Conceitos Fundamentais Da Matemática

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Conceitos Fundamentais da Matemtica


Sem dvida que Conceitos Fundamentais da Matemtica constituem a obra mais divulgada do legado de Bento de Jesus Caraa. Escrita h mais de cinquenta anos, esta obra continua a constituir uma referncia para aqueles que gostam e estudam matemtica. curioso notar que a sua primeira edio foi feita pela Biblioteca Cosmos, a qual foi fundada e dirigida durante sete anos pelo prprio Jesus Caraa, at 1948. Nessa altura, a publicao foi feita em dois volumes, correspondendo o primeiro quilo que o autor designou pelos () conceitos bsicos que dizem respeito noo de quantidade e o segundo ao estudo dos conceitos que () tm por tema as noes de lei, da evoluo e de classificao. Depois disso, seguiram-se sucessivas edies desta obra, agora j s num nico livro, organizado segundo trs partes. A primeira sobre Nmeros, a segunda sobre Funes e a terceira sobre Continuidade, temas que interessam a todos e integram os programas do Ensino Secundrio. A mais recente edio da Editora Gradiva e essa que aqui anunciamos. O prefcio desta edio de Paulo Almeida que reafirma a actualidade e utilidade do livro, destacando igualmente o seu carcter cultural: A leitura dos Conceitos Fundamentais da Matemtica informa o leigo e recicla o especialista, a ambos interessando, pela originalidade do estilo. Este livro no , pois, apenas uma obra de matemtica elementar. sim um livro que, com o pretexto da matemtica, visa muito mais longe. Dos diversos autores, e que muitos foram, que se pronunciaram sobre os Conceitos, uma ideia sobressai: esta obra a tentativa de introduzir em Portugal a lgica dialctica do pensamento matemtico. S por si, isto justifica que os Conceitos representem um marco histrico. hesitaes, outras dvidas, outras contradies. Descobre-se ainda qualquer coisa mais importante e mais interessante: no primeiro aspecto, a Cincia parece bastar-se a si prpria, a formao dos conceitos e das teorias parece obedecer s a necessidades interiores; no segundo, pelo contrrio, v-se toda a influncia que o ambiente da vida social exerce sobre a criao da Cincia. A Cincia, encarada assim, aparecenos como um organismo vivo, impregnado de condio humana, com as suas foras e as suas fraquezas e subordinado s grandes necessidades do homem na sua luta pelo entendimento e pela libertao; aparece-nos, enfim, como um grande captulo da vida humana social. A atitude que ser aqui adoptada ser esta a atitude que tomaremos aqui. A Matemtica geralmente considerada como uma cincia parte, desligada da realidade, vivendo na penumbra do gabinete, um gabinete fechado, onde no entram os rudos do mundo exterior, nem o sol nem os clamores dos homens. Isto, s em parte, verdadeiro. Sem dvida, a Matemtica possui problemas prprios, que no tm ligao imediata com os outros problemas da vida social. Mas no h dvida tambm de que os seus fundamentos mergulham tanto como os de outro qualquer ramo da Cincia, na vida real; uns e outros entroncam na mesma madre. Mesmo quanto aos seus problemas prprios, raramente acontece, se eles so de facto daqueles grandes problemas que pem em jogo a sua essncia e o seu desenvolvimento, que eles no interessem tambm, e profundamente, a corrente geral das ideias. Lisboa, Junho 1941 Ftima Guimares, EB 2,3 Telheiras Paula Canavarro, Univ. vora
Educao e Matemtica n 62 Maro/Abril de 2001

Conceitos Fundamentais da Matemtica Autor: Bento de Jesus Caraa Editora: Gradiva Setembro de 2000 295 pp. Preo: 2.300$00 E, porque nada melhor do que as palavras do autor, deixamos-lhe aqui a transcrio de parte do prefcio que escreveu para a 1 edio da obra, na qual se destaca a sua viso sobre a matemtica enquanto construo humana.

