Formas Musicais

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Formas Musicais

por Filipe Salles

Considerando, apesar de controvrsias modernas, o compositor como elemento fundamental e imprescindvel, atravs dele a msica erudita se vale de uma srie varivel de atributos para se manifestar. Podemos resumir tais atributos, do ponto de vista formal, em trs: Estrutura, expresso e formao timbrstica. Com estrutura, entendo a arquitetura de construo, utilizada para compor a narrativa lgica; com expresso entendo os elementos harmnicos e meldicos (incluindo ritmo, dinmica, andamento e intensidade) reunidos dentro do discurso semntico; e com formao timbrstica, o instrumento ou conjunto instrumental escolhido pelo compositor. A formao timbrstica , na verdade, uma ramificao da expressividade, j que o instrumento ou grupo de instrumentos eleitos para desencadear um discurso musical qualquer vo interferir profundamente em seu carter semntico. Cada instrumento tem particularidades que podem ser exploradas de inmeras maneiras. Em termos de estrutura, existe uma conceito que precisa ser definido: Existe a arquitetura propriamente e existem os tijolos, que so estruturas menores, e que juntas construiro os edifcios musicais. Esses tijolos so a forma da msica. Embora sejam flexveis, partem todas de determinados padres que so conhecidas como "Formas Musicais". So elas que possibilitam a viso discursiva completa de uma obra, e que, se expandidas, sustentam-se sem problemas sobre longas narrativas sinfnicas como por exemplo, uma sinfonia de Mahler (que chega a durar mais de uma hora e meia). Vejamos algumas formas: Forma Binria A forma binria uma das mais simples da msica, e constitui-se de apenas duas sees, chamadas A e B. Cada seo geralmente composta de nmero igual de compassos e possuem a mesma tonalidade, sendo muito freqentes nas danas tpicas da sute barroca, como minueto ou a sarabanda. Um exemplo de forma binria o minueto da Msica para Reais Fogos de Artifcio de G.F. Haendel. Pode-se notar as duas sees encadeadas e, ao trmino das duas, h um ritornello (retorno ao incio), mas com um nmero maior de instrumentos. Forma Ternria Esta muito mais utilizada que a binria, e tambm chamada de A-B-A. Como se pode deduzir, ela constituda de 3 sees, e no duas. Apenas a 3a. seo, a ltima, nada mais que a repetio da primeira. Ou seja, so duas sees temticas, e a repetio da primeira. A segunda seo neste caso uma seo constrastante, geralmente em outra tonalidade, como a relativa menor da tnica, ou ainda outra. Apesar de parecer desinteressante por se tratar de uma repetio, a forma ternria muito usada, at mesmo na msica popular e na msica folclrica. Muito pelo fato da seo central ter um carter contrastante com a primeira, at intuitivo que ela volte ao final, encerrando a idia. Grande parte dos movimentos lentos das sinfonias e concertos, assim como os 'scherzos' so escritos em forma ternria. Um bom exemplo o Scherzo da 3a. Sinfonia de Beethoven, a Eroica. Minueto e Trio A origem do minueto remonta da dana francesa homnima, de ritmo ternrio (3/4) e andamento moderado, tipicamente aristocrtica, e que foi muito popular na corte de Luis XIV. Diferentemente do minueto isolado, o minueto e trio constitui-se numa forma especfica. Isso porque a incluso de um trio faz com que ele se porte como uma forma ternria, mas organizada de maneira mais complexa: Em sua estrutura, o minueto como uma forma ternria, mas que em cada seo, h uma

