Marina Kazumi Okumura
Marina Kazumi Okumura
Marina Kazumi Okumura
CURITIBA
2007
disciplina
Orientao Monogrfica em Ingls II, como
requisito parcial concluso do curso de
Letras, Setor de Cincias Humanas, Letras e
Artes, Universidade Federal do Paran.
Orientadora: Prof. Dra. Luci Collin Lavalle
CURITIBA
2007
ii
iii
SUMRIO
LISTA DE ILUSTRAES ...........................................................................................v
RESUMO .......................................................................................................................vi
1 INTRODUO........................................................................................................1
2 SHAKESPEARE NO CINEMA .............................................................................2
3 O FILME RAN.........................................................................................................4
3.1 ENREDO.................................................................................................................4
3.2 GNERO.................................................................................................................5
4
CONCLUSO ..................................................................................................................35
REFERNCIAS ..........................................................................................................37
ANEXOS ......................................................................................................................41
iv
LISTA DE ILUSTRAES
RESUMO
vi
INTRODUO
O filme Ran (1985), do diretor japons Akira Kurosawa (1910-1998),
Cf. KRISTEVA: todo texto se constri como mosaico de citaes, todo texto absoro e
transformao de um outro texto. Em lugar da noo de intersubjetividade, instala-se a de
intertextualidade e a linguagem potica l-se pelo menos como dupla.
SHAKESPEARE NO CINEMA
Apesar da fala proftica de SHAKESPEARE, por Cassius, na pea Julio Csar,
no Ato III, Cena I: Quantas pocas por vir / Ser esta nossa elevada cena de novo
encenada/ em estados ainda no nascidos e sotaques ainda desconhecidos2, o pblico
original de Shakespeare nem imaginaria que sua obra atravessaria o tempo e quatro
sculos depois, no sculo XX, seria popularizada atravs da indstria cinematogrfica.
A produo cinematogrfica das peas de Shakespeare tem incio desde o
surgimento do cinema, no final do sculo XIX e comeo do XX e um fenmeno em
crescimento, especialmente nas ltimas dcadas, tendo um campo de estudo
academicamente consolidado, com vrias publicaes na rea e realizao de
congressos e festivais em vrios pases.
No fim do sculo XIX e incio do sculo XX, as peas teatrais de Shakespeare
foram filmadas, rudimentarmente, para dar um signo de prestgio nascente forma de
arte, em preto e branco, mudo e ainda com projees feitas manualmente. Alguns dos
filmes dessa poca foram resgatados em formato DVD, pela British Film Institute,
contendo: King John (Britain, 1899), The Tempest (Britain, 1908), A Midsummer
Night's Dream (USA, 1909), King Lear (Italy, 1910), Twelfth Night (USA, 1910), The
Merchant of Venice (Italy, 1910), Richard III (Britain, 1911).3 Nos anos iniciais da
industrializao, o cinema era uma forma de entretenimento para a classe trabalhadora,
pois s freqentavam o teatro aqueles que tinham condies financeiras melhores.
A partir do desenvolvimento tcnico da stima arte, suas peas tm inspirado
produes para televiso e cinema. Entre os filmes memorveis, esto os realizados
por grandes diretores e atores como o britnico Laurence Olivier, o norte-americano
Orson Welles, o italiano Franco Zeffirelli, o japons Akira Kurosawa, o russo Grigori
How many ages hence/ Shall this our lofty scene/ In states unborn and accents yet
unknown! traduo retirada da resenha Variaes de Shakespeare, de Daniel Piza, disponvel em:
<http://www.danielpiza.com.br/interna.asp?texto=1997 > acesso em: 6 Mai 2007.
3
Informaes adicionais sobre o DVD Silent Shakespeare (2004) est disponvel no site
<http://www.bfi.org.uk/booksvideo/video/details/shakespeare/>. Acesso em 13 Jun. 2007
Kozintsev e outros nomes como Peter Brook, Roman Polanski, Michael Almereyda,
Kenneth Branagh. 4
Entre os estudiosos de Shakespeare e cinema, JORGENS (1991) classifica as
peas teatrais em trs modos de adaptao: Teatral, Realista e Flmico. De uma
maneira resumida, o modo Teatral (ou transparente) aquele que transcreve uma
representao teatral para um filme, como o caso do Rei Lear, produzido para
televiso em 1984, com Laurence Olivier; o modo Realista mostra atravs da cmera,
o realismo fotogrfico das paisagens, figurino e cenrios, tendo como exemplo o
estilo documental do Lear (1970), de Peter Brook; e o Flmico (ou film poet), usa o
poder do filme para contar uma histria, superando as formas do mundo exterior como espao, tempo, casualidade e acomodando os eventos s formas do mundo
interior como ateno, memria, imaginao e emoo, seria o modo mais fiel ao
efeito dos versos dramticos de Shakespeare, sendo Ran, classificado nesta categoria.
