Maria Lourdes Rocha - Franco Zampari
Maria Lourdes Rocha - Franco Zampari
Maria Lourdes Rocha - Franco Zampari
BACHARELADO EM TEATRO
FRANCO ZAMPARI
RIO DE JANEIRO
2016
FACULDADE CAL DE ARTE E CULTURA
BACHARELADO EM TEATRO
FRANCO ZAMPARI
RIO DE JANEIRO
2016
Este trabalho dedicado a minha me Dolores
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Me. lvaro Luis de S, pelo seu apoio, no espao afetivo e intelectual
da orientao, pelo dilogo rico e libertador, pela generosidade em compartilhar seus
conhecimentos, saberes, memrias, em todas as fases da pesquisa possibilitando a
concretizao deste trabalho. O meu sincero e absoluto agradecimento.
A Profa. Dra. Carolina Pucu, mestra insubstituvel e inestimvel amiga, pelo
carinho incondicional, pelo incentivo e sublime apoio, pela genialidade dos
ensinamentos que me permitiram ampliar as minhas reflexes e conhecimentos para
alm da sala de aula, e enfim, pela colaborao decisiva para a realizao deste trabalho.
Minha doce gratido.
A Mirela Gusmo, protagonista da minha restrita lista dos amigos fiis. S foi
possvel chegar ao fim deste trabalho com a sua ajuda. No h como avaliar quanto lhe
devo.
A Izan Rodrigues, pelo enorme carinho, pelas sugestes, pelos estmulos. Devo
infinita gratido.
A Faculdade Cal de Arte e Cultura, e a todos os meus professores, alm da
direo e a administrao, funcionrios, que realizam o trabalho com tanto amor e
dedicao. O meu agradecimento especial.
A todos, enfim, que ajudaram e incentivaram a realizao do trabalho. A vocs
o meu agradecimento carinhoso.
RESUMO
The object of this study is the importance of the unique figure of Franco Zampari and
the meaning of your business the Brazilian Comedy Theater - 1948-1964 within the
historical evolution of the modern theatrical spectacle.
We retrace this path traversing paths pioneered by Zampari the realization of a dream
called TBC, emphasizing important contributions this achievement to the contemporary
stage.
1. INTRODUO ........................................................................................................... 7
2. PRIMEIRO CAPTULO Franco Zampari criador de sonhos ............................... 9
2.1 Franco Zampari uma breve biografia ..................................................................... 9
2.2 A So Paulo dos Anos 20, 30 e 40 ........................................................................ 17
3. SEGUNDO CAPTULO TBC a sntese da modernidade teatral brasieira ......... 30
3.1 O Movimento teatral amador................................................................................. 30
3.2 A Reforma do Espao............................................................................................ 45
3.3 O Padro TBC de qualidade .................................................................................. 50
3.4 Os Encenadores Pedagogos ................................................................................... 55
3.5 Os atores contratados em sistema permanente ...................................................... 67
3.6 O repertrio filosfico social a formao da plateia .......................................... 70
3.7 A produo como um ciclo fechado .................................................................. 77
4. TERCEIRO CAPTULO TBC o castelo encantado .......................................... 81
4.1 -1948-1949: sob o signo do dinamismo; ............................................................... 81
4.2 -1949-1953: sob o signo do sucesso; ..................................................................... 87
4.3 -1953-1955: sob o signo das estrelas;.................................................................... 94
4.4 -1956-1960: sob o signo da crise;........................................................................ 102
4.5 -1960-1964: sob o signo da brasilidade;.............................................................. 108
5. CONCLUSO O legado do TBC para o teatro brasileiro .................................. 118
6. FONTES E REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS. ............................................ 121
7
1. INTRODUO
O estudo focaliza o processo de implantao do teatro moderno no momento
histrico em que surgiu o TBC. Objetivando explicitar a importncia de Franco Zampari
e o significado do seu legado, na propagao do referido processo.
Para tanto, abordaremos as caractersticas e os principais acontecimentos do
TBC, desde a sua fundao at a sua dissoluo em 1964.
Alm disso, avaliaremos amplamente o perfil de Franco Zampari, as bases de
sua poltica de empreendimento, discutindo e elucidando questes relativas a esta
poltica, e a relevncia de sua prtica na consolidao do modelo de teatro desenvolvido
pelo TBC e, igualmente, para a formao do teatro moderno.
oportuno observar a esse respeito que, segundo nos mostram os estudos, os
espetculos que configuram a cena moderna brasileira, so de um modo ou de outro,
herdeiros de uma linguagem que comeou a ser construda na dcada de 40 e foi
sistematizada pelo TBC.
Franco Zampari ponta de lana no processo de implantao dessa
linguagem. Visualizou que So Paulo propiciava um vasto campo para a atividade
artstica e criou uma companhia fundamentada numa programao que no se restringia
somente a pesquisas no campo cultural, mas tambm na rea de consumo, procurando,
entre outras coisas, considerar o teatro como uma mercadoria para o pblico
consumidor.
O propsito inicial da ideia era voltado para a conquista de um pblico formado
pelas classes onde o poder aquisitivo proporcionava acesso a informao. E para atra-lo
tornou-se ao indispensvel apresentar espetculos de alto nvel, contendo ingredientes
compatveis com o padro europeu e norte americano, cujas caractersticas de
modernidade incluam: plano da dramaturgia, concepo de espetculo, mtodos de
direo e atuao, administrao empresarial de elenco fixo e etc. Em suma, para que os
alicerces dessa organizao no fossem abalados, ocorreu a sistematizao do
denominado BOM ESPETCULO, introduzida pela criao de Franco Zampari,
gerando, assim, um grande aprendizado ao teatro moderno brasileiro. No primeiro
captulo, portanto, falaremos de Zampari atravs de uma breve biografia, e mostraremos
um pouco da So Paulo dos anos 20, 30 e 40. No segundo captulo falaremos do
movimento teatral amador, e traaremos um leve contorno em volta do quadro que
retrata as transformaes empreendidas pelo TBC, tais como: A reforma do espao; o
8
. Vera Cruz
Mas no foi s no teatro o trabalho incentivador de Franco Zampari,
no terreno das artes de representao. A 16 de dezembro de 1949, aps haver
11
quem se casaria quatro anos depois, como mostra o anncio do Correio Paulistano do
dia 06-8-1926:
CURIA METROPOLITANA
EXPEDIENTE DO DIA 5
Monsenhor Vigrio Geral assignou as seguintes provises:
De dispensa do proclamas, para Andr Dias e Dinorah Dias;
Benedicto Gabriel e Maria Antnia Ferrari; oratrio particular, para Franco
Zampari e Dbora Prado Marcondes. (Correio Paulistano, 1926, 5 edio
22643 (1).
Deu adeus sua cidade natal - (Addio mia bella Napoli non pi ti
rivred...), olhou com muita saudade o Teatro Fiorentini, o Teatro Sannazaro
e at o Teatro Mercadante, onde remoeu a sua paixo pelos segredos do palco,
meteu o canudo de Engenheiro na mala e com a mocidade em flor -
(Giovinezza, giovinezza primavera di bellezza...), emigrou para o Brasil.
Foi para So Paulo, onde h muitos italianos, onde ainda se fala pelas ruas o
dolce idioma gentile da pennsula consagrada. Veio para o Brasil, como
todos os imigrantes de todos os pases do mundo, para fazer a Amrica. E a
fez. Com o seu diploma, com o seu trabalho, com a sua capacidade de discernir
o futuro, com a sua boa estrela. Chegado ao pncaro da fortuna, Franco
Zampari voltou a pensar maneira antiga, a cultivar os velhos sonhos de Via
Toledo e de Retifillo. Lembrou-se de uma sua velha paixo: O teatro. E com
entusiasmo juvenil fundou em So Paulo o Teatro Brasileiro de Comdia.