Duas atitudes em face da Cincia Prefcio do Autor 1 Edio


A Cincia pode ser encarada sob dois aspectos diferentes. Ou se olha para ela tal como vem exposta nos livros de ensino, como coisa criada, e o aspecto o de um todo harmonioso, onde os captulos se encadeiam em ordem, sem contradies. Ou se procura acompanh-la no seu desenvolvimento progressivo, assistir maneira como foi elaborada, e o aspecto totalmente diferente descobrem-se hesitaes, dvidas, contradies, que s um trabalho de reflexo e apuramento consegue eliminar, para que logo surjam outras

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Mathematics Teacher: um nmero temtico sobre Histria


O NCTM publicou no ano passado, em Abril, uma nova verso dos seus famosos Standards para a matemtica escolar, agora com o nome de Principles and Standards for School Mathematics. Embora notvel e til a muitos ttulos, esta obra, tanto nesta como na primeira verso1, tem a caracterstica negativa e surpreendente, primeira vista, de ignorar a Histria da Matemtica. Sem querer aqui alongar-me em especulaes, eu diria que isto resultado directo de uma viso estreita e utilitria dos objectivos para o ensino da matemtica, aspecto j presente na verso de 89 e que os actuais Principles no alteraram positivamente. Levada a srio esta viso estreita, parece-me tambm lgico que a histria no seja considerada uma componente necessria em educao matemtica. Mas a posio, por omisso, dos Standards em relao Histria da Matemtica no partilhada por muitos professores da comunidade americana da educao matemtica, e a prov-lo est este esplndido nmero temtico do Mathematics Teacher2. Preparado durante um largo perodo um anncio pedindo artigos para este nmero apareceu no incio de 1999 , as contribuies enviadas no couberam todas no nmero temtico, e esto a ser publicadas nos nmeros subsequentes. Os artigos includos pertencem a trs categorias com objectivos especficos: I. Mostrar as conexes entre a histria da matemtica e a educao matemtica. II. Despertar o interesse pela prpria histria da matemtica. III. Mostrar, atravs de exemplos, como pode ser usada a histria na aula de matemtica. Vou referir alguns artigos que me chamaram mais a ateno.

Who? How? What?: A Strategy for Using History to Teach Mathematics


Com este ttulo, Patrcia Wilson e Jennifer Chauvot escrevem um dos mais interessantes artigos deste nmero. As autoras comeam por comentar as razes normalmente avanadas para o uso da histria:

No entanto, a parte mais original do texto surge quando as autoras se referem importncia da perspectiva histrica para atingir o objectivo de ajudar os alunos a apreciar e a compreender a natureza da matemtica. A estratgia proposta no artigo que os professores tentem que os seus alunos pensem e vejam como a histria responde s trs questes seguintes: quem constri a matemtica?; como se desenvolve a matemtica?; o que a matemtica? A ltima parte do artigo serve para as autoras desenvolverem a seguinte ideia: A histria d-nos diferentes respostas a estas questes, dependendo da poca, do lugar e do contexto que estamos considerando. Por outras palavras, a histria fornece-nos a histria humana da criao da matemtica.

A matemtica investigando a histria


Mathematics Teacher publicao oficial do National Council of Teachers of Mathematics Volume 93 nmero 8 Novembro de 2000 Focus issue: History a histria uma fonte de problemas interessantes que permitem desenvolver as capacidades de resoluo de problemas; a histria auxilia a compreenso de muitos conceitos, nomeadamente ao explicar a origem de certas ideias e procedimentos; a histria ajuda a estabelecer conexes, dentro da matemtica e com outras disciplinas; a histria torna os alunos conscientes das relaes entre a matemtica e a sociedade. Neste artigo, de Donald T. Barry, apresentado um exemplo concreto e real de utilizao da histria na sala de aula. O autor diz-nos que resolveu apresentar este problema aos seus alunos de Matemtica do ltimo ano do secundrio para eles terem um problema interessante de matemtica para resolver depois de terem sido submetidos a um teste nacional (o Advanced Placement)... e para simular o processo pelo qual se investiga em histria da matemtica. O ponto de partida totalmente imaginado pelo professor, inspirado certamente na histria da Plimpton 322, uma tbua de barro babilnica escrita h 3800 anos e cuja descoberta do significado por Neugebauer em 1957 parece uma longa investigao policial. A histria contada aos alunos passa-se na cidade neoltica de atal Hyk, no sul da Turquia, h poucos anos.

