoriamente a no participao do impedido no ponto da ordem de trabalhos em causa (e no presidncia da reunio, sendo presidente).
3.7.3.Entre as causas do impedimento absoluto, e, portanto de eficcia automtica, temos algumas subjectivas (desde logo, interesse prprio ou de familiar prximo, etc.) e outras objectivas (situaes anteriores que possam fazer perigar a imparcialidade). Assim (com excepo das intervenes que se traduzam em actos de mero expediente, designadamente actos certificativos), impe-se que o agente no intervenha em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito pblico ou privado da Administrao Pblica quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negcios de outra pessoa; por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse o seu cnjuge, algum parente ou afim em linha recta ou at ao 2. grau da linha colateral, ou qualquer pessoa com quem viva em economia comum; por si ou como representante de outra pessoa, tenha interesse em questo semelhante que deva ser decidida, ou tal situao se verifique em relao tambm a cnjuge, algum parente ou afim em linha recta ou at ao 2. grau da linha colateral, ou qualquer pessoa com quem viva em economia comum; tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatrio ou haja dado parecer sobre questo a resolver;
490 tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatrio o seu cnjuge, parente ou afim em linha recta ou at ao 2. grau da linha colateral ou qualquer pessoa como quem viva em economia comum; contra ele, seu cnjuge ou parente em linha recta esteja intentada aco judicial proposta por interessado ou pelo respectivo cnjuge; se trate de recurso de deciso proferida por si, ou com a sua interveno, ou proferida por cnjuge, algum parente ou afim em linha recta ou at ao 2. grau da linha colateral, ou qualquer pessoa com quem viva em economia comum ou com interveno destas pessoas. Quanto s medidas a tomar sejam as inadiveis, face a estas situaes de impedimento do titular de rgo singular, aplica-se um regime especial. Com efeito, em situaes de urgncia ou de perigo para os interesses pblicos ou outros em presena, os impedidos devem actuar mas nos termos estritamente necessrios (n.2 do art.46.), ficando, no entanto, as medidas tomadas sujeitas a ratificao pelo substituto, sob pena de caducidade e nova gesto do procedimento (art. 47.).
3.7.4.Quanto s garantias de imparcialidade de valor relativo, em que apenas se possam colocar dvidas sobre a iseno do agente, mas em que esta hiptese j de molde a prever cautelas jurdicas e mecanismos consequentes, importa considerar a soluo de escusa oficiosa e a possibilidade de levantamento de um incidente procedimental de suspeio por parte da entidade exterior Administrao interessada na resoluo da questo: o(s) destinatrio(s) da medida com que terminar o procedimento..
491 No que se reporta ao fundamento da escusa e suspeio, independentemente da exemplificao feita pelo legislador em relao a certas situaes ou factores de natureza subjectiva ou objectiva tidas como tpicas embora sem carcter absoluto, o critrio genrico parte de uma clusula estabelecida no corpo do n.1 do art.. 48., que manda o agente pedir dispensa ou permite que (neste caso at ser proferida deciso definitiva) qualquer interessado possa opor suspeio para interveno em procedimento procedimento, acto ou contrato, sempre que ocorra circunstncia pela qual possa razoavelmente suspeitar-se da sua iseno ou da rectido da sua conduta. As situaes tipificadas referem-se aos casos em que, por si ou como representante de outra pessoa, no procedimento tenha interesse parente ou afim em linha recta ou at ao 3. grau de linha colateral, ou tutelado ou curatelado dele ou do seu cnjuge; o titular do rgo ou agente do seu cnjuge, ou algum parente ou afim na linha recta, for credor ou devedor de pessoa singular ou colectiva com interesse directo no procedimento, acto ou contrato; tenha havido lugar ao recebimento de ddivas, antes ou depois de instaurado o procedimento, pelo titular do rgo ou agente, seu cnjuge, parente ou afim na linha recta; se existir inimizade grave ou grande intimidade entre o titular do rgo ou agente ou o seu cnjuge, e a pessoa com interesse directo no procedimento, acto ou contrato:
3.7.5.No que se refere aos elementos formais, deve ocorrer um pedido formal agente (que a entidade competente pode exigir que seja efectivado por escrito) ou um requerimento escrito formulado pelo interessado
492 entidade competente para o conhecer (indicando com preciso os factos que o justifiquem), neste caso seguindo- se a audio do titular do rgo ou agente visado e depois a apreciao e eventual dispensa de interveno (artigo 49. e 50.). A deciso deve ser proferida no prazo de oito dias, para no permitir o protela da deciso.
3.8. Princpio da Boa-F
3.8.1.A Administrao Pblica e os particulares devem, nas suas relaes, agir com boa-f, tendo presente: a)- por um lado, a confiana e previsibilidade suscitada na contra-parte, que podem resultar dos seus comportamentos, em especial, respeitando essa confiana que possa ter sido criada pela sua actuao anterior e que merece tutela por parte do direito; e, b)- por outro, a primazia dos aspectos materiais subjacentes questo em apreo nas decises em que, apesar das irregularidades formais, no saem prejudicados os objectivos nsito normatividade, na medida em que no deixem de ser atingidos (art. 6-A).
3.8.2.A proteco da confiana legtima (que no permite a frustrao dessa confiana) pode ocorrer, v.g., com o encurtamento de um prazo anunciado ou pretenso de sancionar um funcionrio que se ausentou autorizado, mesmo que em termos ilegais ou perseguindo actividades que incitou o outro a promover; o decidir contra informao, retirando aquilo a que anteriormente se comprometera dando em geral o dito por no dito, etc.
493
3.8.3.A entender-se que o princpio da igualdade no funciona em situaes anteriores que eram ilegais, ento em face de diferente tratamento, a tutela da confiana exige indemnizao pelos gastos, desde que lesado demonstre carcter no censurvel do seu desconhecimento da ilegalidade da conduta administrativa esperada, ao invocar a expectativa a uma soluo igual.)
3.8.4.Os pressupostos jurdicos da tutela da confiana so quatro: a)- confiana criada na outra parte (crena subjectiva na possibilidade de um certo comportamento futuro); b)- idoneidade dos elementos em si mesmos para poderem ter razoavelmente criado a plausibilidade de um certo comportamento (existncia de- fundamento objectivo da confiana); c)- ocorrncia de situaes preparatrias de actuaes futuras na crena de comportamentos administrativos concordantes ou viabilizadores das mesmas e cujo impedimento ou bloqueamento provoque danos outra parte (provocao de prejuzos, resultantes de actuaes concretas baseadas na confiana criada); e, finalmente, d)- um nexo relacional permitindo imputar os prejuzos frustrao da confiana (relao adequada entre dano e comportamento alheio confiana criada).
3.9. Princpio da Deciso
3.9.1.No legtimo, aos rgos da Administrao
494 Pblica, manterem-se pura e simplesmente silenciosos perante as questes que lhes sejam postas pelos particulares. Tm o dever de decidir sobre quaisquer assuntos que lhes sejam apresentados, quer se trate de matrias que digam directamente respeito aos que se lhes dirigem (e requerem a sua resoluo em procedimento administrativo originrio ou derivado: reclamao e recurso administrativos), quer de peties, queixas, reclamaes em defesa da Constituio, das leis ou do interesse geral (art9).
2.9.2.Este dever s deixa de existir se a entidade competente j se tiver pronunciado h menos de dois anos sobre igual pedido, apresentado pelo mesmo particular com idnticos fundamentos.
3.10. Princpio da Gratuitidade
3.10.1. O procedimento administrativo gratuito, excepto quando a lei especial permitir eu assim no seja (art 11).
3.10.2.No entanto, quando haja lei especial que imponha o pagamento de qualquer taxa ou despesa efectuada pela Administrao, o particular que comprove falta de meios econmicos ser destas isento, total ou parcialmente, conforme os casos 212 .
212 A situao de insuficincia enquadrar pela Lei n.30-E/2000, de 20.12.
495 3.11.Princpio da Colaborao da Administrao com os Particulares
A Administrao Pblica deve colaborar estreitamente com os particulares, prestando-lhes, em especial, as informaes e esclarecimentos de que necessitem (art. 7.). Desenvolvendo este princpio, o Decreto-Lei n129/91, de 2 de Abril (art. 2.), dispe que, nas situaes em que sejam possveis procedimentos diferentes para conseguir um mesmo resultado, a Administrao Pblica deve adoptar o que seja mais favorvel ao particular, em especial para a obteno de documentos, comunicao de decises ou transmisso de informaes.
3.12.Princpio da sujeio ao controlo dos rgos jurisdicionais a quem cabe a sua aplicao imparcial.
3.12.1.O acesso dos destinatrios das suas decises Justia administrativa:, efectivado enquadrado pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais 213 e Cdigo do Processo nos Tribunais Administrativos 214 , em princpio (com excepes) quando tenha sido aplicado o direito administrativo (gesto pblica) e aos Tribunais Judiciais, na maior parte
213 Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, alterada pela Lei n4- A/2003, de 19 de Fevereiro. 214 Lei n. 15/2002, de 22 de Fevereiro, Aprova o Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos (revoga o Decreto-Lei n. 267/85, de 16 de Julho) e procede quarta alterao do Decreto-Lei n.555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelas Leis n.os 13/2000, de 20 de Julho, e 30-A/2000, de 20 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n. 177/2001, de 4 de Julho.
496 dos casos em que tenha sido aplicado direito privado, em geral administrativizado (gesto privada):
3.12.2. Em breve descrio da organizao dos tribunais administrativos, refere-se que existem os designados Tribunais Administrativos de Crculo, dispersas pelo pas, sediados em geral a nvel distrital ou regional, dois Tribunais Centrais Administrativos, o Sul, com sede em Lisboa e o Norte, com sede no Porto, e o Supremo Tribunal Administrativo, situado em Lisboa.
3.12.3. Quanto ao enunciao da tipologia dos meios processuais nos tribunais administrativos, refira-se que o direito de acesso aos tribunais em questes envolvendo a Administrao Pblica (artigo 2.), na realizao do princpio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, abrange o direito de obter, em prazo razovel, uma deciso judicial que aprecie, com fora de caso julgado, cada pretenso regularmente deduzida em juzo e de a fazer executar e, ainda, de obter as providncias cautelares, antecipatrias ou conservatrias, destinadas a assegurar o efeito til da deciso, designadamente a suspenso de decises ilegais. Nestes termos, a todo o direito subjectivo ou interesse legalmente protegido e mesmo interesse simples (que merea proteco jurdica) corresponde a tutela adequada junto dos tribunais, designadamente para o efeito de obter o reconhecimento de situaes jurdicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurdico-administrativas ou de actos jurdicos praticados ao abrigo de disposies de direito administrativo, o reconhecimento da titularidade de qualidades ou do preenchimento de condies; o reconhecimento
497 do direito absteno de comportamentos e, em especial, absteno da emisso de actos administrativos (quando exista a ameaa de uma leso futura), a anulao ou a declarao de nulidade ou inexistncia de actos administrativos; a condenao da Administrao ao pagamento de quantias, entrega de coisas ou prestao de factos, a condenao da Administrao reintegrao natural de danos e ao pagamento de indemnizaes, a resoluo de litgios respeitantes interpretao, validade ou execuo de contratos (cuja apreciao pertena ao mbito da jurisdio administrativa); a declarao de ilegalidade de normas (emitidas ao abrigo de disposies de direito administrativo), a condenao da Administrao prtica de actos administrativos legalmente devidos; a condenao da Administrao prtica dos actos e operaes necessrios ao restabelecimento de situaes jurdicas subjectivas; a intimao da Administrao a prestar informaes, permitir a consulta de documentos ou passar certides e, como se referiu, a adopo das providncias cautelares adequadas para assegurar o efeito til da deciso.
3.12.4. No que diz respeito aos poderes dos tribunais administrativos (que se pretendem pautados pelo respeito pelo princpio da separao e interdependncia dos poderes e, por isso, restritos apenas do cumprimento pela Administrao das normas (regras e princpios jurdicos) que a vinculam (e no da convenincia ou oportunidade da sua actuao, questo que apenas pode ser colocada por quem se sinta prejudicado em sede de impugnaes administrativas: reclamaes ou recursos).
498 3.12.5. Em geral, podem fixar oficiosamente um prazo para o cumprimento dos deveres que se imponham Administrao e aplicar, quando tal se justifique, medidas para assegurar a execuo das suas sentenas, designadamente daquelas que proferem contra a Administrao, desde a emisso de sentena que produza os efeitos do acto administrativo devido (quando a prtica e o contedo deste acto estejam estritamente vinculados), e de providenciar pela concretizao material do que foi determinado na sentena (art.3.), cujo cumprimento, independentemente de imposio de sanes penais (crime de desobedincia autoridade jurisdicional), est garantido atravs da possibilidade de impor medidas financeiras compulsrias (a cargos do patrimnio dos titulares dos rgos incumpridores).
3.12.6. No que se refere s diferentes formas de processo, existe as formas de aces com processo administrativo comum (artigo 35.), nas formas ordinria, sumria e sumarssima e aces administrativas especiais, que se regem pelas disposies deste CPTA e pelas disposies gerais, sendo subsidiariamente aplicvel o disposto na lei processual civil. Assim, seguem, entre outras situaes, a forma da aco administrativa comum regulada no Cdigo de Processo Civil, os processos que tenham por objecto litgios relativos a reconhecimento de situaes jurdicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurdico- administrativas ou de actos jurdicos praticados ao abrigo de disposies de direito administrativo, reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condies,
499 condenao adopo ou absteno de comportamentos, designadamente a condenao da Administrao no emisso de um acto administrativo, quando seja provvel a emisso de um acto lesivo, condenao da Administrao adopo das condutas necessrias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, condenao da Administrao ao cumprimento de deveres de prestar que directamente decorram de normas jurdico-administrativas e no envolvam a emisso de um acto administrativo impugnvel, ou que tenham sido constitudos por actos jurdicos praticados ao abrigo de disposies de direito administrativo, e que podem ter por objecto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestao de um facto, responsabilidade civil das pessoas colectivas, bem como dos titulares dos seus rgos, funcionrios ou agentes, incluindo aces de regresso, condenao ao pagamento de indemnizaes decorrentes da imposio de sacrifcios por razes de interesse pblico, interpretao, validade ou execuo de contratos, enriquecimento sem causa e relaes jurdicas entre entidades administrativas.
3.12.7. Quando, sem fundamento em acto administrativo impugnvel, particulares, nomeadamente concessionrios, violem vnculos jurdico-administrativos decorrentes de normas, actos administrativos ou contratos, ou haja fundado receio de que os possam violar, sem que, solicitadas a faz-lo, as autoridades competentes tenham adoptado as medidas adequadas, qualquer pessoa ou entidade cujos direitos ou interesses sejam directamente ofendidos pode pedir ao tribunal que condene os mesmos a adoptarem ou a absterem-se de certo comportamento,
500 de forma a assegurar o cumprimento dos vnculos em causa.
3.12.8. E seguem a forma da aco administrativa especial os processos cujo objecto sejam pretenses emergentes da prtica ou omisso ilegal de actos administrativos e de normas, que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposies de direito administrativo. Nestes processos podem ser formulados os seguintes pedidos principais: anulao de um acto administrativo ou declarao da sua nulidade ou inexistncia jurdica, condenao prtica de um acto administrativo legalmente devido, e, ainda, quer a declarao da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposies de direito administrativo ou a declarao da ilegalidade da no emanao de uma norma omitida, por dever ter sido emitida ao abrigo de disposies de direito administrativo.
3.12.9. A impugnao de actos administrativos praticados no mbito do procedimento de formao de contratos rege-se pelas mesmas regras do processo especial geral e ainda pelo regime especial do contencioso contratual, respeitante impugnao de certos actos (artigo 46.) relativos formao dos contratos de empreitada, concesso de obras pblicas, prestao de servios, fornecimento de bens, e, ainda, o programa do concurso, caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de formao destes contratos (com fundamento na ilegalidade das especificaes tcnicas, econmicas ou financeiras que constem desses documentos), sendo equiparados a actos administrativos os actos dirigidos celebrao de contratos destes tipos,
501 que sejam praticados por sujeitos privados, no mbito de um procedimento pr-contratual de direito pblico (artigos 100. e seguintes).
3.12.10.Esto tambm disposio dos cidados, desde logo, alm doutros processos previstos em leis especficas, processos especificados com carcter urgente, destacando-se os relativos ao contencioso eleitoral, contencioso pr-contratual, intimao para prestao de informaes, consulta de documentos ou passagem de certides, intimao para defesa de direitos, liberdades e garantias e vrias providncias cautelares, de acordo com o CPC 215 .
3.12.11. Recapitulando e sintetizando, destaquem- se as inovaes dos recentes ETAF, quanto competncia e alada dos diferentes tribunais, e CPTA 216 , com as novas formas de aces administrativas, as comuns e as especiais, e os processos urgentes (processo de suspenso dos actos administrativos, processo contencioso pr-contratual; de intimao para a defesa de direitos, liberdades e garantias e, tambm, de intimao em domnios urbansticos e para
215 Estes processos correm em frias, com dispensa de vistos prvios, mesmo em fase de recurso jurisdicional, e os actos da secretaria so praticados no prprio dia, com precedncia sobre quaisquer outros (artigo 36.). 216 Que, como dizem MRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, vieram terminar com o desacreditado sistema judicirio e processual administrativo com que vivemos em Portugal at 31 de Dezembro de 2003, fazendo-nos passar de chofre () ao sculo XXI do direito do processo nos tribunais administrativos, com a instituio de um sistema de garantias judiciais que nos coloca, pelo menos na perspectiva normativa, no grupo da frente das naes civilizadas mais progressivas neste aspecto, seja na Europa, seja fora dela: Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos. Volume I. Estatuto dos tribunais Administrativos e Fiscais. Anotados, p.7.
502 a prestao de informaes, a consulta de documentos ou a passagem de certides e providncias cautelares). No que se refere s aces, refira-se ainda a aco comum popular, as aces da Administrao Pblica contra particulares; as aces de reconhecimento ou simples apreciao, seja de situaes jurdicas subjectivas derivadas directamente de normas administrativas ou actos jurdicos, praticados ao abrigo de disposies de direito administrativo, seja de qualidades ou preenchimento de condies cujo reconhecimento no esteja sujeito exigncia de deciso administrativa prvia, condenao da Administrao Pblica no emisso de um provvel acto administrativo lesivo; aces de condenao da Administrao Pblica adopo de condutas necessrias para reconstruir os factos integrantes da situao hipottica necessrios ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, por omisso de actuaes legalmente exigveis ou por actuaes ilegais, jurdicas ou por meras operaes materiais, designadamente em via de facto; aces de condenao da Administrao Pblica ao cumprimento de deveres de prestaes de dinheiro, factos ou coisas derivados de direitos subjectivos directamente resultantes de normas relacionais sem necessidade de qualquer acto administrativo constitutivo; aces de indemnizao por responsabilidade civil contra entidades pblicas (agindo em gesto pblica ou privada), ou entidades particulares exercendo a funo administrativa quanto aos actos submetidos ao enquadramento do direito administrativo, e, solidria ou isoladamente, contra titulares ou membros de rgos administrativos e servidores pblicos e respectivas aces de regresso;
503 aces comum contratual: sobre existncia, alterao, interpretao, validade, execuo e extino de contratos e responsabilidade deles derivada; aces sobre contratos referentes ao modo de exerccio de poderes pblicos (contratos obrigacionais); aces sobre prestaes restitutivas devidas a situaes de enriquecimento sem causa; aces entre entidades administrativas; aces administrativas contra particulares investidos ou no em tarefas de funo administrativa. E ainda o regime de conhecimento, a ttulo incidental, em aces comuns, da ilegalidade de actos administrativos j no impugnveis. Quanto aco administrativa especial, prevista para pretenses emergentes da prtica ou omisso ilegal de actos administrativos e de normas enquadrveis pelo direito administrativo, importa referir a existncia do regime de cumulao de pedidos e de processos em massa, alm dos de anulao assim como, da declarao de nulidade ou de inexistncia- de acto administrativo, condenao prtica de acto legalmente devido, declarao de ilegalidade de norma emitida ou da sua indevida no emisso (quando tal ilegalidade resulte de disposies de direito administrativo), assim como a impugnao de actos administrativos praticados no mbito da formao de contratos (sem prejuzo do regime especial de contratos especificados no artigo 100. e ss. do CPTA).
3.13.Princpio da responsabilizao e garantia patrimonial
3.13.1. Enquadramento Normativo.
O actual regime da responsabilidade civil
504 extracontratual do Estado e demais entidades pblicas 217 , cujo fundamento doutrinal aparece normalmente assente na ideia da anormalidade de uma agresso excessiva ao princpio da igualdade dos cidados perante os encargos pblicos 218 , e que abarca em geral todos os danos decorrentes do exerccio da funo administrativa, legislativa e jurisdicional, que foi objecto de uma significativa reforma no sentido de melhor defender os direitos das pessoas, vindo cumprir normas de UE, em face designadamente de condenaes recentes do TJUE, consta da recente Lei n. 67/2007, de 31 de Dezembro 219 , que vem sistematizar toda esta matria da sujeio a responsabilizao em relao aos actos polticos, legislativos, jurisdicionais e administrativos, tendo presente o direito constitucional (artigo 22. da CRP 220 , com o seu
217 Este novo regime entra em vigor no prazo de 30 dias aps a data da sua publicao (artigo 6.). 218 ROUGEVIN-BAVILLE, Michel -La spcificit du droit public. In La Responsabilit administrative, Paris : Hachette, 1992, p.16. 219 Dirio da Repblica, 1. Srie, n. 251, p. 9117 e ss. Esta lei revoga o Decreto - Lei n. 48.051, de 21 de Novembro de 1967, e os artigos 96. e 97. da Lei das atribuies e competncias autrquicas, a Lei n.169/99, de 18 de Setembro, na redaco da Lei n. 5-A/2002, de 11 de Janeiro. Entra em vigor no dia 30 deste ms de Janeiro de 2008. Com efeito, segundo o artigo 279 (Cmputo do termo), fixao do termo so aplicveis, em caso de dvida, as seguintes regras: a)Se o termo se referir ao princpio, meio ou fim do ms, entende-se como tal, respectivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o ltimo dia do ms; se for fixado no princpio, meio ou fim do ano, entende- se, respectivamente, o primeiro dia do ano, o dia 30 de Junho e o dia 31 de Dezembro; b) Na contagem de qualquer prazo no se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo comea a correr; c)O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina s 24 horas do dia que corresponda, dentro da ltima semana, ms ou ano, a essa data; mas, se no ltimo ms no existir dia correspondente, o prazo finda no ltimo dia desse ms; d) havido, respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas; e)O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia til; aos domingos e dias feriados so equiparadas as frias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juzo. 220 Artigo 22. (Responsabilidade das entidades pblicas): O Estado e as demais
505 princpio de responsabilidade e garantia patrimonial, que abarca todo o tipo de funes pblicas e no apenas as da Funo Administrativa 221 ), independentemente dos regimes substantivos que enforma o contedo dessa responsabilidade e dever de concretizar tal sujeio a indemnizao.
3.13.2. Elementos constitutivos da responsabilizao
Em geral, existe a obrigao de indemnizar danos, sejam de natureza patrimonial ou no patrimonial 222 , j produzidos e a produzir no futuro, em face de factos (aces ou omisses), culposos (responsabilidade subjectiva, pela culpa individualizvel ou por culpa de servio) ou resultantes de actividades, coisa ou servios especialmente perigosos (responsabilidade objectiva ou pelo risco) ou sacrificadoras de um particular por lhe imporem encargos ou causar prejuzos especiais ou anormais (no interesse pblico, nessa medida, por factos lcitos), originados por entidades com poderes pblicos e seus actores funcionais, na medida em que
entidades pblicas so civilmente responsveis, em forma solidria com os titulares dos seus rgos, funcionrios ou agentes, por aces ou omisses praticadas no exerccio das suas funes e por causa desse exerccio, de que resulte violao dos direitos, liberdades e garantias ou prejuzo para outrem. 221 MEDEIROS, Rui Ensaio sobre a responsabilidaade do estado por actos legislativos. p.85-88; CANOTILHO, Gomes; MOREIRA, Vital Constituio da Repblica Portuguesa Anotada. 3. ed., Coimbra Ed., 1993, p.168; 222 Segundo o artigo 496- do CCV (Danos no patrimoniais), na fixao da indemnizao deve atender-se aos danos no patrimoniais que, pela sua gravidade, meream a tutela do direito. O montante da indemnizao ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em ateno, em qualquer caso, as circunstncias referidas no artigo 494. Por morte da vtima, o direito indemnizao por danos no patrimoniais cabe, em conjunto, ao cnjuge no separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por ltimo aos irmos ou sobrinhos que os representem.
506 exista um nexo de causalidade adequada na sua produo. Estes so, pois, os elementos constitutivos da responsabilidade: facto; dano; culpa (facto interdito: culpa, facto permitido: risco; ou facto justificado: interesse pblico e clusula vital: normalmente previsto na lei ou com base em razes de legalidade excepcional).
3.13.3. Contedo da obrigao de indemnizar
Quanto aos modos de reparao dos danos, nos termos gerais de direito, a obrigado de reparar um dano implica a reconstituio da situao que existiria se no se tivesse verificado o evento que obriga reparao, devendo a respectiva indemnizao ser fixada em dinheiro 223 apenas quando essa reconstituio natural j no seja possvel, no seja adequada a reparar integralmente os danos ou, em situaes excepcionais, se torne desproporcionalmente inexigvel, por excessivamente onerosa e tal substituio no ofenda manifestamente o valor justia que deve nortear a aplicao do direito, cabendo aqui ao juiz um papel aberto criatividade em termos de uma normatividade jusracional. Portanto, a regra geral a reconstituio natural e s nas situaes legalmente previstas existe indemnizao por compensao financeira
3.13.4. Entidades sujeitas a responder por danos
No plano do seu mbito subjectivo de aplicao, este
223 Artigo 3.
507 novo regime de direito pblico sobre a responsabilidade civil extracontratual por danos resultantes do exerccio de funes pblicas aplica-se: a)- s entidades do Estado e a todas as pessoas colectivas de direito pblico, que desempenhem tarefas administrativas, por aces ou omisses que adoptem no exerccio de prerrogativas de poder pblico ou que sejam reguladas por disposies ou princpios de direito administrativo, legislativas e jurisdicionais; b)- aos titulares de rgos, funcionrios, agentes pblicos e trabalhadores em geral 224 , por danos decorrentes de aces ou omisses adoptadas no exerccio das funes administrativa e jurisdicional e por causa desse exerccio.
3.13.5.O critrio geral do exerccio da funo administrativa pblica
No que se refere ao exerccio da Funo Administrativa do Estado- Comunidade, este regime ainda aplicvel, quanto ao exposto neste regime administrativo, quer s pessoas colectivas de direito pblico que ajam em gesto privada, ou seja, em geral ao abrigo de normas do regime de responsabilidade civil extracontratual de direito privado, cuja lei no prevalece mesmo que haja remisso normativas de direito administrativo para a sua aplicao (artigo 2, do DL de aprovao deste regime), quer, nas
224 N.4 do artigo 1.: As disposies da presente lei so ainda aplicveis responsabilidade civil dos demais trabalhadores ao servio das entidades abrangidas, considerando -se extensivas a estes as referncias feitas aos titulares de rgos, funcionrios e agentes.
508 mesmas condies aplicveis nas entidades de direito pblico, s pessoas colectivas de direito privado e seus trabalhadores, titulares de rgos sociais, representantes legais ou auxiliares (n.5 do artigo 1. do RRCEE), nas tarefas que traduzam o exerccio da Funo Administrativa, por concesso ou delegao.
3.13.6.Regimes especiais de responsabilizao
Fora deste regime ficam apenas os regimes previstos em leis especiais, desde que no contenham antinomias com normas de aplicao prevalecente de direito internacional, da Unio Europeia ou leis de valor reforado, o que significa que fica, pois, salvaguardado qualquer regime especial de responsabilidade civil por danos originados no exerccio da funo administrativa.
3.13.7.Noo de ilicitude e tipologia da culpa (individualizvel ou de servio, por normal funcionamento deste), dolo, negligncia grave ou culpa leve (presunes iuris tantum) no exerccio da funo administrativa:
A)-Responsabilidade pela culpa
a)-Noo de culpa individualizvel e presuno de culpa leve
Considera-se ilcita toda a aco ou omisso de titular de rgos ou de qualquer agente da administrao que viole disposies ou princpios jurdicos (constitucionais, legais ou regulamentares) ou infrinjam regras de ordem tcnica
509 ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (n.1 do art. 9.). A culpa desses titulares de rgos e agentes deve ser apreciada pela diligncia e aptido que seja razovel exigir, em funo das circunstncias de cada caso, de um titular de rgo agente da AP zeloso e cumpridor 225 . E existe responsabilidade pessoal dos titulares e outros agentes da AP pelos danos que resultem de aces ou omisses ilcitas, por eles cometidas com dolo ou com diligncia e zelo manifestamente inferiores queles a que se encontravam obrigados em razo do cargo (n.1 do art. 8.). A culpa leve presume -se em geral na prtica de actos jurdicos ilcitos, sem prejuzo da demonstrao de dolo ou culpa grave (presuno iuris tantum). E, para alm dos casos previstos em outras leis, tambm se presume, em face da aplicao dos princpios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilncia (n.3 do art.10..
b)- Noo de ilicitude com culpa no individualizvel (culpa do servio)
Tambm existe ilicitude quando os danos no tenham resultado de ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos assacveis a comportamento concreto de determinado titular de rgo ou agente da AP, ou no seja possvel provar a autoria pessoal da aco ou omisso, situao em que imputado ao funcionamento
225 N.1 do art. 10..
510 anormal do servio. Este funcionamento anormal ocorre sempre que, atendendo s circunstncias e a padres mdios de resultado, fosse razoavelmente exigvel ao servio uma actuao susceptvel de evitar os danos produzidos (n. 2 do art. 9. e 2 e e 3 do artigo 7.).