Paralelamente, JORGENS (1991:12-13) aponta ainda trs tipos de
caracterizao, de acordo com o tratamento dado distncia entre o filme e o texto
original: Apresentao, Interpretao e Adaptao. Na Apresentao, a relao com o
original com o mnimo de alterao e distoro possvel, a realizao da pea, no
uma srie de notas de rodap ou um ensaio crtico e cita como exemplo, a cena final
em Hamlet (1969), de Tony Richardson, a disputa entre Cassius e Brutus, em Julius
Ceasar (1953), de Joseph Mankiewvicz, entre outros. O modo Interpretao requer
formatar e representar a pea de acordo com um ponto de vista e na Adaptao, os
textos de Shakespeare servem como referncia para os cineastas. Kurosawa5
considerado por MCDONALD (2001)6 em sua anlise sobre adaptaes flmicas,
como de estilo audacioso e experimental.
O FILME RAN
3.1 ENREDO
A tragdia Rei Lear, de Shakespeare acontece em poca medieval remota e
Kurosawa a transps para o Japo feudal do sculo XVI, conhecida como Sengoku
Jidai (Era do Pas em Guerra), marcada pela ausncia de um governo central e
disputas de poder entre cls rivais, traies e assassinatos. Essa mesma poca
retratada em trs outros filmes alm de Ran: Trono Manchado de Sangue, Os Sete
Samurais e Floresta Escondida.
Hidetora, patriarca do cl Ichimonji, aos 70 anos, decide dividir o reino entre os
trs filhos: Tar, Jir e Sabur. Tar, o mais velho, seguindo a tradio do patriarcado
japons, torna-se o lder do cl e recebe o Primeiro Castelo, centro do poder. Jir e
Sabur recebem, respectivamente, o Segundo e o Terceiro Castelo. Hidetora retm
para si o ttulo de Grande Senhor para permanecer com os privilgios, sem se
responsabilizar com os deveres do cargo. Nos planos de Hidetora, Jiro e Saburo
dariam apoio a Taro e os trs, unidos, manteriam as conquistas da famlia, utilizando
como exemplo, a parbola da flecha, de Motonari Mori, senhor feudal japons que
viveu entre 1497 1571. Sabur contraria a idia do seu pai, critica seu plano,
lembrando-o da maneira como conquistou seus domnios, chamando-o de velho tolo
ao esperar que seus filhos mantenham a lealdade a ele. Hidetora bane Sabur,
entendendo essa reao como traio e tambm Tango, servo fiel que tenta persuadi-lo
do erro que est cometendo.
Porm, Hidetora segue adiante em sua deciso e o que ele vivencia a
destruio de sua famlia, a derrocada do poder e a violncia descontrolada que atinge
a todos, bons e maus. Ao presenciar o massacre que provocou, Hidetora enlouquece e
vaga pelas runas como um fantasma, acompanhado de Tango e Kiyoami, o Bobo.
Manipulando os dois irmos, est Kaede, esposa de Tar e depois de sua morte,
amante de Jir. Kaede a vingana personificada, cuja famlia foi derrotada e
destruda por Hidetora, legitimando a posse de seus territrios, casando-a com seu
filho mais velho. Da mesma maneira, Jir casado com Sue, cuja famlia foi destruda
por Hidetora, seu castelo queimado e seu irmo, Tsurumaki, cegado. Diferente de
Kaede, Sue dedica-se ao budismo e perdoa seu sogro das atrocidades cometidas,
atitude que Hidetora no consegue entender. Sabur e Hidetora reconciliam-se em
vida, mas ambos morrem quando faziam planos para desfrutar de uma convivncia
pacfica.
Assim como Shakespeare, Kurosawa elabora enquanto temtica do filme, a
disputa pelo poder, a vingana, as paixes, a relao familiar, todos, temas atemporais
porque espelham a natureza humana.
3.2 GNERO
Quanto ao gnero, Ran um filme jidaigeki, um gnero eminentemente
japons, caracterizado com um termo temporal, pois jidai significa tempo, era ou
perodo, sem ser eco a filme histrico. O perodo histrico utilizado com um
propsito dramtico e normalmente focalizado na Era Tokugawa ou na Era Edo,
aproximadamente do incio dos anos 1600 a meados de 1800. O gnero jidaigeki
comparado ao gnero western americano, ambos ambientados em importante perodo
histrico nacional do Japo e Estados Unidos, onde samurai e cowboy representam um
papel essencial na narrativa.