(Revista de Teatro, 1966,10).
tecnicamente muito bem equipada, de dimenses bastante razoveis, com 365 lugares,
instalada num pequeno prdio alugado, situado na Rua Major Diogo, nmero 315, no
bairro da Bela Vista, antigo bairro do Bexiga. Ablio Pereira de Almeida, que integrava
o Grupo de Teatro Experimental, GTE, de Alfredo Mesquita, evoca o surgimento do
empreendimento artstico-cultural e a inteno dos patronos do TBC em dar suporte ao
teatro amador: Alugamos o prdio por quatro anos, o Ciccillo de fiador. 'O teatro dos
amadores' ele disse na ocasio da assinatura do contrato. 'Se der lucro, dos
amadores. Se der prejuzo, eu pago'. (MATTOS, 2002,51) Entretanto, de acordo com o
depoimento de Dbora Zampari foi principalmente Franco Zampari quem arcou com as
despesas:
Quando resolveu fundar o TBC, o Franco sabia o quanto aquilo iria lhe custar,
mas foi em frente. Nossos amigos quase todos muito ricos ajudaram, claro,
compraram quotas da sociedade, e os scios pagavam assinaturas para c ada dez
espetculos. Embora as bilheterias fossem geralmente muito boas, nem de longe
cobriam os altos custos das montagens e da manuteno do teatro, com aquela equipe
enorme de tcnicos, atores, diretores permanentes. Ento quem sustentava o TBC, quem
financiou tudo, durante anos a fio, foi o Franco. Pagava com gosto, mesmo sabendo que
no havia condies de retorno do dinheiro empregado, Pagava o preo do seu hobby,
caro, sem dvida, mas no fora das suas possibilidades. (Zampari,1980,151).
1 Sobre A Mulher de Braos Alados, ver Alberto Guzik, TBC: Crnica de um sonho, 1986, p. 3
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Esta parte do trabalho tem seu desenvolvimento apoiado em dados histricos extrados
do livro de David Jos Lessa Mattos. O Espetculo da Cultura Paulista Teatro e TV em So
Paulo: 1940 1950.. So Paulo:Cdex,2002
Site
BASSETO, Sylvia. Anais do XXI Encontro Estadual de Histria: Trabalho, Cultura e
Memria ANPUH SP. ISBN: 978-85-98711-09.6 edio: 1. 2012. Campinas. 03 a 06, set.
2012. Disponvel em: http:// www. Encontro 2012. s.p.anpuh.org/anaiscomplementares
E no artigo do peridico (On-line)
MATTOS, Izilda Maria Santos de. A cidade que mais cresce no mundo- So Paulo
territrio de Adoniran Barbosa. Artigo para revista eletrnica So Paulo em Perspectiva. Vol
15 n 3, So Paulo, july/sept 2001. Disponvel em:
<http:// www. Scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102.
E continua analisando:
Dentre esses importadores e empreendedores estrangeiros que logo
se tornaram pioneiros da indstria paulista, o mais bem-sucedido foi sem
dvida Francisco Matarazzo. Ele havia chegado ao rio de janeiro em 1881,
trazendo algum dinheiro e uma carga de toucinho que pretendia vender.
Percebendo o incremento dos negcios em So Paulo, o crescimento do
mercado consumidor e a grande movimentao de capitais em torno do
comercio exportador de caf, transferiu-se para a cidade de Sorocaba, onde, em
1882, abre uma pequena casa comercial ou uma venda, como se diz em
cidadezinha do interior. Pouco tempo depois, percebendo que o pas importava
banha de porco, lana-se na fabricao desse produto, instalando duas
pequenas fbricas na regio de Sorocaba e montando uma rede de fornecedores
de matria prima junto aos estabelecimentos rurais dos campos de Itapetininga.
Nesse perodo a atividade comercial o seu forte. Possuidor de uma tropa de
burros, transacionava pessoalmente com os produtores rurais, tudo comprando
19
seus grandes eventos sociais. Essas elites puderam dispor dele tal como se fosse algo
que lhes pertencesse, como aponta (MATTOS, 2002) em seu livro, num longo trecho
que encerra comentrios curiosos e importantes sobre a histria do Teatro Municipal:
E, prossegue:
Dentre os vrios espetculos teatrais amadores realizados pela alta
sociedade paulistana no Teatro Municipal, chama particularmente a ateno a
encenao da pea O Contratador de Diamantes, no ano de 1919. Este
espetculo reuniu, pela primeira vez, trs personagens que voltariam a
encontrar-se nos anos 40 e 50 e que, nessas dcadas, estiveram envolvidas em
importantes acontecimentos da vida artstica e cultural de So Paulo: Alfredo
Mesquita, Assis Chateaubriand e Yolanda Penteado. (...) sobrinha de Olivia
Guedes Penteado e filha de Juvenal Penteado, outro irmo de Antnio lvares
Penteado, Yolanda Penteado foi, no dizer do escritor e seu amigo Gilberto
Freyre, a paulista dos derradeiros esplendores do caf, (...) a ltima fidalga
paulista dos grandes dias do caf e, ao mesmo tempo, a brasileira de um no vo e
pioneiro e corajoso tipo de mulher bela e lcida. (...) Pela inteligncia, pelo
sex-appeal. Compreende-se que ilustres brasileiros mais velhos do que ela
tenham se apaixonado de modo to romntico(...), ainda quando (ela era),
menina moa. (Mattos, 2002, 129,130)
Por volta de 1920, a capital paulista possua cerca de 580.000 habitantes, dados
da poca revelam que quase dois teros do total desse nmero de pessoas era constitudo
de imigrantes ou descendentes de imigrantes estrangeiros com predominncia de
italianos. A maioria dos imigrantes ia trabalhar nas lavouras de caf. Porm, alguns
conseguiam estabelecer-se na cidade, principalmente aqueles que traziam consigo
algum tipo de ofcio, como o de pedreiro, grfico, vidraceiro, ou qualquer outro que
pudesse ser absorvido imediatamente, naquele meio social que comeava a adquirir
feies urbanas marcantes. A industrializao tem incio num processo aparentemente
simples, isto se d atravs da fabricao de produtos de baixo valor e pouco elaborados,
usando matrias-primas nacionais como o prprio caf, o acar, o couro e o algodo.
Os precursores deste processo de industrializao foram os imigrantes, tendo em vista
que muitos j haviam sido operrios e boa parte deles chegava ao Brasil com algum
dinheiro. Podemos destacar neste grupo de pioneiros Rodolfo Crespi, os irmos Jafet,
atuando no ramo de tecidos, os irmos Puglisi Carbone e a famlia Klabin, responsvel
pela fundao da primeira grande indstria de celulose do Brasil. Chama ateno o fato
de que, alm de serem imigrantes eles tinham outra coisa em comum: todos comearam
trabalhando com importaes antes de se aventurarem na produo. Os bairros da
Mooca, Brs, Santa Efignia, Consolao e S concentravam o maios nmero de
indstrias, sendo que o bairro do Bom Retiro situado na mesma regio tornou-se o
reduto dos operrios. Ali se deu em 1917, a primeira greve do pas, em consequncia da
greve a cidade parou por vrios dias forando, desse modo, os patres a decidirem
negociar. Na lista de reivindicaes dos grevistas constavam: melhores salrios, jornada
de oito horas e seis dias por semana, a proibio do trabalho para menores de 14 anos,
entre outros direitos. O smbolo do sucesso dos imigrantes na poca foi o edifcio
Martinelli, construdo entre 1922 e 1930. Localizado no centro de So Paulo, o prdio
se manteve por dez anos no patamar de mais alto da cidade, com 25 andares e 100
metros de altura. Construdo em concreto armado e sob condies adversas na poca,
considerando que havia um rio sob o prdio, a obra ganhou o status de proeza
arquitetnica.
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Brecheret, Plnio Salgado, Tcito de Almeida, Menotti Del Pichia, Srgio Milliet,
Heitor Villa-Lobos, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti.