3.13.8. Vejamos as situaes de responsabilidade exclusiva da AP.
H responsabilidade exclusiva da AP no caso de culpa leve, impossibilidade de imputao individual e anormal funcionamento do servio. Ou seja, todas as pessoas colectivas de direito pblico so exclusivamente responsveis pelos danos que resultem de aces ou omisses ilcitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus rgos ou restantes agentes, no exerccio da funo administrativa e por causa desse exerccio. Tal como o so, tambm, responsveis, quando os danos no tenham resultado do comportamento concreto de um titular de rgo, funcionrio ou agente determinado.
3.13.8. Titulares do direito reparao
No que se refere ao mbito subjectivo activo, tambm concedida indemnizao s pessoas lesadas por violao de norma, ocorrida no mbito de procedimento de formao dos contratos 226 referidos no artigo 100. do Cdigo
226 Esto abrangidos pelo artigo 100. do CPTA, ou seja sujeitos a impugnao, os actos administrativos relativos formao de contratos de empreitada e concesso de obras pblicas, de prestao de servios e de fornecimento de bens, o programa do concurso, o caderno
511 de Processo nos Tribunais Administrativos. O regime aqui estabelecido impe que os processos do contencioso pr- contratual, que devem ser intentados no prazo de um ms a contar da notificao dos interessados ou, no havendo lugar a notificao, da data do conhecimento do acto, tenham carcter urgente. (artigo 101.). Estes processos obedecem em geral tramitao estabelecida para a aco administrativa especial (artigo 78. e seguintes), com algumas especificidades: s so admissveis alegaes no caso de ser requerida ou produzida prova com a contestao e os prazos a observar so de 20 dias para a contestao e para as alegaes, quando estas tenham lugar, 10 dias para a deciso do juiz ou relator, ou para este submeter o processo a julgamento e 5 dias nos restantes casos, podendo o objecto do processo ser ampliado impugnao do contrato, no stermos previstos em sede do regime da modificao objectiva de instncia (artigo 63. 227 ), e se, na pendncia do processo, se verificar que
de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de formao dos contratos, com fundamento na ilegalidade das especificaes tcnicas, econmicas ou financeiras que constem desses documentos, sendo equiparados a actos administrativos os actos dirigidos celebrao desses contratos, que sejam praticados por sujeitos privados, no mbito de um procedimento pr-contratual de direito pblico.
227 Artigo 63. (Modificao objectiva de instncia): 1 - Quando por no ter sido decretada, a ttulo cautelar, a suspenso do procedimento em que se insere o acto impugnado, este tenha seguimento na pendncia do processo, pode o objecto ser ampliado impugnao de novos actos que venham a ser praticados no mbito desse procedimento, bem como formulao de novas pretenses que com aquela possam ser cumuladas. 2 - O disposto no nmero anterior extensivo ao caso de o acto impugnado ser relativo formao de um contrato e este vir a ser celebrado na pendncia do processo, como tambm s situaes em que sobrevenham actos administrativos cuja validade dependa da existncia ou validade do acto impugnado, ou cujos efeitos se oponham utilidade pretendida no processo. 3 - Para o efeito do disposto nos nmeros anteriores, deve a Administrao trazer ao processo a informao da existncia dos eventuais actos conexos com o acto impugnado que venham a ser
512 satisfao dos interesses do autor obsta a existncia de uma situao de impossibilidade absoluta, o tribunal, no proferindo a sentena requerida, convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnizao a que o autor tem direito, seguindo-se os trmites referentes hiptese de modificao objectiva da instncia previsto no artigo 45. 228 . Se o tribunal considerar aconselhvel para o mais rpido esclarecimento da questo, pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, optar pela realizao de uma audincia pblica sobre a matria de facto e de direito, em que as alegaes finais sero proferidas por forma oral e no termo da qual imediatamente ditada a sentena (artigo 103.).
3.13.9. Situaes de responsabilidade solidria e direito de regresso
praticados na pendncia do mesmo. 228 Artigo 45. (Modificao objectiva da instncia): 1 - Quando, em processo dirigido contra a Administrao, se verifique que satisfao dos interesses do autor obsta a existncia de uma situao de impossibilidade absoluta ou que o cumprimento, por parte da Administrao, dos deveres a que seria condenada originaria um excepcional prejuzo para o interesse pblico, o tribunal julga improcedente o pedido em causa e convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnizao devida. 2 - O prazo mencionado no nmero anterior pode ser prorrogado at 60 dias, caso seja previsvel que o acordo venha a concretizar-se em momento prximo. 3 - Na falta de acordo, o autor pode requerer a fixao judicial da indemnizao devida, devendo o tribunal, nesse caso, ordenar as diligncias instrutrias que considere necessrias e determinar a abertura de vista simultnea aos juzes-adjuntos quando se trate de tribunal colegial. 4 - Cumpridos os trmites previstos no nmero anterior, o tribunal fixa o montante da indemnizao devida.
513 A)-Responsabilidade solidria entre os vrios responsveis
Quando haja pluralidade de responsveis, aplicvel o disposto no artigo 497. do Cdigo Civil (n. 4 do art.10.). Ou seja, nas situaes em que existem vrias pessoas responsveis pelos danos, a sua responsabilidade solidria, ou seja, todos e cada uma delas responde pela totalidade do montante indemnizatrio a que haja direito, existindo a seguir direito de regresso entre os responsveis na medida das suas culpas e das consequncias que delas advieram, partida presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsveis 229 .
B)-Responsabilidade solidria entre a AP e os seus agentes (n.2 do art. 8.:)
As entidades sujeitas responsabilizao civil nos termos deste regime, so responsveis de forma solidria com os respectivos titulares de rgos e outros agentes e trabalhadores, se as aces ou omisses tiverem sido cometidas por estes no exerccio das suas funes e por causa desse exerccio.
229 Vide tambm, as situaes resultantes de acidentes com interveno de viaturas de propriedade pblica, o artigo 507. do CCV, em que se prev a responsabilidade solidria quando a responsabilidade pelo risco que recaia sobre vrias pessoas, respondendo, pois, todas pelos danos causados, mesmo que haja culpa de alguma ou algumas. Acontece que, nas relaes entre os responsveis em causa, a obrigao de indemnizar reparte-se depois de harmonia com o interesse de cada um na utilizao do veculo; mas, se houver culpa de algum ou de alguns, apenas os culpados respondem, sendo aplicvel quanto ao direito de regresso, entre eles, ou em relao a eles, o disposto no n 2 do artigo 497. (artigo 507).
514
3.13.10.Direito de regresso da Administrao Pblica dos montantes pagos em indemnizao e procedimento disciplinar contra os seus agentes (n.3 do art.8.)
No entanto o direito de regresso s existe nos casos de comportamentos dolosos ou com culpa grave 230 , por parte desses agentes pblicos. Por um lado, acontece que, sempre que, nestas situaes, elas satisfaam qualquer indemnizao, as entidades pblicas gozam de direito de regresso contra os titulares de rgos ou seus agentes responsveis, competindo obrigatoriamente aos titulares de poderes de direco, de superviso, de superintendncia ou de tutela adoptar as providncias necessrias efectivao daquele direito, sem prejuzo do eventual procedimento disciplinar (n. 3 do art. 8., parte final) ou criminal que caiba ao comportamento em causa. Neste plano, o legislador manda efectivar o prosseguimento da aco jurisdicional em que a AP seja condenada sem que, no entanto, tenha sido ainda apurado do grau de culpa do agente. Com efeito, sempre que o Estado ou outra entidade de direito pblico ou privado seja condenado em responsabilidade civil fundada no comportamento ilcito adoptado por um titular de rgo ou agente seu, sem que tenha sido apurado o grau de culpa do titular de rgo, funcionrio ou agente envolvido, a respectiva aco judicial prossegue nos prprios autos, entre a
230 Artigo 8.
515 pessoa colectiva de direito pblico e o titular de rgo, funcionrio ou agente, para apuramento do grau de culpa deste e, em funo disso, do eventual exerccio do direito de regresso por parte daquela (n.4 do art. 8.). O tribunal que tenha condenado a pessoa colectiva deve para o efeito remeter certido da sentena, aps o seu trnsito em julgado, entidade ou s entidades competentes para o efectivarem 231 .
3.13.11. Concurso de culpas
A)-Concurso de culpa do lesado
No caso de concorrncia de culpa do lesado o tribunal pode, tambm, tendo em conta todas as circunstncias, reduzir ou excluir a indemnizao. Com efeito, h situaes m que o lesado concorreu com culpa prpria na produo da leso Se acontecer que, numa dada situao, a prpria actuao do lesado ti.ver concorrido para a produo ou agravamento dos danos causados, o tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequncias que de cada uma delas tenha resultado em concreto, a indemnizao e atribuir, podendo ser totalmente concedida, reduzida ou at mesmo excluda 232 .
Uma das razes ponderveis, em que de qualquer modo no podem deixar de entrar ponderaes relativizadoras
231 Artigo 6. 232 Artigo 4.
516 da omisso do lesado, tendo presente a posio de fragilidade relacional e eventuais limitaes culturais e financeiras de meios de reaco, prende-se com a no utilizao da via processual adequada eliminao do acto jurdico lesivo, at porque uma coisa eliminar o acto, cuja legalidade ou adequao no danificadora cabe sempre em primeira linha AP, e sobretudo em regime administrativo de autotutela administrativa declarativa e executiva, e outra a indemnizao pelo prejuzo decorrente da no eliminao ou no eliminao tempestiva da conduta incorrecta da AP, devendo pois os tribunais recorrer a este expediente transformadora de uma actuao irregular dos poderes pblicos em actuao irregular do lesado (quando a lei, porque em Estado de Direito apenas faculte garantisticamente a favor de cidado certos meios gerais de defesa, sem obrigar expressamente a uma dada reaco em domnios materiais concretos, em que a sua interveno reactiva tambm era exigvel na defesa colaborativa de valores pblicos importantes, v.g., um associao constituda para a defesa de ecrtos valores com vantagens legais especficas, e que no reage em defesa de interesses difusos para aa qual existe e recebe benefcios, apoios ou isenes, pblicos, etc) cum grano salis (e excepcionalmente, em relao a cidados; sendo o seu campo de aplicao previsvel sobretudo no mbito dos grandes concursos e contratos pblicos, alheios ao emprego pblico). Estamos aqui com uma norma cuja formulao, com abertura a resultados muito diferentes em face das circunstncias concretas de cada situao, que se assemelha a uma permisso de deciso em termos perequativos ou paraperequitativos, ou seja, de um direito
517 do caso segundo a equidade, a procura de uma justia objectiva, embora medida pela subjectividade criativa do direito que ao juiz caber sem desconhecer a desproporo entre a a obrigao de actuar correctamente dos poderes pblicos e a faculdade de reagir dos lesados e a posio de responsabilidade comportamental originria de lesante, o que em princpio no havendo negligncia procedimental instrutria do lesado por falta de colaborao devida, mesmo que com alguma inrcia administrativa irregular face ao princpio daa oficialidade, no permite, pelo menos fora do mbito da grande contratao pblica referida, levar a considerar a AP como inocente. Em resumo, impe-se, neste caso, uma interpretao restritiva da previso de concurso de culpas por falta de impugnao do acto lesivo fora das situaes de negligente instruo deficiente do procedimento por parte do lesado convidado a cooperar ou casos inexistncia de reaco ilegalidade em situaes especialmente exigentes: grandes concursos e contratos pblicos e de silncio em situaes referentes a entidades de defesa de interesses colectivos, autrquicos ou difusos.
B)- Concurso de facto culposo de terceiro
Quando um facto culposo de terceiro tenha concorrido para a produo ou agravamento dos danos, o Estado e as demais pessoas colectivas de direito pblico respondem solidariamente com o terceiro, sem prejuzo do direito de regresso (artigo 11.).
518 3.1.3.12.Responsabilidade pelo risco
O princpio geral nesta matria que, desde que, nos termos gerais, no se comprove que houve fora maior, o Estado e as outras pessoas colectivas, a que este regime aplicvel, respondem pelos danos decorrentes de actividades, coisas ou servios administrativos especialmente perigosos.
3.13.13. Indemnizao por encargo ou outro facto lcito que implique sacrifcios ou danos especiais ou anormais
As entidades da AP devem indemnizar os particulares a quem, por razes de interesse pblico, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais. No clculo da indemnizao atender-se- ao grau de afectao do contedo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado, alm de outros elementos pertinentes 233 . Os danos ou encargos so especiais se incidirem sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas e os danos so de considerar anormais em face da sua gravidade e por excederem os custos prprios da vida em sociedade, situao em que devem merecer a tutela do direito (artigo 2.) 234 .
3.1.3.14. Situaes de indemnizao diminuda
233 Artigo 16. 234 Seguem a forma de aco administrativa comum (al g), n.2 do art. 37. do CPTA: os pedidos de Condenao ao pagamento de indemnizaes decorrentes da imposio de sacrifcios por razes de interesse pblico.
519
Quando os lesados forem em tal nmero que, por razes de interesse pblico de excepcional relevo, se justifique a limitao do mbito da obrigao de indemnizar, esta pode ser fixada equitativamente em montante inferior ao que corresponderia reparao integral dos danos causados.
3.1.3.1.5. Sujeio do pedido a prazos de prescrio
O direito indemnizao por responsabilidade civil extracontratual das entidades que desempenham tarefas pblicas e dos titulares dos rgos e outros agentes ed trabalhadores, tal como o direito de regresso est sujeito a prescrio 235 , no prazo de trs anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, mesmo que com desconhecimento da pessoa do responsvel e da extenso integral dos danos, desde que no ultrapasse o prazo da prescrio ordinria a contar do facto danoso. O direito de regresso entre os responsveis tambm prescreve nesse prazo de trs anos, a contar do cumprimento. No caso de o facto ilcito, que deu origem ao dano, constituir crime, em que a prescrio legal prevista esteja sujeita a um prazo mais longo, ser este prazo mais favorvel o prazo aplicvel. No entanto, a prescrio deste direito no implica a prescrio da aco de reivindicao
235 Sendo-lhes tambm aplicvel o disposto no Cdigo Civil sobre sua suspenso e interrupo.
520 nem da aco de restituio por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra (artigo 498.).
3.1.3.1.6.A questo do no pagamento voluntrio de indemnizaes por entidades no integrantes da Administrao directa do Estado. Pagamentos por dotao oramental inscrita ordem do CSTAF
Nas situaes em que se mostrem esgotadas as providncias de execuo para pagamento de quantia certa previstas na lei processual civil 236 sem que tenha sido possvel obter o respectivo pagamento atravs da entidade responsvel, a secretaria do tribunal notifica imediatamente o CSTAF para que emita a ordem de pagamento da indemnizao, independentemente de despacho judicial e de tal ter sido solicitado, a ttulo subsidirio, na petio de execuo. O pagamento de indemnizaes devidas por pessoas colectivas pertencentes administrao indirecta do Estado ou administrao autnoma, por fora de uma sentena judicial que no seja espontaneamente
236 Artigo 170. do Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos (Artigo 170. Execuo espontnea e petio de execuo: 1-Se outro prazo no for por elas prprias fixado, as sentenas dos tribunais administrativos que condenem a Administrao ao pagamento de quantia certa devem ser espontaneamente executadas pela prpria Administrao no prazo mximo de 30 dias. 2 - Quando a Administrao no d execuo sentena no prazo estabelecido no n. 1, dispe o interessado do prazo de seis meses para pedir a respectiva execuo ao tribunal competente, podendo, para o efeito, solicitar: a) A compensao do seu crdito com eventuais dvidas que o onerem para com a mesma pessoa colectiva ou o mesmo ministrio; b) O pagamento, por conta da dotao oramental inscrita ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais a que se refere o n. 3 do artigo 172.
521 executada no prazo mximo de 30 dias, o crdito indemnizatrio apenas pode ser satisfeito por conta da dotao oramental inscrita ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), se, atravs da aplicao do regime da execuo para pagamento de quantia certa, nos termos da lei processual civil, no tenha sido possvel obter o respectivo pagamento junto da entidade responsvel. Neste caso de satisfao do crdito indemnizatrio por via do Oramento do Estado, o Estado goza de direito de regresso, incluindo juros de mora, sobre a entidade responsvel, a exercer mediante desconto nas transferncias a efectuar para a entidade em causa no Oramento do Estado do ano seguinte, inscrio oficiosa no respectivo oramento privativo pelo rgo tutelar ao qual caiba a aprovao do oramento (se se tratar de entidade pertencente Administrao indirecta do Estado) ou aco de regresso a intentar no tribunal competente. Esta soluo, prevista a ttulo subsidirio, no prejudica a possibilidade de o interessado solicitar directamente a compensao do seu crdito com eventuais dvidas que o onerem para com a mesma pessoa colectiva, sem necessidade de solicitar previamente a satisfao do seu crdito indemnizatrio atravs da aplicao do regime da execuo para pagamento de quantia certa previsto na lei processual civil 237 .
14.- Princpio da transparncia
237 Artigo 3. da Lei que aprova o novo RJRCEE
522 14.1. Para alm destes princpios do elenco inicial, outros esto enunciados na Constituio e disciplinados noutras partes do CPA e leis concretizadoras, devendo destacar-se os da publicidade e transparncia. O princpio da transparncia do processado, na fase endoprocedimental, em relao aos interessados e contra- interessados est em geral disciplinado nos artigos 61. a 64. do CPA, e, j na fase ps-decisional, de acesso generalizado aos administrados, no artigo 65. do CPA e na Lei n.46/2007, de 24 de Agosto 238 , que veio ampliar (tratando, agora, tambm, a questo da reutilizao da informao) a matria da anterior Lei n.65/93, de 26.8, que pela primeira vez veio concretizar o direito de acesso aos documentos detidos pelas Administraes pblicas). Com efeito, ela regula o acesso aos documentos administrativos, no cumprimento e concretizao do direito fundamental constitucionalmente consagrado, quer em termos de documentos de acesso livre, quer no que se refere a documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de sade, efectuado pelo titular da informao, por terceiro autorizado pelo titular ou por quem demonstre um interesse directo, pessoal e legtimo (n.3 do artigo 2.), aplicvel juntamente com a Lei especfica relativa ao acesso informao em matria de ambiente, em transposio da ltima Directiva Europeia sobre a matria, embora no na medida em que seja conforme directiva, que mais restritiva do que a nossa Lei geral, mas, por isso mesmo, apenas na medida em que seja mais aberta do que esta, como disciplina ainda a
238 Dirio da Repblica, 1. srie N. 163 24 de Agosto de 2007 5681
523 possibilidade da reutilizao dos documentos do sector pblico, transpondo tambm para a ordem jurdica nacional a Directiva n. 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro, nas situaes de acesso para fins diferentes do seu mero conhecimento e uso ut cives, ou seja, para defesa do interesse pblico, ou seja. J, naturalmente, o regime de exerccio do direito dos cidados a serem informados pela Administrao sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados e a conhecer as resolues definitivas continua a constar do CPA, assim como o acesso aos documentos notariais e registrais, de identificao civil e criminal, aos depositados em arquivos histricos e documentos em segredo de Estado e de Justia mantem-se regido pela legislao especfica sobre a matria. No se aproveitou a alterao para precisar e modificar no n.2 do artigo 3. o elenco dos documentos excludos da classificao de administrativos, como no se modificou o valor das deliberaes da CADA que continuou com uma funo em geral meramente consultiva. No primeiro caso, refiram-se as situaes em que se podem produzir notas meramente pessoais e outros registos pessoais mas com implicaes administrativas, tal como no caso dos esboos, apontamentos e outros registos de natureza semelhante, e mesmo de documentos referentes reunies do Conselho de Ministros e de secretrios de Estado, e sua preparao, quando relevem material ou formalmente da actividade administrativa, quer decisria quer regulamentar.
524 14.2. Vejamos a disciplina fundamental do regime do acesso informao detida por entidades da administrao pblica.
14.3.No seu mbito de aplicao subjectiva entram todas as entidades organicamente integradas no exerccio da Funo Administrativa do Estado Comunidade e dos outros poderes de soberania. Aqui integram-se, hoje, tambm os rgos das empresas pblicas estatais e regionais, intermunicipais e municipais 239 . E, alm das entidades de direito pblico, aplica-se, ainda, aos documentos detidos ou elaborados por quaisquer entidades dotadas de personalidade jurdica que tenham sido criadas para satisfazer de um modo especfico necessidades de interesse geral, sem carcter industrial ou comercial, que sejam financiadas maioritariamente por alguma entidade pblica, ou a sua gesto sujeita a um controlo por parte de alguma entidades sujeita aplicao da obrigao de comunicao documental, os rgos de administrao, de direco ou de fiscalizao sejam compostos, em mais de metade, por membros designados entidades sujeita aplicao da obrigao de comunicao documental.
14.4.A comunicao de dados de sade, hoje objecto de desenvolvimento em lei especial, a Lei 12/2005, fuge s concepes americanas da livre comunicao ao doente,
239 E alarga-se a outras entidades que no apenas aquelas a quem incumbe o exerccio de funes administrativas, mas tambm s que detm poderes pblicos em geral (n.1 do artigo 4.), o que passa a incluir a documentao de natureza administrativa das entidades do poder legislativo e jurisdicional, sem prejuzo de qualquer modo das limitaes previstas e relao actividade jurisdicional que neste estrito mbito se rege pelo direito processual respectivo
525 mantendo-se o sistema europeu de comunicao por intermdio de mdico, quando o requerente o solicite e indique mdico para o efeito, a quem cabe a responsabilidade de temporalizar o volume de informao a transmitir, segundo parmetros pautados por precaues de natureza psicolgica.
14.5.O direito de acesso a documentos constantes de inquritos e sindicncias s existe aps o decurso do prazo para o exerccio de eventual procedimento disciplinar ou terminado este. Em geral no do acesso a documentos administrativos preparatrios de uma deciso ou constantes de processos ainda no concludos, existe um poder discricionrio para o seu diferimento at tomada de deciso. Neste caso, no tendo sido cumpridos os prazos legais para o terminar, o direito de acesso ocorre um ano aps a sua elaborao, momento a partir de quando se torna de comunicao obrigatria.
14.6.Quanto a terceiros em relao a documentos administrativos, ou seja com dados da vida ntima das pessoas (relacionados a sua vida emocional, afectiva, sexual ou com juzos de valor negativo), s lhes assiste o direito de acesso se estiverem munidos de autorizao escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrarem um interesse directo, pessoal e legtimo suficientemente relevante (repercusso negativa ou positiva nas suas posies jurdicas), segundo o princpio da proporcionalidade.
526 14.7. No entanto, se em situaes de livre acesso, este se pode processar por opo do interessado atravs de consulta pessoal, emisso de fotocopia ou suporte fsico de gravao e por certido, acontece que, tratando-se de documentao com segredos, fica interdito o acesso por exame directo, sem prejuzo da fotocpia parcial, impondo-se o respeito pelos princpios do sombreamento (das partes com informao no comunicvel) ou acantonamento (excluso em bloco da parte inicial ou final do texto) das informaes confidenciais, em ordem a permitir o acesso s restante constantes de dossiers ou documentos, atravs de fotocpias truncadas, prevendo a lei que os documentos administrativos sujeitos a restries de acesso so objecto de comunicao parcial sempre que seja possvel expurgar a informao relativa matria reservada. Portanto, em geral, a entidade requerida no tem o dever de criar documentos, mas tem o de os adaptar e de fornecer extractos dos mesmos, para satisfazer os pedidos, desde que tal no implique um labor desproporcionado, que ultrapasse a simples manipulao dos mesmos.
14.8.E, tratando-se de documentos informatizados, eles devem ser ou copiados para suporte informtico ou de papel, ou, se o requerente o preferir, enviados directamente por transmisso electrnica de dados, neste caso se tal for possvel e sempre sem prejuzo da garantia de adequada inteligibilidade e fiabilidade do seu contedo, mesmo que tal implique o labor informativo autnomo da respectiva descodificao de siglas, rubricas ou linguagem burocrtica, e em termos rigorosamente correspondentes ao do contedo do registo tal como existe.
527
14.9.Quanto divulgao de informao, existe a obrigao dos rgos e entidades sujeitas ao regime de transparncia administrativa assegurarem a sua divulgao, enunciando-se designadamente especificaes tcnico- materiais de suporte: bases de dados electrnicas, facilmente acessveis ao pblico e redes pblicas de telecomunicaes, e impondo-se isso nalguns tipos de informao administrativa, a actualizar no mnimo semestralmente, a saber, todos os documentos que comportem: enquadramentos da actividade administrativa, designadamente despachos normativos internos, circulares e orientaes; e enunciao de todos os documentos que comportem interpretao de direito positivo ou descrio de procedimento administrativo, mencionando designadamente o seu ttulo, matria, data, origem e local onde podem ser consultados.
14.10. H uma matria que foi recentemente objecto de uma reviso opacitadora, que marca um claro recuo no dispositivo da transparncia, e alis num domnio onde mais se faz sentir, e onde a corrupo dos administradores tem uma maior dimenso, no acesso aos documentos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa. Com efeito, onde existia um poder discricionrio da Administrao passou a vigorar o princpio da interdio de comunicao, indo ao ponto de, ao arrepio de objectivos de combate corrupo, onde mais se faz sentir e em que a transparncia mais se justifica, equiparar ou mesmo agravar o regime de acesso a dados da vida interna das empresas com o regime aplicvel vida
528 ntima das pessoas e famlias, ao estatuir-se em geral como regra, no s que um terceiro s tem direito a aceder a esses documentos se estiver munido de autorizao escrita da empresa ou demonstrar interesse directo, pessoal e legtimo, como que tal interesse tem que ser suficientemente relevante, segundo o princpio da proporcionalidade. E isto apesar de se declarar em geral que no permitida a utilizao de informaes em violao, no apenas dos direitos de autor, como dos direitos de propriedade industrial (artigo 8.), acrescentando-se que os documentos nominativos comunicados a terceiros no podem ser utilizados para fins diversos dos que determinaram o acesso, sob pena de responsabilidade por perdas e danos, nos termos legais, previso que tinha, sobretudo, sentido no regime anterior de acesso a documentos de interesse econmico, cuja comunicao pressupunha e pretendia e abuso de uso pretendia acautelar. Opreviso da possibilidade de comunicao sujeito embora ao critrio da ponderao comparativa dos interesses em presena abriria a porta a uma comparao relativa, favorecendo designadamente por princpio o direito fundamental da comunicao social e, portanto, o acesso nas situaes de maior interesse para o esclarecimento da opinio pblica em momentos de desconfiana de ineficcias, irregularidades e corrupo, mas se, ao juntar- se-lhe a exigncia de dever tratar-se de um interesse relevante, se pretende uma ponderao especialmente qualificada, introduz-se um parmetro perturbador do mero exerccio do princpio da proporcionalidade, que
529 pode, sistematicamente, ser usado para bloquear o exerccio do direito de acesso.
14.8.Nenhuma razo de irrazoabilidade funcional, assente em situaes de declarao pela Comisso de Acesso aos Documentos Administrativos ou pelos tribunais, sobre o direito de acesso existia que justificasse esta alterao, que apenas vem revelar uma tendncia liberticida do prprio legislador.
14.9.O modo de fixar e calcular os custos das fotocpias, questo fundamental para o exerccio por todos do direito fundamental de acesso informao, deveria poder ser fixada apenas por lei e fixada de molde a integrar apenas a soma dos encargos proporcionais com a utilizao de mquinas e ferramentas e dos custos dos materiais usados e do servio prestado, o que no acontece, o que coloca a questo da sua constitucionalidade, desde logo ao permitir-se encostar esses custos ao preo de mercado, o que alis ultrapassa a noo de taxa. Com efeito, na parte final da norma, desdiz-se este critrio ao reportar-se ao mercado, naturalmente sempre, com valores maiores ou menores, mas sempre com intuitos lucrativos, que implicam a rotura com tal critrios, que nem sequer admite, e bem, a incorporao de clculos sobre o tempo dispendido na procura dos documentos detidos pelas entidades sujeitas ao acesso, cujo nus de bom arquivo lhe cabe e portanto devem sofrer o nus da sua m tcnica, em que, porm, o legislador vem agora, qui para conestar fixao ilegal dos valores pelas
530 portarias governamentais e regulamentaes autrquicas, permitir que possa incorporar alguma mais valia de natureza lucrativa, a admitir, como se referiu, apenas, como limite para tal valor montantes, que no ultrapassem o valor mdio praticado no mercado por servio correspondente, admitindo-se que, a cumprir-se a determinao de ser o Governo da Repblica e os Governos das Regies Autnomas (ouvidas a Comisso de Acesso aos Documentos Administrativos e as associaes nacionais das autarquias locais), a fixar as taxas a cobrar (com lista a enunciar em lugar acessvel ao pblico e com possibilidade do acrscimo de um montante a ttulo de preparo com o objectivo de garantir as taxas devidas e encargos de remessa, se solicitada) no s pelas reprodues como pelas certides, tal possa implicar pelo menos, a nvel do governo estadual, o respeito pelo critrio de novo imposto, e cujo cumprimento essencial pois certas experincias histricas j revelaram que, pela via dos preos, se consegue tirar toda a eficcia ao direito de acesso, o que levou mesmo a legislao americana a ser alterada com imposio de gratuitidade at um certo nmero relativamente volumoso de cpias, desde que o requerente no seja entidade de natureza comercial (artigo 12.). Nesta matria, permite-se, ainda, que a reproduo, a efectivar atravs de um exemplar possa ficar sujeita a pagamento, pela pessoa que a solicitar, a um montante antecipado. E admite-se, tambm, que outras as entidades infra-estatais com poder tributrio autnomo possam fixar taxas at 100% mais dos valores fixados nos termos do critrio legalmente fixado, o que significa uma delegao
531 em poderes regulamentares em termos contrrios lei, atentatria da Constituio, quer por permitir critrios claramente comerciais, quer por atentar contra o n. 5 do seu artigo 112. (Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficcia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos). A Administrao passa, agora, a ter ao seu dispor o instrumento da possvel exigncia de um preparo que garanta as taxas eventualmente devidas no futuro e, quando for caso disso, os encargos de remessa recusa, o que traduz um retrocesso (em relao norma anterior) na promoo deste direito ao servio do controlo da administrao em que os cidados deviam ser estimulados a actuar uti cives (designadamente em matrias de ambiente, urbanismo, em geral defesa de interesses difusos, estmulo eficcia, luta contra a corrupo, e em geral no interesse pblico) e no apenas directamente para defesa dos seus interesses pessoais.