Entre os onze filmes jidaigeki realizados por Kurosawa, quatro so de roteiros
originais: Os Sete Samurais, A Floresta Escondida, Guarda-Costas e Sombra do
Samurai; um adaptao de uma pea de kabuki: Os Homens que Pisaram na Cauda
do Tigre; trs so adaptaes de obras literrias japonesas modernas: Rashomon,
Sanjuro e Barba Ruiva; e trs so adaptaes de obras ocidentais: Trono de Sangue,
Ral e Ran.
Kurosawa inovou o gnero jidaigeki, transportando os elementos populares do
gnero para uma composio dramaticamente diferente para colocar em primeiro
plano suas convenes genricas (YOSHIMOTO, 2000:235). Atravs desse tipo de
subverso, o diretor mantm uma relao metacrtica com esse gnero
popular(IDEM). Uma das suas inovaes a posta em cena realstica de um duelo de
espadas ao invs da dana kabuki estilizada utilizada nos filmes convencionais. Assim
como os diretores de cinema da dcada de 30, Yamanaka Sadao e Itami Mansaku, por
quem Kurosawa nutria grande admirao, em seus filmes jidaigeki, os samurais no
so apresentados como figuras hericas, mas tomam uma viso satrica do Bushid
(cdigo de honra e conduta do samurai), focalizando os marginais sociais e preferindo
humor ironia como um recurso narrativo. Apesar de no representar com fidelidade
os fatos histricos, Kurosawa criou um elevado senso de realismo, sendo rigoroso nos
detalhes ignorados pelos filmes jidaigeki convencional, como: cenrios e adereos,
figurino e estilo de atuao, retratando a poca com minuciosa preciso.
O MOSAICO DE CITAES
Como mencionamos anteriormente, Ran dialoga com uma srie de intertextos
A partir daqui as citaes em ingls sero traduzidas por ns e o texto original aparecer
nas notas de rodap. Films are made up of many elements: literary, theatrical, painterly, and musical.
But there is something in film that is purely cinematic.() There is something that might be called
cinematic beauty. Disponvel em: <http://akirakurosawa.info/akira-kurosawa-quotes/kurosawaquotes-cinema/> acesso em: 14 Jun 2007.
What is cinema? The answer to this question is no easy matter. Long ago the Japanese
novelist Shiga Naoya presented an essay written by his grandchild as one of the most remarkable prose
pieces of his time. He had it published in a literary magazine. It was entitled My Dog, and ran as
follows: My dog resembles a bear; he also resembles a badger; he also resembles a fox It proceed
to enumerate the dogs special characteristics, comparing each one to yet another animal, developing
into a full list of the animal kingdom. However, the essay closed with, But since hes a dog, he most
resembles a dog. I remember bursting out laughing when I read this essay, but it makes a serious
point. Cinema resembles so many other arts. If cinema has very literary characteristics, it also has
theatrical qualities, a philosophical side, attributes of painting and sculpture and musicial elements.
But cinema is, in the final analysis, cinema.
9
RICHIE Akira Kurosawa: Obiturary.
10
In: RESENDE (1996:183)
com Lear voltando ao trono e Cordlia como sua herdeira. Mas foi Shakespeare que
percebeu a potencialidade trgica da histria ao ler Gorboduc, de Norton Sackville,
tragdia senequiana inglesa, na qual tudo acontece porque um rei divide seu reino
ainda em vida entre dois filhos. (HELIODORA In SHAKESPEARE, 1998:5).
De maneira semelhante, como relata PEARY (1986), a parbola das flechas de
Motonari Mori lendria no Japo e Kurosawa decidiu focar Ran na conhecida
histria ao perceber a potencialidade trgica: Quando eu li que trs flechas juntas
eram invencveis, eu comecei a duvidar e foi quando comecei a pensar: a casa era
prspera e os filhos eram corajosos. O que seria se esse homem fascinante tivesse
filhos maus?11
precisamente esse processo de criao, ou criao potica, que Gastn
Bachelard, filsofo e poeta francs, estuda em sua obra A Potica do Espao. O
mtodo de investigao utilizado a fenomenologia, da qual mantm a idia de
estudar as imagens poticas por si mesmas, no momento em que emergem na
conscincia, bem como a repercusso dessa imagem no sujeito-ouvinte-leitor. Para
isso, BACHELARD (1993:7) faz uso dos conceitos de repercusso e ressonncia:
Na ressonncia ouvimos o poema; na repercusso o falamos, ele nosso. A repercusso opera
uma inverso do ser. Parece que o ser do poeta o nosso ser. A multiplicidade das
ressonncias sai ento da unidade de ser da repercusso. (...) A exuberncia e a profundidade
de um poema so sempre fenmenos do par ressonncia-repercusso.
11
When I read that three arrows together are invincible, I started doubting, and that's when I
started thinking: the house was prosperous and the sons were courageous. What if this fascinating man
had bad sons?
