A Tragédia de Inês de Castro

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ARTIGO Priscila Marchiori Dal Gallo

A TRAGDIA DE INS DE CASTRO: uma leitura semitica do conto Teorema, de Herberto Helder* INES DE CASTROs TRAGEDY: a semiotics reading of the tale Teorema from Herberto Helder LA TRAGEDIA DE INS DE CASTRO: una lectura semitica del cuento Teorema de Herberto Helder
Teresinha de Jesus Baldez e Silva

Resumo: Prope o artigo uma anlise lingustica do texto Teorema, de Herberto Helder, sob uma perspectiva semitica. Objetiva demonstrar os procedimentos e os mecanismos internos de estruturao do texto que se manifestam no discurso por meio de um percurso gerativo. Privilegia, desse modo, com base na semitica como uma teoria geral da significao, a hierarquizao do plano de contedo que estabelece nveis de abstrao como foco principal para determinar a constituio do sentido. Palavras-chave: Semitica. Mito. Ins de Castro. Abstract: This article aims at linguistically analysing the text Teorema, by Herberto Helder, under a semiotics perspective. It intends to demonstrate the inner procedures and mechanisms of the text organization which are manifested in the discourse through a generated route. It spots, thus, the hierarchization of the content planning, which establishes levels of abstraction, as a main focus to determine the meaning constitution. The paper considers the semiotics as a general theory of meaning. Keywords: Semiotics. Myth. Ins de Castro. Resumen: El artculo propone un anlisis lingstico del texto Teorema, de Herberto Helder, bajo una perspectiva semitica. Su objetivo es demostrar los procedimientos y los mecanismos internos de estructuracin del texto que se manifiestan en el discurso a travs de un percurso generativo. Destaca, de esa manera, basndose en la semitica como una teora general de la significacin, la jerarquizacin del plan de contenido que establece niveles de abstraccin como el foco principal para determinar la constitucin del sentido. Palabras clave: Semitica. Mito. Ins de Castro.

1 INTRODUO O conto Teorema, de Herberto Helder, publicado em 1963 no livro Os passos em volta, reconduz cena a histria de Ins de Castro e seu amante, o futuro rei de Portugal - D. Pedro. Seu pai, Afonso IV, fez opo pelo assassinato da amante do prprio filho por temer os laos amorosos entre o prncipe (que s em 1537 com a morte de Afonso IV assumiu o comando dos destinos de Portugal) e a dama galega, j que receava a crescente influncia castelhana que poderia abalar a independncia de Portugal. Muitos foram os relatos historiogrficos, como a crnica de Ferno Lopes, os quais consubstanciaram esse mito que povoa o imaginrio lusitano, podendo-se citar, ainda, as releituras literrias de Cames, Antonio Ferreira,
*Artigo recebido em setembro 2012 Aprovado em dezembro 2012

Antonio Patrcio, dentre outras. Entretanto, a narrao de Herberto Helder destaca-se das produes anteriores por narrar no a morte de Ins, mas a morte de Pero Coelho, um dos carrascos de Ins, a partir do seu prprio ponto de vista. Trata-se de construir uma nova histria, surgindo uma nova verso em que as anteriores esto presentes. nesse contexto que este trabalho pretende analisar o conto Teorema com enfoque nos principais conceitos-chave da semitica. 2 O UNIVERSO SEMITICO A semitica define o sentido por uma rede de relaes na qual os elementos do plano do contedo s adquirem sentido a partir das re-