14.10.Existe um rgo administrativo independente das administraes activas com obrigao de velar pelo correcto cumprimento deste direito, a Comisso de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), a quem a Administrao, em caso de dvida ou pedidos de acesso a informaes nominativas, podem pedir parecer e os administrados podem apresentar queixas, o que pressupe um pedido escrito prvio de acesso sem resposta, a existncia de formalizao por escrito do
532 indeferimento de pedido efectuado verbalmente ou comunicao meramente parcial.
14.11.A Administrao no est obrigada a satisfazer pedidos com carcter repetitivo e sistemtico, e, quanto aos pedidos volumosos, e portanto sem possibilidade de cumprimento no curto prazo de 10 dias, a comunicao ser paulatina, podendo naturalmente ultrapassar o prazo legal de acesso, devendo entender-se que s excepcionalmente se possa recusar o pedido qualificando-o de manifestamente abusivo. Em princpio h uma obrigao de comunicao tempestiva e, eventualmente, em caso de pedidos de grande montante, escalonada atravs da ordenao efectivada no requerimento ou acordada pela Administrao com o requerente. Por princpio, o que importa referir que, perante pedidos velumosos, e no apenas em casos excepcionais, a Administrao em vez de recusar a documentao, perante um volume ou a complexidade da informao solicitada (em termos de qualquer modo teriam que ser sempre devidamente fundamentados), pode protelar o prazo de acesso para l dos 10 dias embora nunca para alm de um mximo de dois meses, fixado precisamente dentro do razovel e para evitar abusos da Administrao, devendo o requerente ser informado disso, em ordem a poder reequacionar o seu pedido ou impugnar tal deciso, pelo que A Administrao deve comunicar tal deferimento tambm dentro do prazo normal de resposta, que de 10 dias.
533 14.12.Nos termos do 2 do artigo 15., o exerccio do direito de queixa CADA, embora continue a vigorar o regime instaurado em 1999, de inexistncia desta queixa como pr-contencioso obrigatrio antes de se ir para tribunal, passa no entanto a interromper o prazo para intentar o processo jurisdicional no tribunal administrativo. Face a qualquer queixa, a CADA deve convidar a entidade requerida a responder queixa no prazo de 10 dias. Ela tem o prazo de 40 dias para elaborar o relatrio de apreciao da situao, a enviar ao queixoso e entidade pblica. O prazo da entidade requerida comunicar ao requerente a sua deciso final fundamentada de novo de 10 dias, sem o que, para efeito de direito de iniciativa processual, a tramitar nos termos do Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos, se considera haver falta de deciso. O prazo jurisdicional de 20 dias (que comear a contar de novo) para a introduo em juzo de petio para desencadear o processo urgente de intimao para a prestao de informaes, consulta de processos ou passagem de certides (prazo a que se aplicam, com as devidas adaptaes, as disposies relativas remessa a juzo das peas processuais).
14.13. Apesar de crticas especficas a certas alteraes, tal como a do regime regra de no acesso a documentos econmicos e a outras normas, como a referente aos custos, e tal inquinar em termos qualitativos o novo diploma, em termos que o direito comunitrio no exigiam e o direito constitucional, devidamente lido,
534 impedia, uma vez j concretizado em termos mais aberto transparncia na anterior Lei n.65/93, de 26 de Agosto, a verdade que, nos restantes aspectos, sobretudo sobre prazos (salvo a ampliao do prazo de elaborao dos relatrios da CADA, denotando sobrecarga de processos e a exigncia de um regime mais adequado, segundo o modelo francs, de no acumulao de funo), a disciplina do livre acesso aos documentos quase no sofreu alterao substantiva, pois todo o restante regime do novo diploma transcrito do j constante do diploma de 1993.
27.PRINCPIO DA TUTELA JUDICIAL EFECTIVA E DIREITO PROCESSUAL NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
27.1. Consideraes gerais
A parte final destas Noes Fundamentais de natureza preliminar de Direito Administrativo integra, pela sua importncia para a compreenso do regime administrativo e para a percepo das garantias ao dispor dos cidados face a conflitos com a administrao, alguns apontamentos com noes fundamentais de Justia Administrativa: o princpio da tutela judicial efectiva (o direito de acesso aos tribunais, o direito de obter soluo judicial em tempo razovel e o direito execuo das sentenas) e o controlo jurisdicional em concreto, organizao dos tribunais
535 administrativos e formas processuais, embora sucintamente expostas.
*
27.2. Princpio constitucional da tutela judicial efectiva e da interdio de indefesa
Quanto ao princpio da tutela judicial efectiva, ele um dos instrumentos de realizao do princpio da legalidade. Com efeito, o princpio da legalidade s garantido quando existam mecanismos de controlo eficaz do respeito da Administrao Pblica ao bloco da legalidade.
H controlos externos Administrao Pblica, tais como a fiscalizao parlamentar de tipo poltico, mais amplo do que a fiscalizao da legalidade ou de instituies especializadas, como o Tribunal de Contas ou o Provedor de Justia. H controlos internos, quer de natureza processual (o procedimento administrativo) quer hierrquica (poder de direco e impugnao administrativas). O controlo jurisdicional exercido por juzes integrantes do poder judicial, independentes, inamovveis, submetidos apenas lei, constituindo um dos princpios bsicos do Estado de Direito. O poder jurisdicional exercido sobre a Administrao Pblica mais intenso do que aquele que exercido sobre actividades privadas, controlando-se a actividade administrativa com a leitura de qualquer norma
536 do ordenamento jurdico e at atravs da simples leitura dos fins a prosseguir base das normas (sob pena de desvio de poder), o que excepcional no Direito Privado.
No plano da sua nomognese, o princpio da tutela judicial est consagrado na Conveno Europeia dos Direitos dos Homem de 1950 (n. 1, artigo 6.) e tem expresso constitucional no n. 1 do artigo. 20. e n.. 4 e 5 do artigo 268. da Lei Fundamental. Diz o n. 1 do artigo 20. da CRP que garantido a todos o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos, no podendo a justia ser denegada por insuficincia de meios econmicos.
um princpio aplicvel a toda a actividade da Administrao Pblica, quer se desenvolva em gesto privada quer pblica, impondo a proteco jurisdicional das posies jurdicas do cidado-administrado e que implica, em situaes de discordncia com os actos aplicativos ou omisses na aplicao do Direito Administrativo, no s a possibilidade de recurso contencioso, mas tambm de aco de reconhecimento de direitos e interesses legtimos, quando o recurso no seja o meio mais adequado para a sua efectivao (n. 5, artigo 268. da CRP).
Este princpio constitucional, densificado no n. 5 do artigo 268., tem hoje plana traduo no noivo Cdigo do Processo nos Tribunais Administrativos.
Este princpio, durante muito tempo sem traduo
537 no nosso sistema ed contencioso, h muito que impunha a possibilidade genrica de os cidados acederem justia administrativa perante qualquer acto ofensivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos, o que significa a impossibilidade legal da exigncia de prvias impugnaes administrativas que retirem o carcter de acesso directo e imediato jurisdio. Este tema leva-nos ao debate sobre o enquadramento constitucional do recurso hierrquico necessrio.
Em Portugal, a questo da admissibilidade ou no de um recurso administrativo obrigatrio como condio para a interposio de um recurso contencioso mereceu uma dada reflexo do Tribunal Constitucional, a quando da elaborao da Lei do Segredo de Estado e da Lei do Acesso aos Documentos da Administrao, que, ao concretizar o direito geral informao administrativa, criou a Comisso de Acesso aos Documentos da Administrao, cujo enquadramento da competncia para apreciar queixas ou reclamaes dos cidados em termos obrigatrios, como procedimento pr-contencioso, serviu de modelo Comisso de Fiscalizao do Segredo de Estado e valor do respectivo parecer.
Nela se prev, ainda hoje, a formulao obrigatria de um parecer por esta entidade como condio para a interposio do recurso jurisdicional, o que foi questionado com base nos artigos 268., n.4, e 20. da CRP.
538 O problema foi mesmo levado ao Tribunal Constitucional quanto ao pedido prvio de apreciao da recusa da Administrao no mbito das excepes comunicao documental por razes de segredo de Estado. E situou-se em saber se ou no possvel interpor entre a Administrao decisria, activa, e a entidade jurisdicional, uma outra qualquer entidade de apreciao do acto administrativo denegador de um direito do cidado.
Trata-se de saber se, independentemente das suas caractersticas e de ser classificvel como administrativa ou no, possvel fazer depender a impugnao contenciosa de uma prvia apreciao do acto de recusa da solicitao do administrado, lesiva de um seu direito, da exigncia de um parecer prvio a uma outra interposta entidade.
Com efeito, esta interferncia com o desenvolvimento da apreciao administrativa do pedido teve consequncias no dispositivo normativo, quer pelo rearranjo, feito pelo legislador, dos prazos de actuao da Administrao quer por lhe dar obrigatoriamente uma segunda oportunidade de apreciao do requerimento com deferimento da possibilidade de recurso judicial, mesmo depois de a deciso administrativa j ter sido tomada. Assim, dentro do esprito do texto constitucional, parecia que no deixava de se criar uma entorse ao princpio da recorribilidade imediata de decises administrativas com efeito externo? ou no constitucional a exigncia da mediao deste parecer puramente conciliador entre uma
539 deciso da Administrao, que produz logo efeitos sobre a esfera jurdica exterior? O que importa, neste caso, sabido que est garantido o recurso constitucionalmente exigido em relao a qualquer acto administrativo, parece ser o enquadramento da questo na perspectiva de saber se essa possibilidade est a ser retirada por vias travessas, em termos que conflituem com o disposto no artigo 20. da Lei Fundamental e artigo 268. que impem que a todos seja assegurado o acesso aos tribunais para a defesa dos seus direitos e deveres legtimos sem restries, que, no caso dos direitos, liberdades e garantias, devem limitar-se ao mnimo necessrio para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Em geral, esta questo coloca o problema da impugnao contenciosa dos actos administrativos, em face da Constituio.
Com efeito, a nova norma constitucional, de aplicao directa, por fora do n. 1 do artigo 18. da Constituio, garante o controlo jurisdicional das decises administrativas que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos. Isto , toda a declarao unilateral resultante do exerccio do poder administrativo, que produza efeitos jurdicos externos em relao a um caso concreto, passvel de impugnao perante os tribunais administrativos, com fundamento em vcio invalidante, sem qualquer condicionamento existncia da natureza desses actos como actos definitivos e executrios, expresso entretanto eliminada da constituio e tambm j da legislao contenciosa.
E antes de continuar no tema, refira-se desde j, o
540 sentido da exigncia de executoriedade dos actos, esclarecendo o seguinte: os actos administrativos que preenchem as condies de eficcia so obrigatrios em relao ao seu destinatrio e, por via disso, quando susceptveis de execuo, so passveis de execuo pela via administrativa. A executoriedade uma caracterstica da actividade administrativa, pelo que, em relao a actos que s produzem efeitos mediante actos de execuo, quando esta puder ser imposta coercivamente e a lei no obrigue a que tal se processe por meio dos Tribunais judiciais, a Administrao Pblica executa por si as suas prprias decises, nisto se traduzindo o seu poder executivo, dado que uma actuao de acordo com os comandos do legislador se presume respeitadora da legalidade.
O juiz s intervm pondo em causa a auto-tutela administrativa em face da invocao do no respeito da legalidade e apenas para obrigar a repor a vontade do legislador. Todos os actos executrios, tal como os actos de eficcia imediata, ou seja, que cumprem os seus efeitos jurdicos sem necessidade de actos de execuo, na medida em que lesem as posies jurdicas substantivas dos particulares o que s ocorre quando sejam eficazes, so passveis de apreciao jurisdicional.
O n. 4 do artigo 268., ao dar um direito de recurso nestes casos, atribui obviamente ao particular lesado legitimidade para interpor esse recurso. Que sentido tem o ter retirado a exigncia da executoriedade do acto
541 administrativo como condio de impugnao contenciosa, na actual Constituio? Quer se entenda a executoriedade como a possibilidade de execuo coactiva do acto pela Administrao, quer como imperatividade ou obrigatoriedade de o particular executar imediatamente o acto, pode dizer-se que o acto administrativo traduz uma deciso executria, no sentido em que tem fora executria por si mesmo, independentemente de em certos casos no poder ser objecto de execuo forada quando o particular no lhe obedecer.
De qualquer maneira, a doutrina portuguesa entende que o sentido dado pelo legislador ao termo executoriedade enquanto requisito de recorribilidade corresponde ao da eficcia, ou seja, aptido para produzir efeitos jurdicos.
A eliminao desta expresso de exigncia no texto constitucional veio acabar com a polmica doutrinria sobre o sentido do conceito, sendo certo que se ele j no acrescentava nada anteriormente, agora isoladamente seria incompreensvel, tendo presente que as questes de eficcia esto enquadradas noutro normativo constitucional.
E, quanto definitividade, j a alterao constitucional tem um sentido inovador. Com efeito, a Constituio at 2. Lei de Reviso, em 1989, ligava a garantia de recurso contencioso existncia de um acto definitivo e executrio, como pressupostos processuais,
542 conforme resulta da leitura do ento n.3 do artigo 268.. Esta norma, garantindo a impugnao destes actos, no impedia que o legislador ordinrio estendesse tal recurso aos actos no definitivos. Apenas se abstinha de o impor. Tal garantia tinha, no ps-25 de Abril, o interesse de levar declarao de inconstitucionalidade de qualquer lei que impedisse o controlo jurisdicional dos actos administrativos definitivos.
Hoje, a prpria Constituio que impede a construo do regime dos recursos contenciosos em funo do carcter definitivo do acto.
Quanto ao conceito de acto administrativo, importa referir o seguinte: em face da ligao entre o conceito de acto administrativo e o contencioso administrativo, o acto administrativo , por natureza, dada a funo da sua existncia, passvel de impugnao contenciosa.
A sua construo, a manter-se, visa precisamente delimitar os comportamentos da Administrao Pblica em ordem garantia dos particulares, em face de toda a declarao autoritria proferida por um rgo investido do poder administrativo e com utilizao de regras de direito administrativo, em ordem a provocar efeitos jurdicos externos num caso concreto. Sendo assim, a ordem jurdica portuguesa, em face do n. 4. do artigo 268., e tal como se constata tambm do artigo 120. do Cdigo do Procedimento Administrativo, consagra uma noo
543 apertada do acto administrativo, em que s cabem aqueles actos da Administrao que visem produzir efeitos jurdicos externos.
E, neste contexto, qual o interesse actual do conceito doutrinal tradicional de acto definitivo? sabido que foi por razes de ordem prtica que a jurisprudncia individualizou, entre os actos da Administrao, aqueles que seriam controlveis jurisdicionalmente, atravs do recurso ideia de acto que lesa imediata e directamente um direito ou interesse do particular, com o objectivo de demarcar os actos da Administrao sem direito a recurso jurisdicional, pelo afastamento de toda a actividade que no lesasse directa e especificamente um particular ou s o fizesse, como refere ROGRIO SOARES 240 , em termos virtuais, hipotticos ou condicionais. Acontece que esta construo evoluiu para uma concepo de acto definitivo como aquele que, decidindo uma pretenso nsita num procedimento administrativo, vem definir uma situao jurdica de um particular. Esta corrupo doutrinria acabaria por implicar algumas excepes, pela necessidade de no deixar certas actuaes sem controlo jurisdicional.
por isso que a jurisprudncia veio a admitir a impugnabilidade contenciosa de actos no definitivos que produzem logo efeitos jurdicos substantivos designados por actos prejudiciais ou actos destacveis e que, sendo preparatrios da deciso final, no pem fim a um incidente autnomo nem excluem um dado interessado do
240 Direito Administrativo, p. 58.
544 processo em apreciao. Alm disso, outros actos preparatrios que, produzindo efeitos jurdicos externos, lesam os administrados, foram objecto de uma abrangncia formal no conceito de acto definitivo, segundo a teoria da tripla definitividade (que despreza o sentido de acto horizontalmente definitivo, ou seja, aquele que definiria em termos finais o procedimento) como acontece com os actos procedimentalmente intermdios que pem termo a um incidente autnomo operado no processo ou aqueles que excluem do processo um interessado na resoluo final, ou seja, no acto definitivo.
Avana-se, assim, numa perspectivao subjectivista do recurso contencioso, apesar de o seu objecto imediato continuar a ser o acto administrativo invlido e no a invocao da leso dos direitos ou interesses protegidos.
De qualquer modo, abandona-se expressamente nesta norma formulada na reviso constitucional de 1989, a exigncia dos tradicionais requisitos formais, de efeito redutor, da definitividade e executoriedade, a favor da impugnao directa de qualquer deciso pela Administrao que ponha em causa as posies jurdicas substantivas dos particulares.
Em resumo, a Constituio impe que as decises com eficcia externa sejam sempre passveis de recurso directo quando lesem os direitos e interesses legalmente protegidos.
545
Mas coisa diferente saber se a Constituio impe uma garantia de recurso imediato. Como nos devemos posicionar em relao aos actos intercalares, de natureza precria, ao terminarem um dado procedimento sem constiturem a ltima palavra da Administrao? Na teoria do acto verticalmente definitivo, o conceito de acto definitivo reporta-se hierarquia. Com efeito, no conceito tradicional de acto administrativo definitivo, este s o quando, alm das caractersticas de definitividade material e horizontal, o acto no possa ou j no possa ser objecto de recurso hierrquico (acto vertical ou hierarquicamente definitivo). A definitividade hierrquica ocorre em relao a actos praticados por um rgo com competncia exclusiva na matria, ou por no haver para quem interpor recurso ou por o recurso contencioso no ter sido interposto no prazo legal. No caso de o acto ainda no constituir a ltima palavra da Administrao, ento ele no definitivo, mas precrio, uma vez que reexaminado ou revisto pelo rgo mais elevado do respectivo escalo hierrquico, pode no subsistir.
De qualquer maneira, do acto precrio do subalterno ou do acto do superior que constitui a ltima palavra da Administrao, que o particular pode recorrer?
No teria passado a ser inconstitucional a exigncia prvia de recurso hierrquico necessrio?
546 O legislador ordinrio no era obrigado a manter a definitividade do acto para efeitos de recurso contencioso, como fez at 2. Lei de Reviso Constitucional de 1989, mas, ao mant-la agora passou a faltar a uma obrigao constitucional, a de eliminar tal exigncia, em face do n. 4 do artigo 268..
O direito de recurso no s estava constitucionalmente consagrado, como o estava com um dado enquadramento, que o liga defesa dos direitos fundamentais, pelo que, independentemente da sorte da legislao ordinria, nesta matria, tal direito podia ser, j antes da actual reforma do direito processual, exercido por invocao da aplicao directa do artigo 18., n 1 do texto fundamental. Isto significa a vigncia hoje tambm do princpio da imediatividade na impugnao de acto lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, independentemente de o acto administrativo ser definitivo ou no.
impugnvel o acto que provoque uma leso directa e imediata da posio jurdica do particular. Com efeito, que sentido teria, em termos de aumento garantstico dos particulares, impor um recurso directo para depois admitir um recurso de todo em todo alheio ideia da imediatez, que precisamente o problema subjacente constatao de uma menor garantia anterior que implicou a alterao constitucional operada?
De qualquer modo, a haver interesse em no fechar a porta apreciao de certos actos administrativos
547 por parte de entidades independentes, como a Comisso de Acesso aos Documentos da Administrao e Comisso de Fiscalizao do Segredo de Estado, que se podero pronunciar utilmente sobre uma dada pretenso, deveria, no entanto, interpretar-se esta exigncia com grano salis, no sentido de no considerar inconstitucional a obrigao de pedido prvio a essas entidades, desde que a dilao temporal na interposio de recurso jurisdicional seja pequena. E a mesma orientao no pode deixar de se aplicar em relao aos recursos administrativos necessrios, desde que, alm disso, a deciso em reapreciao obrigatria em procedimento derivado, contrariamente ao que dispe a actual legislao em certas situaes, no possa ser executada, e o recurso a interpor seja do acto originrio mantido.
De qualquer maneira, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta questo no seu Acrdo n458/93 de 12 de Agosto, a propsito precisamente da Lei do Segredo de Estado, no sentido da admissibilidade da exigncia do parecer prvio como condio para a interposio do recurso.
Na medida em que se recorre do acto lesivo do particular e em termos que, como refere o prprio Tribunal, implicam um atraso pequeno no acesso justia, parece que esta exigncia no vai contra o pensamento atrs desenvolvido que deve ser de aplicao geral em face da nova norma constitucional. Em concluso, o recurso deve ser directo e enquadrado em termos que caibam
548 dentro de um conceito no muito rgido de imediatividade. Nos termos do Acrdo em causa, considera-se que a exigncia de um parecer prvio no vinculativo da Comisso de Fiscalizao no constitui uma restrio desproporcionada garantia do direito de reapreciao judicial do caso. Por isso, este Acrdo, neste plano, assumiu importncia prtica, na medida em que a interpretao sobre a conformidade constitucional se repercute sobre a prpria existncia e funes destas entidades. Com efeito, este parecer aplicvel no s Comisso de Fiscalizao mas tambm CADireito Administrativo, e daqui para o futuro para quaisquer entidades pblicas independentes, quer funcionem na dependncia do Governo, quer do Parlamento, e quer sejam classificadas pelo legislador como administrativas ou simplesmente como pblicas 241 .
241 o seguinte o parecer do tribunal: Em especial na vertente que tem a ver com a impugnao contenciosa de actos administrativos de denegao de acesso a documentos anteriormente classificados como segredo de Estado (artigo 9., n. 2, do Decreto), considera-se que a exigncia de obteno de um prvio perecer no vinculativo de Comisso de Fiscalizao no se configura como uma restrio desproporcionada ao previsto nos artigos 20., n.1, e 268., n.4, da Constituio, violadora do disposto no artigo 18., n. 2, da Lei Fundamental, apesar de o artigo em apreciao no estabelecer qualquer regime especfico quanto aos prazos de interposio de recurso contencioso (soluo diversa a da lei francesa sobre acesso dos cidados aos arquivos da Administrao, na medida em que impe o prazo de um ms para a Comisso de Acesso aos Documentos Administrativos emitir o parecer sobre o acto de recusa de acesso, o qual comunicado autoridade que denegou o acesso para reconsiderar a situao, sendo o prazo de interposio de recurso contencioso prorrogado, para ter em conta a notificao do administrado por parte da autoridade administrativa. E continua o Acrdo dizendo que, no obstante o artigo13.do Decreto no referir qualquer prazo para a emisso de parecer da Comisso, ele obtm- se devido remisso feita no artigo 16. do Decreto, para o disposto na Lei do Acesso aos Documentos de Administrao. A se estatui que, sem prejuzo do regulamento que vier a ser publicado pelo Governo sobre a matria referente aos direitos e regalias dos membros da Comisso de Fiscalizao, nos casos omissos, designadamente no que diz respeito a prazos, se aplica o disposto nessa lei. Importa referir que a Assembleia da
549
Em concluso, com esta sentena a nossa jurisdio constitucional acabou por admitir a possibilidade de estas entidades, que esto a dar os
Repblica aprovou na mesma data (2 de Junho de 1993) os Decretos sobre segredo de Estado (n 129 VI) e sobre acesso aos documentos da Administrao (125/Vl). Este ltimo Decreto foi promulgado como lei em 28 de Julho do corrente ano, referendado em 3 de Agosto e publicado como a lei n 65/93 em 26 de Agosto de 1993. a lei sobre o acesso aos documentos administrativos. Ora analisando o disposto na lei, verifica-se que a Comisso de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) tem o prazo legal de trinta dias para efectuar o relatrio de apreciao de situao, em caso de reclamao de um interessado contra o acto de indeferimento expresso ou tcito do requerimento de acesso a documentos da Administrao (art. 16, n 2). O Decreto no estabelece directamente ou por remisso para a Lei do Acesso aos documentos da Administrao, que os pareceres da Comisso de Fiscalizao, quando favorveis ao peticionrio ou queixoso, devem implicar uma nova apreciao do pedido pela autoridade com competncia para deferir o acesso. E no resulta directamente da disciplina enunciada nos art 13 e 16 do Decreto, que a interveno da Comisso de Fiscalizao se destina primeiramente a conseguir uma composio no jurisdicional de conflitos entre o interessado no acesso ao documento ou informao classificados e a Administrao Pblica ou o rgo constitucional decisor. Mas isso resulta do sistema global criado, designadamente nos n1 e 4 do artigo 13 sobre competncias da Comisso de Fiscalizao. E conclui o Tribunal Constitucional: A imposio desta solicitao a uma estrutura extrajurisdicional, de natureza consultiva, no prejudica de forma desproporcionada a interposio de recurso no contencioso administrativo, por se entender que o parecer em causa tem de ser emitido pela Comisso de Fiscalizao no prazo de 30 dias. E, por isso, deve entender-se que na falta da emisso desse parecer, o requerente pode sempre recorrer a tribunal, no prazo normal para a interposio do recurso contencioso, considerando-se terminada completamente a fase pr-contenciosa. A jurisprudncia constitucional j considerou ser certo que o direito de acesso aos tribunais no podia ser interpretado de modo absoluto, como impedindo toda e qualquer regulamentao de acesso aos tribunais, designadamente de cariz processual ou administrativo. E acrescentou-se que o preceito em causa (artigo 20., n2, da Constituio, correspondente hoje ao n.1 do mesmo artigo) no admite decerto que o acesso aos tribunais seja condicionado ou limitado por prvia e inultrapassvel deciso de uma mera autoridade administrativa, precisamente sobre o litgio em causa. Autoridade essa que, no caso concreto, e em obedincia ordem hierrquica, pode recusar tomar a referida deciso. Ora, no caso vertente, pelas razes expostas, entende- se que h a possibilidade de ultrapassar a falta de emisso de parecer, caso ocorra. Nestes termos, tem de considerar-se que no h inconstitucionalidade no condicionamento da impugnao contenciosa recusa do pedido e obteno prvia de parecer da Comisso de Fiscalizao de Segredo de Estado.
550 primeiros passos e a comear a ter xito noutros pases, se poderem multiplicar. Importa referir que sem a possibilidade de valorizar os seus pareceres, nos termos ora propostos pelo legislador, quer no mbito da lei do acesso quer no regime do segredo, a existncia de Entidades Administrativas Independentes teria sempre um interesse muito reduzido.
***
O direito tutela judicial efectiva tem a natureza constitucional de um direito anlogo aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17. CRP). Independentemente da consagrao constitucional, Portugal sempre estaria obrigado ao seu cumprimento, no s por ser parte de Tratado Europeu de 1950, a Conveno Europeia sobre os Direitos do Homem, como, mesmo que o no fosse, por ele constituir um princpio de ius cogens do Direito Internacional Pblico, que se impe a qualquer Estado (consideraes sobre a natureza do ius cogens: com carcter supra-constitucional).
E termos da amplitude do princpio, esta tutela s real se estiver garantida a abrangncia a toda a actividade da Administrao Pblica (gesto privada ou pblica), com todos os meios processuais adequados proteco dos vrios direitos e interesses legtimos colocados em causa; inexistncia de requisitos injustificados; inexigibilidade de custos processuais que dissuadam o seu exerccio; impraticabilidade de dilaces indevidas; exerccio em condies de igualdade de todos os meios de defesa em
551 qualquer tipo de processo e eficcia das sentenas.
Portanto, o princpio implica o direito de acesso aos tribunais. Mas no s. Tambm implica o direito a obter uma soluo judicial em tempo razovel, que no ponha em causa a sua utilidade. E o direito execuo das sentenas. E a proibio de as prprias regras processuais e os juzes em si memsos desprezarem as regras de tomada de conhecimento da existncia de processo contra algum, ao contraditrio e apresentao e produo de prova (interdio de indefesa)
Quanto ao contedo deste direito de acesso justia administrativa, ele traduz-se no seguinte: todo o acto ou omisso da Administrao Pblica e dos seus agentes pode ser submetida apreciao dos rgos jurisdicionais, a pedido de qualquer pessoa privada ou pblica a quem essa situao lese direitos ou interesses legtimos, em ordem a apurar da sua adequao ou no ao ordenamento jurdico e obter uma deciso imparcial que vincule todas as partes (o que implica a obrigatoriedade de a Administrao executar as sentenas dos Tribunais).