ANOS 30 e 40
No incio dos anos 30, tudo aquilo que caracterizara de alguma forma
o esprito do movimento modernista nos anos 20 os anseios de
transformao, as constantes viagens Europa, a alegre e festiv a excitao que
punha por terra os cnones estticos estabelecidos, a nacionalidade
redescoberta pela experincia artstica, o entusiasmo de uma liberdade
intelectual e criativa que se exprimia na poesia, na literatura e nas artes
plsticas parece ter-se arrefecido aps a revoluo de 30 e, particularmente,
depois da Revoluo Constitucionalista de 32, o malogrado levante militar
paulista contra Getlio Vargas. Como escreveu Mrio de Andrade, tudo
estourava, poltica, famlias, casais de artistas, estticas, amizades profundas. O
sentido destrutivo e festeiro do movimento modernista j no tinha mais razo
de ser, cumprido o seu destino legtimo. Na rua, o povo amotinado gritava: -
Getlio! Getlio! ...Na sombra, Plnio Salgado pintava de verde a sua
megalomania de Esperado. No norte, atingindo de um salto as nuvens mais
desesperadas, outro avio abria as asas do terreno incerto da bagaceira. Outros
abriam eram as veias para manchar de encarnado as suas qu atro paredes de
segredo (Mattos, 2002,135, 136)
possvel afirmar que toda uma etapa de renovao do teatro brasileiro ser
impulsionada pelos grupos amadores de teatro a partir de 1938. At a referida data o
teatro brasileiro perseguia a sua raiz nacional baseado na comunicao direta existente
entre o ator e a plateia. A presena do grande ator, sob as luzes do palco, era a prtica
dominante na relao espetculo/pblico e se impunha sobremaneira a ideia de
conjunto. A linguagem do espetculo era codificada por meio das respostas emocionais
do pblico, extradas, principalmente, pelas habilidades histrinicas do ator. Nesse
contexto o humor era parte importante. As companhias se formavam em torno de um
ator principal, um grande nome cuja virtude cnica maior era o domnio do
improviso. Sobre este tema Maringela Alves de Lima em sua abordagem na Revista
Dionysos - TEATRO BRASILEIRO MODERNO UMA REFLEXO diz o
seguinte:
Pondera Ablio :
__ A pea no era no era grande coisa. Nem podia ser. Eu era
advogado. Nem de Direito eu entendia. Entendia de Advocacia [...] Mas eu era
intuitivo, tinha bom gosto e um grande esprito de observao, que alis tenho
at hoje. E uma certa prtica de teatro. A pea no era realmente grande coisa,
mas era oportuna, e o sucesso foi espetacular. Quando fechamos as cortinas, no
final do primeiro ato, j sentamos no ar a reao do pblico. E demos muitos
espetculos. O Municipal lotava at o galinheiro. Depois fomos para o Teatro
Boa Vista porque, naquela poca, So Paulo no tinha mesmo teatros . Eram
s o Municipal e o Boa Vista. (Almeida,1980,133)
Foi ali que, nesse mesmo ano (1942), Pussy Smallbones, filha do
cnsul ingls em So Paulo e diretora do grupo English Players sugeriu que
fundssemos nossos dois grupos (o nosso ainda no tinha nome) num s. que
a turminha dos nossos fiis, como diria Mme. Verdurin, que interpretara
minhas trs fantasias, criara gosto pela coisa mostrando-se ansiosa por
continuar a representar. Quanto ao grupo dos amadores ingleses, era, naquele
perodo, antes anglo-brasileiro, fazendo parte dele muitos elementos nacionais.
Topei a ideia de Pussy. Convoquei os membros de um e de o utro grupo, mais
alguns interessados pelo assunto. Organizaram-se reunies, noite, na sala de
ch da Jaragu. Debateu-se o assunto, elegeu-se a diretoria, definiram-se
diretrizes, elaborou-se um programa, deu-se nome ao movimento: Grupo de
Teatro Experimental, sugesto de Almeida Salles, eleito seu primeiro
presidente. (Mesquita, 1980, 35,36)
Observa Guzik:
[...] Nesse 1942, Alfredo ensaiava a pea de Musset e o conjunto
ingls preparava um texto de outro autor. Apresentaram as duas montagens
constituindo um nico espetculo no Cultura Artstica. Foi o tempo que durou
a juno dos dois grupos sob uma mesma sigla.
O GTE, agora s, iniciava sua trajetria mais significativa,
contando no elenco com muitos dos futuros profissionais do TBC.
Participavam dele Ablio Pereira de Almeida, Marina freire, Irene Bojano,
Nydia Lcia, Caio Caiubi, Maurcio barroso e Ruy Affonso, entre outros. E
deixando de lado a experincia discutvel de mostrar romnticos franceses na
lngua ptria deles, o GTE adota um programa que no se distancia muito dos
objetivos dOs comediantes no Rio. Esses, por sua vez, tinham encontrado um
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precederam a criao do GTE e exercia a crtica desde 1941, na revista Clima. Atribui a
Alfredo Mesquita a ideia da fundao de uma revista. Sobre isso, e a criao do Grupo
Universitrio de Teatro, podemos encontrar mais detalhes no texto a seguir:
Comenta Rabetti:
Gustavo Dria num relato a Revista Dionysos, afirma que em 1947 vai surgir em
So Paulo mais um grupo amadorstico de semelhante importncia ao GTE, e que tem
sua frente a figura de Madalena Nicol, segundo suas palavras, um dos mais belos
42
Cabe ainda uma referncia ao teatrinho que Lotte Sievers mantinha em sua
chcara, prximo de So Paulo, e onde, vez por outra, surgia um espetculo com a
audincia deamigos, jornalistas, etc. (Dria, 1980, 189)
livro Moderno Teatro Brasileiro, Gustavo Dria expressa de modo bastante sucinto o
objetivo de todos quantos trabalharam pela renovao teatral dos anos 40. Ele diz:
pra no dizer trgicos para ns [...] no Brasil, a ditadura Vargas, animada pelas vitrias
dos seus congneres europeus, apertando os parafusos do seu totalitarismo indgena...
Tudo isso no deixava tempo nem nimo para que se pensasse em teatro em So Paulo
(p.35). Conforme Mesquita, os amadores paulistas quela altura j no tinham apoio
financeiro algum, nem oficial nem particular, vivendo sempre na misria, para dizer as
coisas como elas so, com meios modestssimos angariados entre seus prprios
membros e, nos melhores momentos com os parcos lucros dos seus espetculos. (p. 38).
As peas que encenavam no eram comprometidas com as questes polticas e sociais
contemporneas e, por essa razo, no eram alvo de preocupao do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP). De acordo com Guzik (1986), o desconhecimento ou a
falta de vontade de apresentar autores mais socialmente orientados como os americanos
Elmer Rice ou Clifford Odett [...], permite entender melhor o porqu de no terem sido
incomodados pela censura do famigerado DIP
GUZIK pontua:
garrafas e poucos fregueses, uma entrada sombria para uma vila que se
dissolve num mistrio noturno...A gente simples, nos passeios, pra curiosa,
olhando o casaro renovado que jorra tanta luz. O que ser aquilo? Por
enquanto, nenhum anncio-luminoso, nenhuma taboleta, nenhum cartaz
explica coisa alguma. Entretanto, amanh..., amanh, no nmero 315 da rua
Major Diogo ser inaugurado o Teatro Brasileiro de Comdia (...), o teatro
pequeno e ntimo que So Paulo queria, pedia para ter onde dizer suas discretas
emoes. Na feia ostra urbana do Bexiga incrustada no casco velho da cidade
renovada agora essa jia se acende. Est certo. No nesses cncavos
obscuros que se criam as prolas? ... (Guilherme de Almeida, 315, rua Major
Diogo uma quase reportagem, Dirio de So Paulo, 10/10/1948. Citado por
Jos Lessa Mattos em: A inaugurao do Teatro Brasileiro de Comdia,
primeiro captulo do livro O Espetculo da Cultura Paulista, Teatro e TV em
So Paulo, 2002,43).
O TBC abria suas portas ao pblico - dos mais refinados diga-se de passagem -,
em 11 de outubro de 1948, e segundo dados da poca a sua inaugurao foi certamente
um acontecimento de gala na vida social e cultural da cidade. O evento foi prestigiado
por parte importante da alta sociedade de So Paulo, com suas mulheres que
47
Aponta, Guzik:
possvel afirmar que o TBC tornou-se clebre pelo grande estilo das
produes e, constituiu-se num padro. Entretanto, para imprimir essa marca
trabalhavam nos moldes rgidos de uma indstria, como observa Guzik em seu
comentrio :
... e, Nydia Lcia fala de sua vida teatral intensa no elenco do Teatro Brasileiro
de Comedia. Vale a pena?
melhores teatros e mais ricos cenrios. Mas a essncia do teatro, que ser uma
arte vital, uma expresso da vida e da sociedade (e no uma sua parte ntima),
fica prejudicada. O gr-finismo leva imediatamente para a fuga dos problemas
e s grandes verdades, sempre incmodas. A cena se desvirtua
irremediavelmente em refgio de pirotecnias inofensivas, em deleitosas
masturbaes para uso de sibaritas. E enquanto isso a verdade do teatro, as suas
lutas imensas, a sua busca em direo ao povo, a sua natural funo de
exprimir-lhe as tendncias e aspiraes, desaparecem num fru-fru de tafets e
num espoucar de champanha.