Where does the emotion come from that you feel as you read them? What degree of
passion did the authors have to have, what level of meticulousness did he have to command, in order
to portray the characters and events as he did? You must read thoroughly to the point where you can
grasp all these things. () Read the worlds classic literature as a form of training and reread the
works of favorite authors again and again reading and writing must become habitual.
13
Tambm conhecido como Trono Manchado de Sangue. O subttulo oficial em ingls
Throne of Blood, mas a traduo mais literal do ttulo em japons Spider Web Castle ou Castelo de
Teia de Aranha.
14
New York Post, 7/9/1998
15
Traduo do ttulo em ingls, The Bad Sleep Well, porm conhecido tambm como The
Worse You Are, The Better You Sleep que corresponde melhor ao ttulo em japons, Warui Yatsu Hodo
Yoku Nemuru. Em portugus seria Quanto Pior Voc , Melhor Dorme.
10
16
Ive read Shakespeare and Russian writers like Dostoyevsky and Gorky many times, but I
would never let them lead me into making a filme untill I have thoroughly assimilated them. Only
then, can I let it come out naturally as if its part of my own writing
17
"I know of no one so compassionate.... Ordinary people turn their eyes away from tragedy;
he looks straight into it."
18
Disponvel em: <http://tags.library.upenn.edu/tag/childhood+kurosawa> acesso em: 16
Jun 2007.
11
19
12
ikebana, arte floral japonesa; o karesansui, jardim de pedra e areia e outras artes da
poca utilizadas por Kurosawa como: a perspectiva da pintura da Escola Tosa, a
referncia literria de Contos de Genji, o pico dos Contos de Heike e a esttica do
teatro Noh.
"The Noh is a truly unique art form that exists nowhere else in the world. Disponvel em:
<http://akirakurosawa.info/akira-kurosawa-quotes/kurosawa-quotes-screenplay/> acesso: 7 Jun 2007
13
Cena III), confrontados com a verdade atravs do teatro, como veremos adiante, na
Anlise da Flecha.
4.4 PINTURA
Com relao pintura tradicional japonesa, Kurosawa se inspira na perspectiva
da vista de cima para baixo da Escola Tosa, que tem como caracterstica o uso de
nuvens douradas para enquadrar as cenas, permitindo ao leitor uma viso clara do que
acontece dentro dos edifcios e das batalhas. A Escola Tosa baseada no Yamato-e,
estilo nativo de pintura japonesa, tradicionalmente usada para ilustrar os Contos de
Genji.
O crtico de cinema SATO (1999), conta que: Kurosawa Akira comeou sua
carreira como pintor e ele tinha um especial talento at obsesso em criar drama
atravs de imagens, na qual cada quadra do filme tratado literalmente como uma
pintura. (...) estas pinturas no so simples story boards para o filme, mas nos do uma
compreenso fascinante da natureza da imaginao de Kurosawa.21
Donald RICHIE (1996) lembra que, em 1978, foi visitar o diretor em seu
escritrio na Toho justamente quando ele estava envolvido com o projeto do filme
Kaguemusha (A Sombra do Samurai):
O trabalho consistia em desenhar e pintar. Estava sem dinheiro para filmar tendo se tornado
famoso por estourar oramentos, prazos, recomendaes, ordens de produtores e empresas
produtoras tudo para criar o filme perfeito, sem concesses. Para fixar na memria o
prximo filme que queria rodar, ele o estava fazendo mo. Uma imagem aps outra de
samurais, batalhas, cavalos. Suas grandes mos de arteso estavam pintando uma cena atrs da
outra, com movimentos rpidos e seguros. Ele sempre sabia exatamente o que queria fazer. O
filme inteiro estava em sua cabea e emergia atravs de seus dedos. Como no tinha dinheiro,
faria o filme no papel. Que outro diretor perguntava-me faria isso, teria tal cuidado e
estaria to imune ao desespero?
Kurosawa Akira started out his career as a painter and he possessed a special talent even
obsession- for creating drama through images in which each frame of the film is treated literally like a
picture. ()these paintings are not simply story boards for the movies, but give us fascinating insights
into the nature of Kurosawas imagination.
14
de Ran, teve que esperar mais: 10 anos, pelos mesmos motivos - o recurso financeiro
veio de Serge Silberman, produtor francs que anteriormente tinha realizado O
Discreto Charme da Burguesia e Aquele Obscuro Objeto de Desejo, ambos dirigidos
por Louis Buuel.