As caractersticas gerais do sistema jurisdicional, no plano constitucional, afectam quer o mbito objectivo quer o mbito subjectivo da proteco visada, ou seja: o poder jurisdicional de controlo e o direito tutela jurisdicional.
Quanto ao poder jurisdicional, o controlo que tem que ser efectivado por um poder jurisdicional no impede
552 a sua atribuio a tribunais especializados, como os tribunais administrativos, de contencioso administrativo, admitindo a sua partilha por estes e os ordinrios, de acordo com as matrias, mas um poder de exerccio obrigatrio, embora condicionado a uma petio prvia, a enquadrar num processo, por uma pessoa com capacidade e legitimidade (princpio da rogao), o que impede o tribunal de actuar oficiosamente, salvo em situaes excepcionais.
A rogao implica uma sentena de provimento ou no, embora a omisso de direito ou de facto a julgar no esteja sancionada por um direito a interpor em recurso directo de inconstitucionalidade (recurso pblico ou de amparo) como leso de um direito constitucional que . Poder de proteco total quanto ao mbito material de exerccio, ou seja, o controlo efectiva-se quer em relao ao poder regulamentar quer ao decisrio unilateral e em relao a qualquer parmetro da legalidade, seja ele externo ou interno (controlo dos fins que justificam a actuao administrativa - desvio de poder).
Nenhuma norma pode excluir a possibilidade de fiscalizao jurisdicional de qualquer acto administrativo ou regulamento emanado da Administrao Pblica.
A CRP consagra, pois, uma clusula geral de controlo judicial nos mesmos termos dos artigos 106., 1. Constituio Espanhola ou do 19., 4. da Grundnorm; o que significa que tal tutela efectiva no pode ser excluda nem limitada a meios particulares de impugnao para determinadas categorias de actos, do chamado pargrafo
553 rgio do Estado de Direito.
Quanto ao direito tutela, ele um direito pessoal, fundamental. O seu carcter objectivo instrumental. Todos tm direito a um juiz pr-determinado por lei. As garantias processuais so aplicveis a todos os tipos de processos e, portanto, tambm aos do contencioso administrativo, e at ao exerccio de poderes administrativos do tipo jurisdicional, que se decompem em: direito aco ou ao processo, implicando; a justiciabilidade de todos os actos da Administrao Pblica; o direito emisso de uma sentena sobre o fundo, ou seja, o direito a uma resoluo efectiva sobre o caso em conflito submetido a tribunal; direito a um processo igualitrio, implicando a proibio de no exerccio de defesa de qualquer das partes (condenao pressupe audio); a exigncia efectiva de contraditrio processual; direito a um processo sem dilaces indevidas (decurso em tempo razovel), considerando a complexidade do assunto, o comportamento do recorrente e a forma como o assunto foi seguido pelas autoridades administrativas e judiciais.
Quanto ao direito a uma sentena, importa referir o seguinte: Trata-se de um direito a obter uma soluo judicial em tempo razovel, que no ponha em causa a utilidade da deciso do rgo jurisdicional, sem prejuzo das necessrias garantias processuais e materiais adequadas ao iter judicial, mesmo que com admissibilidade das medidas
554 cautelares (para permitir conciliar a celeridade com a ponderao).
Quanto a esta exigncia de soluo, num tempo til, s h uma maneira de compensar o periculum in mora, conatural s exigncias processuais, que consiste na consagrao do princpio da suspenso da execuo do acto administrativo ou da disposio regulamentar ilegal, enquanto dura a sua apreciao judicial (acabando-se assim com o princpio contrrio, consagrado pela primeira vez pelo artigo 3. do Decreto Napolenico, de 22.7.1806), dado que a possibilidade de a Administrao Pblica impor coactivamente as suas decises sem recurso a tribunal (virtualidade executria), nada tem que ver com a questo da suspenso da sua execuo, quando haja recurso contencioso ou mesmo com uma prtica geral restritiva da sua execuo forosa, com a imposio de pressupostos muito exigentes e sua expressa permisso legal.
A proteco jurdica s opera quando o meio, no de garantir a existncia de um processo, mas a utilidade da sentena, ou seja, quando permita manter os bens ou situaes jurdicas litigiosas at deciso da justia, no permitindo factos consumados ou actuaes inadmissveis que anulem a sentena de anulao.
A sua presuno de legalidade pode justificar a sua executoriedade, mas no necessariamente o desencadear dos seus efeitos quando haja interposio de recurso e tal possa trazer danos no ressarcveis, designadamente em
555 face da morosidade processual. Essa produo de efeitos no pode deixar de ficar paralisada quando tal retire utilidade soluo jurisdicional, pondo em causa o princpio da tutela judicial efectiva. Importa assegurar a integridade do objecto em discusso at ao julgamento, o que, em princpio, pressupe a suspenso da executoriedade.
*
27.3.Procedimento de suspenso jurisdicional de actos da administrao
No direito portugus, hoje o direito processual admite todo o tipo de providncias cautelares para garantirem a efectividade da prpria sentena do tribunais assim como medidas financeiras compulsrias incidindo sobre os prprios responsveis da administrao que sejam incumpridores destas.
Mas, neste plano, um dos temas mais importantes que importa a analisar sem dvida o da providncia cautelar de suspenso judicial dos actos administrativos (e, agora, tambm das normas).
Este instituto tem tido carcter excepcional, exigindo-se tradicionalmente que o dano resultante da execuo seja irreparvel ou de difcil reparao, e desde que da suspenso no resulte grave leso para o interesse pblico, o que tem, na interpretao jurisdicional, face relatividade dos vrios requisitos, no deixou de desequilibrar a balana
556 dos interesses a ponderar, com a aceitao do desrespeito frequente de direitos e interesses dos particulares, pela sobrevalorizao dos interesses funcionais da Administrao Pblica (artigo 266., n.1 da CRP).
Hoje, a matria tratada no CPTA, no ttulo V, captulo I, artigo 112. e seguintes, sobre providncias cautelares, cujas caractersticas so a instrumentalidade estrutural do processo, a sumaridade da cognio e a provisioriedade da deciso e do seu contedo. Os requisitos, alm naturalmente da necessidade, adequabilidade e urgncia da medida, so, continuando a usar expresses de VIEIRA DE ANDRADE, a perigosidade (periculum in mora), a juridicidade material (como padro decisrio) e a proporcionalidade na deciso da concesso 242 .
A suspenso, em termos limitados ao necessrio para evitar a leso dos interesses do requerente, depende em geral da verificao de interesses pblicos e privados, regulados no artigo 120. do mesmo Cdigo.
Os critrios gerais relevantes de apreciao pelo juiz so os seguintes: evidncia da procedncia da pretenso (v.g., por estar em causa a impugnao de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicao de norma j anteriormente anulada ou de acto idntico a outro j anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente; fundado receio da constituio de uma
242 ANDRADE, J.C. Vieira de Justia Administrativa. Coimbra:Almedina, 2004, p.324 e ss.
557 situao de facto consumado ou da produo de prejuzos de difcil reparao para os interesses do requerente; e probabilidade de que a pretenso formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (em pedido de uma providncia antecipatria) ou no seja manifesta a falta de fundamento da pretenso ou a existncia de circunstncias que obstem ao seu conhecimento de mrito (em pedido de uma providncia conservatria), desde que, devidamente ponderados os interesses pblicos e privados em presena, os danos que resultariam da concesso da providncia no se mostrem superiores queles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopo de outras providncias.
Deve considerar-se no existir leso quando a mesma no seja manifesta ou ostensiva e a autoridade requerida no tenha contestado ou, fazendo-o, no tenha alegado que a adopo das providncias cautelares causa grave leso ao interesse pblico.
No entanto, se, no processo principal, o que est em causa apenas o pagamento de quantia certa, sem natureza sancionatria, a adopo das providncias cautelares no depende da verificao dos requisitos antes referidos, desde que tenha sido prestada garantia (por uma das formas previstas na lei tributria).
No Cdigo do Processo nos Tribunais Administrativos dispe-se em geral que, quem tenha legitimidade para interpor um processo junto dos tribunais administrativos, tambm tem legitimidade para solicitar a adopo de providncias cautelares, sejam antecipatrias
558 ou sejam conservatrias, em ordem a assegurar a utilidade da futura sentena.
Para alm das previstas no Cdigo de Processo Civil, o legislador veio especificamente referir a suspenso da eficcia de actos administrativos ou normas, a admisso provisria em concursos e provas de exames, a intimao para a adopo ou absteno de uma conduta (pela Administrao ou por um particular: v.g., concessionrio) por alegada violao ou fundado receio de violao de normas de direito administrativo, a atribuio provisria da disponibilidade de um bem, a autorizao provisria ao interessado para iniciar ou prosseguir uma actividade ou adoptar uma conduta e a regulao provisria de uma situao jurdica (v.g., imposio Administrao do pagamento de uma quantia por conta de prestaes alegadamente devidas ou a ttulo de reparao provisria). E o artigo 118. (produo de prova) impe a presuno como verdadeiros os factos invocados pelo requerente, quando a Administrao no os conteste.
Alm disso, no seguimento do disposto no artigo 80. da LEPTA, vem proibir-se a execuo do acto administrativo (artigo 128.), nas situaes em que seja requerida a suspenso da sua eficcia, a qual se mantm at deciso jurisdicional em primeira instncia (terminando independentemente de recurso, que nos termos do n.2 do artigo143. tem efeito meramente devolutivo 243 ), no s interditando-se o seu incio ou o prosseguimento, aps a
243 ALMEIDA, Mrio Aroso O Novo Cdigo do Processo nos Tribunais Administrativos.Coimbra: Almedina, 2003, p.271.
559 recepo do duplicado do requerimento, a menos que, de modo fundamentado (a apreciar pelo tribunal) e no prazo de 15 dias, venha declarar que o diferimento da execuo seria gravemente prejudicial para o interesse pblico (justificao que o trabunal pode no aceitar, naturalmente), como ainda mandando que a autoridade recorrida impea, com urgncia, os servios ou os interessados de proceder ou continuar a proceder sua execuo.
E o acto j executado pode ser suspenso (artigo 129., no seguimento do artigo 81. da LEPTA), pois a execuo de um acto no obsta suspenso da sua eficcia, quando desta possa advir, para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender, no processo principal, utilidade relevante no que toca aos efeitos que o acto ainda produza ou venha a produzir.
E quanto suspenso da eficcia de normas emitidas ao abrigo do direito administrativo, tidas por ilegais (artigo 130.), pode a mesma ser solicitada, com efeitos circunscritos ao caso invocado, pelo interessado na sua declarao, desde que esses efeitos se produzam imediatamente, sem dependncia de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicao, alm de e, aqui com efeitos naturalmente erga omnes, prprio Ministrio Pblico pode pedir essa suspenso em relao a normas cuja declarao de ilegalidade com fora obrigatria geral tenha deduzido ou se proponha deduzir.
O princpio para que aponta a garantia da tutela
560 efectiva s pode ser o da regra da suspenso da eficcia dos actos administrativos, prevendo a lei a possibilidade de a Administrao, sempre que entenda que h razes de interesse pblico a exigir a sua execuo imediata, permitir a sua execuo atravs de uma deciso casustica nesse sentido, devidamente fundamentada e controlvel jurisdicionalmente.
Em termos de direito comparado, constata-se que o 80 da Lei Orgnica dos Tribunais Administrativos Alemes atribui, em geral, eficcia suspensiva aos recursos administrativos e contenciosos at ser tomada uma deciso, com excepo das situaes envolvendo o pagamento de impostos, determinao e medidas de polcia de execuo urgente, execuo imediata por efeito de lei federal ou existncia de um interesse pblico ou interesse prevalecente da Administrao Pblica que determine essa execuo imediata.
Os tribunais no podero deixar de ter sempre presente que, em princpio, o particular teria de poder ver ser restaurada naturalmente a sua situao, tocada pelo acto nulo ou anulado (voltar ao status quo anterior), sendo certo que a substituio da reparao natural por uma compensao financeira s deveria ser aceitvel em casos-limite, em que a Administrao Pblica tenha de executar o acto administrativo, pois ela no uma autntica reparao.
Perante a postura tradicional da jurisprudncia, quase inaplicando o procedimento de suspenso, o novo CPTA veio impor uma disciplina que pretende levar a
561 mudar os rumos dessa atitude de valorizao quase absoluta dos interesses afirmados pela Administrao.
Com efeito, os valores a defender pela Administrao Pblica no interesse pblico no justificam a execuo de actos em muitos casos que a jurisprudncia ignorava sistematicamente e levaram o o legislador ordinrio a apontar-lhe claramente outro caminho, mas, de qualquer modo, mais importante do que as disposies da lei ser o modo como os tribunais as aplicaro.
Em face da legislao portuguesa, e apesar do Acrdo 366/92, do Tribunal Constitucional, emitido na vigncia do antigo artigo 74. da LEPTA, impe-se que os Tribunais Administrativos interpretem, em termos favorveis aos particulares, os requisitos da suspenso, valorizando essencialmente a gravidade do prejuzo possvel para o recorrente, pela durao do processo (que no pode ser o factor decisivo de vitria real, prtica, de uma Administrao com poderes de execuo, independentemente da sua razo jurdica e do resultado de sentena futura), pelo que consideramos que deveriam conceder a providncia cautelar de suspenso do acto, quando, havendo uma aparncia perfunctria de existncia de razo jurdica do particular (fumus boni iuris), seja de admitir um receio fundado de verificao de prejuzos irreparveis para o direito ou situao litigiosa, durante o tempo necessrio para a tomada de deciso judicial (pericula in mora).
O princpio da tutela judicial efectiva, em relao
562 Administrao Pblica, tem uma importncia especial, porque ela est obrigada, pela sua prpria natureza, a actuar sem jurisdio prvia, devido posio privilegiada que desfruta em face dos particulares.
***
563 2 28 8. . NOES FUNDAMENTAIS SOBRE A JUSTIA ADMINISTRATIVA (DIREITO JUDICIRIO E PROCESSUAL ADMINISTRATIVO)
Quanto Justia Administrativa, transmitiremos apenas, nesta fase do Curso, algumas ideias gerais que habilite a saber-se que caminhos tm os cidados ao seu dispor.
Alm de noes introdutrias sobre a justia administrativa, expem-se alguns apontamentos sobre as matrias do contencioso administrativo, especialmente sobre a aco administrativa especial de condenao prtica do acto administrativo devido e a aco comum de indemnizao por danos) e da jurisdio administrativa (ordem jurisdicional administrativa: Tribunais Administrativos de Crculo, Tribunal Central Administrativo do Norte e Tribunal Central Administrativo do Sul e Supremo Tribunal Administrativo).
E, naturalmente, h que ministrar noes sobre o processo administrativo: tipologia das formas de processo. Sobre a aco administrativa comum: objecto, interesse processual e legitimidade, sua tramitao e deciso judicial. Casos de extenso dos efeitos da sentena. Sobre as aces administrativas especiais, alm da tramitao comum, a aco administrativa especial de impugnao de actos administrativos (objecto, acto impugnvel, espcies de legitimidade activa, nus de no-aceitao do acto impugnado, legitimidade passiva, prazos de impugnao e
564 a instncia) e execuo de sentenas de anulao de actos administrativos; a aco administrativa especial de condenao prtica de acta devido (objecto, acto administrativo devido, pressuposto de omisso ou recusa da Administrao, legitimidade activa e passiva, prazos de propositura e instncia); a aco administrativa especial de impugnao de normas e de declarao de ilegalidade por omisso (objecto, normas impugnveis e legitimidade activa, inexistncia de prazo de propositura, declarao de ilegalidade com fora obrigatria geral e os seus efeitos, declarao de ilegalidade por omisso e os seus efeitos).
Condenao prtica do acto administrativo Condenao prtica do acto administrativo 1. 1. Noo Noo 2. 2. Importncia Importncia 3. 3. Forma do pedido Forma do pedido 4. 4. Objecto do processo Objecto do processo 5. 5. Requisitos Requisitos 6. 6. Legitimidade activa e passiva Legitimidade activa e passiva 7. 7. Prazo Prazo 8. 8. Poderes da AP no decurso do processo Poderes da AP no decurso do processo 9. 9. Poderes do juiz: actos vinculados e actos discricionrios da Poderes do juiz: actos vinculados e actos discricionrios da Administrao Administrao 10. 10. Medidas Medidas efectivadoras efectivadoras da jurisdio: sano pecuniria da jurisdio: sano pecuniria compulsria e poder de substituio. compulsria e poder de substituio.
Os outros temas, sobre que tambm consideramos til que tenham alguns conhecimentos, so os referentes ao contencioso pr-contratual e providncias relativas a
565 procedimentos de formao de contratos (artigo 132.): nas situaes em que est em causa a anulao ou declarao de nulidade ou inexistncia jurdica da actos administrativo (sendo equiparados a actos administrativos os actos praticados por sujeitos privados, no mbito de procedimentos pr-contratuais de direito pblico) relativos formao de contratos, em que se pode requerer providncias destinadas a corrigir a ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presena, incluindo a suspenso do procedimento de formao do contrato; produo (antecipada) de prova antes de intentado o processo (depoimento, arbitramento e inspeco: artigo 134.), no caso de haver justo receio de vir a tornar-se impossvel ou muito difcil o depoimento de certas pessoas ou a verificao de certos factos por meio de prova pericial ou por inspeco; e, com um maior desenvolvimento, a intimao para proteco de direitos, liberdades e garantias, terminando-se esta temtica com algumas notas sobre os processos cautelares e processos urgentes 244 , processo executivo, recursos jurisdicionais e o enquadramento dos tribunais arbitrais 245 e centros de arbitragem.
*
Enquadramento da jurisdio arbitral:
244 Vide, v.g., FONSECA, Isabel Celeste M. -Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo: (Funo e Estrutura). Lisboa: LEZ, 2004. 245 GONALVES, Pedro Contratos Administrativos.Policopiado. Coimbra, 1998 (n. 4 da Parte VII).
566
Lei especial: urbanismo, despesas pblicas, etc Contratos com aplicao normas de DA
em gesto pblica Tipologia Responsabilidade extracontratual Tipologia material em gesto privada dos Actos de execuo de contratos Tribunais Actos com efeitos legalmente disponveis (passveis de revogao sem fundamento em ilegalidade nos termos da lei substantiva Arbitrais
Celeridade
Caractersticas Possibilidade julgamento segundo equidade
Especializao dos juzes privados
567 Democratizao da justia Legislao aplicvel transitoriamente (artigo 181. do CPTA): Lei n.31/86, de 29.8 (lei geral sobre arbitragem voluntria)
Recurso para o TCA Recursos de anulao ou recurso ordinrio, quando no julgue
segundo a equidade C Cr ri it t r ri io os s p po os ss s v ve ei is s d de e d de el li im mi it ta a o o d da a c co om mp pe et t n nc ci ia a d da a j ju ur ri is sd di i o o a ad dm mi in ni is st tr ra at ti iv va a ( (T Tr ri ib bu un na al l A Ad dm mi in ni is st tr ra at ti iv vo o e e R Re el la a o o J Ju ur r d di ic co o- -a ad dm mi in ni is st tr ra at ti iv vo o) ): : 1 1. . C Cr ri it t r ri io o p pe er rs so on na al li id da ad de e j ju ur r d di ic ca a d de e d di ir re ei it to o p p b bl li ic co o ( (S Se en nt ti id do o S Su ub bj je ec ct ti iv vo o) )
Tribunal de uma organizao especial: Administrao Pblica Tribunais estatutrios: Jurisdio privativa da Administrao Pblica O que conta a organizao administrativa (pessoa colectiva de direito pblico) Consequncias: integra gesto pblica e gesto privada; exclui entidades privadas, exercendo Funo Administrativa com aplicao do DA
2 2. . C Cr ri it t r ri io o d de e a ap pl li ic ca a o o d do o D DA A ( (S Se en nt ti id do o O Ob bj je ec ct ti iv vo o) ) Tribunal aplicao de um ramo especfico do direito: o
568 DA O que conta o exerccio de poderes de autoridade: gesto pblica (aplicao do Direito Administrativo) Consequncias: Intera entidades pblicas, entidades privadas no exerccio da funo administrativa, com aplicao de DA; Exclui Entidades pblicas em gesto privada
3 3. . C Cr ri it t r ri io o d da as s t ta ar re ef fa as s e ex xe er rc ci id da as s ( (S Se en nt ti id do o F Fu un nc ci io on na al l) ) Tribunais de derimio de conflitos envolvendo uma entidade no mbito do exerccio de Funo Administrao O que conta a actividade exercida Consequncias: Abrange actividade em gesto pblica e gesto privada da Administrao Pblica e tarefas administrativas por entidades privadas; Pessoas colectivas de direito pblico e pessoas colectivas de direito privado no exerccio da FA com aplicao do DA
* * Quadro: mbito da jurisdio (artigo 4. do ETAF): 1 - Compete aos tribunais da jurisdio administrativa e fiscal a apreciao de litgios que tenham nomeadamente por objecto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurdicos praticados ao abrigo de disposies de direito administrativo ou fiscal; b) Fiscalizao da legalidade das normas e demais actos
569 jurdicos emanados por pessoas colectivas de direito pblico ao abrigo de disposies de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificao da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebrao; c) Fiscalizao da legalidade de actos materialmente administrativos, praticados por quaisquer rgos do Estado ou das Regies Autnomas, ainda que no pertenam Administrao Pblica; d) Fiscalizao da legalidade das normas e demais actos jurdicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionrios, no exerccio de poderes administrativos; e) Questes relativas validade de actos pr-contratuais e interpretao, validade e execuo de contratos a respeito dos quais haja lei especfica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pr-contratual regulado por normas de direito pblico; f) Questes relativas interpretao, validade e execuo de contratos de objecto passvel de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito pblico que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, ou de contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito pblico; g) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito pblico, incluindo por danos resultantes do exerccio da funo poltica e legislativa, nos termos da lei, bem como a resultante do funcionamento da administrao da justia; h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de
570 rgos, funcionrios, agentes e demais servidores pblicos; i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicvel o regime especfico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito pblico; j) Relaes jurdicas entre pessoas colectivas de direito pblico ou entre rgos pblicos, no mbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir; l) Promoo da preveno, da cessao ou da perseguio judicial de infraces cometidas por entidades pblicas contra valores e bens constitucionalmente protegidos como a sade pblica, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do territrio, a qualidade de vida, o patrimnio cultural e os bens do Estado, das Regies Autnomas e das autarquias locais; m) Contencioso eleitoral relativo a rgos de pessoas colectivas de direito pblico para que no seja competente outro tribunal; n) Execuo das sentenas proferidas pela jurisdio administrativa e fiscal. 2 - Est nomeadamente excluda do mbito da jurisdio administrativa e fiscal a apreciao de litgios que tenham por objecto a impugnao de: a) Actos praticados no exerccio da funo poltica e legislativa; b) Decises jurisdicionais proferidas por tribunais no integrados na jurisdio administrativa e fiscal; c) Actos relativos ao inqurito e instruo criminais, ao exerccio da aco penal e execuo das respectivas decises. 3 - Ficam igualmente excludas do mbito da jurisdio
571 administrativa e fiscal: a) A apreciao das aces de responsabilidade por erro judicirio cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdio, bem como das correspondentes aces de regresso; b) A fiscalizao dos actos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justia; c) A fiscalizao dos actos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e pelo seu Presidente; d) A apreciao de litgios emergentes de contratos individuais de trabalho, que no confiram a qualidade de agente administrativo, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito pblico.
572 Regime da jurisdio administrativa 246 : 1.Semelhante ao regime tradicional tpico dos tribunais judiciais 2.Aplicao subsidiria adaptada do regime aplicvel aos tribunais judiciais 3.Regra da dupla alada [determina a recorribilidade (artigo 142. CPTA) e forma do processo (artigo 43 do CPTA) e duplo grau de jurisdio]; excepcionalmente triplo grau (artigo 6. ETAF, 142. CPTA; n.2 do artigo 24. ETAF, 150. CPTA), e , por princpio, cabe aos TAC funcionar como tribunais primrios, de 1. instncia, conhecendo os tribunais superiores da matria de facto s a ttulo excepcional (artigos 24., 37. e 44. do ETAF).
-permanentes (competncia compulsria)
4. Tribunais administrativos -arbitrais (tribunais arbitrais voluntrios; ad hoc, compromisso arbitral ou clausula contratual compromissria sem oposio de contra-interessados)
Tribunais locais (16): Tribunais Administrativos de Crculo, em capitais de distrito 5.Espcies e localizao dos TA Tribunais regionais (2): TACN (Porto) e TACS (Lisboa)
246 (vide ANDRADE, J.C.Vieira de o.c., p.141 e ss.; DL 325/2003, de 29.12).
-juiz singular -colectivo de juzes: julgamento matria facto nas aces comuns, quando requerido e no TACs houver gravao da prova -formao de 3 juzes: aces administrativas especiais de valor superior Alada NB.podem ser desdobrados em juzos funcionando fora da sede (artigo 9.)
Pode dividir-se em subseces: 3 juzes, com relator
Seco do contencioso dos TCAs (artigo 32, 34 e 35. ETAF) Pleno da seco
6.Funcionamento dos tribunais
574
Pode dividir-se por subseco: 3 juzes, um dos quais com relator
Seco do contencioso do STA Pleno: por deciso do Pres., mnimo 2/3 dos juzes em efectividade de funes, independentemente do nmero de juzes da Seco: uniformizao de jurisprudncia e processos em massa
NB: -As sesses de julgamento realizam-se nos mesmos termos e condies que no Supremo Tribunal de Justia, sendo aplicvel, com as devidas adaptaes, o disposto quanto a este Tribunal. -O Supremo Tribunal Administrativo funciona por seces e em plenrio da seco do contencioso administrativo e da do contencioso tributrio
*
No que concerne problemtica da relao jurdica administrativa e nova justia administrativa, importa destacar que o conceito de relao jurdico-administrativa basilar para a definio do mbito da Justia Administrativa e do enquadramento do direito processual administrativo.
575
Com efeito, o n. 3 do artigo 212. da CRP (Tribunais administrativos e fiscais) afirma que Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das aces e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litgios emergentes das relaes jurdicas administrativas e fiscais.
O que no pode deixar de implicar a centralidade deste conceito, em prejuzo da centralidade de uma das formas da actividade administrativa, o acto administrativo, tradicionalmente prevista no contencioso de modelo francs como base do contencioso-regra e consequentemente afirmada no desenvolvimento doutrinal apresentado no ensino do direito administrativo geral.
Ou seja, hoje necessrio, como refere VIEIRA DE ANDRADE, pensar o mundo jurdico- administrativo em termos de relao jurdica 247 .
Com efeito, se antes o contencioso administrativo foi o bero do acto administrativo 248 , hoje, a nova Justia Administrativa imposta pela Constituio portuguesa e pelos novos diplomas concretizadores do acesso justia em aplicao do princpio da tutela judicial efectiva, implicam no s uma dogmtica diferente sobre o
247 ANDRADE, Jos Carlos Vieira O domnio substancial da Justia Administrativa.In A Justia Administrativa: (Lies). 6. Ed., Coimbra: Almedina, 2004, p.64. 248 SILVA, Vasco M. Pereira da oc, p.8, 11 e ss., 43 e ss.
576 acto 249 , mas, mais do que isso, um novo centro da teorizao do direito administrativo, assente essencialmente nas relaes subsumidas.
Justamente, VASCO PEREIRA Direito Administrativo SILVA intitula um dos captulos da sua tese doutoral, publicada em Meio de 1995, com a habitual sugestiva enunciao-noo das suas ideias, nos ttulos e subttulos dos seus escritos, de A Justia administrativa como novo centro do direito administrativo 250 .
Digamos, desde j, que o contedo da relao jurdica administrativa so as posies jurdicas decorrentes de normas de direito administrativo 251 .
Com efeito, como a caracteriza VIEIRA ANDRADE, uma relao jurdica, enquanto relao social disciplinada pelo direito, pressupe um relacionamento entre dois ou mais sujeitos, que seja regulado por normas jurdicas, das quais decorrem as
249 Sobre a dogmtica do acto administrativa num mundo de transformao das formas da actuao da Administrao Pblica, vide SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da -A transformao das formas de actuao da Administrao Pblica e suas consequncias para a dogmtica do acto administrativo. In Busca do Acto Administrativo Perdido. Coleco Teses. Coimbra: Almedina, p.99-122. 250 SILVA, Vasco Pereira da -A relao jurdica como novo conceito central do direito administrativo. In Em busca do acto administrativo perdido. Coleco teses. Coimbra: Almedina, 1996, p.148 e ss. 251 Sobre toda esta temtica, na literatura portuguesa, vide ANDRADE, Jos Carlos Vieira O domnio substancial da Justia Administrativa.In A Justia Administrativa: (Lies). 6. Ed., Coimbra: Almedina, 2004, p.55-87, que se segue de perto; e, ainda, AMARAL, Diogo Freitas do Curso de Direito Administrativo Vol.II., Coimbra: Almedina, 2001, p.61 e ss. e SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Em busca do acto administrativo perdido. Coleco teses. Coimbra: Almedina, 1996.
577 posies jurdicas, activas e passivas, que constituem o respectivo contedo 252 .