[...] Em vrias naes verdadeiramente civilizadas, onde j se
fizeram ouvir as vozes da justia social, o teatro desfruta de situao totalmente
digna e ntegra. No funciona como sucursal de divertimentos, como intervalo
entre boites e cassinos. Fala ao povo com a autoridade de uma expresso
superior da inteligncia e do corao do homem. No rasteja, no bajula. Diz o
que tem a dizer. (Miroel, 1980,192,193)
...
.BRAVOS!
princpio por meio de Ziembinski e depois dos vrios diretores italianos. E tambm a
implantao do Teatro de Equipe. Mas para assegurar o xito artstico dessa frmula,
torna-se importante a presena efetiva de um encenador capaz de conduzir o grupo.
Assim, para ocupar esta posio Zampari contrata inicialmente Adolfo Celi e, ao longo
do caminho, outros diretores viro juntar-se ao primeiro: Luciano Salce, Flamnio
Bollini, Cerri, Ruggero Jaccobi, Ziembinski, Gianni Ratto e Alberto DAversa.
A pea Nick Bar, lcool, brinquedos e ambies cuja traduo coube a Gustavo
Nonnemberg e os cenrios a Aldo Calvo, tem sua importncia reconhecida por se
constituir na primeira nova fase profissional do TBC, com elenco comandado por Celi
tem incio na casa da Major Diogo um perodo que se caracteriza pela transmisso de
conhecimentos tcnicos. Cleyde Yconis que integraria o elenco em 1950, depois de
trabalhar por algum tempo no guarda-roupa, comenta:
O TBC nos ensinou exatamente tudo, com raras excees, gente que
j sabia ler um texto, representar... O que eles me ensinaram foi descobrir o
ponto de equilbrio da minha coluna pra eu andar... Eles eram meninos, que
vieram aprender aqui, junto com a gente. Eles sabiam um pouco mais... fizeram
o conservatrio de teatro em Roma. (Yconis,1980,28).
Sobe a cena o texto de Luigi Pirandello, Assim ... (Se Lhe Parece), direo de
Adolfo Celi, a pea tem como protagonistas Waldemar Wey como Laudisi, Paulo
57
Autran e Cleyde Yconis nos papis do Sr. Ponza e da Sra. Frola. Conta Cleyde
Yconis:
Eu tinha trs anos de teatro e fui fazer a Sra. Frola. Eu j devia ter, sei
l, meus vinte e seis, vinte e oito anos... E fui fazer uma velha de setenta,
oitenta anos... O Celi marcou ensaios comigo de manh e disse: Cleide, no
tem andar de velho, no tem voz de velho, no tem nada. Existe velho. Claro
que hoje pode haver at uma velha de sessenta anos qu e corra cem quilmetros,
[mas no se trata disso] ... seno o texto diria. Ento, essa velha uma velha.
Pela primeira vez, em 1953, eu recorri memria emotiva, porque ele disse:
Pr te facilitar vamos lembrar de velhos. Eu me lembrei da minha av.
Comeamos a juntar vrios elementos da minha av, que me eram muito mais
vivos e presentes. E ele fazia exerccios comigo para ver quais elementos de
velho eu dava: atravessar a rua, quase ser atropelada, ver cachorro, ver criana,
ver vitrina, rezar, ir na igreja, e ns fomos selecionando. ... Isso em 1953,
portanto h vinte dois anos atrs. Memria emotiva, exerccios, laboratrios,
sem usar essas palavras. (Yconis,1986,93)
Na medida em que o ator era guiado pela direo rumo aos resultados que esta
pretendia atingir - em grande ou pequena escala - o intrprete tornava-se um
instrumento nas mos do responsvel pela assinatura do espetculo, este, determinava
sua postura, inflexes de voz, modo de andar, etc. Porm, isso no era aplicado de
maneira impositiva; era antes uma induo, como deixa claro GUZIK (1986,59) ao citar
o registro de Ruy Affonso, sobre sua atuao na primeira montagem de Arsnico e
Alfazema: sem dvida a Celi que devo a possibilidade de ter chegado a um resultado
satisfatrio... Nosso diretor tem um grande respeito pela personalidade dos seus artistas.
Ele apenas prepara o terreno para que o prprio ator faa surgir a sua personagem, sem
interferir despoticamente na nossa criao; ns mesmos que vamos pouco a pouco
esboando e dando vida aos nossos papeis. (Ruy Affonso, Programa de Arsnico e
Alfazema, 1949. Citado por Guzik em 1949-1953: sob o signo do sucesso, no livro
TBC: crnica de um sonho,1986, 59)
vlido ressaltar que se a interveno de Celi no trabalho no se dava de modo
opressivo, nem por isso deixava de se fazer sentir de modo intenso. E Cleyde Yconis
evidencia um pouco mais: Celi... principalmente nos fazia pensar. Pensar. Pensar.
Tinha uma anlise de texto de cada vrgula. Destrinchar, aprofundar o texto com o Celi,
e ouvir. (Cleyde,1980, 60).
Em novembro de 1949, o TBC contrata o ator Srgio Cardoso e o diretor
Ruggero Jacobbi. O primeiro, depois de uma experincia considerada no muito feliz
com o Teatro dos Doze, estreia sob sua responsabilidade O mentiroso, de Goldoni,
dirigido pelo segundo e, sendo por muitos considerado um dos mais perfeitos
espetculos do TBC. A respeito da chegada de Jacobbi nos conta Guzik:
possvel afirmar que nenhum dos astros consagrados da casa toma parte na
encenao do texto de Salacrou: Xand Batista (Ulisses) Eny Autran (Yolanda), tali
Rossi (Nicolas) Wanda Hammel (Mme. Venot), Din Mezzomo (Madalena), Monah
delacy (A Desconhecida), Francisco Arisa (o diretor/ o mendigo), Felipe Wagner (o
pai), Josef Guerreiro (o av), Rubens costa (Max 20), Walmor Chagas (Max 37), Lea
Camargo (Nieta), Alberto Maduar (o garon). De acordo com GUZIK Jacobbi depois
da montagem dessa obra, no volta mais a atuar no conjunto de Zampari. (Guzik,
1986, 89).
Em 4 de julho de 1950 acontece a estreia de A Importncia de Ser Prudente, de
Oscar Wilde, o espetculo dirigido por Luciano Salce, recm contratado pelo TBC e,
como seus conterrneos Adolfo Celi e Rugerro Jacobbi, ele tambm formado na
62
O primeiro:
O ANJO DE PEDRA, de Tennessee Williams, um espetculo
que marcar poca nos anais da histria do Teatro Brasileiro de Comdia.
(Pereira,1980,80)
torna ascender a grandes alturas, soltando as amarras que nos prendem terra. E o anjo
de Salce no permite que em suas mos o teatro rasteje (Silveira, 1986, 45)
muito crtico, muito irnico, tinha um humor s vezes meio amargo, mas p ra
comdia era fantstico o Salce. Ele fazia com que a gente descobrisse coisas
que a gente nem estava a fim de observar. Celi era um diretor estranho. Ele
falava um pouco por metforas. Era difcil eu entend-lo. Ele mandava a gente
fazer e corrigia as arestas. Ele dava as dicas, mas voc tinha que desenvolver.
No havia muita ajuda no. Agora, eles tinham uma linha dentro da cabea
deles, e a gente tinha que seguir aquela linha. Dentro de toda a liberdade que se
dava pra voc achar seu personagem, eles, dentro da cabea deles, tinham um
esquema feito e perfeito, No podia fugir quele esquema idealizado por eles.
Uma disciplina frrea, para todos, obedincia ao horrio e, quanto ao resto,
ramos assim uma grande famlia. A gente se dava muito bem, a gente se
ajudava muito um ao outro... Acho que est tudo a, acho que j falei de t odos.
(Henreid, 1980, 156, 157).