Nesse tempo de espera, Kurosawa produziu uma srie de litografia de seu story
board do filme Ran, e algumas reprodues foram publicadas posteriormente como
um livro, juntamente com o roteiro do filme. Algumas dessas gravuras ilustram esta
monografia e, ao observarmos a fidelidade com que foram retratadas no filme, em
termos de figurino e maquilagem, concordamos com KOBAK de que nos d a
impresso de que emergiram direto do papel para o filme. Sobre seu estilo de
pintura, SATO (1999) descreve que:
Seus trabalhos eram caracterizados por composies de violento movimento que transbordam
sobre a borda da tela, cores intensas e vibrante tridimensionalidade, qualidades que so
completamente distantes da corrente principal da pintura japonesa e da pintura tradicional
acadmica. Elas exibem qualidades muito prximas herana da gravura ukiyo-e e arte
folclrica, como se v na pintura tradicional das pipas.22
FIGURA 2 HIDETORA
22
His works are characterized by compositions of violent movement that spill over the edges
of the canvas, intense colors, and vibrant three-dimensionality, qualities that are quite far afield from
15
4.5 CINEMA
Alm da literatura, Kurosawa tinha uma grande admirao pelo cinema mudo,
assistiu a muitos deles quando seu irmo Heigo foi Beshi, ou narrador de filmes
mudos: Eu gosto de filmes mudos (...) Frequentemente eles so muito mais bonitos
do que filmes sonoros. Talvez tenham que ser. Em uma certa medida, eu quero
restaurar algo dessa beleza. (RICHIE, 1996:112)
Kurosawa, em sua autobiografia listou cerca de 100 filmes que o
impressionaram durante sua infncia e juventude: obras dos diretores Griffith, Chaplin,
Stroheim, Victor Sjstrm, Lupu Pick, Daisuke Ito. (PRINCE, 1999:20). Outros
cineastas favoritos eram: Kajiro Yamamoto, de quem foi assistente, Eisenstein, Frank
Capra e John Ford. Sobre o ltimo diretor, Chris Marker registrou em seu
documentrio A.K.(1985) a histria do encontro entre os dois: Ford disse
simplesmente voc realmente gosta de chuva, ao que Kurosawa respondeu voc est
realmente prestando ateno em meus filmes.
A chuva uma temtica constante na obra de Kurosawa, como na seqncia de
abertura de Rashomon, na batalha final de Os Sete Samurais e o nevoeiro em Trono de
Sangue. YOSHIMOTO (2000:429) observa que o que est sensivelmente ausente em
Ran a imagem caracterstica de Kurosawa, a chuva. (...) o sol incandescente que
leva Hidetora loucura e os Ichimonji sua auto-destruio23. A escolha do elemento
fogo ser analisada no captulo da Imagem da Flecha, nesta pesquisa.
Kurosawa foi um cineasta completo, que participava de todas as etapas de
realizao de um filme: alm de desenhar as cenas e personagens, dirigia, escrevia o
roteiro com mais duas pessoas, mas sempre reservando para si a traduo da prosa
para a imagem visual; e ele mesmo editava seus filmes, considerado por muitos um
mestre no assunto. Ran seu 27 filme, do total de 30, portanto uma obra de sua
maturidade tanto artstica quanto de idade: tinha 75 anos quando filmou. Entre os
prmios que recebeu, destacam-se: Oscar de Melhor Figurino, em 1985; 2 prmios no
the mainstream Japanese painting an the painting of more academic traditions. They display qualities
much closer to the heritage of ukiyoe-e prints and folk art such as seen in traditional kite painting.
23
What is conspicuously absent in Ran is Kurosawas signature image, the rain. () It is
the blazing sun that leads Hidotora to madness and the Ichomjis to its self-destruction.
16
BAFTA (British Academy of Film and Television Arts), nas categorias de Melhor
Filme Estrangeiro e Melhor Maquiagem; Prmio Bodil (Associao de Crticos de
Cinema de Copenhaguen) de Melhor Filme Europeu; Prmio OCIC (Organisation
Catholique Internationale du Cinema et de lAudiovisuel), no Festival Internacional de
San Sebastian.
24
Todas as citaes da pea Rei Lear, apresentadas nesta pesquisa, correspondem traduo
de Barbara Heliodora (SHAKESPEARE, 1998)
25
Literalmente, Grande Nome senhores feudais poderosos do perodo entre os sculos XII
e XIX da histria do Japo.
17
FIGURA 3 - CAADA
18
FIGURA 5 - ANUNCIO
19
20
FIGURA 7: INSIGHT
26
Esta frase de Lear reverbera na pea e no filme em vrias imagens que poderiam ser analisadas como
fenmenos de repercusso de Bachelard, mas, para o momento, foge ao assunto tratado.