Hoje, portanto, inultrapassvel a centralidade do tema, pela conexo fundamental entre a existncia de uma relao jurdica administrativa e a competncia da jurisdio administrativa, o que justifica que, desde j, se avance com algumas consideraes sobre esta interligao, tal como ela resulta do enquadramento da nova Justia Administrativa, que, assente naturalmente na CRP, designadamente no princpio da competncia residual da jurisdio administrativa como jurisdio comum em matria administrativa, em questes de natureza administrativa no expressamente atribudas por lei a nenhuma outra jurisdio, na medida em que tal no ofenda a garantia institucional de respeito pelo ncleo essencial da organizao dos tribunais administrativos, cuja existncia incontornvel (209 253 e n. 3 do artigo 212). Conexo que parte da Constituio e efectivada em concreto na legislao sobre a Justia Administrativa, englobando em geral, sem prejuzo de normas especiais, o ETAF (Lei n.13/2002, de 19.2) e o CPTA (Lei n.15/2002, de 22.2), entrados em vigor em 1.1.2004, por fora da Lei n.4-A/2003, de 19.2, complementadas pela Lei n.17-D/2003, de 31.12.
252 ANDRADE, Vieira o.c., p.64. 253 Captulo II (Organizao dos tribunais), artigo 209. (Categorias de tribunais): 1.Alm do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de tribunais: a) O Supremo Tribunal de Justia e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instncia; b) O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais; c) O Tribunal de Contas.
578 Estes diplomas, no uso de margens evidentes de poder de discricionariedade legal, no do traduo tese da reserva material absoluta da jurisdio administrativa em matrias no constitucionalmente atribudas a outras jurisdies (v.g., jurisdio civil: contencioso eleitoral; Jurisdio constitucional: fiscalizao abstracta e fora obrigatria geral da inconstitucionalidade e ilegalidade (tecnicamente tradutora de fenmenos de inconstitucionalidade indirecta) de normas; Jurisdio supranacional da EU -Tratado-Constituio da UE- e Tribunal de Contas: legislao financeira) 254 .
O modelo da Justia Administrativa bastante alterado, com clara ampliao de meios garantsticos, quer no plano dos poderes da jurisdio, quer das pretenses com acesso a ela quer das formas processuais, sua cumulao, prazos e medidas de preveno de situaes e de precauo do efeito til ou imposio de efectividade das decises, ou seja, no plano cautelar e no executivo do seu cumprimento (direito processual). Uma alterao eclctica, no seguimento da orientao constitucional, que embora sem determinar um modelo processual subjectivista, aponta para uma abordagem centrada essencialmente na garantia dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados, dentro de uma soluo organizatria judicialista e de respeito pleno pelo princpio da tutela judicial efectiva, com o objectivo de assegurar uma proteco plena dos cidados face Administrao, mas sem esquecer o sentido global
254 ANDRADE, JCV -oc, p.50.
579 da existncia da Administrao Pblica, constante do n.1 do artigo 266. da CRP 255 e a prpria valorizao da defesa de bens pblicos, interesses difusos e colectivos (52.3 da CRP 256 ).
Alterao num sentido subjectivista, inspirado no modelo alemo, mas conciliado com elementos significativos de um modelo objectivista, tpico da viso tradicional de inspirao francesa, e reafirmando-se o sistema de administrao executiva (respeito de espaos de valorao prpria da Administrao Pblica nas sentenas condenatrias, processos de execuo e estabilidade do caso resolvido sobre actos anulveis) 257 .
Este modelo objectivista caracteriza-se por aparecer ligado a uma mera defesa da legalidade e do interesse colectivo, independentemente da implicao ou no de direitos e interesses dos cidados, o que visvel nos seguintes aspectos: A)-legitimidade activa, integrando na impugnao dos actos: 1. - Os interessados detentores de direitos
255 TTULO IX (Administrao Pblica). Artigo 266.(Princpios fundamentais): 1. A Administrao Pblica visa a prossecuo do interesse pblico, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados. 256 Artigo 52. (Direito de petio e direito de aco popular):3. conferido a todos, pessoalmente ou atravs de associaes de defesa dos interesses em causa, o direito de aco popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnizao, nomeadamente para: a) Promover a preveno, a cessao ou a perseguio judicial das infraces contra a sade pblica, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservao do ambiente e do patrimnio cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regies autnomas e das autarquias locais. 257 Vide, em geral, ANDRADE, J.C. Vieira de Justia Administrativa, oc, p.54.
580 subjectivos e interesses legalmente protegidos 2. - Os interessados de facto na aco particular 3. - Associaes e membros da comunidade (aco popular) 4. - Ministrio Pblico, tambm legitimado para condenao prtica de actos devidos e em contratos (aco pblica) 5. sindicncia dos conflitos interadministrativos e intra-administrativos (entre rgos e membros do rgo) 6. sancionamento especfico no reenvio processo administrativo ao tribunal e presuno de prova (84.4 e 5).
No plano das pretenses e meios processuais, consagram-se os princpios da tutela judicial efectiva (2.1 CPTA) e da plena jurisdio dos TA,
Assim, importa reter as seguintes modificaes significativas:
1. -aumento dos poderes de cognio e de pronuncia do juiz perante a Administrao Pblica (2.2. do CPTA), abarcando pretenses e poderes jurisdicionais declarativos, constitutivos, condenatrios, intimativos, preventivos e executivos, em especial perante a Administrao Pblica 258 ; e concomitantemente:
2. - ampliao da espcies de decises jurisdicionais: condenao prtica de actos devidos ou no emisso de indevidos, intimaes para a adopo ou
258 ANDRADE, JCV -oc, p.51.
581 para a absteno de comportamentos administrativos, declarao de ilegalidade de normas ou de no emisso devida delas, resoluo de litgios administrativos entre entidades privados e entre rgos da mesma pessoa colectiva ou o presidente ou mesmo um outro membro de rgo colegial e esse rgo.
3.- O antigo recurso contencioso de anulao (mera declarao de inexistncia jurdica, declarao de nulidade ou de anulao do acto) reconvertido, como impugnao de actos, num dos possveis pedidos da Aco Administrativa Especial, imprestvel agora para situaes de silncio da Administrao Pblica ou indeferimentos; a anterior aco para o reconhecimento de direitos legalmente protegidos, decomposta em aco declarativa e aco condenatria, segue a forma de aco administrativa comum (37 CPTA)
4.- Cria-se um regime uniforme de tramitao da AAE (35.2 e 78 e ss.) com certas particularidades: -impugnao dos actos: 50 e ss. -condenao prtica de actos devidos: 66 e ss -processos relativos a normas: 72 e ss. -processos principais urgentes (impugnaes e intimaes urgentes): 97 e ss 259 .
259 Artigo 36. (Processos urgentes):1-Sem prejuzo dos demais casos previstos na lei, tm carcter urgente os processos relativos a: a) Contencioso eleitoral, com o mbito definido neste Cdigo; b) Contencioso pr-contratual, com o mbito definido neste Cdigo; c) Intimao para prestao de informaes, consulta de documentos ou passagem de certides; d) Intimao para defesa de direitos, liberdades e garantias; e) Providncias cautelares. 2 - Os processos urgentes correm em frias, com dispensa de vistos prvios, mesmo em fase de recurso jurisdicional, e os actos da secretaria so
582
5.-Possibilidade de cumulao de pedidos mesmo com tipologia accionria distinta desde que seja a mesma a relao jurdica, a matria de facto ou de direito (4., 4.2, 47 CPTA) 260 .
6.- ampliao do campo de litgios de competncia da organizao jurisdicional administrativa, no mbito dos contratos que envolvam a aplicao de direito pblico, da responsabilidade civil por actos resultantes do exerccio da Funo Administrativa, e actos
praticados no prprio dia, com precedncia sobre quaisquer outros. 260 Artigo 47. (Cumulao de pedidos): 1-Com qualquer dos pedidos principais enunciados no n. 2 do artigo anterior podem ser cumulados outros que com aqueles apresentem uma relao material de conexo, segundo o disposto no artigo 4., e, designadamente, o pedido de condenao da Administrao reparao dos danos resultantes da actuao ou omisso administrativa ilegal. 2-O pedido de anulao ou de declarao de nulidade ou inexistncia de um acto administrativo pode ser nomeadamente cumulado com: a) O pedido de condenao prtica do acto administrativo devido, em substituio, total ou parcial, do acto praticado; b) O pedido de condenao da Administrao adopo dos actos e operaes necessrios para reconstituir a situao que existiria se o acto anulado no tivesse sido praticado e dar cumprimento aos deveres que ela no tenha cumprido com fundamento no acto impugnado; c) O pedido de anulao ou declarao de nulidade do contrato em cujo procedimento de formao se integrava o acto impugnado; d) Outros pedidos relacionados com a execuo do contrato, quando o acto impugnado seja relativo a essa execuo. 3 - A no formulao dos pedidos cumulativos mencionados no nmero anterior no preclude a possibilidade de as mesmas pretenses serem accionadas no mbito do processo de execuo da sentena de anulao. 4 - Salvo quando seja apresentada em termos de subsidiariedade ou de alternatividade, possvel a cumulao de impugnaes de actos administrativos: a) Que se encontrem entre si colocados numa relao de prejudicialidade ou de dependncia, nomeadamente por estarem inseridos no mesmo procedimento ou porque da existncia ou validade de um deles depende a validade do outro; b) Cuja validade possa ser verificada com base na apreciao das mesmas circunstncias de facto e dos mesmos fundamentos de direito. 5 - No caso de absolvio da instncia por ilegal cumulao de impugnaes, podem ser apresentadas novas peties, no prazo de um ms a contar do trnsito em julgado, considerando-se estas apresentadas na data de entrada da primeira para efeitos da tempestividade da sua apresentao.
583 da Funo legislativa e jurisdicional.
7.- A proteco cautelar abarca quaisquer providncias antecipatrias e conservatrias adequadas a assegurar o efeito til da sentena
8.- Alargamento do conceito j muito amplo de legitimidade para impugnao de actos: interessados directos, MP, qualquer cidado, titulares de interesses difusos na Aco Popular, pessoas colectivas e rgos administrativos.
9.- alterao da tipologia dos meios processuais principais, com a criao diferenciada de verdadeiras aces administrativas, a comum e a especial;
10. - Consagra-se o princpio da igualdade de armas: -processo de partes: 189.1 -sujeio a condenao por litigncia de m f: 6. -admisso geral dos vrios meios de prova, incluindo a prova testemunhal:
11- Reenquadramento do papel do MP
Se h alguma reduo de poderes, com a limitao do papel na fase instrutria, supresso da vista final e a no participao na sesso de julgamento, a verdade que se lhe atribuem poderes na defesa de valores da Comunidade: emisso de pareceres sobre mrito e invocao de novos vcios.
584 Vejamos:
A)-No mbito da impugnao de actos anulveis:
a)-Mantm uma legitimidade genrica e com um prazo accionrio mais longo de que os destinatrios ou contra-interessados dos actos: um ano (n. 2 do artigo 58) 261 . b)-Pode, no exerccio da aco pblica, assumir a posio de autor, requerendo o seguimento de processo que, por deciso ainda no transitada, tenha terminado por desistncia ou outra circunstncia prpria do autor, devendo, neste caso, o juiz, uma vez extinta a instncia, dar-lhe vista do processo (artigo 62) 262 ; c)-pode invocar causas de invalidade diversas das que tenham sido arguidas na petio (n.3 do artigo 85.); d)-pode suscitar quaisquer questes que determinem a nulidade ou inexistncia do acto impugnado (n.4 do artigo 85.).
B)-No mbito da impugnao de normas e declarao de ilegalidade por omisso:
261 SUBSECO III (Dos prazos de impugnao), Artigo 58. (Prazos):1 - A impugnao de actos nulos ou inexistentes no est sujeita a prazo. 2-Salvo disposio em contrrio, a impugnao de actos anulveis tem lugar no prazo de: a) Um ano, se promovida pelo Ministrio Pblico; b) Trs meses, nos restantes casos. 262 Artigo 62. (Prossecuo da aco pelo Ministrio Pblico): 1 -O Ministrio Pblico pode, no exerccio da aco pblica, assumir a posio de autor, requerendo o seguimento de processo que, por deciso ainda no transitada, tenha terminado por desistncia ou outra circunstncia prpria do autor. 2-Para o efeito do disposto no nmero anterior, o juiz, uma vez extinta a instncia, dar vista do processo ao Ministrio Pblico.
585
a)-pode, com fundamento em ilegalidade, quaisquer normas emitidas ao abrigo de disposies de direito administrativo, pedir a declarao de ilegalidade com fora obrigatria geral, sem dependncia da verificao da inaplicao em processos anteriores (n. 3 e 5 do artigo 73) 263 . b)-pode pedir a apreciao jurisdicional da existncia de situaes de ilegalidade por no adopo de normas administrativas devidas, necessrias para dar exequibilidade a actos legislativos (artigo 77) 264 .
263 SECO III (Impugnao de normas e declarao de ilegalidade por omisso), Artigo 73. (Pressupostos): 3-O Ministrio Pblico pode pedir a declarao de ilegalidade com fora obrigatria geral, sem necessidade da verificao da recusa de aplicao em trs casos concretos a que se refere o n. 1. 5-Para o efeito do disposto no nmero anterior, a secretaria, aps o respectivo trnsito em julgado, remete ao representante do Ministrio Pblico junto do anulveis tem lugar no prazo de: a) Um ano, se promovida pelo Ministrio Pblico; b) Trs meses, nos restantes casos. Artigo 62. (Prossecuo da aco pelo Ministrio Pblico): 1 -O Ministrio Pblico pode, no exerccio da aco pblica, assumir a posio de autor, requerendo o seguimento de processo que, por deciso ainda no transitada, tenha terminado por desistncia ou outra circunstncia prpria do autor. 2-Para o efeito do disposto no nmero anterior, o juiz, uma vez extinta a instncia, dar vista do processo ao Ministrio Pblico. SECO III (Impugnao de normas e declarao de ilegalidade por omisso), Artigo 73. (Pressupostos): 3-O Ministrio Pblico pode pedir a declarao tribunal certido das sentenas que tenham desaplicado, com fundamento em ilegalidade, quaisquer normas emitidas ao abrigo de disposies de direito administrativo. 264 Artigo 77. (Declarao de ilegalidade por omisso):1 - O Ministrio Pblico, as demais pessoas e entidades defensoras dos interesses referidos no n. 2 do artigo 9. e quem alegue um prejuzo directamente resultante da situao de omisso podem pedir ao tribunal administrativo competente que aprecie e verifique a existncia de situaes de ilegalidade por omisso das normas cuja adopo, ao abrigo de disposies de direito administrativo, seja necessria para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentao. 2 - Quando o tribunal verifique a existncia de uma situao de ilegalidade por omisso, nos termos do nmero anterior, disso dar conhecimento entidade competente, fixando prazo, no inferior a seis meses, para que a omisso seja suprida.
586 C)- No mbito da marcha do processo na aco administrativa especial a)-pode solicitar a realizao de diligncias instrutrias, b)- pode pronunciar-se sobre o mrito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidados, de interesses pblicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens comunitrios referidos no n. 2 do artigo 9. (artigo 85.) 265 ,
D)- No mbito da intimao para a prestao de informaes, consulta de processos ou passagem de certides -pode exercer a aco pblica para pedir a intimao intimao de uma entidade sujeita aplicao das direito informao procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos normas sobre o direito informao procedimental ou ao direito de acesso aos documentos administrativos nos termos da
265 Artigo 85. (Interveno do Ministrio Pblico): 1 - No momento da citao da entidade demandada e dos contra-interessados, fornecida cpia da petio e dos documentos que a instruem ao Ministrio Pblico, salvo nos processos em que este figure como autor. 2 - Em funo dos elementos que possa coligir e daqueles que venham a ser carreados para o processo, o Ministrio Pblico pode solicitar a realizao de diligncias instrutrias, bem como pronunciar-se sobre o mrito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidados, de interesses pblicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n. 2 do artigo 9. 3 - Para o efeito do disposto no nmero anterior, o Ministrio Pblico, nos processos impugnatrios, pode invocar causas de invalidade diversas das que tenham sido arguidas na petio. 4-Nos processos impugnatrios, o Ministrio Pblico pode ainda suscitar quaisquer questes que determinem a nulidade ou inexistncia do acto impugnado. 5 - Os poderes de interveno previstos nos nmeros anteriores podem ser exercidos at 10 dias aps a notificao da juno do processo administrativo aos autos ou, no tendo esta lugar, da apresentao das contestaes, disso sendo, de imediato, notificadas as partes.
587 Lei n.65/93, de 26 de Agosto (n.2 do artigo 104) 266 .
E)-No mbito dos recursos jurisdicionais: a)-Pode pronunciar-se sobre o mrito do recurso, em defesa dos direitos fundamentais dos cidados, de interesses pblicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n. 2 do artigo 9..2 (artigo146) 267 , b) - pode dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo o pedido de admisso de recurso para
266 Captulo II (Das intimaes), Seco I (Intimao para a prestao de informaes, consulta de processos ou passagem de certides), Artigo 104. (Pressupostos):1- Quando no seja dada integral satisfao aos pedidos formulados no exerccio do direito informao procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimao da entidade administrativa competente, nos termos e com os efeitos previstos na presente seco. 2 - O pedido de intimao igualmente aplicvel nas situaes previstas no n. 2 do artigo 60. e pode ser utilizado pelo Ministrio Pblico para o efeito do exerccio da aco pblica. 267 Artigo 146. (Interveno do Ministrio Pblico, concluso ao relator e aperfeioamento das alegaes de recurso):1-Recebido o processo no tribunal de recurso e efectuada a distribuio, a secretaria notifica o Ministrio Pblico, quando este no se encontre na posio de recorrente ou recorrido, para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o mrito do recurso, em defesa dos direitos fundamentais dos cidados, de interesses pblicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n. 2 do artigo 9..2-No caso de o Ministrio Pblico exercer a faculdade que lhe conferida no nmero anterior, as partes so notificadas para responder no prazo de 10 dias.3 - Cumpridos os trmites previstos nos nmeros anteriores, os autos so conclusos ao relator, que ordena a notificao do recorrente para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre as questes prvias de conhecimento oficioso ou que tenham sido suscitadas pelos recorridos. 4 - Quando o recorrente, na alegao de recurso contra sentena proferida em processo impugnatrio, se tenha limitado a reafirmar os vcios imputados ao acto impugnado, sem formular concluses ou sem que delas seja possvel deduzir quais os concretos aspectos de facto que considera incorrectamente julgados ou as normas jurdicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido, o relator deve convid-lo a apresentar, completar ou esclarecer as concluses formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de no se conhecer do recurso na parte afectada.5 - No caso previsto no nmero anterior, a parte contrria notificada da apresentao de aditamento ou esclarecimento pelo recorrente, podendo responder no prazo de 10 dias.
588 uniformizao de jurisprudncia (artigo152) 268 ; c)-pode requerer a reviso das sentenas transitadas em julgado, com qualquer dos fundamentos previstos no Cdigo de Processo Civil (n. 1 do artigo155) 269 .
***
Quanto matria da justia administrativa, na perspectiva do direito processual administrativo, comeamos naturalmente por dar o conceito de justia administrativa.
268 Captulo II (Recursos ordinrios), Artigo 152. (Recurso para uniformizao de jurisprudncia):1-As partes e o Ministrio Pblico podem dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo, no prazo de 30 dias contado do trnsito em julgado do acrdo impugnado, pedido de admisso de recurso para uniformizao de jurisprudncia, quando, sobre a mesma questo fundamental de direito, exista contradio: a) Entre acrdo do Tribunal Central Administrativo e acrdo anteriormente proferido pelo mesmo Tribunal ou pelo Supremo Tribunal Administrativo; b) Entre dois acrdos do Supremo Tribunal Administrativo.2 - A petio de recurso acompanhada de alegao na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradio alegada e a infraco imputada sentena recorrida. 3 - O recurso no admitido se a orientao perfilhada no acrdo impugnado estiver de acordo com a jurisprudncia mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo. 4 - O recurso julgado pelo pleno da seco e o acrdo publicado na 1. srie do Dirio da Repblica. 5 - A deciso de provimento emitida pelo tribunal superior no afecta qualquer sentena anterior quela que tenha sido impugnada nem as situaes jurdicas ao seu abrigo constitudas. 6 - A deciso que verifique a existncia da contradio alegada anula a sentena impugnada e substitui-a, decidindo a questo controvertida. 269 Captulo III (Recurso de reviso), Artigo 155. (Legitimidade):1-Tm legitimidade para requerer a reviso, com qualquer dos fundamentos previstos no Cdigo de Processo Civil, o Ministrio Pblico e as partes no processo.2-Tem igualmente legitimidade para requerer a reviso quem, devendo ser obrigatoriamente citado no processo, no o tenha sido e quem, no tendo tido a oportunidade de participar no processo, tenha sofrido ou esteja em vias de sofrer a execuo da deciso a rever.
589 Na linha do enquadramento constitucional do tema, e demarcando-se de uma viso reducionista e meramente finalstica, ao considerar a proteco dos direitos dos particulares como o objectivo exclusivo do princpio da legalidade administrativa, importa, como o faz, v.g., JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, definir a Justia Administrativa, em sentido amplo, como um sistema de mecanismos e de formas ou processos destinados resoluo das controvrsias nascidas de relaes jurdicas administrativas 270 .
Em Estado de Administrao pblica pluralizada, a justia administrativa no pode reduzir-se garantia dos particulares, nem na sua estrutura, nem na correspondente funo, sendo certo que os processos de descentralizao crescente de atribuies (administraes estaduais indirectas, administraes autnomas, territoriais ou corporativas) de concesses a particulares e de privatizao formal 271 (sociedades pblicas em forma comercial com
270 JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, afasta claramente uma perspectiva puramente garantstica dos particulares (o conjunto das garantias dos particulares contra as actuaes ilegtimas da Administrao que ofendessem os seus direitos ou interesses). O autor, que seguimos de perto em algumas destas consideraes sobre o conceito e mbito da justia administrativa, d outros exemplos de definies semelhantes dadas pela doutrina, que no parecem dever merecer acolhimento: complexo dos institutos dirigidos garantia da legitimidade da actividade administrativa e ao uso correcto do poder discricionrio por parte da Administrao Pblica face aos direitos e interesses das pessoas fsicas e jurdicas confrontadas com o seu poder; conjunto das garantias jurdicas contenciosas dos particulares; conjunto dos meios de reaco dos particulares ilegalidade administrativa; conjunto dos meios de que a ordem jurdica dispe para reintegrar os direitos ou interesses que ela tutela e que hajam sido violados pela actuao da Administrao pblica: ANDRADE, J. C. Vieira de Justia Administrativa. 3. Ed., Coimbra: Almedina, 1999, p.9, designadamente nota 1. 271 Ibidem, p.10.
590 poderes pblicos: sociedades de capitais exclusiva ou predominantemente pblicos), tambm surgem conflitos nas relaes entre estes diferentes exercendo a Funo administrativa, a que so directamente alheios os particulares, mas a que o direito contencioso e os tribunais administrativos no podem deixar ser chamados a resolver.
E se a garantia da juridicidade da Administrao 272
serve um triplo objectivo garantstico, o da defesa dos direitos e interesses dos particulares, o do respeito das atribuies e direitos contratualizados das diferentes Administraes e o da defesa da prossecuo do interesse pblico legalmente definido, (artigo 266. da Constituio), melhor no nos apartarmos do conceito competencial (n.3 do artigo 212. 273 ) constitucionalizado da justia
272 A A expresso princpio da juridicidade referida Administrao Pblica pretende significar uma Administrao aberta a uma dimenso da realizao do direito para alm da mera aplicao do princpio da legalidade (GARCIA, Maria da Glria Ferreira Pinto Dias -Da Justia Administrativa em Portugal: sua origem e evoluo. Lisboa: UCP, 1994, p.634-648, nota 611), cobrindo a dimenso garantstica do direito, mas no a intencional ou poltica, o que no traduziria uma abertura realizao global do direito, problemtica que tem levado alguma doutrina a defender o recurso a outras expresses. De qualquer modo, estaria prehjudicada a de princpio da justia, que Maria Dias Garcia preferiria porque integraria as exigncias decorrentes de uma ideia condutora de justia (JC Vieira de Andrade O princpio da Imparcialidade (), p.29, apud Garcia, M. D. -oc, p.634), dado o sentido parcelar que a consagrao constitucional como um dos princpios juridificados implica, poderia usar-se a de princpio da racionalidade jurdica, com inspirao na expresso acolhida em doutrina alem, princpio da racionalidade, referida a toda a actuao estadual no sentido de realizao do direito (HOFFMAN, gerhard Das Verfassungsrechtliche Gebot der Rationalitt im Gesetzgebungsverfahren. In Zeitschrift fr Gesetzgebund, 1990, Heft2, p.97-116; MENGEL, Hans Joachim Die verfahrensmssigen Pflichten ds Gesetzbers und irhe verfassungsgerichtliche. In Zeitschrift fr Gesetzgebund, 1990, Heft3, p.193-212, apud GARCIA, M D. oc, p.634 . 273 Artigo 212. (Tribunais administrativos e fiscais): 3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das aces e recursos contenciosos que tenham
591 administrativa, de natureza orgnico-material, substancial e no apenas finalstico, segundo o qual esta existe para o julgamento de todas as aces e recursos que tenham por objecto dirimir os litgios emergentes das relaes jurdicas administrativas.
Portanto, a Justia Administrativa, como conceito global, a utilizar quando pretendemos reportar-nos simultaneamente organizao (definida pelo direito judicirio administrativo) e ao processo e funcionamento jurisdicionais (definidos pelo direito processual administrativo), o conjunto de rgos, regras processuais e actos da derivados (julgamento, aces-recursos), orientados para a soluo, em termos jurdicos, dos conflitos emergentes das relaes jurdico-administrativas (objecto).
O direito processual administrativo (contencioso administrativo) o ramo do direito ordenador dos conjuntos sequenciais de actos e formalidades de instaurao, desenvolvimento e extino das instncias (formas dos processos) previstas para a apreciao da actuao das entidades pblicas e privadas que exeram a Funo Administrativa do Estado-Comunidade ou a actuao de natureza materialmente administrativa de outros rgos do Estado, visando a reintegrao da legalidade (controlo da legalidade e no do mrito) ou a compensao pelas violaes e danos ocasionados (responsabilidade), atravs da declarao
por objecto dirimir os litgios emergentes das relaes jurdicas administrativas e fiscais.
592 casustica do direito aplicvel (processo declarativo) ou da adopo de medidas executrias de ndole coerciva conformadoras desse direito (processo executivo), que garantam a tutela jurdica adequada (processo principal) ou salvaguardem o seu efeito til no futuro (processo cautelar, urgente).
No domnio dos conceitos referentes s diferentes formas do processo contencioso, a aco administrativa comum (ttulo II do Cdigo) segue a forma de processo de declarao ordinria, sumria e sumarssima e regem-se pelo disposto no CPC 274 . A aco administrativa especial (ttulo III) e os processos urgentes (ttulo IV) regem-se pelas disposies prprias reguladas nestes ttulos e as regras gerais, com aplicao subsidiria da lei processual civil 275 .
A forma da aco administrativa comum a usada nos processos sobre litgios cuja apreciao se inscreva no mbito da jurisdio administrativa e que no contem com qualquer regulao especial. Entre os litgios que a seguem, temos os seguintes: -Reconhecimento de situaes jurdicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurdico- administrativas ou de actos jurdicos praticados ao abrigo de disposies de direito administrativo; -Reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condies;
274 Artigo 37. (Objecto) e seguintes. 275 Artigo 35. (Formas de processo).
593 -Condenao adopo ou absteno de comportamentos, designadamente a condenao da Administrao no emisso de um acto administrativo, quando seja provvel a emisso de um acto lesivo; -Condenao da Administrao adopo das condutas necessrias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados; -Condenao da Administrao ao cumprimento de deveres de prestar que directamente decorram de normas jurdico-administrativas e no envolvam a emisso de um acto administrativo impugnvel, ou que tenham sido constitudos por actos jurdicos praticados ao abrigo de disposies de direito administrativo, e que podem ter por objecto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestao de um facto; -Responsabilidade civil das pessoas colectivas, bem como dos titulares dos seus rgos, funcionrios ou agentes, incluindo aces de regresso; -Condenao ao pagamento de indemnizaes decorrentes da imposio de sacrifcios por razes de interesse pblico; -Interpretao, validade ou execuo de contratos; -Enriquecimento sem causa; -Relaes jurdicas entre entidades administrativas.
A forma de aco comum serve para a condenao adopo ou absteno de certo comportamento, por particulares, nomeadamente concessionrios, que, sem fundamento em acto administrativo impugnvel, violem vnculos jurdico-administrativos que ofendam directamente direitos ou interesses, decorrentes de normas, actos administrativos ou contratos, ou haja
594 fundado receio de que os possam violar, de modo a assegurar o cumprimento dos vnculos em causa, desde que, solicitadas a faz-lo, as autoridades competentes no tenham adoptado as medidas adequadas (n.3 do artigo37.). Tal como serve para o conhecimento, a ttulo incidental, da ilegalidade de um acto administrativo j inimpugnvel, quando a lei o admita (artigo 38.).
A forma da aco administrativa especial para as pretenses emergentes da prtica ou da omisso ilegal de actos administrativos, e de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposies de direito administrativo.
Os processos principais que a seguem so os seguintes: -Anulao de um acto administrativo e declarao da sua nulidade ou da sua inexistncia jurdica; -Condenao prtica de um acto administrativo legalmente devido; -Declarao da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposies de direito administrativo; -Declarao da ilegalidade da no emanao de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposies de direito administrativo.