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laes que se estabelecem entre os elementos do plano de expresso. Enquanto teoria do discurso, parte do pressuposto de que os textos possuem esquemas de organizao discursiva comuns, apesar de haver caractersticas especficas que os individualizam. Assim, investiga a semitica os mecanismos e os procedimentos de organizao textual no plano do contedo, procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz (BARROS, 1997, p. 7), ou seja, o sentido em todas as suas formas de manifestao discursiva. No se preocupa, portanto, com a descrio das estruturas frasais, mas com uma abordagem de cunho semntico, ao romper o domnio da frase e considerar o texto em sua totalidade, ou seja, como uma unidade textual. Em funo de a significao ser central para as cincias humanas, a semitica concebe, ainda, o processo de produo de sentido de um texto como um percurso gerativo que se estende do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto em um contnuo processo de enriquecimento semntico. A narrativa consubstancia-se, desse modo, como uma sucesso de estados que vo se modificando ao longo do seu percurso. Nesse sentido, tal organizao hierrquica o percurso gerativo de sentido - possibilita a um texto ser interpretado e analisado em diferentes nveis de abstrao. Assim que se tem o nvel fundamental o mais abstrato e menos complexo, o nvel narrativo o intermedirio e o nvel discursivo o mais superficial, menos abstrato e mais complexo. Tenta-se demonstrar de que forma esses nveis se manifestam no conto objeto de anlise e, para tanto, emprega-se o modelo idealizado por Greimas (1973, p.11) para quem o mundo humano se define essencialmente como um mundo de significao. 3 A CONSTRUO DO PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO O narrador o prprio assassino que fala de si mesmo, ora dizendo eu, ora Pedro (ao substituir a primeira pessoa pela terceira, empresta a sua voz no para ressaltar a sua pessoa, mas a personagem que encarna El-rei D. Pedro, o Cruel - o Cru). Como parte integrante na hierarquizao da construo de sentidos, vale considerar, inicialmente, o ttulo Teorema que, segundo Houaiss (2001, p. 2697), do grego therema, atos, significa o que se pode contemplar, objeto de estudo ou de meditao, conceito
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especulativo, pelo latim theorema, atis, proposio de verdade especulativa. J Ferreira (1975, p.1367) registra como proposio que, para ser admitida ou se tornar evidente, necessita de demonstrao. Desse modo, trata-se de um ttulo sugestivo, investigativo que se agrega, estrategicamente, ao texto para produzir um determinado efeito de sentido. A narrativa constri-se, na sua base, a partir de valores antagnicos que se inscrevem no texto pela relao de oposio ou diferena entre dois termos pertencentes ao mesmo universo semntico. Assim, no nvel fundamental, a vida e a morte, o real e a fantasia, o mito e a histria so algumas das vrias oposies semnticas que comprovam como o mundo se estrutura discursivamente para construir a sua significao. A categoria fundamental vida versus morte manifesta-se no texto por: Matei-a para salvar o amor do rei. (...) E ofereo-te a morte de D. Ins. Isto era preciso para que o teu amor se salvasse (HELDER, 1997, p.118). interessante observar que, no percurso gerativo de sentido, h uma inverso de valores: a morte, considerada como um valor negativo e, por conseguinte, disfrico 1, passa da negao da morte no disfrico afirmao da vida eufrico. Assim, tem-se uma oposio mnima de sentido: Morte no-morte vida A negao da morte evidenciada, sobretudo, nos trechos Temos f na guerra, na justia, na crueldade, no amor, na eternidade (HELDER, 1997, p.119). Somos ambos sbios custa dos nossos crimes e do comum amor eternidade (HELDER, 1997, p. 120). Do ponto de vista da foria que significa transpor para, trata-se de um texto euforizante cujo percurso, realizado por meio de operaes de negao e afirmao, vai da disforia euforia que se relaciona com a categoria tensiva tenso versus relaxamento - como pode ser visualizado na adaptao do modelo do quadrado semitico, a seguir:
Morte Disforia Tenso Vida Euforia Relaxamento

No-Vida No-Euforia Retenso

No-Morte No-Disforia Distenso

Fonte: Barros apud Fiorin (2003, p. 190)