21
Neste ponto, h uma manipulao sonora do diretor, que concorre para que a
imagem da flecha adquira uma fora ainda maior: ao suspender o som incidental da
batalha, o que se ouve a fnebre msica do compositor Toru Takemitsu, com
sonoridade semelhante das flechas. Aqui vale citar Stu Kobak, cuja descrio da
cena extremamente precisa: O som parece uma superposio de flechas cortando o
ar, fazendo estremecer o Grande Senhor.27 Ao mesmo tempo, a cmera se
movimenta, sem primeiros planos, apenas em planos gerais e de conjunto, formando
composies de quadros, mostrando uma seqncia de morte e destruio, cenas cruis
e sangrentas de massacre dos soldados fiis a Hidetora e a matana entre os exrcitos
de seus filhos.
Kurosawa explicou ao crtico de cinema, Michael SRAGOW (2000), em 1986,
que a msica de Takemitsu surge para representar os sentimentos dos deuses: O que
eu estava tentando colocar em Ran, e isto est l desde o roteiro, era de que deuses ou
Deus ou quem quer que esteja observando os eventos humanos est sentindo tristeza
de como os seres humanos destroem uns aos outros e impotente para atuar sobre o
comportamento do ser humano.28 Uma msica que comea melancolicamente, como
um lamento e vai num crescendo, dando a impresso de soluos.
Podemos presumir que se fosse um filme de ao de guerra, primeiramente o
soldado teria avisado Hidetora sobre a emboscada, o ataque dos exrcitos de seus
filhos e a traio dos generais, mas como se trata de uma obra que, conforme estamos
argumentando, amplia a imagem da flecha sugerida por Shakespeare, a construo se
d de forma gradual: primeiro, Hidetora v com os ouvidos ouve as flechas no ar,
depois v com os olhos, da janela, o ataque conjugado dos dois exrcitos, para
somente ento, descer as escadas e encontrar o soldado verbalizar os acontecimentos e
concluir: isto o inferno!. A imagem de inferno sugerida pelo soldado retratada no
filme em quadros estticos, como numa seqncia de pintura: corpos mutilados,
guerreiros ensangentados e enlouquecidos, amontoados de mortos.
27
The sound is like wave upon wave of arrows slicing through the air, quivering into the
great Lord. In: The Epic Image of Kurosawa.
22
(Cena do filme)
(pintura de Kurosawa)
FIGURA 8 GUERREIROS
What I was trying to get at in 'Ran,'" he said, "and this was there from the script stage, was
that the gods or God or whoever it is observing human events is feeling sadness about how human
beings destroy each other, and powerlessness to affect human beings' behavior.
29
Estilo de pintura tradicional japonesa usado para ilustrar os Contos de Genji
23
30
24
Um paralelo pode ser estabelecido com a cena em que o Rei Lear, trado pelas
filhas, desprotegido, sai errante, em companhia apenas do Bobo e de Kent:
Um Cavalheiro responde pergunta Aonde est o Rei, de Kent:
lutando com os inquietos elementos
pede ao vento que o mar afogue a terra,
ou que subam as guas para os montes,
que tudo cesse ou mude: se desgrenha,... (Rei Lear, Ato III, Cena I)
25
26
: Si tout ce qui change lentement sexplique par la vie, tout ce qui change vite sexplique
par le feu.
33
Rei Lear, Ato III, Cena II, dilogo entre Lear e Kent.
27
28
de maneira acentuada, como se ele ouvisse (ou visse pelos ouvidos), todo o
sofrimento, ampliando a tenso emocional e a crise mental. Aqui, o elemento sonoro
utilizado como um solilquio, para precipitar o sofrimento, tanto de Tsurumaru,
quanto de Hidetora. PARKER (1991: 75-90) enfatizou a cena que segue no filme: "a
parede literalmente vem abaixo, sob o peso da culpa de Hidetora.35 A parede, smbolo
de proteo e limite de Hidetora, cai quando ele percebe com clareza, a profundidade e
a dimenso da destruio causada por ele e a aceitao imediata de que uma grande
loucura.
A natureza da loucura de Lear e Hidetora , portanto, diferente. Em Lear, no
Ato IV, Cena VI, uma loucura paradoxal, que suscita o seguinte comentrio de
Edgar, ao ouvi-lo falar:
Edgar ( parte)
Verdade e irrelevncia se misturam;
Razo na loucura. (Ato IV, Cena VI)
35
36
29
Jun,2007
30
38
Jump cut- radical transio entre uma cena e outra feita atravs de corte, na edio do
filme; a tcnica quebra a continuidade no tempo e causa um efeito perturbador no espectador.
Definio do dicionrio eletrnico <www.answers.com > acesso em: 5 Mai 2007.