Quanto aos actos administrativos praticados no mbito do procedimento de formao de contratos a sua impugnao rege-se em geral pelas regras da AAE mas existe um regime especial urgente (artigos 100. e
595 seguintes 276 ), para a impugnao dos actos relativos formao dos contratos de empreitada e concesso de obras pblicas, de prestao de servios e de fornecimento de bens e o programa do concurso, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de sua formao com fundamento na ilegalidade das especificaes tcnicas, econmicas ou financeiras que constem desses documentos. Sendo, para efeito de aplicao destas regras especiais, equiparados a actos administrativos os actos dirigidos celebrao desta tipologia contratual praticados por sujeitos privados, no mbito de um procedimento pr-contratual de direito pblico.
Em geral, so impugnveis os actos administrativos, mesmo que no inseridos num
276 Artigo 101. (Prazo): Os processos do contencioso pr-contratual tm carcter urgente e devem ser intentados no prazo de um ms a contar da notificao dos interessados ou, no havendo lugar a notificao, da data do conhecimento do acto. Artigo 102. (Tramitao): 1-Os processos do contencioso pr-contratual obedecem tramitao estabelecida no captulo III do ttulo III, salvo o preceituado nos nmeros seguintes. 2 - S so admissveis alegaes no caso de ser requerida ou produzida prova com a contestao. 3-Os prazos a observar so os seguintes: a) 20 dias para a contestao e para as alegaes, quando estas tenham lugar; b) 10 dias para a deciso do juiz ou relator, ou para este submeter o processo a julgamento; c) 5 dias para os restantes casos. 4 - O objecto do processo pode ser ampliado impugnao do contrato, segundo o disposto no artigo 63. 5 - Se, na pendncia do processo, se verificar que satisfao dos interesses do autor obsta a existncia de uma situao de impossibilidade absoluta, o tribunal no profere a sentena requerida mas convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnizao a que o autor tem direito, seguindo-se os trmites previstos no artigo 45.. Artigo 103. (Audincia pblica):Quando o considere aconselhvel ao mais rpido esclarecimento da questo, o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, optar pela realizao de uma audincia pblica sobre a matria de facto e de direito, em que as alegaes finais sero proferidas por forma oral e no termo da qual imediatamente ditada a sentena.
596 procedimento administrativo, que tenham eficcia externa, especialmente os que sejam susceptveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como as decises materialmente administrativas proferidas por autoridades no integradas na Administrao Pblica e por entidades privadas que actuem ao abrigo de normas de direito administrativo.
O facto de no se ter impugnado qualquer acto procedimental no impede o interessado de impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento, excepto se o acto em causa tiver determinado a excluso do interessado do procedimento, a menos que haja disposio diferente em lei especial.
No caso de ter sido deduzido um pedido de estrita anulao contra um acto de indeferimento, o tribunal deve convidar o autor a substituir a petio, formulando o adequado pedido de condenao prtica do acto devido, e, se tal ocorrer, a entidade demandada e os contra- interessados devem ser de novo citados para contestar (artigo 51.).
Importa esclarecer que, por um lado, a possibilidade de impugnar os actos administrativos no depende da forma normativa assumida, e, por outro, que o facto de no se ter exercido o direito de impugnar um acto, logo directamente no prprio diploma legislativo ou regulamentar, tal no impede a impugnao dos actos de execuo ou de aplicao posteriores nele fundados, tal como o no exerccio do direito de impugnar um acto que
597 no individualize os seus destinatrios no impede a impugnao dos actos de execuo ou aplicao cujos destinatrios venham a ser identificados em actos individualizados (artigo 52.).
Sempre que sejam intentados mais de 20 processos reportados a diferentes pronncias da mesma entidade administrativa, mas respeitantes mesma relao jurdica material ou a relaes jurdicas coexistentes em paralelo, se eles forem susceptveis de ser decididos com base na aplicao das mesmas normas a idnticas situaes de facto (processos em massa), o tribunal pode determinar que, ouvidas as partes: a)- o andamento apenas de um (ou de alguns deles, caso em que os processos so apensados num nico processo), suspendendo-se a tramitao dos demais. b)-a suspenso dos processos que venham a ser intentados na pendncia do processo seleccionado.
Estes processos seleccionados seguem as regras dos processos urgentes e com interveno no julgamento de todos os juzes do tribunal ou da seco.
Alm disso, esta opo depende da garantia de que, no processo ou processos aos quais seja dado andamento prioritrio, a questo debatida em todos os aspectos de facto e de direito e a suspenso da tramitao dos demais processos no limita o mbito da instruo, afastando a apreciao de factos ou a realizao de diligncias de prova necessrias ao apuramento da apuramento da verdade.
598
Em face de deciso transitada em julgado, esta imediatamente notificada aos outros peticionrios, que podem optar por uma das seguintes solues: -desistncia do processo; -requerimento da extenso ao seu caso dos efeitos da sentena proferida (n.3, 4 e 5 do artigo 176.), caso em que se seguem os trmites do processo de execuo das sentenas de anulao de actos administrativos (artigos 177. a 179.); -requerimento da continuao do seu processo; ou -recorrer desta sentena, no caso de ela ter sido proferida em primeira instncia (no prazo de 30 dias), e se ele fr favorvel, com posterior pedido de extenso dos seus efeitos e aplicao do disposto nos artigos 177. a 179. (artigo 48.)
Algumas notas devem ser ministradas sobre a existncia de dois diplomas, o ETAF como direito judicirio e o CPTA, como direito processual.
No que concerne ao mbito material da jurisdio administrativa, a jurisdio a quem cabe, por norma, aplicar este ramo do direito a jurisdio administrativa, que definida pelo ETAF como aquela que composta pelos rgos de soberania com competncia para administrar a justia em nome do povo, nos litgios emergentes das relaes jurdicas administrativas (n.1 do art. 1.), com independncia e sujeio nica lei (art.2.), mas no respeito pelo princpio da constitucionalidade (n.2 do art.1).
599
O seu mbito essencial desta jurisdio vem enunciado no art. 4. do diploma, que lhes atribui competncia para a apreciao de litgios que tenham nomeadamente por objecto: - a tutela de direitos fundamentais; -a tutela geral dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, directamente fundados em normas de direito administrativo ou decorrentes de actos jurdicos praticados ao abrigo de disposies de direito administrativo; -a fiscalizao da legalidade das normas e demais actos jurdicos, emanados por pessoas colectivas de direito pblico, ao abrigo de disposies de direito administrativo ou praticados por sujeitos privados, designadamente concessionrios, no exerccio de poderes administrativos; -a fiscalizao da legalidade de actos materialmente administrativos, praticados por quaisquer rgos do Estado ou das Regies Autnomas, ainda que no pertenam Administrao Pblica; - as questes relativas validade de actos pr- contratuais, a verificao da invalidade de quaisquer contratos. que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebrao e as questes relativas interpretao, validade e execuo de contratos a respeito dos quais haja lei especfica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pr-contratual regulado por normas de direito pblico, assim como as questes relativas interpretao, validade e execuo de contratos
600 de objecto passvel de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito pblico que regulem aspectos especficos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pblica ou um concessionrio que actue no mbito da concesso e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito pblico; -as questes em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito pblico, incluindo a resultante do exerccio da funo jurisdicional e da funo legislativa, a responsabilidade civil extracontratual dos titulares de rgos, funcionrios, agentes e demais servidores pblicos, e dos sujeitos privados aos quais seja aplicvel o regime especfico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito pblico; -as relaes jurdicas entre pessoas colectivas de direito pblico ou entre rgos pblicos, no mbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir; -a promoo da preveno, cessao e reparao de violaes a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matria de sade pblica, ambiente, urbanismo, ordenamento do territrio, qualidade de vida, patrimnio cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades pblicas, e desde que no constituam ilcito penal ou contra-ordenacional; -o contencioso eleitoral relativo a rgos de pessoas colectivas de direito pblico para que no seja competente outro tribunal; -a execuo das sentenas proferidas pela
601 jurisdio administrativa (n.1).
Dela esto excludas, nomeadamente (alm de outras actuaes referidas noutras leis), a apreciao de litgios que tenham por objecto (n.2 e 3 do art.4,): -Os actos praticados no exerccio da funo poltica e legislativa; -as decises jurisdicionais proferidas por tribunais de outras jurisdies; -os actos relativos ao inqurito e instruo criminais, ao exerccio da aco penal e execuo das respectivas decises; -a apreciao das aces de responsabilidade por erro judicirio, cometido por tribunais de outras ordens de jurisdio e as correspondentes aces de regresso; -a fiscalizao dos actos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justia, pelo Conselho Superior da Magistratura e pelo presidente deste; -a apreciao de litgios emergentes de contratos individuais de trabalho, que no conferem a qualidade de agente administrativo, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito pblico, matria hoje enquadrada essencialmente pela Lei n.23/2004, de 22 de Junho.
Quanto aos rgos da jurisdio administrativa, sem prejuzo da criao de tribunais arbitrais (constitudos ad hoc, por juzes privados, por vontade das partes), os rgos permanentes da jurisdio administrativa compulsria so o Supremo Tribunal Administrativo, os tribunais centrais
602 administrativos e os tribunais administrativos de crculo (art.8.), que podem ser desdobrados em juzos, a funcionar na sua sede ou em local diferente dela, desde que dentro da respectiva rea de jurisdio do respectivo TAC (art.9.).
O regime de organizao destes tribunais conta normalmente com mais do que um grau de jurisdio em recurso restrito matria de direito (revista): duplo grau de jurisdio e em certas situaes, mesmo trs (artigo 150. do CPTA e n.2 do 24. do ETAF), s em certos casos muito limitados conhecendo da tribunais matria de direito (situaes de privilgio subjectivo em que funcionam como 1. instncia: artigos 24., 137., 44. da CPTA).
Estes diferentes tribunais tm alada (art.6.), de que depende quer a forma do processo e em princpio a admissibilidade de recursos jurisdicionais, que definida por correspondncia com a jurisdio judicial. Assim, a alada dos tribunais administrativos de crculo corresponde quela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1. instncia (n.3), e a dos tribunais centrais administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo, nos processos em que exeram competncias de 1. instncia, corresponde, para cada uma das suas seces, respectivamente dos tribunais administrativos de crculo (n.5); enquanto a dos tribunais centrais administrativos, norte e sul, corresponde que se encontra estabelecida para os tribunais da Relao (n.4).
603 IV - ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS E ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA DO PODER JUDICIAL
Sumrio de matrias: Introduo.-1.A governao nomocrtica.-2.O auto-governo dos tribunais.-3.O poder regulamentar do Conselho Superior da Magistratura.-4.O estatuto dos juzes. -5.O regime das impugnaes das decises do Conselho Superior da Magistratura.
4.1. CONSIDERAES INTRODUTRIAS
A aplicao do direito administrativo e a atribuio organizao judicial de poderes materialmente iguais aos existentes na Administrao Pblica do Estado 277
merecer, nesta breve anlise, acompanhada de uma explanao em geral do regime estatutrio dos juzes, o seu enquadramento normativo. Esta preleco trata, pois, do estatuto dos magistrados judiciais e da actividade administrativa na organizao judicial portuguesa. Efectivaremos o desenvolvimento da exposio de modo a ir tocando os pontos essenciais da matria, a saber:
277 Estado em sentido amplo, enquanto conjunto de organizaes territoriais e outras dependentes (ou no) destas; isto , a Administrao estadual e outras entidades que, pelo fenmeno da descentralizao, tambm participam da realizao da Funo Administrativa do Estado Comunidade. Todo as dotadas de poderes de actuao caracterizados pelo exerccio de autoridade definidora em concreto ou normativamente das situaes em relao.
604
a)-A nomocraticidade do governo da organizao judicial;
b)-As vrias formas de exerccio de poderes de natureza administrativa, nsitos s exigncias instrumentais da realizao da funo de soberania especfica de realizao da Justia, que lhes compete;
c)-As diferentes reas em que esse poder se exerce, densificando um verdadeiro sistema de auto-governo da magistratura 278 ;
d)-O enquadramento da reaco dos implicados perante regulamentos e decises que considerem ilegais, cometidos pelo referido rgo de auto-governo; e)-A jurisdio competente; e, finalmente, f)-As normas processuais aplicveis para a apreciao dos seus recursos contenciosos.
4.2.A GOVERNAO NOMOCRTICA
Comeo por referir que o poder judicial, enquanto organizao, est tambm, em Estado de direito, sujeito ao princpio da legalidade, na sua actividade materialmente administrativa.
278 Configurado, para evitar qualquer interferncia de outros poderes, que possam pr em causa a independncia dos tribunais, passando para o efeito em revista o Estatuto dos juzes, a propsito do qual se justificou a atribuio de tais poderes ao rgo prprio, independente, de gesto dos Tribunais, o Conselho Superior da Magistratura.
605 Com efeito, h que referir que, na gesto da coisa pblica, vigora sempre um enquadramento nomocrtico, por que ela uma actuao assumida e enquadrada por lei.
a lei que legitima qualquer actividade de poder pblico. Ela positivamente a base e a baliza deste poder de auto-administrao.
Neste aspecto, hoje, a actividade de gesto dos interesses pblicos difere da actividade de gesto dos particulares, na medida em que o agente privado livre de agir, desde que no agrida o ordenamento jurdico, podendo actuar desde que a lei no o proba, enquanto, em geral, a Administrao e os Poderes ao servio dos cidados s podem fazer o que a lei diz que deve fazer-se, dentro dos limites e das fronteiras traadas pela lei (princpio da legalidade positiva). Com efeito, a norma, hoje, no apenas um limite aco pblica. Ela no s limita o actuar como habilita a actuar.
Seria difcil saber onde esto, em cada momento, (isto , quais so) as necessidades colectivas, pois a sua concretizao depende mais da necessidade sentida, em cada poca histrica, de satisfazer necessidades colectivas, do que da natureza intrnseca de um dado bem ou servio, de um sector ou actividade prestadora 279 .
279 Natureza que apenas pode ter carcter orientativo ou eurstico, de procura e anlise
606 Por isso, cabe lei dizer quando uma tarefa assumida como tal e at onde pode ir a Administrao Pblica na efectivao do interesse colectivo que subjaz a essa definio material do campo de interveno pblica.
Neste aspecto, a noo de Funo Administrativa do Estado-Comunidade que identifica a organizao administrativa ou a Administrao em sentido orgnico e implica o direito administrativo relacional, colocado ao seu servio 280 , mesmo que no exclusivamente.
problemtica das necessidades e carncias da populao, por parte dos poderes definidores do interesse pblico. 280 Mas ento, tanto h actividades da Funo Administrativa, designadamente de servios pblicos, desenvolvidas por entidades criadas ao abrigo do direito administrativo, como h servios pblicos a serem desenvolvidos por entidades criadas ao abrigo de normas de direito privado, com capitais e gesto nas mos da Administrao Pblica ou nas mos de particulares. Na concepo dominante, a esta actividade desenvolvida por particulares, materialmente integrada na funo administrativa do Estado, no corresponderia um servio organicamente administrativo, ou seja, um servio pblico em termos de organizao administrativa, um servio administrativo. No entanto, h que perguntar: como possvel que a teoria da actividade material e organicamente administrativa (no caso da Administrao Estadual, desenvolvida por entidades subordinadas ao governo, salvo as excepes assumidas como tais, referentes s Entidades Administrativas Independentes) como critrio de localizao material de uma Funo Administrativa do Estado em face de actividades tambm materialmente administrativas do Parlamento e dos Tribunais seja depois contrariada, por uma tese segundo a qual a actividade de uma entidade que prossegue essa actividade integrvel na funo administrativa, isto , materialmente e organicamente administrativa j no organicamente administrativa, por no se considerar essa entidade como sendo da organizao administrativa. E se for de direito privado, com capitais e gesto pblica, isto , pertena e gesto de representante da Administrao Pblica, tambm no seria organicamente administrativa, mesmo que desempenhe uma tarefa da funo administrativa do Estado. S porque constitudas ao abrigo do direito privado, dada a irrelevncia da propriedade dos capitais e da gerncia, o que traduz uma transformao ao nvel do processual ou instrumental, e portanto sem dignidade ntica (de elemento definitrio, elemento essencial das coisas). Por isso, uma pessoa colectiva de direito pblico, sem desempenhar nenhuma tarefa da Funo Administrativa, no desenvolvendo um servio pblico, como acontece com v.g. uma
607 O poder judicial integra uma funo diferente, hoje autonomizada da Administrao Pblica, em face do princpio liberal da separao dos poderes do Estado, constituindo um Poder de soberania independente daquela.
empresa pblica de cervejas, em concorrncia com muitas outras privadas desempenhando exactamente o mesmo papel produtor na sociedade, tem sido considerada integrada organicamente na Administrao Pblica. Esta construo parece errada. No se toma em considerao a distino entre organizaes realizando um servio pblico sob uma opo de forma empresarial e uma empresa existente apenas com base numa simples justificao de interesse pblico, justificao constitucional suficiente par a iniciativa econmica pblica (vg. interesse social de manuteno de postos de trabalho, que no pode ter o condo de transformar a natureza das coisas, dando actividade anterior, exactamente a mesma do perodo da propriedade privada, a natureza de actividade da funo administrativa). Ora a Administrao Pblica, por vezes, tem, proprietria de organizaes de carcter econmico, estruturadas por isso em empresas, criadas ao abrigo de direito pblico (pessoas colectivas pblicas de regime jurdico misto) ou de direito privado (por vezes, com uma mobilidade de regime orgnico assente em puros critrios polticos, alheios ao Direito Administrativo). Elas so empresas da Administrao Pblica, no so necessariamente Administrao Pblica, a menos que desempenhem em si um servio pblico ou, em certo momento, contratem com Administrao Pblica a realizao de tarefas pblicas, como qualquer outra empresa de particulares o pode fazer (contratos de concesso de servio pblico, obras pblicas e bens do domnio pblico em empresas ou delegao de servios pblicos em entidades particulares sem fins lucrativos). Mas, ento, se nestas condies devem ser classificadas como entidades organicamente administrativas, tambm as pertencentes a particulares o devem ser, nas situaes em que entidades particulares sejam de regime jurdico misto, ou sejam, so constitudas para realizarem fins pblicos, sozinhas ou em concorrncia com outras entidades da Administrao Pblica, aceitando submeter-se na sua actividade estatutria, pelo menos em parte, aplicao do Direito Administrativo, ou contratem com uma dada pessoa colectiva pblica a realizao de servio pblico, obra pblica ou explorao de bem do domnio pblico, e por isso se lhe aplicando o Direito Administrativo. H, pois, entidades da Administrao Pblica que no so Administrao Pblica e entidades de particulares, umas e outras independentemente do direito ao abrigo do qual foram criadas, que o so, tal como h entidades da Administrao Pblica criadas ao abrigo do direito privadas (ou objecto de transformao em sociedades comerciais) que so Administrao Pblica. Na minha perspectiva, tudo depende da verificao ou no do critrio da prossecuo ou no da Funo Administrativa do Estado por parte das mesmas.
608
No caso da actividade administrativa desenvolvida pelos rgos de governo da Magistratura, a identidade natural da actividade que leva o legislador a mandar aplicar o direito administrativo j criado para as entidades organicamente integradas no exerccio da Funo Administrativa, em vez de criar um direito prprio, por certo inspirado ou mesmo decalcado naquele, dada a comunho de temas e problemas que o legislador teria de enquadrar. Estamos perante uma actividade sujeita ao princpio da legalidade, em que se integram as normas de direito administrativo geral do Estado, sem prejuzo das regras orgnicas prprias da organizao judicial previstas nos diplomas especficos.
E que se passa com os actos que, pela sua natureza material, so teoricamente sujeitveis, e de legislativamente sujeitos ao direito administrativo e, em correspondncia com isso, deveriam ser sujeitos jurisdio especializada na sua aplicao, a dos tribunais da jurisdio administrativa?
Sendo os actos de poderes pblicos de natureza administrativa e de administraes ou poderes diferentes, so de duas categorias genticas: os das organizaes administrativas desempenhando a Funo Administrativa e os das administraes de suporte
609 actividade do Parlamento e dos Tribunais 281 . Desempenhando uma tarefa do Estado, desempenham actos materialmente estaduais, e dentre estes, os de natureza administrativa ou visam a satisfao de necessidades colectivas consideradas por lei de Administrao Pblica ou esto ao servio das necessidades de outros poderes realizadores de necessidades e interesses cuja concretizao no tem que ver com a Administrao Pblica 282 .
281 Digamos de passagem, embora o tema no tenha que ver directamente com o nosso estudo, que no h uma terceira categoria para arrumar o que est j arrumado na primeira: os das administraes de particulares que desempenhando a Funo Administrativa, em virtude de contrato com uma Administrao ou por reconhecimento pblico do interese da sua aco em termos de interesse colectivo (entidades particulares que assumam um regime jurdico misto). Ora, no h trs categorias de actos sujeitos jurisdio administrativa: os (apenas) materialmente administrativos, das entidades que no realizam a funo administrativa do Estado (AR e T), os materialmente administrativos das entidades que realizam a funo administrativa do Estado (em sentido amplo) .... com excepo das do Estado mas constitudas ao abrigo do direito privado e os ... das entidades privadas que realizam a funo administrativa do Estado... que: no seriam nem actos materialmente administrativos do Estado (porque os nicos que o seriam, so os praticados por uma entidade dependente de um orgo de soberania: Governo - ou outras entidades da Administrao Pblica autnomas ou independentes deste, criadas ao abrigo de direito pblico-, e os da administrao do Parlamento ou dos Tribunais) nem seriam organicamente administrativos do Estado (porque no praticados por uma organizao de direito pblico). Concepo formal que no responde natureza das coisas. 282 Assim, os actos das entidades particulares integram-se na primeira categoria. Por outro lado, os actos das entidades pblicas que no praticam actos materialmente administrativos no ligadas ao exerccio directo do poder legislativo ou judicial, no praticam actos de Estado e por isso, mesmo sendo do Estado, no realizam uma funo do Estado. Refiro-me s empresas de direito pblico ou privado, pertencentes s Administraes Pblicas que pratiquem actos de direito civil ou comercial, sem qualquer ligao realizao de uma tarefa de servio pblico; no desempenhando obviamente funes de nenhum dos poderes do Estado, tambm no as desempenham do poder administrativo; portanto no so organicamente administrativas, pois os seus actos so indiferentes organizao da Funo Administrativa e ao Direito Administrativo.
610 E quando a organizao judicial actuar, na sua administrao, ao abrigo do direito privado, e portanto no aplicando o direito administrativo, deve tal como as entidades da Administrao Pblica, respeitar sempre os princpios gerais de direito administrativo 283 , como manda o Cdigo do Procedimento Administrativo, no seguimento da teoria do direito privado administrativo? E quando uma entidade pratica actos ao abrigo do direito administrativo, a temos a competncia jurisdicional dos tribunais do contencioso administrativo ou nem sempre, como acontece no caso da organizao judicial?
Realmente, essas entidades que aplicam, ou podem aplicar, aos seus actos o direito administrativo so, pela sua natureza, as que exercem a Funo Administrativa do Estado, independentemente da sua frmula jurdica de criao, e, por previso legal expressa, dada a natureza de actos semelhantes, materialmente administrativos, as administraes que servem os outros rgos de soberania, realizadores da funo legislativa e da funo jurisdicional, sujeitas tambm ao direito administrativo.
283 Mesmo aos actos materialmente administrativos de entidades organicamente administrativas regulados pelo direito privado aplicvel a teoria do direito privado administrativo, ou melhor, administrativizado pelo respeito obrigatrio dos princpios constitucionais e gerais de Direito Administrativo. Nos termos constitucionais que se referem sua aplicao em geral pelas administraes pblicas, sem distinguir a actuao em gesto pblica ou privada e o n5 do artigo 2 do Cdigo do Procedimento Administrativo, que o concretiza.
611 Mas nem todos estes actos esto sujeitos aos tribunais do contencioso administrativo, porque embora sejam estes que esto especializados na aplicao de tal direito, o princpio tal direito, tal jurisdio , em Portugal, excepcionado na apreciao de actos materialmente administrativos ligados ao governo dos tribunais.
Estes ltimos aplicam o direito administrativo em relao s actividades ligadas ao seu funcionamento administrativo, sem serem uma Administrao Pblica no sentido do direito administrativo, ou seja, sem exercerem a funo administrativa do Estado, porque o legislador manda que assim seja, apenas pelo facto de o legislador considerar que estas so as normas mais ajustadas ao tipo de actos que praticam, e no por terem algo que ver com a Administrao pblica.
Diferentemente, as entidades da Administrao pblica os aplicam porque o direito administrativo existe para isso.
No entanto, nem sempre so obrigadas a aplic-lo e, por isso, s esto sujeitas especializada jurisdio administrativa na medida em que tal necessrio, ou seja, na medida em que o apliquem. Mas isto no assim quanto aos regulamentos e actos relativos administrao da organizao judicial nem em geral quanto s Administraes instrumentais do Parlamento e dos Tribunais judiciais.
A Administrao do poder judicial aplica o direito
612 administrativo, mas no est sujeita jurisdio dos tribunais administrativos, contrariamente ao que acontece com os actos de governo dos outros tribunais, alheios magistratura judicial, que j so apreciados pelos tribunais do contencioso administrativo.
2. O AUTO-GOVERNO DOS TRIBUNAIS
A matria do regime jurdico da actividade materialmente administrativa desenvolvida no mbito da organizao judicial portuguesa encontra-se enquadrada no s pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais 284 , como, em geral, por diplomas referente actividade da Administrao Pblica. Isto , aplica-se-lhe naquilo que no esteja especialmente regido pelo Estauto e legislao judiciria, as normas referentes Funo Administrativa do Estado- Comunidade, que so aplicveis, em geral, s Administraes estadual e outras territoriais, entidades de Administrao indirecta, autnoma e independente destas, e mesmo s entidades particulares investidas no exerccio desta Funo 285 .
A caracterstica essencial do Poder Judicial a independncia dos tribunais 286 .
284 Aprovado pela Lei n21/85, de 30 de Julho (alterada pelas Leis n2/90, de 20 de Janeiro e n10/94 de 5 de Maio. 285 Aprovado pelo Decreto-Lei n442/91, 15 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n6/96, de 31 de Janeiro. 286 Princpio com assento no artigo 216 da Constitucional da Repblica Portuguesa.
613
Trata-se de um princpio que estende a sua eficcia erga omnes, incluindo em face dos prprios rgos jurisdicionais, o que implica que no pode haver correco de decises judiciais pelos prprios juzes, salvo se existir uma reclamao da deciso para o decisor ou um recurso, legalmente previsto 287 , para os tribunais superiores.
Destes, tal como tambm do prprio Conselho Superior da Magistratura 288 , no podem emanar ordens ou orientaes de carcter geral em relao aplicao ou interpretao das leis. E a plenitude da independncia da judicatura implica a obrigao imposta aos poderes pblicos em geral e aos cidados de respeitarem essa independncia.
a subtraco absoluta do estatuto jurdico dos juzes a qualquer interferncia por parte dos outros poderes do Estado, conseguida e concretizada na imobilidade 289 e auto- regulao, que excluem a competncia do Poder Executivo em relao aplicao do estatuto orgnico dos magistrados judiciais, levando consagrao de um sistema de disciplina exclusivamente regulada por lei e por decises administrativas, apenas adoptveis pelo rgo de auto-governo j citado, o Conselho Superior da Magistratura, em termos vinculados ou em mbito discricionrio estatutariamente limitado.
287 Nos termos legalmente enquadrados. 288 o rgo de autogoverno, a que faremos referncia mais abaixo. 289 Artigo 216 da Constituio.
614 Este rgo, criado na prpria Constituio 290 , tem as funes gestoras fundamentais fixadas, desde logo, no artigo 217. da Constituio.
Daqui resulta uma gama de poderes de natureza materialmente administrativos atribuda ao Conselho Superior da Magistratura. Aqui, ficou consagrada a competncia, nos termos da lei, para efectivar a nomeao, a transferncia e a promoo dos juzes dos tribunais judiciais e o exerccio da aco disciplinar 291 . Com efeito, o rgo do governo dos tribunais tem poderes de natureza administrativa no mbito da organizao judicial, quais sejam o poder regulamentar e o poder de praticar actos administrativos (em autotutela declarativa e executria).
Estes poderes exercem-se em variados domnios e, desde logo, como vimos, e tendo presente os critrios do artigo 215. da Constituio:
- nomeao dos juzes; - seleco e proviso de destinos; - promoes;
290 Artigo 218 da Constituio. 291 Competindo esta matria no que diz respeito aos magistrados dos tribunais administrativo e fiscais a um Conselho prprio, cuja designao , nos termos do n2 e 3 do mesmo artigo, feita pelo legislador, que o apelidou de Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, quanto aos outros tribunais, tudo - competncias e regras sobre a colocao, transferncia, promoo e aco disciplinar, tudo ficou para a lei, qual, de qualquer modo, se imps o respeito pelas garantias previstas na Constituio.
615 - regulao das suas situaes administrativas; - poder de inspeco dos tribunais; - poder disciplinar em relao aos magistrados, etc.
Quanto a poderes administrativos em relao aos funcionrios judiciais, eles pertencem ao Ministrio da Justia, atravs da Direco-Geral dos Servios Judicirios. A realizao de contratos, administrativos ou de direito privado 292 , para a realizao de fins da organizao judicial, sejam empreitadas de obras pblicas ou contratos de fornecimento, so levados a cabo tambm atravs do governo, competindo a sua efectivao ao Ministrio da Justia.
