Saulo Fernandes Nunes - Poemas

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Canta pelos cantos

Tempo, tempo passa O meu tempo se arrasta Tudo em volta de mim passa Eu continuo aqui

Canto como canta o pssaro No meu canto, canto Passa o pranto, no demora Chega a hora de dormir

Venho de onde venho, vou Chego sempre aonde estou Calo o vento na calada Da noite de Mondesir

Vida no tem nada que a valha Pena que to pequena Tanta maravilha me atrapalha O pensamento que sentir

Coisa sem sentido a gente Morrendo, amando inutilmente Partido, o corao logo se sente Entregue a solido

Oua o choro quente da viola

A chuva fria do lado de fora O meu cavalo tem certeza Quer sair daqui

Viajando desregrado prosa e verso No sei saber onde termino, onde comeo Te levo onde for S no me diga aonde ir

Poemtica do silncio

Pensei em escrever o poema mais potico possvel, Poemtica em sua essncia. A sntese de tudo que conhecia sobre poesia. A verdade que o verso que eu sempre procurei, Nas palavras nunca seria encontrado. O poema mais belo o eco do pensamento que deixou de vir. Minha ideia era definir algo impossvel. Pintar em letras todos os sonhos que eu no sabia explicar. Desenhar a melodia do corao quando se comea a amar. Fazer uma poesia que s quisesse poemar... Acabei por descobrir que esta no pode ser lida ou escrita. Muito menos declamada. A poesia mais sincera o silncio que cada um ouve dentro de si.

Cada qual tem seu todo

Quando passo em cada esquina Todo espinho me ensina; Todo mestre me engana; Todo ser passa e me arranha.

Se cada todo fosse todo cada Veria em cada lagrima um oceano; Veria em cada queda dgua um deus chorando; Qualquer pedao de nada seria minha morada.

Se cada ser fosse meu mestre

Ouviria a sabedoria de tudo o que cala; Ouviria a solido de tudo o que fala; Saberia medir em tudo o dio inerte.

Se cada todo demanda ateno, Sou para com Deus um irmo. Somos todos vizinhos. Somos universos em expanso.

Esboos

Espalharei nas paredes os claustros que corrompem minha voz e desviam meu olhar. Farei como h de ser para que me vejas numa vrgula, num ponto ou num verso descabido. Serei uma cano eterna de torpor e amargura por onde tocar meu lamento. Caminharei calado sob a lua e repousarei no seu manto negro, bordado de estrelas. Repousarei... Ainda que, calado, espere tocar o sabor dos seus cabelos mais uma vez. E ostentarei nos ombros todos os pesadelos quem no me deixarem pela manh.

Se pudesse andar trilha segura, no sairia do ventre.

Iria at onde vai a imaginao. Desapareceria onde desguam meus cantos. Abriria as manhs ceifando os encantos, E falaria de azul aos pssaros negros. No haveria caber na sombra das minhas palavras. Nem podereis conta-las posto que sero como vento: Frias e passageiras.

Cavalgue nas nuvens do meu silncio, Sobre os vales da solido. E assista ao pr do sol com o cu entre os dedos e as estrelas nas mos. No me espere. Minha presena s alegra o ausente. Meu sorriso s reala quem no sou.

No faltaro sentidos e razes quando alcanar o esplendor de um homem pstumo. Estarei sempre por ai. Atrs de muros altos ou desabando pela multido de vazio. Mas confesso: Andei caminho s, para encontrar em sua boca todas as dvidas, To minhas que nos unem... Ns existimos... s o que temos em comum.

Ns

No subrbio do meu olho No se v Qualquer que seja o teu nome No se l Eu vejo todos os fatos

Pelo cu aberto em poesia Tanta maravilha que a gente no cr Tanta gente boa que voc poderia ser Eu sou um velho cansado

Quando a gente dana pra esquecer Assistindo ao mar se pr e desaparecer Num dia a noite aberta em pecado Voc deitada ao meu lado

Na brisa do tempo de perceber Que o Mar o Sol E o Sol voc Somos o tempo parado Somos ns ao quadrado

Retrato de um homem doente

3:40 da manh ... O relgio na parede me lembra de tomar a prxima dose A saudade serve-me como um velho amigo

Pela janela o vento forte aoita as cortinas, Resfria minha pele, E em um sbito arrepio me sinto vivo... Ainda que eu duvide disto

Larguei pelo cho: garrafas quebradas, Cartas queimadas, fotos rasgadas; Estilhaos de um amor enfermo

Neste labirinto de cascos Onde o tempo no passa Sete dias ou sete noites Tempo demais... Eu menos ela

-Seria errado ento, apenas mais uma ligao? -Que escolha tenho eu?

Disco os nmeros gastos de inmeras tentativas passadas E escuto o silencio da indiferena

-Acho que gosto mais de voc por no gostar de mim

O desespero me leva consigo Onde tenho gasto todos os meus dias

-De que me valho se no mereo ao menos tua voz? -Por que as eternidades insistem em acabar?