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Notadamente, o episdio de Ins de Castro revela fatos e fantasias: Foi um espetculo sinistro e exaltante atravs de cidades, vilas e lugarejos (HELDER, 1997, p.118). Trata-se de um espetculo em que se configura uma encenao pela qual perpassa o imaginrio, o fantstico: Um filete de sangue escorre pelo queixo de D. Pedro, os maxilares movem-se devagar. O rei come o meu corao (HELDER, 1997, p.120). Ao ocorrer a transformao dos fatos ancorados em motivaes histricas em fantasia, o mito invade a realidade e passa a projetar o mundo imaginrio no mundo real. Desfaz-se o limite das fronteiras da verdade histrica em um processo no qual se fundem fantasia e realidade, mito e histria. No nvel narrativo, as estruturas narrativas simulam a histria dos sujeitos em busca de valores ou procura de sentidos para os seus conflitos humanos. Podem ser identificados, na sintaxe narrativa, dois tipos de enunciados elementares: aqueles que mantm uma relao de juno (conjuno ou disjuno) entre sujeitos, graas ao tambm de sujeitos (enunciados de estado) e os que evidenciam as transformaes, pela ao do sujeito, de um estado de um enunciado a outro (enunciados de fazer). No texto em anlise, h uma relao de disjuno entre o rei D. Afonso IV que desejava salvar o reino da influncia castelhana e Ins de Castro, constante ameaa em virtude de sua ascendncia espanhola e da influncia de dois de seus irmos lvaro Pires de Castro e Fernando de Castro cujos anseios pelo poder atemorizavam os portugueses. Concomitantemente, os enunciados de estado (ser) e de fazer estruturam-se em uma sequncia cannica, ou seja, num modelo de previsibilidade em que se presencia: a manipulao, a competncia, a performance e a sano. Observa-se que h, tambm, um sujeito que age sobre o outro, levando-o a querer e/ou dever fazer alguma coisa. Trata-se do rei que, enquanto destinador-manipulador, obrigou o sujeito destinatrio-manipulado a cumprir um dever (manipulao por intimidao) para realizar o seu intento que era assassinar Ins de Castro objeto de valor em jogo. No se importava, entretanto, com os obstculos, ou seja, com os antissujeitos, apesar de ser notrio o querer do algoz: No tenho medo. Sei que vou para o inferno, visto eu ser um assassino e o meu pas ser catlico. Matei-a por amor do amor e isso do esprito demonaco (HELDER,1997, p. 119). 28

Assim, o rei configura-se como o sujeito operador cujo papel o de tornar competente o sujeito do fazer e dot-lo de um saber (trata-se de um algoz) e/ou poder (estava a servio do rei) para que realize a transformao central da narrativa. No percurso da ao performance que ocorre a transformao principal: o sujeito do fazer realiza a ao agindo sobre os objetos e seus valores. Convm ressaltar, na narrativa, dois sujeitos distintos: um que executa a transformao (o carrasco) e outro (Ins) que passa, a priori, de um estado de conjuno a de disjuno com a vida e, posteriormente, a de conjuno ao ser eternizada. O percurso da sano o momento em que o destinatrio-manipulado vai ser julgado pelo destinador-manipulador em funo de o cumprimento ou no do acordo assumido e, consequentemente, decorre da a sua recompensa ou punio. Na narrativa, o sujeito transgressor o algoz realiza a ao, mas punido por um terceiro elemento, o sujeito sancionador El-rei D. Pedro, o Cruel, com o qual mantm uma cumplicidade diablica: O rei e a amante so tambm criaturas infernais (HELDER, 1997, p.119). No crisol do inferno havemos de ficar os trs perenemente lmpidos (HELDER, 1997, p.121). Uma segunda sequncia se estabelece no percurso de gerao de sentido da narrativa. O rei que vivia em conjuno com o amor da amante entra em disjuno com a vida e, imbudo de um desejo mortal de vingana sobre o imprio paterno, clama por justia. Como sujeito destinador-manipulador, ao pregar justia, obriga, por intimao, os sujeitos destinatrios-manipulados a matar o carrasco assassino. Seduz, ainda, o povo a assistir cerimnia de sua execuo e a compartilhar da coroao de Ins como rainha mesmo depois de morta. De fato, D. Pedro faz percorrer o cadver da amante que fora exumado num cortejo fnebre imponente, seguido por um ritual acompanhado de cnticos solenes e tochas de ponta a ponta do pas. Configura-se como o sujeito do fazer que, ao comer o corao do assassino, passa, assim, o sangue a simbolizar a vida que se projeta para a eternidade: D. Ins tomou conta das nossas almas. Liberta-se do casulo carnal, transformando-se em luz, em labareda, em nascente viva. (...) O povo s ter de receber-nos como alimento de gerao em gerao (HELDER, 1997, p.121). Desse
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modo, a tradio inesiana tem lugar privilegiado na memria coletiva.


A questo no est em saber o limite da verdade dos fatos relativos exumao, coroao (ou consagrao simblica), ao famoso beija-mo. Na verdade, entregue ao processo de mortalidade irreversvel e deteriorada, o corpo de Ins , por obra da saudade, reposto na forma definitiva que o amor lhe plasmou. O macabro d lugar ao sublime, ou melhor, no caso, est a servio do sublime. (OSAKABE apud IANNONE; GOBBI; JUNQUEIRA, 1998, p. 111).