A respeito de Bollini, Cleyde Yconis inicia sua fala considerando que foi o
mais criana. O mais jovem, e, eu acho, o mais inexperiente dos trs. Rememora:
Chama ateno uma informao de Cleyde Yconis sobre Bollini como diretor:
A pea onde... sofri muito ... foi. Dilogo de Surdos, onde, tambm
com Bollini, tive uma inibio terrvel. Ele marcava ensaios de manh, comigo
... [foi h] vinte e trs anos atrs, quando ele marcou comigo, de manh e me
deu esse livrinho... Esse livro maravilhoso. Expresso Corporal, de um
autor francs. Ele [o diretor] dizia: Afine o seu instrumento. Em 1952, a
primeira vez que eu comecei a fazer exerccios. Foi a primeira vez que eu
descobri que existia isso. Quem me revelou foi o Sr. Flamnio Bollini, o Faa
Ver do teatro brasileiro. (Yconis, 1986, 68)
E Guzik, assina:
[...] As condies tcnicas oferecidas pelo TBC possibilitaram a
afirmao de um sem-nmero de talentos. Cacilda Becker, Cleyde Yconis,
Tnia Carrero, Fernanda Montenegro, Tereza Rachel e Nathlia Timberg,
numa enumerao muito restrita, como primeiras atrizes. Srgio Cardoso,
Paulo Autran Leonardo Vilar, talo Rossi, Walmor Chagas e Juca de Oliveira,
numa lista igualmente apressada, como primeiros atores. timas equipes de
intrpretes, alm dos mencionados, passaram pelo palco da Major Diogo e de
l saram para contribuir decisivamente na formao do novo perfil do teatro
brasileiro. E houve tempo para que os valores nacionais amadurecessem
adequadamente. (Guzik,1986,222)
compreender o prprio teatro paulista: foi sombra dele que crescemos e nos formamos
todos, atores, crticos ou espectadores. (Paschoal, 1980,148). E Guzik acrescenta:
maior destaque da melhor companhia do pas, sendo sua opinio das poucas do
elenco que tinha peso junto a diretoria. O triunfo que consegue com O Anjo de
Pedra como que consolida a base de uma das reputaes mais formidveis e
inabaladas do teatro brasileiro moderno. (Guzik, 1986, 44)
Isto pode ser confirmado atravs das atuaes memorveis de Cacilda Becker
nos espetculos realizados no TBC, entre os quais, destaca-se Pega-Fogo, de Jules
Renard, nele Ziembinski recebe elogios tanto pela direo quanto pela criao do Sr.
Lepic, Todavia o triunfo do espetculo cabe a Cacilda Becker; sua leitura da
personagem do menino rapidamente ganhou imensa notoriedade, fato que leva a
incluso de Pega Fogo no repertrio regular da companhia:
particular se considerarmos a opo que ela implica como reveladora de uma faceta dos
desgnios dos produtores no tratamento da escolha do repertrio a ser levado ao palco.
John Gay X Oscar Wild. Saem de cena as prostitutas e os gngsteres para dar lugar aos
cavalheiros e damas da sociedade londrina. Quanto ao diretor Luciano Salce, apenas na
produo seguinte que teria mesmo chance de mostrar a amplitude de sua
sensibilidade. E o sucesso de Salce foi superlativo! Como aponta a nota de Guzik:
Que acabou sendo usado de forma indevida na Major Diogo no resta dvida.
Mas isso no invalida o princpio geral. (Guzik,1986,223)
E segue adiante:
[...] O ecletismo de repertrio forneceu cho para que se colocasse
em cena muita bobagem, muita pea de segunda classe. Mas possibilitou a
apresentao de autores internacionais importantes, ampliando as dimenses do
debate esttico.
Goldoni, Sartre, John Gay, Oscar Wild, Pirandello, Tennessee
Williams, Gorki, Dumas Filho, Sfocles, Hochwlder, Gonalves Dias, G. B.
Shaw, Ben Jonson/Stefan Zweig, Schiller, Arthur Miller e Strindberg formam
uma ilustre confraria, qual se acrescentam os nomes de Dias Gomes, Jorge
Andrade, Gianfrancesco Guarnieri e Garcia Lorca. Ao lado dessa constelao
se acrescentam nomes nada desprezveis; William Saroyan, Jules Renard,
Jacinto Benavente, Jean Anouilh, Noel Coward, Ugo Beti, Giuseppe Patronni-
Griffi, Millr Fernandes, Ablio Pereira de Almeida e Marcel Achard. E vem
por fim a lista de fornecedores menos substanciosos: Alfred Savoir, John
Patrick, Marc-Gilbert Sauvajon, Paul Vanderberg, Kaufman e Hart, Joseph
Kesselring, Mary chase, Barrillet e Gred, Sardou, Roussin, Jan de Hartog,
Verneuil Frederick Knot, Birabeau, Lindsay e Crouse, Peter Ustnov e Herlihy e
Noble. A simples enumerao desses escritores dimensiona a margem de ao
aberta pelo TBC. O teatro brasileiro sistematicamente alimentado por uma
dramaturgia de pouca expresso foi sacudido por essa produo. Que a
renovao tenha sido feita a frceps, isso se deve a um panorama esttico e
resistente transformao. (Guzik,1986,224)
Enquanto Miroel Silveira que sempre foi uma voz dissonante no coro daqueles
que, durante algum tempo louvaram sem restries - o valor inestimvel do TBC no
panorama teatral brasileiro, em entrevista Dionysos, ratifica as razes que o levaram a
adotar uma viso bastante ctica em relao ao trabalho desenvolvido pelo grupo teatral
ao longo do perodo de sua existncia. Diz, Miroel no trecho de sua entrevista:
A obra Huis Clos, de Sartre traduzida por Guilherme de Almeida como Entre
quatro paredes, estreia em janeiro 1950 com certo alarde, suscitando polmica e
rebolio na cidade. Segundo Sbato Magaldi (1980,45) a gritaria geral, isso deve-se
ao fato de serem o existencialismo e, os dilogos sartrianos inconvenientes ao Partido
Comunista e a Cria Metropolitana, esta, por meio de uma nota, probe os catlicos de
assistirem pea sobre pena de cometerem pecado grave, a censura se pe em ao e o
probe, a liberao s acontece depois de representaes especiais para as autoridades.
De acordo com Maria Lcia Pereira (1980,78) Tambm os atores, para que o
espetculo seja liberado, tm que obter a autorizao expressa de seus padres
confessores. Porm todos os esforos so coroados com estupendo sucesso, um pblico
estimado em dezesseis mil pessoas assistem aos sessenta e sete espetculos
apresentados. A direo assinada por Adolfo Celi, o cenrio por Bassano Vaccarini e
pelo estreante Carlos Giacchieri, os figurinos so de Aldo Calvo. Ruy Affonso faz a
assistncia de direo, o elenco composto por Carlos Vergueiro no papel do criado,
Srgio Cardoso como Garcin, Cacilda Becker como Ins, e Nydia Licia como Stelle em
sua primeira apario no TBC profissionalizado.
Apesar do alvoroo ao redor de Entre quatro paredes, o espetculo no parece
corresponder inteiramente expectativa formada, como aponta Maria Lcia Pereira
citando na revista Dionysos (1980,74) Dcio de Almeida Prado:
(...) a interpretao (...) de Adolfo Celi (...) cria uma viso do inferno
menos original que a de Sartre, com gemidos e imprecaes, e no assinala
com tanta nitidez o crescendo da ao dramtica: o inferno e a psicologia das
personagens nos so dado inicialmente, no sendo atingidos por revelaes e
75
Registra ANHEMBI:
(...) Flamnio Bollini s merece elogios. Mau grado a sua pouca
idade, Bollini apresentou como um diretor firme, minucioso, imaginoso, senhor
de uma tcnica segura e grande conhecedor de palco. (ANHEMBI n 12 v.
IV nov. 1951. Citado por Maria lcia Pereira, em Antecedentes e Histria
Cotidiana do TBC, Revista Dionysos, 25, 1980,84)
apenas pelos prprios funcionrios do teatro. Era uma equipe annima que, dentro da
maior exatido, alimentava o palco, no deixando nunca o espetculo parar. Tudo o
podia ou devia ser usado na montagem de uma pea era feito dentro de seus prprios
limites, com recursos que poucos teatros brasileiros possuam. Podemos observar sobre
essa questo que por trs de todas as realizaes do Teatro brasileiro de comdia,
existia o suporte absoluto de uma equipe tcnica formada por ilustres desconhecidos
que funcionava com a preciso de uma mquina para colocar em cena os mais variados
tipos de espetculos em grande estilo. Em seu texto, Serroni faz um relato minucioso
sobre a organizao quase completa do TBC:
Um pouco mais dessa histria, relatada em dois tempos, por Alberto Guzik:
Agora uma breve pausa na histria que est sendo contada acima, para que
Guzik aponte o panorama teatral no momento em que essa histria acontece:
Ronda foi vista por quase seis mil pessoas, obtendo uma mdia de 294 espectadores por
sesso. a maior que o teatro obtivera at ento. O que se deu, sem dvida, foi a
primeira tomada de posio poltica dos diretores da casa. A Ronda e,
consequentemente Jacobbi, foram afastados do TBC por motivos ideolgicos.