Quanto titularidade dos bens ao servio da organizao judicial, edifcios, equipamentos, etc., esto tambm afectados Direco-Geral do Patrimnio do Estado, na dependncia do Ministro das Finanas.
Os magistrados judiciais so governados por um rgo prprio, como dissemos, no governamental, que bebe a sua legitimidade, alm da constitucional, como os prprios juzes, na designao em parte (no maior nmero dos seus membros) pelos rgos de soberania do Estado directamente eleitos, isto , pelo legislativo e pelo Presidente da Repblica.
292 Em gesto privada da coisa pblica, que o direito portugus admite como princpio, quando a lei no impuser a aplicao do direito administrativo, embora com a aplicao da teoria do direito privado administrativizado, pela aplicao dos princpios constitucionais e gerais de direito pblico, nos termos hoje expressos do n 5 do artigo 2 do C.P.A.
616 Este rgo superior de gesto e disciplina da magistratura judicial 293 , , para os Tribunais judiciais, o Conselho Superior da Magistratura.
No que se reporta composio deste Conselho Superior da Magistratura 294 , ele tem 17 membros. presidido pelo Presidente do Supremo tribunal de Justia, e conta com mais 16 membros: - sete juzes eleitos pelos seus pares; - sete personalidades eleitas pelo Parlamento, e - duas personalidades designadas pelo Presidente da Repblica. O cargo de vogal do Conselho Superior da Magistratura no pode ser recusado por magistrados judiciais.
Quanto eleio no seio da prpria magistratura, os juzes eleitos pelos pares, so-no atravs de sufrgio secreto e universal 295 . E o colgio eleitoral formado pelos magistrados judiciais em efectividade de servio judicial, com base em recenseamento organizado oficiosamente pelo Conselho Superior da Magistratura.
293 Como se lhe refere o artigo 136 do Estatuto da Magistratura Judicial. 294 Definida nos termos do artigo 218 e n1 do artigo 137 do Estatuto. 295 Segundo o princpio da representao proporcional e o mtodo da mdia mais alta, com obedincia s regras de converso dos votos expressa no n2 do artigo 139 do Estatuto, mediante a apresentao de listas elaboradas por organizaes sindicais de magistrados judiciais, ou por um mnimo de vinte juzes eleitores. As listas incluem um suplente em relao a cada candidato efectivo, havendo em cada lista um juiz do Supremo Tribunal de Justia, dois juzes da Relao e um juiz de direito de cada distrito judicial. No pode haver candidatos por mais de uma lista. Na falta de candidaturas, a eleio realiza-se base de listas elaboradas pelo Conselho Superior da Magistratura.
617
A distribuio de lugares feita segundo a ordem de converso dos votos em mandatos pela seguinte forma: 1. mandato: juiz do Supremo Tribunal de Justia; 2. mandato: juiz da Relao; 3. mandato: juiz da Relao; 4. mandato: juiz de direito proposto pelo distrito judicial de Lisboa; 5. mandato: juiz de direito proposto pelo distrito judicial do Porto; 6. mandato: juiz de direito proposto pelo distrito judicial de Coimbra; e 7. mandato: juiz de direito proposto pelo distrito judicial de vora.
Quanto s regras de apuramento, o processo leva a que comece por se apurar em separado o nmero de votos obtido por cada lista, que dividido, sucessivamente, por 1, 2, 3, 4, 5, etc., sendo os quocientes, considerados com parte decimal, alinhados por ordem decrescente da sua grandeza numa srie de tantos termos quantos os mandatos atribudos ao rgo respectivo.
Os mandatos pertencem s listas a que correspondem os termos da srie, estabelecida pela regra referida, recebendo cada uma das listas tantos mandatos quantos os seus termos na srie.
No caso de restar um ou mais mandatos para distribuir e de os termos seguintes da srie serem iguais e de listas diferentes, o mandato ou os mandatos cabem lista ou s listas que tiverem obtido um maior nmero de votos. Se mais de uma lista obtiver igual nmero de votos, no h lugar atribuio de mandatos, devendo o acto eleitoral ser repetido.
618
A fiscalizao da regularidade dos actos eleitorais e o apuramento final da votao competem a uma comisso de eleies. Constituem a comisso de eleies o Presidente do Supremo Tribunal de Justia e os presidentes das relaes.
Tm o direito de integrar a comisso de eleies um representante de cada lista concorrente ao acto eleitoral. As funes de presidente da comisso so exercidas pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justia. As deliberaes do rgo eleitoral so tomadas pluralidade de votos, cabendo ao presidente o voto de qualidade.
Compete, especialmente, a comisso de eleies as seguintes tarefas: - resolver as dvidas suscitadas na interpretao das normas reguladoras do processo eleitoral; e - decidir as reclamaes que surjam no decurso das operaes eleitorais.
Em termos de contencioso eleitoral, o recurso dos actos eleitorais interposto, no prazo de quarenta e oito horas, para o Supremo Tribunal de Justia e decidido nas quarenta e oito horas seguintes sua admisso.
No que diz respeito s providncias relativas ao processo eleitoral, o Conselho Superior da Magistratura deve adoptar aquelas que se mostrem necessrias organizao e boa execuo do processo eleitoral.
619
Quanto ao momento da eleio, ela tem lugar dentro dos trinta dias anteriores a cessao dos cargos ou nos primeiros sessenta dias posteriores ocorrncia de vacatura. E anunciada com a antecedncia mnima de quarenta e cinco dias, em relao data da sua realizao 296 .
No plano do exerccio do cargo de vogal eleito pelos juzes, ele exercido por um perodo de trs anos, no imediatamente renovvel 297 . E sempre que, durante o exerccio do cargo, um vogal eleito deixe de pertencer categoria de origem ou fique impedido chamado a substitui-lo o suplente. Na falta deste, o Conselho Superior da Magistratura declara a vacatura do lugar, procedendo-se a nova eleio 298 .
Quanto eleio dos membros do Conselho Superior da Magistratura, a indicar pelo Parlamento, nos termos da Constituio, ela tem o seu processo estabelecido no Regimento da Assembleia da Repblica 299 , que constitui direito constitucional material.
Quanto ao regime de prestao de funes pelos seus
296 por aviso a publicar no Dirio da Repblica. 297 Artigo 147. 298 No obstante a cessao dos respectivos cargos, os vogais mantm-se no seu exerccio at entrada em funes dos que os venham substituir. 299 Diploma que , nas suas grandes linhas, um texto da minha autoria, elaborado j no princpio desta dcada (na qualidade de membro e relator da Comisso de Reforma do Parlamento).
620 membros, compete ao Conselho Superior da Magistratura determinar os casos em que o cargo de vogal deve ser exercido em tempo integral ou apenas com reduo do servio correspondente ao cargo de origem.
Quanto s tarefas do Conselho Superior da Magistratura, a ele compete 300 , em relao aos juzes: a)- efectivar a sua nomeao e exonerao; b)- proceder sua colocao e transferncia; c)- apreciar o mrito profissional e efectivar a sua promoo; d)- praticar actos referentes a licenas, faltas e frias; e)- autorizar que os magistrados se ausentem do servio; f)- autorizar a residncia em local fora da circunscrio judicial; g)- em geral, praticar todos os actos de idntica natureza a estes, respeitantes aos magistrados judiciais, sem prejuzo das disposies relativas ao provimento de cargos por via electiva, em relao aos quais deve adoptar as providncias necessrias organizao e boa execuo do respectivo processo eleitoral; h)- ordenar inspeces, sindicncias e inquritos aos servios judiciais, quanto quelas base do plano anual que ele elabora; i)- exercer a aco disciplinar sobre os magistrados; j)- alterar a distribuio de processos nos tribunais
300 Nos termos do catlogo do artigo 149 e de outras normas do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
621 com mais de um juzo, a fim de assegurar a igualao e operacionalidade dos servios; estabelecer prioridades no processamento de causas que se encontrem pendentes nos tribunais por perodo considerado excessivo, sem prejuizo dos restantes processos de carcter urgente e, ainda, propor ao Ministro da Justia as medidas adequadas, por forma a no tornar excessivo o nmero de processos a cargo de cada magistrado; e l)- fixar o nmero e a composio das seces do Supremo Tribunal de Justia e dos tribunais da relao 301 .
Hoje, ele j no tem poder para apreciar o mrito profissional e exercer a aco disciplinar sobre os funcionrios de justia, o que acontecia anteriormente, sem prejuzo da competncia disciplinar atribuda a juzes 302 .
Quanto ao funcionamento do Conselho Superior da Magistratura, ele processa-se em Plenrio e em Conselho Permanente. O Plenrio constitudo por todos os membros do Conselho. As suas reunies tm lugar ordinariamente uma vez por ms e extraordinariamente sempre que sejam convocadas pelo presidente.
301 Alm disso, compete-lhe, ainda, aprovar o regulamento interno e a proposta de oramento relativos ao Conselho; emitir parecer sobre diplomas legais relativos a organizao judiciria e ao Estatuto dos Magistrados Judiciais e em geral, sobre matrias relativas administrao da justia; estudar e propor ao Ministro da Justia as providncias legislativas para aumentar a eficincia e aperfeioar as instituies judicirias e exercer as outras funes conferidas por lei. 302 Esta, matria pertence a um rgo prprio, presidido pelo Director-Geral dos Servios Judicirios do Ministrio da Justia.
622 Em termos de qurum, as suas deliberaes so tomadas pluralidade dos votos, cabendo ao presidente voto de qualidade. Para a validade das deliberaes, exige-se a presena de, pelo menos, doze membros.
Nas reunies em que se discuta ou delibere sobre o concurso de acesso ao Supremo Tribunal de Justia e designao dos respectivos juzes participam, com voto consultivo, o Procurador-Geral da Repblica e o Bastonrio da Ordem dos Advogados. O Conselho Superior da Magistratura pode convocar para participarem nas reunies, com voto consultivo, os presidentes das Relaes que no faam parte do Conselho.
O Conselho Permanente composto pelos seguintes membros: -o presidente do Conselho Superior da Magistratura, que preside; -o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura; -um juiz da Relao; -dois juizes de direito; -um dos vogais designados pelo Presidente da Repblica; e -dois vogais de entre os designados pela Assembleia da Repblica. A designao dos seus membros, com excepo do presidente e vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, faz-se rotativamente por perodos de dezoito
623 meses.
O Ministro da Justia pode participar nas reunies, para prestar esclarecimentos ou recolher aqueles que haja solicitado, mas apenas quando convidado para o efeito.
O Conselho Permanente rene ordinariamente uma vez por ms e extraordinariamente sempre que convocado pelo presidente 303 . Para a validade das suas deliberaes exige-se a presena de, pelo menos, cinco membros. Aplica-se em geral ao funcionamento do Conselho Permanente o disposto na lei em relao ao Plenrio.
Quanto competncia reservada dos vrios rgos do Conselho Superior da Magistratura, da competncia do seu Plenrio 304 o seguinte: - a prtica dos actos da competncia do Conselho Superior da Magistratura respeitantes a juzes do Supremo Tribunal de Justia e das Relaes ou referentes a estes tribunais; - a apreciao e deciso das reclamaes contra actos praticados pelo Conselho Permanente, pelo presidente ou pelo vice-presidente; - a aprovao do regulamento interno; - a aprovao da proposta de oramento relativos ao Conselho; - a adopo das providncias necessrias
303 Artigo 157. 304 Nos termos do artigo 151.
624 organizao e boa execuo do processo eleitoral para o Conselho Superior da Magistratura; - a emisso de parecer sobre diplomas legais relativos a organizao judiciria e ao Estatuto dos Magistrados Judiciais e, em geral, sobre matrias relativas administrao da justia; - a proposio ao Ministro da Justia das providncias legislativas para aumentar a eficincia e aperfeioar as instituies judicirias; -a apreciao e deciso sobre outros assuntos da competncia do Conselho Superior da Magistratura, que sejam avocados, por sua iniciativa, por proposta do Conselho Permanente ou a requerimento fundamentado de qualquer dos seus membros. - outras tarefas conferidas por outras leis
Quanto aos poderes do Conselho Superior da Magistratura relativos a juzes, alguns so passveis de transferncia de exerccio, nos termos das regras sobre delegao de poderes, previstas no Cdigo do Procedimento Administrativo, que sinteticamente se passam a expor.
A delegao de poderes traduz a aplicao do princpio da desconcentrao administrativa, efectivando uma desconcentrao derivada, isto , no processada directamente por lei, mas por ela prevista e permitida, mediando a vontade do titular normal dos poderes, cujo exerccio passvel de transferncia. No uma desconcentrao ope legis mas derivada de uma habilitao legal.
625
Em geral, podemos dizer que h desconcentrao quando, numa pessoa colectiva ou ministrio, neste caso da organizao de governo do poder judicial, no h apenas um rgo a tomar as decises realizadoras das respectivas atribuies, mas as diferentes tarefas a desempenhar so objecto de uma decomposio material, dando esta partilha origem a uma distribuio dos poderes funcionais, em princpio em linha vertical, entre vrios escales orgnicos e portanto da hierarquia administrativa.
Neste caso, no h propriamente esta diviso hierrquica entre as vrias entidades integradas no Conselho Superior da Magistratura em que se opera os diferentes poderes atribudos instituio.
Em funo da forma de concretizao da afectao dos poderes, podemos dizer que a desconcentrao originria, que resulta da lei, ou derivada, se resulta de delegao de poderes, isto , de uma deciso concreta do titular legal dos poderes, em termos facultativos, mas legalmente enquadrada. o caso das tarefas a que nos reportamos. Vigora enquanto aquela composio do Conselho existir, extinguindo-se com a sua renovao ou a mudana de presidente (delegao) ou vice-presidente (subdelegao). Importante a caracterizao dos respectivos requisitos, que so os seguintes: s pode ocorrer nas matrias que indicamos; depende de deliberao expressa do Conselho Superior da Magistratura; o acto de delegao tem de especificar as matrias em concreto em que o delegado
626 pode decidir; a deliberao est sujeita a publicao no Dirio da Repblica; o presidente ou o vice-presidente do Conselho, como delegado ou subdelegado, tem de mencionar, quando decida nessa matrias, que o faz na qualidade de delegado do Conselho Superior da Magistratura; a deliberao pode ser revogada a qualquer altura. Os processos, em qualquer matria, podem ser avocados, para deliberao individual pelo Conselho Superior da Magistratura.
O Conselho pode dar ao delegado e tambm este, por sua vez, o pode fazer ao subdelegado (sem prejuzo da sujeio sempre deste s emanadas do delegante), instrues ou emitir directivas sobre o modo de serem exercidos os poderes em causa 305 .
Nos termos do artigo 158., o Conselho Superior da Magistratura pode delegar no presidente, com faculdade de sub-delegao no vice-presidente, poderes para ordenar inspeces extraordinrias, instaurar inquritos e sindicncias, autorizar que magistrados ou funcionrios se ausentem do servio, conceder a autorizao para residncia em local diferente da circunscrio judicial, prorrogar o prazo para a posse e autorizar que esta seja tomada em lugar ou perante entidade judicial diferente, indicar magistrados e funcionrios de justia para participarem em grupos de trabalho, resolver outros assuntos, nomeadamente de carcter urgente.
305 Artigos 35 a 40 do C.P.A.
627 E pode, ainda, o Conselho Superior da Magistratura delegar nos presidentes do Supremo Tribunal de Justia e das Relaes a prtica de actos prprios da sua competncia, designadamente os relativos a licenas, faltas e frias, e, ainda, estabelecer prioridades no processamento de causas que se encontrem pendentes nos tribunais por perodo considerado excessivo, sem prejuzo dos restantes processos de carcter urgente.
O Conselho Superior da Magistratura pode convocar para participar nas reunies, com voto consultivo, os presidentes das Relaes, que no faam parte do Conselho.
No entanto, deve sempre convoc-los, desde que no estejam impedidos, quando se trate de tomar decises sobre a graduao para acesso ao Supremo Tribunal de Justia. E da competncia do Conselho Permanente 306 , o conjunto de actos que no integram a competncia reservada do Plenrio do Conselho Superior da Magistratura.
Ao Presidente do Conselho Superior da Magistratura compete 307 exercer, alm das funes fixadas em outras normas legais, ou que receba por delegao de poderes, nos termos j referidos, as que passam a indicar- se: - dar posse ao vice-presidente, aos inspectores
306 Nos termos do artigo 152, 307 Conforme estabelece o artigo 153.
628 judiciais e ao secretrio do Conselho Superior da Magistratura; - dirigir e coordenar os servios de inspeco; - elaborar, mediante proposta do secretrio, ordens de execuo permanente.
O vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura no tem funes originrias, a ele cabendo 308 , substituir o presidente nas suas faltas ou impedimentos e exercer as funes que Ihe forem delegadas.
Ao Secretrio do Conselho Superior da Magistratura cabe 309 , promover a execuo das deliberaes do Conselho, propor ao presidente ordens de execuo permanente e elaborar propostas do movimento judicial.
Os processos, que devam correr no Conselho Superior da Magistratura, so distribudos por sorteio, nos termos do seu regulamento interno 310 . O vogal, a quem o processo for distribudo, o seu relator.
O relator requisita os documentos, processos e diligncias que considere necessrios, sendo aqueles requisitados pelo tempo indispensvel, com ressalva do impropriamente designado segredo de justia 311 .
308 Nos termos do artigo 154. 309 Entre outras tarefas previstas no artigo 155. 310 Artigo 159. 311 Isto , do segredo administrativo endoprocedimental conatural a esta fase de
629
De qualquer modo, diferentemente do que se passa no acesso em geral aos processos findos, ou parados h mais de uma ano, aqui na fase ps-procedimental, a organizao judicial est isenta desta obrigao de comunicao aos cidados dos dossiers por si detidos, por no lhe ser aplicvel a legislao do open file vigente hoje na Administrao Pblica em geral, nos termos da Lei n. 65/93, de 26 de Agosto 312 , regime que aparece justificado essencialmente pela necessidade de uma mudana coperniconiana na eficcia e transparncia da Administrao 313 .
Registe-se, no entanto, que em debate de parecer da Comisso de Acesso aos Documentos Administrativos, j se geraram tentativas de estender a aplicao do princpio da transparncia dos documentos administrativos a favor de quaisquer cidados, independentemente das entidades que os detenham, numa clara omniabrangncia dos poderes pblicos 314 , desde que
necessidade de intimidade da administrao activa, mas a que se aplicam as regras de acesso pelo prprio e de cariz restritivo quanto a terceiros, que tm de ter um interesse legtimo no facto, referidas nos artigos 61 a 64 do C.P.A, por forma a no causar prezuzo s partes. 312 Baseada em projecto de lei da minha autoria, recentemente alterada nalguns aspectos pela Lei n.94/99, de 16.7; esta alterao baseada em texto da responsabilidade da C.A.D.A., embora com alteraes significativas efectuadas sua revelia e sem o seu parecer, em desrespeito flagrante do disposto na Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. 313 No sentido da democratizao administrativa, conforme referamos em livro sobre a matria, redigido em 1993, posteriormente publicado (Fernando Condesso, Direito Informao Administrativa, Editor Pedro Ferreira, Lisboa, 1995, pg.583). 314 Www.cada.pt. O que nem a Freedom of Information Act americana ousou fazer.)
630 desempenhem poderes de autoridade, o que englobaria tambm as administraes instrumentais, quer do Legislativo, quer dos Tribunais.
Voltando, directamente, ao procedimento resolutrio, no mbito do Conselho Superior da Magistratura, no caso de o relator ficar vencido, a redaco da deliberao cabe ao vogal que for designado pelo presidente. Mas se a matria for de manifesta sirnplicidade, o relator pode submet-la apreciao, com dispensa dos vistos.
A deliberao que adoptar os fundamentos e propostas, ou apenas os primeiros, do inspector judicial ou do instrutor do processo pode ser expressa por simples concordncia, com dispensa de relatrio.
Importantes na economia da organizao do auto-governo do Conselho Superior da Magistratura so os servios de inspeco, que nos termos do artigo 160. funcionam junto do Conselho Superior da Magistratura e que so constitudos por inspectores judiciais e secretrios de inspeco.
Os inspectores judiciais so nomeados, em comisso de servio, de entre juzes da Relao ou, excepcionalmente, de entre juzes de direito com antiguidade no inferior a 15 anos e classificao de servio de muito bom 315 .
O quadro de inspectores judiciais e secretrios de
315 N1 do artigo 162.
631 inspeco fixado em Portaria do Ministrio da Justia, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura. Compete aos servios de inspeco facultar ao Conselho Superior da Magistratura o conhecimento do estado, necessidades e deficincias dos servios judiciais 316 , a fim de o habilitar a tomar as providncias convenientes para o exerccio das suas funes de governo da magistratura ou para propor ao Ministro da Justia as medidas que dependam da interveno do Governo. Complementarmente, os servios de inspeco destinam-se a colher informaes sobre o servio e o mrito dos magistrados.
Quando deva proceder-se a inspeco, inqurito ou processo disciplinar a juzes do Supremo Tribunal de Justia ou das Relaes, designado um inspector extraordinrio, que tem de ser juiz do Supremo Tribunal de Justia.
3.O PODER REGULAMENTAR DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Em termos de poder regulamentar, o Conselho Superior da Magistratura pode ditar regulamentos, a aprovar pelo Pleno, por maioria dos membros presentes, desde que superior a doze, ou seja, dois teros dos titulares do rgo, dos seus membros, sobre o seu pessoal, organizao e funcionamento no mbito da legislao
316 Artigo 161.
632 sobre a funo pblica e sobre o desenvolvimento do Estatuto dos Magistrados Judiciais, para estabelecer regulaes de carcter secundrio, acessrias para o exerccio dos direitos e deveres que conformem o estatuto judicial, mas sem poder inovar no plano dos direitos e deveres ou alterar disposies estatutrias com assente na lei, estando o poder regulamentar sujeito ao princpio da legalidade.
Para a execuo ou aplicao do Estatuto dos Magistrados Judiciais podem aprovar regulamentos quanto ao sistema de ingresso, promoo e especializao da carreira judicial, sobre a organizao e funcionamento do Centro de Estudos Judicirios 317 , actividades de distribuio entre turnos e provimento de lugares de juzes, tempo mnimo da sua permanncia no destino, situaes administrativas dos juzes, ausncia da circunscrio judicial, procedimento dos concursos regulamentados e forma de petio de proviso de lugares e de cargos de nomeao discricionria, regime de licenas e autorizaes, valorao do mrito, regime de incompatibilidades e tramitao de processo sobre questes do estatuto dos juzes, escales judiciais, regime de substituies, funcionamento e faculdades dos rgos de governo e eleies, nomeao e cessao de funes dos membros desses rgos, inspeces e tramitao de queixas e denncias, publicidade das actuaes judiciais e constituio dos rgos judiciais fora da sua sede, especializao dos rgos judiciais, repartio de assuntos e relatrios, normas sobre prestao de servios de permanncia, forma de posse e cessao de funes dos
317 CEJ, que corresponde ao Centro de Seleco e Formao de Juzes, em Espanha.
633 rgos judiciais.
Tudo visto, constata-se que, tal como acontece na organizao judicial espanhola, h, em geral, uma tendncia concentrao de competncias no Pleno do Conselho Superior da Magistratura, que, alm das propostas de nomeao de membros da organizao judicial 318 , tem o poder regulamentar, a competncia de decidir sobre os processos de reabilitao instrudos pela Comisso de Disciplina e o poder decisrio derivado (apreciao das reclamaes 319 sobre as deliberaes da Comisso Permanente, da Comisso Disciplinar e dos outros rgos de governo dos Tribunais).
Quanto ao regime dos actos administrativos do Conselho Superior da Magistratura, importa referir que : -os actos administrativos do Conselho, no regulados por norma especial, ficam sujeitos ao direito procedimental administrativo geral, -as deliberaes dos rgos colegiais do Conselho, que tm sempre que ser motivadas, sero adoptadas por maioria dos membros presentes, na ausncia de norma expressa, tendo o presidente voto de qualidade; -a adopo destes actos, em forma escrita, s vlida quando as deliberaes resultem de votaes em reunies precedidas de devida convocatria e efectivadas com existncia de quorum exegvel; -estas deliberaes gozam de executividade e executoriedade, podendo ser impugnadas em via
318 E aqui no apenas dos tribunais superiores. 319 Ou melhor, dado que no so dirigidos Comisso, dos recursos administrativos.
634 administrativa, atravs de reclamao, para o pleno do Conselho Superior da Magistratura, quando tenha sido outro o rgo a decidir 320 ; -os actos vlidos, no termos dos artigos 140. ou invlidos, meramente anulveis, nos termos do 141. , ambos do CPA, podem ser revogados ou modificados, ou seja todos os actos a menos que sejam inexistentes ou nulos, salvo, neste ltimo caso, os actos de nomeao e promoo nulos que, pelo decurso do tempo, adquiram, nos termos gerais de direito, efeitos putativos, que os tornem subsistentes 321 . E, em ltimo caso, h recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal de Justia 322 e no para o Supremo Tribunal Administrativo 323 .
Isto , a jurisdio do contencioso administrativo no aprecia os actos do poder judicial, como acontece em Espanha. Em Portugal, s os actos materialmente administrativos praticados no mbito da organizao do Parlamento ou de jurisdies alheias ao judicial ficam sujeitos aos Tribunais administrativos, pois os actos administrativos originrios do poder judicial, fugindo regra da competncia por especializao, em que hoje assenta a legitimidade da jurisdio administrativa em Portugal, constituda por tribunais previstos na Constituio, e considerados como rgos de soberania em igualdade com os da
320 Artigo 165 e 166 do Estatuto dos Magistrados Judiciais. 321 N3 do artigo 134 do C.P.A. 322 N 1 do artigo 168 do Estatuto dos Magistrados Judiciais. 323 Como alis sempre resultaria a contrario sensu da alnea c) do n1 do artigo 26 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Decreto-Lei n 229/96, de 29 de Novembro.
635 jurisdio comum, e no j como rgos domsticos da Administrao para o julgamento das questes que a envolvem como acontecia no tempo da Administrao- juiz.
Neste momento, a apreciao destas matrias pelo Supremo Tribunal de Justia e no pelo Supremo Tribunal Administrativo que constitui um privilgio dos membros da organizao judicial, que so julgados pelos seus prprios membros, e neste sentido se julga corporativamente a si mesma, sendo certo que os tribunais do contencioso administrativo, que, em Portugal, tambm so rgos de soberania, no esto integrados na organizao judicial dos tribunais comuns, tendo uma organizao autnoma e um conselho de autogoverno paralelo, parte, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Os regulamentos e os despachos de nomeao dos juzes so publicados no Dirio da Repblica, enquanto os actos administrativos so notificados aos seus destinatrios e s entidades que lhes devem dar cumprimento.
Os actos so imediatamente executivos, salvo suspenso decretada em apreciao de recurso administrativo 324 ou judicial 325 , sendo certo que, em Portugal, vigora a regra da no suspenso dos actos administrativos 326 .
324 Artigos 163 e 170 do C.P.A. 325 Atigo 76 da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovado pelo Decreto-Lei n 267/85, de 16 de Julho). 326 Ferida de inconstitucionalidade tal como est redigida e aplicada pela jurisprudncia, em face do princpio da tutela judicial efectiva.
636
4. O ESTATUTO DOS JUIZES
Mas vejamos, mais em pormenor, o modo como normativamente os direitos, deveres e poderes aparecem desenvolvidos no Estatuto. J dissemos que toda a estrutura normativizadora do estatuto dos juzes assenta no princpio axilar da sua independncia, consagrado na Constituio.
Este princpio aparece transcrito no artigo 4. do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que reza assim: os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituio e a lei e no esto sujeitos a ordens ou instrues, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decises proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.
O dever de obedincia lei compreende o de respeitar os juzos de valor legal, mesmo quando se trate de resolver hipteses no especialmente previstas e o dever de non liquet.
Em consequncia deste enquadramento, proclama- se o princpio da irresponsabilidade, com assento constitucional 327 , segundo o qual os magistrados judiciais no podem ser responsabilizados pelas suas decises, excepto nos casos especialmente previstos em lei, que os sujeite, em razo do exerccio das suas funes, a
327 N2 do artigo 216.
637 responsabilidade civil, criminal ou disciplinar 328 .
Quanto ao foro competente para o inqurito, a instruo e o julgamento dos magistrados judiciais por infraco penal, bem como para os recursos em matria contra-ordenacional, o tribunal de categoria imediatamente superior quele em que se encontra colocado o magistrado, sendo para os juzes do Supremo Tribunal de Justia quando neste ltimo Tribunal. E proclama-se tambm o princpio da inamovibilidade 329 , que impe que os magistrados judiciais sejam nomeados vitaliciamente, no podendo ser transferidos, suspensos, promovidos, aposentados, demitidos ou, por qualquer forma, mudados de situao, seno nos casos previstos no seu Estatuto 330 .
Em contrapartida, aos juzes exige-se imparcialidade e como garantias de imparcialidade, veda-se-lhes o exerccio de funes em tribunal ou juzo em que sirvam juzes de direito, magistrados do Ministrio Pblico ou funcionrios de justia a que estejam ligados por casamento, parentesco ou afinidade em qualquer grau da linha recta ou at ao 3. grau da linha colateral; servir em tribunais em que tenham desempenhado funes de Ministrio Pblico nos ltimos trs anos ou que pertenam ao crculo judicial em que, em igual perodo, tenham tido escritrio de advogado 331 .