outra pequena forma ternria includa. H portanto, 3 formas ternria dentro de uma: Minueto A1 (a/b/a) - Trio (c/d/c) - Minueto A2 (a/b/a) O trio era originalmente, como o nome denuncia, executado por 3 instrumentos apenas, numa seo que fazia constraste primeira. Mas, com o tempo, o trio foi deixando de ser usado literalmente, e normalmente composto e executado com mais instrumentos. Entretanto, ainda pode-se notar nele um carter camerstico, pois em geral so pequenos grupos de instrumentos diversos que o executam. O minueto foi muito utilizado como o terceiro andamento das sinfonias clssicas, e pode-se notar sua estrutura com nitidez e maestria em obras como a Sinfonia no.104 'London' de Haydn, ou nas 3 ltimas sinfonias de Mozart (39, 40 e 41) Rond O Rond vem da dana francesa 'Rondeau' (literalmente 'Roda'), de carter circular, que tambm fazia parte da sute de danas barroca, em que um tema sempre retomado depois de passar por uma srie de variaes. O rond seria assim: Tema A - Tema B Tema A - Tema C - Tema A e final (A-B-A-C-A). Cada seo intermediria, ou episdio, possui algum tipo de constraste primeira seo A. Em geral, os temas apresentados nos episdios do rond so novos, de tonalidade, dinmica e ritmo diferentes que o da seo principal. O rond um desdobramento da forma ternria, j que tambm lida com repetio e contraste. Em termos prticos, o nmero de episdios de um rond pode ser infinito, e realmente encontramos exemplos de ronds com 4, 5 ou mais episdios. Mas eles tendem monotonia com extrema facilidade, razo pela qual o rond de 5 sees (3 episdios) o mais visitado. O Rond foi incorporado forma sinfnica pelo prprio Haydn, sendo geralmente disposto no final de uma sinfonia. Podemos ouvir exemplos tpicos de Rond nos ltimos movimentos dos concertos clssicos, como os de Beethoven para piano, principalmente os 3 primeiros, bem como nos de Mozart e Haydn. Tema-e-Variaes Esta uma forma mais livre, e como o nome prediz, trata-se de um tema que sofrer variaes constantes, cujas sees tambm podem ser infintas dependendo da capacidade do compositor em variar o tema. Diferentemente das formas anteriores, o tema e variaes sustenta-se num nico tema, ou seja, todas as sees so desdobramentos deste primeiro tema, mas a maneira de contrast-lo pode variar enormemente. So exemplos tpicos de tema-e-variaes as variaes Diabelli de Beethoven, as Variaes Goldberg de Bach, e mais modernamente, as variaes sobre um tema de Haydn, de Brahms, as Variaes Enigma de Elgar e o Don Quixote de Richard Strauss. Forma-Sonata A forma sonata uma das mais complexas e bem acabadas da msica. Talvez metade da msica erudita j escrita no mundo tenha na forma-sonata sua estrutura arquitetnica solidamente edificada. uma forma que surgiu no classicismo, desenvolvida principalmente pelos filhos de J.S. Bach, notadamente por Carl Phillip Emanuel, e consolidada pelo uso por vrios outros autores, como Stamitz, Boccherini, Dittersdorf e principalmente, Joseph Haydn, autor de nada menos que 104 sinfonias hoje conhecidas e consideradas autnticas, mais um nmero elevadssimo de msica de cmara, sonatas para piano, peras e oratrios. Sua produo instrumental mais relevante que a vocal (embora esta no deixe a desejar em termos qualitativos) e a grande maioria de suas obras se utilizam da formasonata. Ela no serve apenas de estrutura para sonatas, mas para qualquer formao possvel,

duetos, trios, quartetos, quintetos, aberturas, concertos e sinfonias. Por a bem se v que seu uso foi (e ainda ) amplo, e, curiosamente, mesmo seguindo um padro rgido de disposio, dificilmente montono. uma das formas mais perfeitas que j inventaram. Como ela serve, numa primeira anlise, a qualquer formao instrumental, podemos concluir que a diferena entre uma sonata e uma sinfonia, depois do classicismo, apenas quanto ao nmero de instrumentistas. A forma-sonata clssica descende diretamente da abertura da sute barroca e se estrutura da seguinte maneira: I) Uma introduo lenta, mas no obrigatria, muitos compositores prescindem dela; II) Exposio do tema principal (A), rpido da em diante; III)Exposio do segundo tema (tambm conhecido como contra-tema, B) geralmente em constraste com o primeiro; IV)Repetio desde a exposio do tema principal (A); V) Desenvolvimento: Uma das partes mais elaboradas da sonata, onde os dois temas surgem muitas vezes em contraponto com tonalidades diferentes e variaes rtmicas diversas, gerando certa instabilidade e como que "pedindo" a volta da tonalidade e do tema principal; VI)Reexposio do tema e contra-tema (A e B) com variaes e preparao para o final, conhecido como coda; VII) Coda. Reafirma o tema na tonalidade do incio e termina na tnica; Este esquema pode ser reduzido em: Exposio / Desenvolvimento / Reexposio / Coda Grande parte dos primeiros movimentos das sonatas e sinfonias clssicas, romnticas e at modernas seguem, rigorosamente ou no, este esquema. Exemplos: Joseph Haydn - Vrias Sinfonias, em especial as ltimas, 94, 96, 100-104. W.A.Mozart - Sinfonias no.40 e 41 <Jpiter> Beethoven - Sinfonias (todas as 9, mais ntidas nas 2 primeiras) Schubert - Sinfonias (todas, mas nitidamente as 4 primeiras) Schumann - Sinfonia no.1 < Primavera> Brahms - Sinfonia no.1 Dvrak - Sinfonia no.9