(Guzik,1986,40).
Com a retirada de cena de A Ronda dos Malandros, Ziembinski ento
convidado, com seu grupo carioca, a ocupar o tetro. Ele chega casa da Major Diogo
trazendo trs peas de seu repertrio. Iniciando com a apresentao de Adolescncia, de
Paul Vanderberg, sob sua direo, tradutores R. Magalhes Jr. e Renato Alvim, a
cenografia de Carlos Giacchieri, no elenco Nely Rodrigues como Susana, Joseph
Guerreiro Bob, e Ziembinski faz o papel de Mauricio. O segundo espetculo Assim
Falou Freud, de Anton Cwojdinski, igualmente sob a sua direo, e cenografia de
Bassano Vaccarini, atuam na montagem Ziembinki e Nely Rodrigues. A terceira
montgem O Cavaleiro da Lua, de Marcel Achard, tem tambm direo e interpretao
de Ziembinski. O Cenrio leva a assinatura de Carlos Giacchieri, o elenco composto
por Joseph Guerreiro, Nely Rodrigues, alm dos atores do elenco estvel: Mauricio
Barroso e Clia Biar. Aps essa montagem, Ziembinski efetivamente contratado como
diretor e ator.
4 de Julho estreia A Importncia de Ser Prudente, de Oscar Wilde, a primeira
direo do recm-contratado Luciano Salce. Como Celi e Jacobbi ele tambm vem da
Academia de arte dramtica de Roma. A produo subsequente do teatro estreia em 16
de agosto e novamente traz Luciano Salce frente da direo do espetculo. O Anjo de
Pedra. Ttulo brasileiro dado a Summer and Smoke, de Tennessee Williams. Segundo
Maria Lcia Pereira: O Anjo de Pedra, de Tennessee Williams, um espetculo que
marcar poca nos anais da histria do Teatro brasileiro de Comdia. E Quando mais
tarde se falar desse espetculo, alm dos intrpretes, quatro nomes sero sempre
lembrados: Luciano Salce, Aldo calvo, Bassano vaccarini e Enrico Simonetti.
(Programa de O ANJO DE PEDRA, citado por Maria lucia Pereira na revista dionysos
n 25,80).
Segundo GUZIK: Ao longo de todo ano de 1950 os programas da casa trazem
anncios das atividades da Vera cruz, alardeando orgulhosamente o empenho que se
colocou em sua organizao, seus projetos ambiciosos, suas primeiras realizaes.
Trombeteia-se a proximidade do lanamento de Caiara e a adaptao de Paiol velho,
drama de Ablio Pereira de almeida. (Guzik,1986,46).
90
Guzik pondera:
Com a Vera Cruz exibindo suas primeiras produes, o TBC
realizando outras dezesseis montagens em um ano, com bom afluxo de pblico
e quase unanimidade de elogios e estmulos por parte da imprensa
especializada, ao fim de 1950 Zampari deve sentir-se vitorioso. O empresrio
alterou por inteiro sua vida, passando a administrar seu teatro, e fazendo-o
como se este fosse uma indstria; at agora triunfa. O TBC chega ao fim do
ano mais articulado como empresa e companhia. O episdio da Ronda dos
Malandros estabelece uma fronteira poltica. O sucesso de O Anjo de Pedra
atinge uma fronteira artstica. A rotina foi mantida pelos Sauvajon e Kaufman
& Hart da vida. O alardeado desempenho cultural da companhia busca uma
acomodao difcil com as necessidades da bilheteria. Mas a favor de Zampari,
deve-se ponderar que ele no cogita de abandonar a ambio cultural; aspira a
encontrar um ponto de equilbrio. O quadro tcnico da casa foi ampliado, assim
como o elenco, afinado instrumento de primeira grandeza. Os espetculos
apresentados no palco da Major Diogo passam a ter a reputao de timo
acabamento. Seja qual for o gnero ou a direo da montagem, o capricho e
esmero da produo se tornam marca registrada, a primeira, talvez, ostentada
pela casa. (Guzik, 1986,49)
de Aldo Calvo, o elenco composto por vinte e nove atores, Cacilda Becker e Srgio
Cardoso dividem a cena como protagonistas. Paulo Autran, que no participara do
incio da fase profissional do TBC, retorna casa nesta encenao que, repercute como
a volta ao teatro artstico, e representa para o TBC um gerador de prestgio cultural.
O espetculo seguinte estreia em 2 de maio Convite ao Baile, de Jean Anouilh, a
traduo de Gilda de Mello e Souza e a direo de Luciano Salce, cenografia de
Bassano Vacarinni, Figurinos de Carlos Thir e Nomia Mouro, Leonardo Vilar na
execuo dos trajes femininos, e A. Soares de Oliveira na execuo dos trajes
masculinos, Victor Merinov na maquiagem e perucas, Ernest Viebig na msica,
constando em cena uma Orquestra de Cmara do TBC, com Horcio Mendes Barbosa
como primeiro violino e A.P. Gobbi como clarinetista. No elenco, Srgio Cardoso,
Elizabeth Henreid, Maria Lcia, Eugnio kusnet, Cleyde Yconis, Ruy Affonso, Clia
Biar, Rachel Moacyr, Waldemar Wey, Nydia Lcia e Ziembinski. Quanto ao resultado
da montagem, apesar da produo requintada, esta, no bem recebida pela crtica.
Em junho entra em cartaz O Grilo na Lareira, adaptao de um conto de Charles
Dickens feita por Ziembinski e Brutus Pedreira. Alm da adaptao Ziembinski se
encarrega da direo, de uma das personagens e da iluminao. O Grilo representado
quarenta e trs vezes, e no obtm xito, substitudo por uma remontagem de Arsnico
e Alfazema, com Marina Freire no papel interpretado por Madalena Nicol na verso
anterior, e um garantido sucesso da bilheteria.
O prximo espetculo sobe a cena em 5 de agosto, Ral, de Mximo Gorki.
Ele marca a primeira direo de Flamnio Bollini Cerri, o quarto diretor italiano do
TBC, que vem de um estgio no Actors Stdios. Desta montagem participa Maria
Della Costa enquanto seu teatro est sendo construdo em sua nica atuao no
palco da Major Diogo. Chama ateno o comentrio de GUZIK: No incio de janeiro,
entretanto, colocada no palco aquela que vir a ser uma das mais importantes
montagens da companhia. Outra vez renem-se a grandeza de aspiraes, uma direo
ousada, um elenco brilhante e uma obra-prima da dramaturgia. (Guzik,1986,58). Ral
tem a traduo assinada por Eugenio Kusnet e Brutus Pedreira, cenografia e figurinos de
Tlio Costa, e um elenco com a participao de vinte e dois atores.
31 de outubro estreia Harvey, comdia de Mary Chase, montada para celebrar os
vinte e cinco anos de carreira de Ziembinski.
A ltima montagem do ano, entra em cartaz a 6 de novembro. A Dama das
Camlias, o clssico drama realista de Alexandre Dumas Filho, realizada no Teatro
92
texto nacional, Para Onde a Terra Cresce, de Edgard da Rocha Miranda. Adolfo Celi
assina a direo e Bassano Vacarinni o cengrafo. A encenao fracassa,
permanecendo apenas duas semanas em cartaz, atraindo pouco mais de dois mil e
trezentos espectadores.
Ante ao fracasso de Para Onde a Terra Cresce voltam cena em 8 de abril A
Dama das Camlias e em 30 de abril O Mentiroso, com algumas alteraes no elenco. 6
de junho sobe cena Inimigos ntimos, de Pieere Barillet e Jean-Pierre Grdy, dirigida
por Luciano Salce, traduzida por Renato Alvim e Mrio Silva, a encenao apresenta ao
pblico brasileiro um novo cengrafo italiano Mauro Francini, figurinos de Rina
Fogliotti. No elenco esto Cacilda Becker, Mauricio Barroso, Srgio Cardoso, Clia
Biar, Ruy Affonso e Elizabeth Henreid. A montagem obtm um xito espetacular.