31
32
Parece-me que essa cena, em sua corajosa negao da possibilidade de restaurao da ordem,
ironicamente comenta a pea que lhe serviu como uma de suas fontes; o que torna Ran um
filme questionador, porque ele no est preocupado com a centralidade do texto dramtico. O
filme deve muito a Rei Lear, sem dvida, mas apesar dos acenos que faz em direo cultura
ocidental e do jogo de influncias, emprstimos e homenagens, ele emerge como Ran, arte
cinematogrfica japonesa antes de tudo, no apenas o Rei Lear de Kurosawa.
39
2007.
40
33
41
Kurosawa gives us battles filtered through his perceptions as a 20th-century artist well
acquainted with the large-scale slaughters of his own time. The sense of apocalypse in the films is not
of the 16th century but of now.
42
SHAKESPEARE (2004), traduo de Anna Amlia de Queiroz Carneiro de Mendona.
43
() we should ask ourselves if nihilism which dominates the modern world is not in fact
a doubled nihilism. The tragedy of the Death of God itself has also been forgotten. We live in a
more or less pleasant way, having the products of technology around of us, we have some fun, but
nevertheless in the background theres a sensation of uneasiness, of anguish which doesnt find peace
and which is always growing.
34
O que eu quis dizer na ltima cena que a humanidade deve enfrentar a vida sem apoiar-se
em Deus ou em Buda. Ns devemos tentar ao mximo edificar um futuro feliz, caso contrrio,
teremos uma sucesso de guerras. Uma razo que no pude filmar este filme por tanto tempo
foi porque os produtores reclamavam que o final era trgico. Ns estamos sempre fechando
nossos olhos.44
44
"What I wanted to say in the last scene was that humanity must face life without relying on
God or Buddha. We must try to the maximum to build for a happy future, otherwise there will be a
succession of wars. A reason I couldn't shoot this film for so long was that producers complained that
the ending was tragic. We are always closing our eyes."
45
Kurosawa's cinema is above all a cinema of the question, of questioning, an action
cinema certainly, but a cinema of action in question.
35
CONCLUSO
46
No poet, no artist of any art, has his complete meaning alone. His significance, his
appreciation is the appreciation of his relations to the dead poets and artists.
47
the historical sense involves a perception, not only of the pastness of the past, but of its
presence.
48
... it makes a writer most acutely conscious of his place in time, of his contemporaneity.
36
momento do passado, a no ser que esteja consciente, no do que est morto, mas do
que est vivo agora.49
Nesse sentido, ambos, Kurosawa e Shakespeare valorizam as referncias do
passado e produziram arte, no somente importante para a poca em que viveram, mas
continuam provocando significant emotion aos que tomam contato com suas obras.
49
unless he lives in what is not merely the present, but the present moment of the past, unless he is
conscious, not of what is dead, but what is already living.
37
REFERNCIAS
DELEUZE, Gilles in Cinema One: The Movement-Image, trans. Hugh Tomlinson and
Barbara Habberjam (University of Minnesota Press, Minneapolis, 1986), pp.187-192.
38
_______. Ran. (diretor do filme). Estdio Greenwich Film Productions / Herald Ace
Inc. / Nippon Herald Films Japo / Frana: 1985
MCDONALD, Russ In DINIZ, Thas Flores Nogueira. Literatura e cinema- traduo,
hipertextualidade e reciclagem. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2005.
39
______. Instigations of Ezra Pound: Together with an Essay on the Chinese Written
Character Books for Libraries Press, 1967.
______. RICHIE, Donald The Films of Akira Kurosawa 3rd ed., expanded and
updated. Berkeley, Calif.: University of California Press, 1996.
SATO, Tadao Kurosawa Akiras Legacy: the Printed Record Japanese Book News,
number 25, Spring, 1999. Disponvel em:
<http://www.jpf.go.jp/e/publish/jbn/pdf/jbn25.pdf> acesso em: 14 Jun 2007.
40
______. Rei Lear traduo de Brbara Heliodora Rio de Janeiro, Editora Nova
Aguilar:1998.
SRAGOW, Michael In Lear meets the energy vampire, 2000. Disponvel em:
<http://archive.salon.com/ent/col/srag/2000/09/21/kurosawa/index.html> acesso em:
14 Jun 2007.
WALSH, David World Socialist Web Site, 9 September 1998. Disponvel em:
<http://www.wsws.org/arts/1998/sep1998/kuro-s09.shtml> acesso em: 14 Jun 2007.
YOHIMOTO, Mitsuhiro
University Press:2000.