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Um pastor descobriu uma caverna cheia de tbuas de barro, escritas numa linguagem desconhecida, mas que se presume ser a origem das lnguas indo-europeias. Uma das tbuas de barro, encontrada sem uma parte inferior que se quebrou, sabe-se que contm informao numrica:

Diz Shotsberger: Quando estava a ler o livro de Singh, o meu pensamento voltou-se para outras figuras da histria da matemtica que demonstraram o mesmo tipo de persistncia, por vezes lutando contra as suas prprias convices acerca do modo como as coisas funcionam, mas acabando por ter sucesso e em consequncia transformando a matemtica. Kepler trabalhou na descoberta das suas clebres leis sobre as rbitas dos planetas, durante 25 anos. Ao longo desse perodo, as suas ideias foram-se transformando, desde 1596, quando ele ainda pensava como Aristteles que as rbitas dos planetas eram circulares e descritas a velocidade constante, at publicao (em 1609 e em 1619) da descoberta de que as rbitas eram elpticas, com o Sol num dos focos, e descritas a velocidade no constante. A evoluo do pensamento de Kepler est reflectida, diz o autor do artigo, em numerosas notas includas na segunda edio do Mysterium Cosmographicum, publicada ainda em vida de Kepler. Shotsberger refere a franqueza com que, tanto Kepler como Andrew Wiles, descrevem as suas lutas prolongadas no caminho para a verdade, envolvendo momentos de frustao, desespro, e exultao. Um artigo a no perder nesta colectnea.

Quais eram as competncias essenciais na poca de Jane Austen? The Evolutionary Character of Mathematics, R. M. Davitt O desenvolvimento da matemtica seguiu em geral o caminho inverso da matemtica exposta nos manuais. From the Top of the Mountain, D. W. Smith Lies tiradas da histria dos logaritmos. Felix Klein and the NCTMs Standards: A Mathematician Considers Mathematics Education, K. K. McComas. Sabendo o que pensava Felix Klein sobre educao, podemos imaginar que ele aprovaria os Standards do NCTM.
Notas 1 Existe uma traduo portuguesa: Normas para o Currculo e a Avaliao em Matemtica Escolar, ed. IIE e APM, 1991. 2 A revista Mathematics Teacher pode ser consultada na sede da APM.

O que props aos alunos foi que decifrassem a tbua, determinando os nmeros que a compem, e reconstruindo a informao numrica que contm. Pediu-lhes tambm que completassem a parte que falta. O autor do artigo descreve ento trs aulas interessantssimas em que os alunos foram a pouco e pouco, por tentativa/erro, respondendo s suas questes. No fim, chegaram a uma interpretao aceitvel envolvendo ternos pitagricos. Vale a pena ler o artigo na ntegra, tanto mais que o autor no deixa tudo resolvido, ainda h bastante que pensar e descobrir.

Eduardo Veloso [email protected]

Leituras complementares
Outras leituras em histria da matemtica: Relevncia da Histria no Ensino da Matemtica. Cadernos do GTHEM/ APM, 1997. Brevssima Histria dos Nmeros Complexos. Paulo Oliveira. Cadernos do GTHEM/APM, 2000. Histria e Educao Matemtica. Actas do Encontro HEM Braga 96. 2 volumes. Livro esgotado que pode ser consultado na sede da APM. Using History to Teach Mathematics: An International Perspective. Victor Katz, ed. Washington, MAA, 2000. Uma recolha cuidada de textos em ingls do Encontro HEM/Braga 96. History in Mathematics Education: The ICMI Study. Org. de John Fauvel e Jan van Maanen. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers 2000

Kepler e Wiles: modelos de perseverana


Entre os artigos destinados a despertar o interesse pela histria da matemtica, sobressai este, em que Paul G. Shotsberger coloca lado a lado os percursos cientficos de Kepler e Wiles. Comea por referir o livro Fermats Enigma (A Soluo do ltimo Teorema de Fermat , de Simon Singh, ed. Relgio de gua; ver a seco Leituras do nmero 58 de Educao e Matemtica).

Outros artigos includos neste nmero do MT


Alm destes trs artigos, este nmero do MT ainda inclui mais 11 artigos, dos quais destacamos: Sharing Teaching Ideas: A Visit from Pythagoras Using Costums in the Classroom, Lawrence H. Shirley Um professor de Matemtica disfara-se de Pitgoras... Mathematics in the Age of Jane Austen: Essential Skills of 1800, S. I. B. Gray

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