Estruturas: Agora pensamos: como estruturar todas essas formas? O que temos at agora so tijolos e cimento, preciso uma estrutura arquitetnica que possibilite, com esses elementos, construir edificaes estticas, grandes catedrais sonoras. Para isso, existem algumas estruturas especficas, como a Sinfonia, o Concerto, a Sute, o Poema Sinfnico, a Sonata, a Fantasia, entre diversas outras. Sobre elas, existem alguns equvocos de ordem prtica bastante incidentes no cenrio musical brasileiro de msica erudita. Como ns brasileiros em geral temos pouca ou nenhuma vivncia neste campo, a maioria das pessoas no entende a disposio formal de um concerto ou uma sinfonia, cometendo no raras vezes a indelicadeza de aplaudir antes do trmino de uma obra. Pois bem: Assim como existem determinados gneros literrios, como a narrativa, a dissertao, e, dentro deles o romance, o conto, a novela, o poema, o ensaio o artigo, etc..., tambm na msica existem estruturas que condicionam a arquitetura da narrativa para possibilitar uma coeso macia entre os elementos dispostos e, conseqentemente, uma coerncia narrativa no discurso musical - tal qual a literatura.

Vejamos como elas funcionam: Sute A sute literalmente a 'sucesso de vrias danas estilizadas' (Otto Maria Carpeaux). Trata-se de um gnero tipicamentre barroco e que fazia uma espcie de contraponto ao gnero operstico, tendo como foco a dana e no o canto dramatizado. Este tipo de msica nada mais era que uma reunio de diversos estilos folclricos de danas tpicas e populares de vrias regies da Europa e que eram dispostas segundo uma narrativa que alinhava frmulas rtmicas e andamentos intercalados. Cada seo de uma sute tem origem nestas danas e levam seu nome: Allemande, Courante, Sarabande, Gigue (ou Giga), Boure, Menuet (ou Minuet, o famoso minueto), Rondeau (o Rond), Gavotte, Polonaise, Badinerie, Passepied, entre outros. Todas essas danas possuem frmula rtmica e andamento especficos, geralmente em forma binria ou ternria, de maneira que reunidas, formam um conjunto coeso e harmnico. A sute barroca mais tpica, tambm chamada de Sute Inglesa, era a Allemande, Courante, Sarabande, e a Gigue, por vezes interpolados por Menuets, Gavottes, Passepieds ou Boures, e foram muito usadas por J.S. Bach. Mas nem todos os compositores gostavam desta disposio, e procuraram o mais das vezes, conforme suas origens, dispor outras seqncias dessas danas. Portanto, existem diversos estilos de sutes, sendo que as mais conhecidas so as Inglesas, Francesas, Alems (tambm chamada de Partita) e as Italianas, cada uma com uma disposio especfica. Uma parte importante a comentar a respeito da Sute que este gnero no iniciava com uma dana propriamente dita, mas sim com uma Abertura, ou Ouverture. A Abertura da sute bem mais complexa e define nitidamente seu estilo, sendo que a forma-sonata se originou exatamente como desenvolvimento de sua estrutura. Alm do mais, por vezes a Sute tambm chamada de Ouverture, como sinnimo, apesar de serem, na origem, coisas distintas. A Abertura no era um gnero destinado apenas sute, mas tambm como abertura de peras e oratrios. Assim como os estilos da sute, a abertura que as antecedia tambm tinha estilos diversos, e sua estrutura mudava conforme o estilo adotado. Por exemplo, a abertura Francesa era disposta com 3 andamentos encadeados da seguinte maneira: Lento - Rpido (tema fugato) - Lento (recapitulao conclusiva) Exemplos notveis desse tipo de Abertura em Sutes so as famosas 4 Sutes para Orquestra de J.S. Bach J a abertura Italiana invertia as sees: Rpido - Lento - Rpido Este tipo de abertura foi desenvolvido por Alessandro Scarlatti e tornou-se o precursor da forma-sonata. Havia tambm a abertura Inglesa, que possui a seguinte disposio: Lento - Rpido - Lento - Rpido (recapitulao conclusiva) Um bom exemplo dessa abertura a Msica para os Reais Fogos de Artifcio de Georg Friedrich Haendel, que , na verdade, uma sute. Sinfonias, Sonatas e Concertos Como mencionamos anteriormente, a forma-sonata utilizada apenas para sustentar a arquitetura musical do Primeiro Movimento de um concerto ou sinfonia. Os demais, como o movimento lento, o terceiro, quarto e at quinto movimentos, podem ser escritos em outras formas. Portanto, o que determina a condio de sinfonia no apenas a utilizao da forma-sonata, mas tambm sua disposio na ordem dos movimentos. E a entra outro conceito: Os movimentos. Afinal, o que so eles? Considerando um desenvolvimento histrico, que remonta de formas mais antigas, incluindo a sute de danas, sempre foi