O pnico, a raiva e o frenesi da bebida Arrastam-me para o cho novamente E sob os olhos fechados, tatuada na mente, A imagem nua da morena que me deixou Movidos pelo instinto, Meus dedos alcanam por dentro da cala

-O que sou ento? -Um bbado carente empunhando a saudade na mo? Um animal exilado de seu habitat, residindo no vazio de sua prpria companhia -Para onde devo caminhar? Sou ave cega estatelando no vidro at no mais voar

Se alguma vez alcancei o cu, foi por asas alheias Ento rastejar tornou-se minha sina -Viver ou morrer na sombra de Morena da Noite? No faz diferena, no me sinto mais

Meus olhos se fecham para o amanh Sem conseguir minha esmola de prazer Recebo caricias do cho; caio de vez

A nusea corrompe minha manh E os pssaros assistem aflitos pela janela Enquanto vomito meus pecados no arrependidos Retalhos de mim misturam-se aos cacos espalhados pelo cho

A vida agora uma ampulheta Terminar no fim da garrafa Da qual, gentilmente, a solido vem me servir.

Carta sobre nada

Os dias andam cinzas e azuis como sempre ho de ser, porm todo espao de tempo pra mim um lamento, eu no sei por que, acho que cansei de ser. J no sei e nem quero saber, agora tenho mais essa falha ainda por cima, ando pensado tudo em rimas. Um transtorno de parfrase e mtrica que me desarma para que eu no explicite qualquer tipo de replica. Eu no gosto de cartas e de simetria, muito menos da mgica e da fantasia, no sou desses que morre

nem desses que mata, sou aquele que escapa, aquele pobre coitado que passa sem ser notado e por assim ser, sou livre. Assim nesses fatos que no so relatos e nem vo ser, so assim s criao a meu bel prazer, pois toda boa inveno vem de lugar algum seno da necessidade do dizer, so pois esses trejeitos que me deixam satisfeito, que me fazem ter direito sobre todo o meu saber. No que seja grande, no que seja eterno, no que seja belo mas meu e dele farei os meus montes, meus castelos.

Tropeiro

Galopeia tropeiro, Madrugada adentro; Faz da estrada teu destino, O cavalo tuas pernas, A noite tua amante, As estrelas tuas filhas.

Galopeia sob a lua, Ilumina os teus; Os astros teus vizinhos, A espora teu escudo, O chicote tua arma, A sela tua moradia.

Mata tua sede na cana, Lembra que o caminho longo E a vida nica.

O tempo h de te mostrar os atalhos; A insegurana lhe furtar os frutos; Sers como um qualquer, Um homem toa.

Um prato cheio na luz do dia, Uma bala perdida na escurido; Um esprito cego, Tateando nas trevas de seu prprio abismo.

Galopeia tropeiro, Teu futuro no serve o passado, Sua vida no escreve destino, A liberdade te caa, O destino habita em tuas mos.

Meios e Metades

Meu pai metade do que falo, metade do que calo, metade da minha imagem no espelho. s e tudo; meu principio e meu fim. uma vontade que anseia. Um grito de silncio que ecoa dentro de mim. Fez a curva na minha estrada reta e disso fez-se essa ausncia que me comparece todos os dias todas as horas... O que ele seno esse conjunto de singularidades? Um contraste de semelhanas minhas. Um verso de cada cano; Uma s orao; Um ampliador de solido; A palma forte e os ps no cho;

Um misto de lembranas e saudade que escorre nas minhas mos.

S homens pensando
Dizem que a vida vem e vai. Sei que ela vai. Como um rio que corre sem olhar para trs. Sem pensar em nada, chega ao mar. E ai ento infinito. Mas a vida s a vida. E o rio s um rio. Se a vida fosse um rio, seria um rio. As metforas so mentiras que usamos parar explicar as coisas mais simples. To simples que no tem explicao. Talvez pudesse pensar no homem como uma arvore: Que nasce, cresce, espalha suas sementes ao seu redor, E ento morre. Pensar nisso me entristece... No somos arvores. No temos nada de infinito ou divino. Nossas sementes podem se perder, morrer. E certo que no sero eternas. Somos s homens pensando. Inventando metforas que dizem o que no somos. Pois somos s homens pensando. E quanto mais pensamos, mais longe estamos de entender coisa alguma.

Procura-se

Busco alma que me espelhe Que compreenda Num sorriso a alegria E num suspiro a solido

Busco amigo que afague a alma Que seja terno Carregue a calma consigo enquanto fala E amanhea os sonhos da minha ira

Busco-me em algum que me engrandea Em palavra que me fortalea Em pensamento que me enobrea E luz que ilumine minha escurido

Busco o que buscam todos: Uma duvida que me complete Um brao que me levante Um poema que me recite Um dia que no se acabe

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