Nesse sentido que se presencia, apesar de um desenlace sangrento, a conjuno do rei com o seu objeto valor Ins. A paixo desvelada, o amor e a saudade, envolvendo mito e histria, fizeram-na eterna. A eternidade reforada, ainda, por um pargrafo descritivo, aps se dar o ato cruel do assassinato do carrasco. Constata-se, nesse excerto, uma metonmia manifesta por itens lexicais bem demarcados em que o mito perdurou no passado, mantm-se no presente e aponta para o futuro, fundindo-se e corporificando-se:
Tombei com a face direita sobre a calada e, movendo os olhos, posso aperceber-me de um pedao muito azul de cu acima dos telhados. Uma pomba passa diante da janela manuelina. O clxon de um automvel expande-se liricamente no ar. Estamos nos comeos de junho. Ainda primavera. A terra est cheia de seiva. A terra eterna. (HELDER, 1997, p.119-120).

O nvel discursivo a camada em que as formas abstratas do nvel narrativo se revestem de termos que lhes emprestam concretividade, sendo, portanto, o mais prximo da manifestao textual. No percurso gerativo de sentido, a organizao narrativa, no nvel da sintaxe, recobre os estudos referentes actorilizao, temporalizao e espacializao, uma vez que as aes e os estados so narrados, respectivamente, em 1 ou 3 pessoa, num tempo do presente ou do passado e num espao do aqui ou do l que podem ser projetados tanto para fora da enunciao (debreagem) quanto para o seu interior (embreagem). Nessa perspectiva que os esquemas narrativos so assumidos pelo sujeito da enunciao que produz os discursos. Assim, o texto, narrado em 1 pessoa, cria um efeito de subjetividade e impregna-se de parcialidade, ao revelar a viso dos fatos vividos e narrados por quem os vivenciou. O enunciador consegue, desse modo, obter um efeito de aproximao de sua instncia (debreagem enunciativa), quando ele projeta no enunciado os actantes enunciativos eu/tu: Ouo as vozes do povo, a sua ingnua excitao (HELDER, 1997, p.118); os espaos
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enunciativos aqui/a: E Deus no chamado para aqui (HELDER, 1997, p.121) e os tempos enunciativos presente, pretrito perfeito e futuro do presente. O narrador pode valer-se, por sua vez, de uma debreagem enunciva, ao projetar no enunciado um ele, para tentar criar uma iluso de objetividade: Ele diz um gracejo. Toda gente ri (HELDER, 1997, p.118). Embora ele seja o dono da enunciao no discurso em 1 pessoa, o sujeito da enunciao pode atribuir a algum o dever e o poder de narrar o discurso em seu lugar. H, ainda, a possibilidade de ceder a voz a atores j inscritos no discurso (debreagem interna ou de segundo grau) e, ao evidenciar interlocutores que se manifestam por meio do discurso direto, cria a iluso de efeito de sentido de verdade. A semntica desse nvel abrange a tematizao e a figurativizao como nveis de concretizao de sentido sob os quais a significao se constri e como o lugar privilegiado de manipulao. O primeiro orienta-se pela recorrncia a traos semnticos ou semas que so concebidos abstratamente. Tenta, dessa forma, explicar a realidade, ou seja, classificar e ordenar a realidade significante por meio de relaes e dependncias. O segundo recobre os percursos temticos e atribui - lhes os traos de revestimento sensorial. Em geral, a partir de um simulacro da realidade, cria um efeito de verdade na representao do mundo. De fato, enquanto os discursos figurativos se revestem de uma funo descritiva ou representativa, os temticos tm uma funo predicativa ou interpretativa. Assim, predominantemente temtico, reconhece-se, no conto Teorema, a tematizao do amor, a negao da morte, a paixo, a saudade e a construo figurativa do rei pelos lexemas: El rei D. Pedro, o Cruel, est janela... Gosto desse rei louco, inocente e brutal. (HELDER, 1997, p.117, grifo nosso). Enfim, o discurso instaura a figura do criminoso que opera a perfomance principal da narrativa como sujeito que, movido por emoo, levado a querer fazer e, cumprindo o que lhe havia sido designado, acabou sendo premiado (sano positiva). Coube-lhe, afinal, a sua participao na encenao do ato de celebrao da mitificao do eterno amor de Pedro e Ins que passa a ser integrado por uma trade. Convm ressaltar que um dos pontos mais marcantes, obviamente, a surpreendente narrao pelo sujeito do discurso, Pero Coelho (autonomeado de Coelho), que vai ser morto 29