comum a diviso de uma determinada obra em movimentos. So partes separadas de uma nica obra, definidas pela diferena de ritmo e andamento que, juntas, compe um todo orgnico preparado para acentuar a consistncia temtica e primar pelo equilbrio previamente imaginada pelo compositor. Consta que nos primrdios da formao musical polifnica, era comum a diviso em partes de uma determinada obra. A prpria sute denuncia tal costume, sendo ela uma seqncia coerente de danas variadas que possuiam uma estrutura tonal compatvel. Assim, as danas seguiam um protocolo de coeso harmnica - todas eram escritas na tnica da abertura ou na dominante correspondente - que as mantinha como um todo orgnico. A sonata clssica herdou, portanto, uma formao similar de disposio, que so justamente os movimentos de uma sonata, sinfonia ou concerto. Seguindo o vcuo da estrutura da sute, uma sonata clssica tem um primeiro movimento mais longo escrito na forma-sonata acima descrita, e a natural propenso que se fizesse seguir a este um movimento lento. Assim, os segundos movimentos so escritos em forma-sonata (um pouco simplificada, sem seo de desenvolvimento, ou ainda no estilo A-B-A, que um tema, contra-tema e volta ao tema), mas em andamento lento. Segue-se um minueto, este sim remanescente bvio da sute, pois trata-se de uma dana, com uma seo central denominada Trio. E, para concluir, um movimento rpido e breve geralmente na forma rond. Tem-se, ento, o esquema formal clssico de uma sinfonia ou de uma sonata: I)Um movimento em forma-sonata longo e em andamento rpido, precedido ou no de uma introduo lenta II) Um movimento longo em andamento lento III)Um minueto e trio IV) Um rond, curto e rpido A sonata, propriamente, escrita geralmente para um nico instrumento, e a preferncia dos compositores para tal forma recai nitidamente sobre o piano, que possibilita o uso da harmonia como elemento narrativo fundamental, alm da dinmica rica, em conjunto com o material meldico. Uma sinfonia nada mais que uma sonata escrita para, ao invs de um nico instrumento, uma orquestra inteira. E um concerto uma espcie de sonata para algum instrumento qualquer (piano, violino, violoncelo, flauta, etc..) com acompanhamento orquestral. O instrumento privilegiado no concerto chamado de solista. J o concerto, prescinde do minueto, tendo apenas trs movimentos (existem concertos com quatro movimentos, mas so rarssimos. O melhor exemplo deles o Segundo Concerto para piano de Johannes Brahms), estruturando-se assim: I)Um movimento na forma sonata longo, onde o solista entra aps a exposio dos temas pela orquestra, em andamento rpido II) Um andamento lento III) Um rond. Os concertos costumam incluir ainda uma cadncia, ao final de cada movimento, que uma parte ad libitum, ou seja, o compositor deixa o solista livre para improvisar sobre os temas e mostar seu virtuosismo, ainda que algumas cadncias, como as dos concertos de Beethoven, tenham sido escritas posteriormente pelo prprio compositor. No caso de Beethoven, a superioridade delas to notria que dificilmente algum solista tem a ousadia de inventar alguma outra. A lgica deste tipo de estrutura visa solidificao e ao equilbrio de uma idia musical, e tal arquitetura no deve ser negligenciada, a no ser em casos especficos , sob a pena da incompreenso do discurso musical enquanto um contnuo orgnico. No posso deixar de protestar, portanto, sobre o comrcio de gravaes contendo movimentos isolados de obras assim estruturadas, pois um nico movimento no a obra toda, apenas parte dela, e tal

prtica depe negativamente contra uma apreciao completa, impedindo a catarse proposta pelo compositor em sua plenitude. Pela mesma razo no se deve aplaudir, no caso de uma execuo ao vivo, antes do trmino completo da obra, ou seja, da audio de todos os seus movimentos. Tal prtica, muito comum no Brasil por falta de informao e educao musical, no nada alm do espelho de nossa ignorncia cultural.

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