Duke
41
ANEXOS
Ano
FILMOGRAFIA
1943
1944
1945
1945
1948
1949
1949
1950
Scandal ( Escndalo)
1950
Rashomon
1951
1952
1954
Seven Samurai
Sete Samurais
1955
1946
1946
1947
1957
1957
1958
Prmios
42
1961
1962
Sanjuro
1963
1965
1970
Dodeskaden
1974
Dersu Uzala
1980
Kagemusha
( A Sombra do Samurai)
1985
Ran (Chaos)
1960
1990
Dreams (Sonhos)
1991
Rhapsody in August
(Rapsdia em Agosto)
Madadayo ( Not Yet/ Ainda No)
1993
43
PREMIAES
Result
Award
Won
Oscar
Category/Recipient(s)
Best Costume Design
Emi Wada
Best Art Direction-Set Decoration
Yoshir Muraki
Shinobu Muraki
1986
Nominated
Oscar
Best Cinematography
Takao Sait
Masaharu Ueda
Asakazu Nakai
Best Director
Akira Kurosawa
Amanda Awards, Norway
Year
Result
Award
1986
Won
Amanda
Category/Recipient(s)
Best Foreign Feature Film (rets utenlandske spillefilm)
Akira Kurosawa
Result
Award
Category/Recipient(s)
Best Cinematography
1986
Won
NSFC
Takao Sait
Award
Best Film
Result
1985
Won
Award
NYFCC
Award
Category/Recipient(s)
Best Foreign Language Film
44
1985
Award
Won
Category/Recipient(s)
OCIC
Award
Akira Kurosawa
Awards of the Japanese Academy
Year
Result
Award
Category/Recipient(s)
Best Art Direction
Yoshir Muraki
Award of
Shinobu Muraki
the
Japanese
Won
1986
Masaharu Ueda
Takao Sait
Nominated
45
BAFTA Awards
Year
Result
Award
Category/Recipient(s)
Best Foreign Language Film
Serge Silberman
Masato Hara
Akira Kurosawa
France/Japan.
Won
Best Cinematography
1987
Takao Sait
Masaharu Ueda
46
Result
1986
Won
Award
Category/Recipient(s)
Best Film
Blue Ribbon Award Akira Kurosawa
Bodil Awards
Year
Result
Award
1986
Won
Bodil
Category/Recipient(s)
Best European Film (Bedste europiske film)
Akira Kurosawa (director)
Result
Award
Category/Recipient(s)
Best Cinematography
Takao Sait
1986
Won
BSFC Award
Masaharu Ueda
Best Film
Result
Award
Category/Recipient(s)
Best Foreign Film (Meilleur film tranger)
Akira Kurosawa
1986 Nominated
Csar
Best Poster (Meilleure affiche)
Benjamin Baltimore
47
Result
Award
Category/Recipient(s)
Best Director - Foreign Film (Migliore Regista
1986
Won
Straniero)
David
Akira Kurosawa
Result
1986 Nominated
Award
Category/Recipient(s)
Best Foreign Film
Golden Globe
Japan.
Result
1986 Nominated
Award
Category/Recipient(s)
Special Distinction
Award
Joseph Plateau Awards
Year
Result
Award
1986
Won
Category/Recipient(s)
Best Artistic Contribution
Result
Award
Category/Recipient(s)
Director of the Year
Akira Kurosawa
1987
Won
ALFS Award
Foreign Language Film of the Year
48
Result
Award
Category/Recipient(s)
Best Foreign Film
Tied with Historia oficial, La (1985).
1985
Won
LAFCA Award
Best Music
Tru Takemitsu
Result
Award
Category/Recipient(s)
Best Director
Akira Kurosawa
1986
Won
Best Film
Mainichi Film Concours Akira Kurosawa
Result
Award
Category/Recipient(s)
Best Director
Akira Kurosawa
1985
Won
NBR Award
Best Foreign Language Film
Japan.
49
ELENCO
Personagens
Tatsuya Nakadai
Akira Terao
Jinpachi Nezu
Daisuke Ryu
Mieko Harada
Lady Kaede
Yoshiko Miyazaki
Lady Sue
Hisashi Igawa
Shuri Kurogane
Peter
Kyoami
Masayuki Yui
Tango Hirayama
Kazuo Kato
Kageyu Ikoma
Norio Matsui
Shumenosuke Ogura
Toshiya Ito
Mondo Naganuma
Kenji Kodama
Samon Shirane
Mansai Nomura
50
4
Posters
51
52
53
54
Akira Kurosawa ao centro, Tatsuya Nakadai (Hidetora) esquerda e Jinpachi Nezu (Jir) direita.
Disponvel em: http://www.sensesofcinema.com/contents/directors/02/kurosawa.html
Acesso em: 18 Jun 2007.
Estas imagens so do documentrio A.K., de Chris Marker, sobre a filmagem de Ran.
Copyright 1985 StudioCanal Image (Paris)/Herald Ace Inc. - Nippon Herland Films Inc.
(Tokyo). All rights reserved. DVD 2005 The Criterion Collection. All rights reserved.0