Quanto a deveres, incompatibilidades e direitos, aplicvel aos magistrados judiciais, a ttulo subsidirio, inexistindo normas prprias no estatuto, o regime da funo pblica 332 .
E, nesta matria de deveres, incompatibilidades, direitos e regalias, importa referir o disposto no artigo 8., segundo o qual os magistrados judiciais tm domiclio necessrio na sede do tribunal onde exercem funes, podendo, todavia, residir em qualquer ponto da circunscrio judicial, desde que no haja inconveniente para o cabal exerccio da funo.
Os juzes do Supremo Tribunal de Justia e das Relaes esto dispensados da obrigao de domiclio, salvo determinao em contrrio do Conselho Superior da Magistratura, por motivo de servio.
Quando as circunstncias o justifiquem e no haja prejuzo para o cabal exerccio da funo, os juzes de direito podem ser autorizados pelo Conselho Superior da Magistratura a residir fora da circunscrio judicial.
Em geral, os magistrados judiciais s podem ausentar- se da circunscrio judicial quando em exerccio de funes, no gozo de licena, nas frias judiciais e em sbados, domingos e feriados. No entanto, a ausncia nas frias, sbados,
332 Artigo 32.
639 domingos e feriados no pode prejudicar a realizao de servio urgente, podendo ser organizados turnos para o efeito 333 .
De qualquer modo, a interdio de ausncia flexibilizada, com a permisso de, quando ocorrer um motivo ponderoso, os magistrados judiciais poderem ausentar-se da sua circunscrio, desde que tal se verifique apenas num nmero de dias que no exceda trs em cada ms e dez em cada ano. O magistrado deve comunicar previamente o facto ao Conselho Superior da Magistratura ou, no sendo possvel, imediatamente aps o seu regresso. E no sendo contadas como faltas as ausncias em dias teis fora das horas de funcionamento normal da secretaria, quando no impliquem falta a qualquer acto de servio nem perturbao deste.
Alm disso, so equiparadas s ausncias por razes ponderosas, at ao limite de quatro por ms, as que ocorram em virtude do exerccio de funes de direco em organizaes sindicais da magistratura judicial.
Em caso de ausncia, nos termos atrs referidos, os magistrados judiciais devem informar o local em que podem ser encontrados. A ausncia ilegtima implica responsabilidade disciplinar.
333 Artigo 9.
640 No entanto, pode haver dispensa de servio. Com efeito, o novo artigo 10. A diz que, no existindo inconveniente para o servio, aos magistrados judiciais podem ser concedidas pelo Conselho Superior da Magistratura dispensas de servio para participao em congressos, simpsios, cursos, seminrios ou outras realizaes, que tenham lugar no Pas ou no estrangeiro, conexas com a sua actividade profissional. E , ainda, aplicvel aos magistrados judiciais, com as devidas adaptaes, o disposto para a funo pblica no Decreto-Lei n.272/88, de 3 de Agosto, quando se proponham realizar programas de trabalho e estudo, bem como frequentar cursos ou estgios de reconhecido interesse pblico, o que objecto de despacho do Ministro da Justia, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura, no qual fixada a respectiva durao, condies e termos.
O abandono do lugar est expressamente enquadrado no artigo 125. do Estatuto, levando abertura de auto por abandono o facto de um magistrado deixar de comparecer ao servio durante dez dias, manifestando expressamente a inteno de abandonar o lugar, ou faltar injustificadamente durante trinta dias teis seguidos.
Nos termos do artigo 126., a inteno de abandono presume-se quando h ausncia injustificada do lugar durante trinta dias teis seguidos. E esta presuno s pode ser elidida em processo disciplinar, embora com admissibilidade de recurso a qualquer meio de prova.
641 Os magistrados esto interditados de exercer qualquer actividade poltica, sendo vedado aos magistrados judiciais em exerccio a prtica de actividades poltico- partidrias de carcter pblico. Os magistrados judiciais na efectividade no podem ocupar cargos polticos, excepto o de Presidente da Republica e de membro do Governo ou do Conselho de Estado 334 . E esto sujeitos ao dever de sigilo, pelo que no podem fazer quaisquer declaraes relativas a processos, nem revelar opinies emitidas durante as conferncias nos tribunais que no constem de decises, actas ou documentos oficiais de carcter no confidencial ou que versem assuntos de natureza reservada (artigo 12. ).
No que diz respeito s incompatibilidades, dispe o artigo 13. que os magistrados judiciais em exerccio no podem desempenhar qualquer outra funo pblica ou privada de natureza profissional, salvo em termos condicionados as funes docentes ou de investigao cientfica de natureza jurdica, no remuneradas, e ainda funes directivas em organizaes sindicais da magistratura judicial. Com efeito, o exerccio de funes docentes ou de investigao cientfica de natureza jurdica carece de autorizao, que s pode ser concedida se no envolver prejuzo para o servio.
Em ordem ao exerccio dos direitos especiais de que
334 Artigo 11.
642 gozam, tm direito, nos termos do n.3 do artigo 17., ao uso de um carto de identificao (a ser renovado no caso de mudana de categoria, e de onde devem constar, nomeadamente, a categoria do magistrado e os direitos e regalias inerentes), que atribudo pelo Conselho Superior da Magistratura.
Nos termos do artigo 28., os juzes gozam as suas frias, em princpio durante o perodo de frias judiciais, devendo a ausncia para tal efeito e o local para onde se desloquem, ser comunicados ao Conselho Superior da Magistratura, que pode determinar o regresso s funes, sem prejuzo do gozo anual de um perodo de 22 dias teis de frias.
No domnio das classificaes 335 , os juzes de direito so classificados, de acordo com o seu mrito, devendo a classificao atender ao modo como os juzes de direito desempenham a funo, ao volume e dificuldades do servio a seu cargo, s condies do trabalho prestado, sua preparao tcnica, categoria intelectual, trabalhos jurdicos publicados e idoneidade cvica. A classificao de medocre implica a suspenso do exerccio de funes do magistrado e a instaurao de inqurito por inaptido para esse exerccio. Se, em processo disciplinar instaurado com base no inqurito, se concluir pela inaptido do magistrado, mas pela possibilidade da sua permanncia na funo pblica, pode, a requerimento do interessado, substituir-se as penas de
335 Artigo 33.
643 aposentao compulsiva ou de demisso pela de exonerao. Neste caso, o processo, acompanhado de parecer fundamentado, enviado ao Ministrio da Justia para efeito de homologao e colocao do interessado em lugar adequado s suas aptides.
A homologao do parecer pelo Ministro da Justia habilita o interessado para o ingresso em lugar compatvel dos servios dependentes do Ministrio.
Quanto classificao daqueles que esto em comisso de servio, comeo por referir que esta comisso 336 tem um enquadramento no Estatuto dos Magistrados Judiciais segundo o qual os magistrados judiciais em exerccio no podem ser nomeados para comisses de servio sem autorizao do Conselho Superior da Magistratura, s podendo a autorizao ser concedida relativamente a magistrados com, pelo menos, cinco anos de efectivo servio.
E os juzes de direito, que se encontrem nesta situao em tribunais no judiciais, so classificados periodicamente nos mesmos termos dos que exercem funes em tribunais judiciais 337 . Os que estejam em comisso de servio sem ser em tribunais, so classificados se o Conselho Superior da Magistratura dispuser de elementos bastantes ou puder
336 Artigo 53. 337 Artigo 35.
644 obter esses elementos, atravs das inspeces necessrias. Se no, considera-se actualizada a ltima classificao. Artigo 36..
No caso de falta de classificao no imputvel ao magistrado, presume-se a de Bom, excepto se o magistrado requerer inspeco, caso em que ser realizada obrigatoriamente. Em termos de elementos a considerar nas classificaes 338 , h que ter igualmente em conta o volume de servio a cargo do magistrado, as condies de trabalho e, quanto aos magistrados com menos de cinco anos de exerccio, a circunstncia de o servio inspeccionado ter sido prestado em lugar de acesso, acrescentando que o magistrado deve ser obrigatoriamente ouvido sobre o relatrio da inspeco e pode fornecer os elementos que entender convenientes.
Em termos de provimentos, em face do movimento judicial efectuado em Julho aps publicitao das vagas previsveis, os juizes que pretendam, por nomeao, transferncia, promoo, termo de comisso ou regresso efectividade, ser providos em qualquer cargo, devem enviar um requerimento ao Conselho Superior da Magistratura.
Alm de deverem satisfazer em geral os requisitos estabelecidos na lei para a nomeao de funcionrios do Estado, ficam sujeitos a disposies especficas do
338 Artigo 37.
645 Estatuto dos Magistrados Judiciais.
No que diz respeito primeira nomeao, o artigo 42. impe que tal se processe segundo a graduao obtida nos cursos e estgios de formao, que decorrem no CEJ.
No plano dos provimentos pelo Conselho Superior da Magistratura, tem uma grande importncia a questo da fixao da antiguidade na carreira. A antiguidade dos magistrados na categoria conta- se desde a data da publicao do provimento no Dirio da Repblica, devendo a publicao dos provimentos respeitar, na sua ordem, a graduao feita pelo Conselho Superior da Magistratura (artigo 72.). E as reclamaes dos juizes que se considerem lesados pela graduao constante da lista de antiguidade feita para o Conselho Superior da Magistratura no prazo de 60 dias aps a sua publicao. o qual delibera no prazo de 30 dias depois de aos contra-interessados ser dado 15 dias para responderem. Isto sem prejuzo da possibilidade de o prprio Conselho Superior da Magistratura ordenar a todo o tempo a correco oficiosa, quando verificar qualquer erro material na referida graduao 339 .
No que diz respeito posse 340 , ela deve ser tomada pessoalmente e no lugar onde o magistrado judicial vai exercer funes.
339 Artigos 77 e 79. 340 Artigo 59.
646 Quando no se fixe prazo especial, o prazo para tomar posse de trinta dias e comea a correr no dia imediato ao da publicao da nomeao no Dirio da Repblica. Em casos justificados, o Conselho Superior da Magistratura pode prorrogar o prazo para a posse e autorizar que ela se processe em local diverso do legalmente previsto. Quanto competncia para conferir a posse, os magistrados judiciais tomam posse perante entidades judiciais 341 : perante o plenrio do mesmo tribunal, o Presidente do Supremo Tribunal de Justia, em acto pblico 342 ; perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justia, no caso dos juzes do Supremo Tribunal de Justia e dos presidentes das Relaes; perante os presidentes das Relaes, os juzes destas; perante o respectivo substituto, ou perante o presidente da Relao, na sede do distrito judicial, tratando-se de juzes em exerccio de funes, no caso dos juzes de direito.
Diga-se, ainda, sobre a matria das comisses de servio, que os magistrados judiciais que sejam promovidos ou nomeados enquanto em comisso ordinria de servio, ingressam na nova categoria, independentemente de posse, a partir da publicao da respectiva nomeao 343 . Em casos justificados, o Conselho Superior da Magistratura pode autorizar que a posse seja tomada perante outro magistrado judicial 344 .
341 Artigo 61. 342 Artigo 62. 343 Artigo 63. 344 N2 do artigo 61, na verso da Lei 10/94 de 5 de Maio.
647
Quanto aposentao, cessao e suspenso de funes, tambm o Conselho Superior da Magistratura toma as decises pertinentes 345 .
A aposentao voluntria depende de requerimento enviado ao Conselho Superior da Magistratura, que o remete Administrao da Caixa Geral de Aposentaes. No caso de se tratar de aposentao por incapacidade, dispe o artigo 65. que so aposentados por incapacidade os magistrados judiciais que, por debilidade ou entorpecimento das faculdades fsicas ou intelectuais, manifestados no exerccio da funo, no possam continuar nesta sem grave transtorno da justia ou dos respectivos servios. Os magistrados que se encontrem nesta situao so notificados para, no prazo de trinta dias, requererem a aposentao ou produzirem, por escrito, as observaes que tiverem por convenientes. O Conselho Superior da Magistratura pode determinar a imediata suspenso do exerccio de funes do magistrado cuja incapacidade especialmente a justifique.
Em termos de direitos e obrigaes dos juzes jubilados, aos magistrados judiciais jubilados aplicvel o disposto no estatuto compatvel com a situao 346 , mas o estatuto de jubilado pode ser retirado por via de
345 Nos termos do artigo 64. 346 Ns 1 e 3 do artigo 17, n 2 do artigo 23 e n 2 do artigo 29.
648 procedimento disciplinar. Em tudo o que no estiver regulado no Estatuto, aplica-se aposentao de magistrados judiciais do regime estabelecido pata a funo pblica 347 .
Quanto cessao e suspenso de funes, h que referir que os magistrados judiciais cessam funes, entre outras causas, no dia em que for publicado o despacho da sua desligao de servio 348 .
Quanto suspenso de funes 349 , entre outras razes, no dia em que forem notificados do despacho de suspenso preventiva por motivo dc procedimento disciplinar ou por aplicao de pena que importe afastamento do servio e no dia em que Ihes for notificada suspenso determinada pelo Conselho Superior da Magistratura, por incapacidade.
O Conselho Superior da Magistratura tem competncia para fazer inquritos e sindicncias e instaurar processos disciplinares 350 . Podendo, ainda, o Conselho Superior da Magistratura deliberar que o processo em que o arguido tenha sido ouvido, se se apurar a existncia de infraco, venha a constituir a parte instrutria do futuro
347 Regime supletivo e subsidirio consagrado no artigo 69. 348 Artigo 70 do Estatuto dos Magistrados Judiciais. 349 Artigo 71. 350 Dispondo o artigo 132 quanto aos inquritos e sindicncias, como normal na organizao administrativa, que os inquritos tm por finalidade a averiguao de factos determinados, enquanto as sindicncias tm lugar quando haja alguma notcia de factos que exijam uma averiguao geral acerca do funcionamento dos servios, sendo- lhes aplicveis as regras do processo disciplinar.
649 processo disciplinar 351 . E constitui uma infraco disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado por magistrado judicial com violao dos deveres profissionais e os actos ou omisses da sua vida pblica ou que nela se repercutam, incompatveis com a dignidade indispensvel ao exerccio das suas funes.
Consagra-se a autonomia da jurisdio disciplinar 352 , referindo-se que o procedimento disciplinar independente do procedimento criminal, de modo que, quando em processo disciplinar se apure a existncia de infraco criminal, se deve dar imediato conhecimento disso ao Conselho Superior da Magistratura 353 .
O processo disciplinar conta com normas procedimentais especficas no Estatuto dos Magistrados Judiciais 354 . o nico meio de efectivar a responsabilidade disciplinar dos juzes. sumrio, sem formalidades especiais, salvo o respeito do direito de defesa procedimental, que exige a
351 N1 do artigo 135. Quanto ao procedimento disciplinar, so-lhe aplicveis, nos termos do artigo 131, subsidiariamente as normas do Estatuto Disciplinar dos Funcionrios e Agentes da Administrao Central, Regional e Local, do Cdigo Penal, bem como do Cdigo de Processo Penal e diplomas complementares. O artigo 81 diz que os magistrados judiciais so disciplinarmente responsveis quando cometam infraces disciplinares. 352 Artigo 83. 353 A exonerao ou a mudana de situao no impedem a punio por infraces cometidas no exerccio da funo. Em caso de exonerao, o magistrado cumpre a pena se voltar actividade. 354 Designadamente o artigo 110, que estabelece que o processo disciplinar.
650 audincia prvia deciso, alis formalidade essencial hoje de qualquer procedimento administrativo, mesmo no sancionatrio, no direito portugus, sob pena de nulidade insanvel.
No que diz respeito competncia para a instaurao do processo 355 , compete ao Conselho Superior da Magistratura a instaurao de procedimento disciplinar contra os magistrados judiciais, devendo a instruo ser ultimada no prazo de trinta dias, que s pode ser excedido em caso justificado 356 . Se o arguido estiver impossibilitado de elaborar a defesa, por motivo de ausncia, doena, anomalia mental ou incapacidade fsica, o Conselho Superior da Magistratura deve nomear-lhe um lhe defensor oficiosamente 357 . E quando o defensor for nomeado em data posterior da notificao da acusao, reabre-se o prazo para a defesa com a sua notificao 358 .
H nulidade insuprvel 359 do procedimento e da deciso no s na falta de audincia do arguido com possibilidade de defesa, mas tambm na omisso de diligncias essenciais para a descoberta da verdade, que ainda possam utilmente realizar-se, enquanto as restantes
355 Artigo 111. 356 Pelo que o instrutor deve dar conhecimento ao Conselho Superior da Magistratura e ao arguido da data em que iniciar a instruo do processo. 357 Nos termos do artigo 119. 358 O prazo para apresentao da defesa em geral marcado entre dez e vinte dias. 359 Nos termos do artigo 124.
651 nulidades e irregularidades se consideram sanadas se no forem arguidas na defesa ou, a ocorrerem posteriormente, no prazo de cinco dias contados da data do seu conhecimento. O processo disciplinar de natureza confidencial at deciso final 360 .
Quanto reviso das decises disciplinares que as decises condenatrias proferidas em processo disciplinar podem ser revistas a todo o tempo, quando se verifiquem circunstncias ou meios de prova susceptveis de demonstrar a inexistncia dos factos que determinaram a punio e que no puderam ser oportunamente utilizados pelo arguido 361 .
A reviso requerida pelo interessado ao Conselho Superior da Magistratura 362 , que decide, no prazo de trinta dias, se se verificam os seus pressupostos legais, caso em que nomeia novo instrutor para o processo 363 .
360 Artigo 113, n 1; devendo depois ficar arquivado no Conselho Superior da Magistratura. 361 Sem que a reapreciao possa, em nenhum aso, determinar o agravamento da pena: Artigo 127~. 362 Artigo 128. 363 N2 do artigo 129.
652 5.O REGIME DAS IMPUGNAES DAS DECISES DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Em termos de princpios gerais sobre reclamaes e recursos, dispe o artigo 164. que pode reclamar ou recorrer quem tiver interesse directo, pessoal e legtimo na anulao da deliberao ou da deciso. E, nos termos gerais do procedimento administrativo, no pode recorrer quem tiver aceitado, expressa ou tacitamente, a deliberao ou a deciso 364 . As pessoas a quem a procedncia da reclamao ou do recurso possa directamente prejudicar tm de ser citadas como contra-interessados.
O procedimento administrativo derivado 365 e o processo jurisdicional so regulados nos artigos 164. a 178. do Estatuto. Das deliberaes do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura reclama-se para o plenrio do Conselho. Das decises do presidente ou do vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura reclama-se para o Plenrio do Conselho.
Quanto aos prazos da reclamao, no havendo norma especial fixando um outro prazo, de trinta dias.
364 Transcrito no n2 do artigo 165 do Estatuto dos Magistrados Judiciais. 365 Designao que tenho utilizado para significar o procedimento de reapreciao de acto administrativo anterior, e que a doutrina portuguesa costuma designar como procedimento de segundo grau: Noes Fundamentais de Direito Administrativo, Fernando Condesso, Lies policopiadas, 2ano de Direito, Universidade Moderna, Lisboa, 1993.
653
Quanto ao prazo para a deciso da reclamao de trs meses 366 . Se a deciso no for proferida neste prazo, presume-se indeferida para efeito do reclamante poder interpor o recurso facultado pelo Estatuto, permitido pelo silncio do Conselho, sem prejuzo de a no interposio ou admisso do recurso no dispensar o Conselho de proferir deciso expressa, da qual pode depois ser apresentado recurso jurisdicional nos termos normais do contencioso administrativo.
Quanto a recursos, dispe o artigo 168. que das deliberaes do Conselho Superior da Magistratura se pode recorrer para o tribunal 367 . E constituem fundamentos do recurso os mesmos fundamentos previstos na legislao processual contenciosa para os recursos a interpor dos actos do Governo.
Para efeitos da apreciao destes recursos, o Supremo Tribunal de Justia funciona atravs de uma seco constituda pelo seu vice-presidente e quatro juizes, um de cada seco, anual e sucessivamente designados, tendo em conta a respectiva antiguidade. Os recursos so distribudos pelos juzes da seco, cabendo ao presidente o exerccio de voto de qualidade.
366 No se suspendendo durante as frias judiciais. 367 Como j foi referido, o Supremo Tribunal de Justia e no o Supremo Tribunal Administrativo, embora, nos termos do artigo 178, sejam subsidiariamente aplicveis as normas que regem os trmites processuais dos recursos de contencioso administrativo, interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo.
654
No que diz respeito ao prazo para a interposio do recurso, ele de trinta, sessenta ou noventa dias, conforme o interessado preste servio no continente, nas regies autnomas ou no territrio de Macau. Este prazo contado desde a data da publicao da deliberao, quando seja obrigatria, do fim do prazo que o Conselho tinha para apreciar a reclamao (quatro meses), quando no se tiver pronunciado, ou da notificao, conhecimento ou incio da execuo da deliberao, nos outros casos.
Se a deciso tiver sido proferida extemporaneamente, o interessado pode requerer ao Conselho Superior da Magistratura a notificao dessa deliberao que no tenha sido efectuada no prazo normal. Quanto aos efeitos do recurso, ele tem em regra efeito meramente devolutivo. S tm efeito suspensivo quando interposto de deciso, proferida em processo disciplinar, que aplique uma pena que no seja de aposentao compulsiva ou demisso. Ou se da execuo do acto puder resultar prejuzo irreparvel ou de difcil reparao, desde que no se trate de sano de suspenso preventiva do exerccio de funes.
Este regime, como j dissemos tambm a propsito da reclamao, mais favorvel do que o previsto para os cidados em geral para a suspenso dos
655 actos administrativos impugnados 368 .
O recurso interposto por meio de requerimento apresentado na secretaria do Conselho, e no no Supremo Tribunal de Justia, devendo estar naturalmente assinado pelo recorrente ou pelo seu mandatrio. E esta apresentao no Conselho Superior da Magistratura que fixa a data da interposio do recurso.
Quanto aos requisitos do requerimento, ele deve conter a identificao do acto recorrido, os fundamentos de facto ou de direito, a indicao e o pedido de citao dos contra- interessados, que possam ser directamente prejudicados pela procedncia do recurso, com a meno das suas moradas, se forem conhecidas, e a formulao clara e precisa do pedido.
O requerimento deve ser instrudo com o Dirio da Repblica em que tiver sido publicado o acto recorrido ou, na falta de publicao, com documento comprovativo do referido acto e demais documentos probatrios.
Quando o recurso for interposto de actos de indeferimento tcito, o requerimento instrudo com cpia da
368 Em que a regra, de duvidosa constitucionalidade, da no suspenso em geral dos actos contestados, consagrada antes no artigo 76. da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que dava especial e hegemnico relevo ao possvel prejuzo para o interesse pblico dessa suspenso e que, embora quando novo enquadramento foi mantida no CPTA, entrado em vigor em 1 de jAneira de 2004. Em Estado de Direito, a no ser alterada a regra, como devia, e no podendo as compensaes financeiras repor as situaes ilegalmente alteradas, devia, no mnimo, avanar-se com uma soluo geral, quer no procedimento impugnatrio administrativo quer no contencioso, deste teor.
656 pretenso e certido comprovativa de a mesma no ter sido objecto de deliberao ou deciso.
Se, por motivo justificado, no tiver sido possvel obter os documentos dentro do prazo legal, pode ser requerido prazo para a sua ulterior apresentao.
O requerimento do recurso deve ser acompanhado dos duplicados destinados entidade recorrida e aos contra- interessados.
Aps a distribuio devem ser sanadas as questes prvias relativas ao requerimento, pelo que os autos vo com vista ao Ministrio Pblico, por cinco dias, e depois so logo conclusos ao relator, que pode convidar o recorrente a corrigir as suas deficincias.
Quando o relator entender que se verifica extemporaneidade, ilegitimidade das partes ou manifesta ilegalidade do recurso, apresentar uma exposio fundamentada embora breve, levando o processo apreciao na primeira sesso, sem necessidade de vistos.
Se o recurso dever prosseguir, o relator ordena o envio de cpias ao Conselho Superior da Magistratura, a fim de responder no prazo de dez dias.
Com a resposta ou no prazo dela, o Conselho Superior da Magistratura remete o processo administrativo de onde consta a deliberao impugnada ao Supremo Tribunal de Justia, o qual devolvido aps o julgamento
657 do recurso.
Recebida a resposta do Conselho Superior da Magistratura ou decorrido o prazo a ela destinado, o relator ordena ento a citao dos contra-interessados para responder no prazo j referido. Esta processada atravs de carta registada, com aviso de recepo. Os interessados ausentes em parte incerta so citados editalmente. Juntas as respostas ou decorridos os respectivos prazos, o relator ordena a vista do processo por vinte dias, primeiro ao recorrente e depois ao recorrido, para alegarem e, em seguida, ao Ministrio Pblico, por igual prazo e para o mesmo fim. Findo o que, o processo fica pronto para o julgamento.
Com efeito, decorridos os prazos legais de alegaes, o processo concluso ao relator, que pode requisitar os documentos que considere necessrios ou notificar as partes para os apresentarem.
E os autos correm em seguida, pelo prazo de quarenta e oito horas, os vistos de todos os juizes da seco, comeando pelo imediato ao relator, sendo depois conclusos ao relator por oito dias.
No que diz respeito a custas, o recurso isento de preparos e o regime de custas o que vigora para os recursos interpostos pelos funcionrios pblicos para o Supremo Tribunal Administrativo.
658
659 NDICE
I-Introduo ao direito administrativo 9 1.Necessidades colectivas a satisfazer e Administrao Pblica. Origem dos vocbulos Administrao Pblica e Direito Administrativo. Fundamentos conceptuais.. 9 2. Histria e a importncia do ensino do direito administrativo 39
3.Fundamentos conceptuais e constitucionais da administrao pblica e do direito administrativo. 39 4. Funes e poderes do estado 61
5. Administrao pblica e funes e poderes do estado.
6. Teoria dos actos polticos do governo
7. Constituio e controlo das funes poltica, executiva, legislativa e jurisdicional
8. Enquadramento constitucional da administrao pblica
9. Cincia da administrao, poltica administrativa e direito administrativo
10. Segmentao e pluralizao da administrao pblica
11. Funes, poderes do estado e o conceito de administrao pblica
12. Actos das administraes instrumentais dos diferentes rgos de soberania, os actos de entidades privadas no exerccio de uma tarefa da funo administrativa e a aplicao do direito adminstrativo
660
13. Ramos do direito e o direito administrativo como ramo do direito pblico. macrodistino entre direito pblico e direito privado
14. Noo de direito administrativo
15. Cincia do direito administrativo geral
16. Ramos do direito administrativo e ramos eclticos
17. Importncia condicionante do direito constitucional 17.1. Direito constitucional e o direito administrativo 17.1.1. Noo de direito constitucional 17.1.2. Relaes entre o direito constitucional e o direito administrativo 17.1.3. Direito administrativo e a cadeira de direito poltico
18. Direito judicirio e o direito processual. O processo contencioso administrativo 18.1. Direito judicirio 18.2. Direito judicirio administrativo e o processo contencioso administrativo
19. Direito penal e direito administrativo sancionatrio 19.1. Direito penal 19.2. Direito das contra-ordenaes sociais
20. Caractersticas do direito administrativo 20.1. Sistematizao da cincia do direito administrativo 20.2. Codificao do direito administrativo
21. Crise e evoluo do direito administrativo como repto permanente sobre a doutrina e o ensino 21.1. Evoluo do direito administrativo ao longo de dois sculos 21.2. Evoluo e crise permanente 21.3. Evoluo para o direito privado administrativizado. Caso do emprego pblico
661 II - NOMOGNESE DO DIREITO POSITIVO 208 22. Fontes e fundamentos internacionalistas e unionistas do direito administrativo: nomologia, pluralidade das fontes de criao do direito administrativo 22.1. Consideraes gerais 22.2. Teoria geral das fontes de direito administrativo 22.2.1. Consideraes prvias sobre as fontes do direito administrativo 22.2. 2.Teoria das fontes de direito em geral A)- Teoria clssica e neoclssica B)- Teoria geral adoptada e posio sobre a questo das fontes de direito administrativo, sua hierarquizao e aplicao pela administrao pblica 22. 3.Fontes de direito administrativo
23. Direito da Unio Europeia e suas fontes
24. Hierarquia das normas jurdicas
25. Fontes de direito e sua aplicao. Principio da supremacia das normas internacionais e unionistas. Princpios da legalidade e da constitucionalidade e Administrao pblica
III sistemas de regime administartivo e regime judicial 313
IV-DIREITO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 363 V- PRINCIOPIOLOGIA .Principiologia
27. Sistemas de regime administrativo: pluralidade de direitos autnomos e pluralidade de jurisdies 27.1. Autonomia do direito e regime administrativo 27.2. Sistema de administrao judiciria 27.3. Comparao dos sistemas modelares jurdicos europeus
VI direito judicuirio e processual nos tribunais administrativos
662 28. Princpio da tutela judicial efectiva e direito processual nos tribunais administrativos 28.1.Consideraes gerais 28.2.Princpio constitucional da tutela judicial efectiva e da interdio de indefesa 28.3.Procedimento de suspenso jurisdicional de actos da administrao 2 29 9. . Noes fundamentais sobre a justia administrativa.Direito judicirio e processual administrativo
VII O auto-governo dos tribunais administrativos 30. Estatuto dos magistrados judiciais 30.1.Introduo.......................................................... 30.2.A governao nomocrtica............................. 30.3.O auto-governo dos Tribunais......................... 30.4.O poder regulamentar do Conselho Superior da Magistratura. 30.5.O estatuto dos juzes............................................ 30.6.O regime das impugnaes das decises do Conselho Superior da Magistratura..