A grande produo do teatro para o ano de 1952 sobe ao palco em 21 de agosto.
Antgone, autores: Sfocles e Anouilh. Apresentao de um mesmo espetculo reunindo
as duas peas. Tradutores: Guilherme de Almeida (Sfocles) e Bandeira Duarte
(Anouilh), A direo de Adolfo Celi. Antgone de Sfocles, cenrios de Bassano
Vacarinni, Figurinos de Rina Fogliotti e Bassano vacarinni, o autor das mscaras
Darcy Penteado. Antgone de Anouilh, cengrafo e figurinista, Aldo Calvo. Os mesmos
atores se incumbem das personagens nas duas peas. Na fala de GUZIK ele diz: O
espetculo que reuniu as duas peas se constituiu num tremendo xito para o TBC. Foi
tal a sua repercusso que instigou o surgimento do prmio Saci, conseguindo venc-lo
em trs categorias. Adolfo Celi foi laureado como melhor diretor, Cacilda, como melhor
atriz e Paulo Autran, como melhor ator. Curiosamente o pblico se encanta pelo longo
espetculo. (Guzik, 1986,73)
No ltimo espetculo de 1952 volta a ser aplicada a frmula da Comdia
digestiva sucedendo a um texto consagrado. Em 31 de outubro estreia V com Deus, de
Murray e Boretz, com direo de Flamnio Bolinni Cerri. Vale destacar que nesta
montagem Antunes Filho entra para o TBC como assistente de direo por indicao de
Dcio de Almeida Prado, depois de ter visto um trabalho seu num festival de teatro
amador.
Guzik, expressa:
Ao encerrar-se 1952 fecha-se tambm, mais uma fase na ainda curta
existncia do TBC. Nada se percebe no teatro mas, escondida nos bastidores de
seu grupo diretor, j est inteiramente armada a grande crise que se abater
sobre a Vera Cruz em meados de 1953, alterando definitivamente tambm o
futuro do TBC. No entanto, ainda no isso que caracteriza uma mudana na
94
Conforme foi visto no trecho que finaliza o tpico anterior O TBC termina 1952
endividado. Alm disso, desfalcado de valores, mas ainda altivo. Isto, porm, no
aconteceu com as outras companhias de teatro existentes em So Paulo. Certamente no
foi um ano considerado dos melhores para o conjunto da Major Diogo, entretanto, para
os demais grupos que atuavam na cidade, foi, definitivamente, dos piores. As outras
companhias profissionais desapareceram na paisagem, como afirma GUZIK: Armando
Couto, Graa Melo, Madalena Nicol, Nicette Bruno.... anota a revista Anhembi. O
mesmo peridico constata um pouco adiante que Somente o TBC continua. O TBC e a
crise. Os primeiros reparos sobre a questo da nacionalidade no empreendimento de
Zampari, que sero to fortes mais tarde, j se fazem ouvir: sinal disso uma
observao de Dcio de Almeida Prado no seu balano do ano. (Guzik, 1986,79).
Ele diz:
O xito artstico do TBC, sem dvida o maior do pas, , em grande
parte, um xito de origem e fundo europeu. Quanto mais os diretores forem
se integrando na nossa terra, deitando razes, recebendo e exercendo
influncias, formando discpulos, estabelecendo numa espcie de simbiose
com o meio, mais se estar a caminho da soluo de um tal problema, ou
seja, o abrasileiramento do nosso teatro (Prado,1986,79)
95
levada no Teatro das Segundas-Feiras, numa produo modesta bancada pelos atores
Armando Couto e Lucy Veloso, no pertencentes ao elenco permanente do TBC. A
direo de Adolfo Celi, os cenrios so de Mauro Francini e executados por
Arquimedes Ribeiro. Os figurinos so assinados por Rina Fogliotti, a maquiagem fica
ao encargo de Tymoszczenko, e a iluminao por Conrado Fortuna. No elenco a dupla
de atores Armando Couto e Lucy Veloso. A encenao no um xito; d quarenta e
duas representaes e e vista por aproximadamente oito mil espectadores.
Em 26 de julho sobe cena Treze Mesa, outra comdia de Sauvajon, numa
espordica direo de Rugerro Jacobbi pra o TBC. Aps o incio de Treze Mesa,
Jacobbi pe em cena no Teatro das Segundas-Feiras, um novo grupo, com o ttulo de
Teatro de Vanguarda. O projeto se organiza em torno da ideia que visa montagem de
textos de valor reconhecido. Assim em 1 de agosto sobe cena A desconhecida de
Arras, de Armand Salacrou. O acontecimento, porm, limita-se a este primeiro
espetculo, que se apresenta nos dias 7, 14 e 21 de agosto e 28 de setembro.
A estreia de 16 de setembro obtm um sucesso de crtica e de pblico, Assim ...
(Se Lhe Parece), de Pirandello. Em setenta e uma sesses, mais de dezoito mil
espectadores assistem ao texto de Pirandello, configurando sucesso absoluto, que recebe
trs prmios Governador do Estado: Melhor Diretor (Celi), melhor ator (Paulo Autran) e
melhor ator coadjuvante (Waldemar Wey).
Enquanto assim ... segue em cartaz, em outubro a crise da Vera cruz chega ao
conhecimento do pblico, pois a companhia forada a interromper todas as suas
atividades. Guzik, comenta:
Foi a pea escolhida para a estreia de Tnia [no TBC]. ramos trs
atores e um figurante Tnia Carrero, Mauricio Barroso e eu que fazamos o
espetculo. Cacilda estava fazendo um filme em Campos do Jordo, Floradas
na Serra, e havia necessidade de botar um grande nome [em cartaz], Tnia j
havia conseguido esse grande nome, no s na companhia dela, como tambm
no cinema, com os filmes que fez para a Vera cruz. Nossa pea estreou em fins
de dezembro de 53, se no me engano, numa poca em que normalmente, nos
teatros, no havia ningum. Eu me lembro que no dia 31 de dezembro o teatro
estava literalmente lotado. E lotou o ms de janeiro inteiro, que geralmente era
um ms de pouca afluncia de pblico. (Autran, 1986, 96).
E prossegue:
Do lado cultural, apenas uma montagem de relevo tanto pela
qualidade da obra quanto pelo valor da produo. Do lado comercial, nenhum
trabalho cuja repercusso implicasse o cumprimento de seu objetivo. No
Olimpo da casa, possvel que no se tenha passado por outra fase to tensa.
99
Nada vem tona, porm o elenco permanente est cindido desde a ruptura de
Celi e Cacilda. Parte dos atores se alinham de um lado, parte do outro;
rompida de forma grave a harmonia que, bem ou mal, prevalecera at algum
tempo antes. Cacilda, lder inconteste da equipe, no s tem seu lugar ocupado
como no aparece em nenhuma das montagens paulistas do conjunto a partir do
final da temporada de Leito Nupcial, que encerrara sua carreira no incio de
abril. Razes tinha Miroel Silveira para escrever que
Passada a fase das vacas gordas, na qual obteve resultados
brilhantes, verdade, porm escudados no poder do dinheiro ( com o qual
concorria em bases desiguais com a pobreza do teatro profissional brasileiro),
chegado o momento de o TBC demonstrar sua f em si mesmo, reencetar a
luta, agora dentro da realidade dos anos magros, enfrentando um programa
alheio s improvisaes e ao desastre das subvenes... a fim de consolidar-se
uma obra que estamos vendo, com tristeza, em perigo de desmanchar-se.
(Miroel, 1986,112)
Concluindo:
nesse complexo de fatos que se deve colocar a atividade do TBC em
1954. Seria injusto para com a memria de Zampari ignor-los. O industrial
vira sua criatura assumir propores que fugiam ao seu controle. No nosso
objetivo proceder a um julgamento dos erros ou acertos dos atos que levaram a
isso. Basta registrar o modo como as coisas se passaram, buscando esclarecer
os desencontrados resultados do ano no TBC. (Guzik, 1986,114)
E, em agosto o teatro sofre uma perda importante e grave. Adolfo Celi se afasta
para formar sua prpria companhia junto a Paulo Autran e Tnia Carrero. Outras
figuras, como Margarida Rey e Felipe Wagner tambm acompanham o trio. Anota,
Guzik:
... Segundo o testemunho de Cacilda Becker, [o des ligamento do Celi]
provocou em Franco Zampari a maior de suas desiluses artsticas, pois...