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e acaba morrendo, pois o narrador, sob a sua tica, relata os fatos antes e depois de sua morte, transformando, em tom irnico, fatos grotescos em um ritual sublime. A narrativa renega, portanto, a lgica racionalista, o seu carter universalizante, ao ser impossvel algum narrar sua prpria morte (e querer ser morto, porm isto seria necessrio para a construo do mito), o que pode ser facultado, entretanto, pela criao literria, dada a possibilidade de subverso dos cdigos no discurso. Nesse sentido que Ins, sob um novo olhar, passa de vtima a ser considerada ambiciosa, uma pretensa rainha. O sujeito do discurso estabelece dilogos sociais, desse modo, que no se reproduzem integralmente, mas se renovam ao refletirem determinadas marcas histricas, sociais e ideolgicas. 4 CONSIDERAES FINAIS A anlise esboada pautou a discusso em demonstrar que o processo de significao no se circunscreve superfcie textual, distanciando-se de supostas obviedades ou transparncia de sentidos. necessrio observar que por meio dos mecanismos de construo textual que a rede de relaes internas de sentido vai se estabelecendo e construindo modos prprios de dizer. Os mundos so construdos pela linguagem. O texto justifica-se, ainda, como uma denncia. Como aponta Mindlin (1998, p.45), Teorema a sntese dos dois planos (real/ no real) num universo simblico, no qual o destinador do discurso se prope a decifrar as mensagens dissimuladas do mundo. Trata-se, no caso, de uma proposta irreal, uma hiptese que pe em cena valores os quais contrariam o senso comum e deslocam a enunciao para outro ponto de observao. Como pde se comprovar, a enunciao se reconstri tanto por meio de uma anlise interna pela qual so recuperadas as pistas inscritas na seleo lexical que imprimem uma direo ao texto pela enunciao, quanto pelas relaes contextuais, intertextuais do texto. Nesse ltimo caso, assume a enunciao a funo mediadora entre o discurso e o contexto scio-histrico e ideolgico.

Em sntese, o drama de Ins de Castro configura-se numa tradio mais ntima arraigada ideologicamente cultura portuguesa. Entretanto, o narrador, ao inverter a histria e desmistificar as figuras de Ins e Pedro, impe uma reflexo sobre mito, histria e fico. E, apesar de o conto fundamentar-se numa construo motivada historicamente, uma vez que se concretiza pela presena de atores que se reconhecem como reais, os mitos no se inventam, desvelam-se e ganham, nesse caso, corporeidade na dor, na saudade, na paixo, sem as quais se esvaziariam, sendo, portanto, objeto de especulao ou investigao. NOTAS
1. s categorias semnticas aliam-se as categorias fricas que possuem uma dimenso valorativa ao expressar uma relao de conformidade ou no do indivduo com o seu ambiente fsico-cultural: euforia, um valor positivo e disforia, um valor negativo.

REFERNCIAS BARROS, D. L. P. de. Estudos do discurso. In: FIORIN, Jos Luiz (Org.). Introduo lingustica II: princpios de anlise. So Paulo: Contexto, 2003. BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semntica do texto. So Paulo: tica, 1997. FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo dicionrio da lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. GREIMAS, Algirda Julien. Semntica estrutural. So Paulo: Cultrix/EDUSP, 1973. HELDER, Herberto. Os passos em volta. Lisboa: Assrio & Alvim, 1997. HOUAISS, Antnio; VILAR, Mauro de Salles. Dicionrio Houaiss de lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. MINDLIN, Dulce Maria Viana. Teorema: uma geometria literria. Com Textos: Revista do Departamento de Letras, Mariana, v. 8, 1998. OSAKABE, Haquira. A ptria de Ins de Castro. In: IANNONE, C. A.; GOBBI, M. V. Z; JUNQUEIRA, R. S. (Orgs.). Sobre as naus da iniciao: estudos portugueses de literatura e histria. So Paulo: Ed. da UNESP, 1998.

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