Franco Zampari via em Celi o continuador do seu trabalho naquele teatro...
Sobre mais essa sangria no grupo, declarou Adolfo Celi, que era sem dvida a
alma do teatro: A razo fundamental que nos fez deixar o TBC foi pensar que,
quanto maior nmero de elencos houver, tanto melhor ser para o teatro
brasileiro. Serve para o nosso caso o conhecido exemplo da ameba que, ao
dilatar-se muito, acaba se dividindo em duas. O TBC existe independentemente
das pessoas que o compem. Da a nossa sada no trazer prejuzos.
Pretendemos, tambm, lanar elementos novos, que dificilmente poderiam
entrar no TBC a no ser para papis secundrios. que o Teatro da Rua Major
Diogo faz, naturalmente, pelas necessidades de sua organizao, contratos
fixos e longos (Celi, 1986,122)
Guzik nos mostra um pouco da realidade teatral da cidade, fora dos muros do
TBC, ao dizer que:
Enquanto as coisas se desenrolavam na Major Diogo, desde fevereiro
desse ano o Teatro de Arena se encontrava instalado em edifcio prprio, na
Rua Teodoro Baima. Tambm Maria Della Costa conseguira terminar a
construo de seu teatro, na Rua Paim. A realidade teatral da cidade comeava
a desligar-se drasticamente agora, da clula mater que fora o TBC. Srgio
Cardoso e Nydia Lcia haviam praticamente concludo a reforma do antigo
Cine-Teatro Espria, que seria transformado no Teatro Bela vista, sendo
inaugurado em 1956. Tambm a dramaturgia se movimentava. Maria depois de
estrear seu teatro com O Canto da Cotovia, de Anouilh, representara um
Feydeau, Com a Pulga Atrs da Orelha, ambos os trabalhos dirigidos por
Gianni Ratto. Mas seu terceiro espetculo rompia com essa espcie de esquema
tebeciano convencional. Por indicao de Dcio de Almeida prado a G. Ratto,
punha-se em cena A Moratria, do jovem Jorge Andrade, formado h pouco
pela EAD. (Guzik,1986,123).
Franco Zampari por sua vez, tenta compensar com agilidade as perdas, entre
outras, a de Adolfo Celi. Assim, o empresrio faz novas contrataes de colaboradores
para a sua equipe, como aponta Guzik:
vistas por cem mil pessoas. O teatro de Zampari d a todos a impresso de ter-se
aprumado, de voltar aos grandes dias. (Guzik, 1986, 167).
O suspiro de alvio dado pelo sucesso de Panorama Visto da Ponte foi curto.
No dia 20 de novembro a estreia de Pedreira das Almas, de Jorge Andrade. A
encenao do texto de Andrade preparada ao longo de quatro meses, a fim de ser a
grande montagem comemorativa do 10 aniversrio do TBC. A direo cabe a Alberto
DAversa, com cenografia de Mauro Francini, e figurinos de Darcy Penteado. O elenco
composto por trinta e cinco atores, um dos mais numerosos j reunidos no palco da
sala da Major Diogo. A poderosa tragdia de Jorge Andrade, no agrada nem crtica
nem o pblico. So levadas ao palco quarenta e oito apresentaes, com uma mdia de
cento e quarenta pessoas por sesso. Nmeros que apontam um grande prejuzo para a
casa.
oportuno observar que o momento revela instabilidade financeira e, artstica,
alm da falta de rumo em relao ao repertrio. Porm, na viso de Guzik: Ainda no
se fala em fracasso da administrao de Zampari frente do TBC. No se pensa em
analisar sua situao na casa, com excessos, insensibilidade s mudanas estticas,
insistncia em programas de ao superados pela realidade, ao invs de agilidade em
107
Aponta Guzik
:
No dia 13 de dezembro de 1958 a Folha da Tarde anuncia o
fechamento provisrio do TBC, em decorrncia do afastamento de Zampari,
que sofrera, segundo se noticiou, um espasmo cerebral. No entanto, O Estado
de S. Paulo do dia 14 noticiou que a sala no fecharia, Pedreira das Almas
continuaria em cartaz, tendo sido essa deciso tomada em casa de Jlio
Mesquita Filho, numa reunio de haviam participado pessoas da classe teatral e
da sociedade. (...) Instado a intervir na questo, o Governador Jnio Quadros
recomenda Caixa Econmica Estadual que conceda um emprstimo de dez
milhes de cruzeiros empresa. Eis como chega ao fim o ano de
comemoraes a que o TBC tinha direito: Zampari afastado, em cartaz em So
Paulo uma pea que no sensibiliza o pblico e, a maior das ironias, o futuro da
casa depende da demorada burocracia de um emprstimo governamental
justamente para a empresa de um organizador que at ento alegara
enfaticamente poder prescindir de qualquer auxlio desse tipo. No havia mais
lugar para dvida, em dezembro de 1958: os tempos eram irremissivelmente
outros. Para culminar, encerrada a montagem de Pedreira das Almas, Fernanda
Montenegro, a nova e brilhante estrela da casa, afasta-se para fundar sua
prpria companhia. Saem com ela Fernando Torres, talo Rossi e Srgio Britto,
que, ao lado de Gianni Ratto, formaro no Rio o Teatro dos Sete. O novo grupo
iniciar sua trajetria com uma rutilante espetculo: O Mambembe, obra-prima
de Arthur Azevedo. (Guzik, 1986,172).
possvel observar no incio dessa nova fase empreendida pelo TBC que tenta-
se uma adequao aos novos tempos. Sobretudo atravs de um repertrio mais voltado
para a dramaturgia nacional e a realidade brasileira. GUZIK analisa:
abril de 1959, catorze meses depois da estreia de Eles no usam Black -Tie, as
principais companhias de teatro de So Paulo e do Rio, que praticavam uma
esttica herdada justamente do TBC, levaram tanto tempo quanto essa casa
para reconhecerem que se processara uma alterao palpvel no gosto do
pblico e se fazia necessria uma adaptao s novas tendncias. Se o TBC no
estivesse circundado da fama de agir com velocidade na captao do gosto do
pblico, talvez ningum se espantasse com sua demora em adaptar-se
modificao do quadro que ajudara a implantar. (Guzik,1986, 181)
Em 15 de maro de 1961
CAUSAS SECUNDRIAS
Novas tentativas do diretor artstico do TBC para o ano de 1962. Por Magaldi:
E, pontua:
Essa explicao visava introduzir a prxima estreia de A Morte do
Caixeiro Viajante, de Arthur Miller, lanada h uma dcada por Jayme Costa.
Pela direo de Flavio e pelos principais desempenhos, o espetculo foi muito
bem recebido. Acolhida semelhante teve Yerma, de Garcia Lorca sob a
direo de Antunes Filho e no desempenho de Cleyde Yco nis. O ltimo
115
Maria Lucia Pereira, assinala: O TBC tem somente uma compensao neste
ano to conturbado: ganha 6 dos 9 mais importantes prmios da Associao Paulista de
crticos Teatrais. (Pereira, 1980, 125).
17 americanas
13 italianas
4 russas
2 espanholas
2 alems
1 sueca
1 austraca
1 holandesa
1 grega
1 polonesa
1 hngara
Algumas dessas peas foram representadas no original.
Alm dessas peas foram tambm apresentados vrios espetculos extraordinrios assim como
recitais poticos, de canto e de mmica, pantomima etc.... destacando -se a participao de: Inezita
Barroso, Marcel Marceau, Les Frres Jacques, Vittorio Gassman, Os Jograis etc.... Esses espetculos
perfazem um total de: 8.990 REPRESENTA ES repartidas da seguinte maneira:
So Paulo................................................. 6.551
Rio de Janeiro ......................................... 2.363
Interior ..................................................... 76
Espetculos nacionais
Espetculos estrangeiros
dispondo ainda, de uma seo de cenografia, com as mesmas dimenses do palco, a fim
de que o cenrio fosse preparado e verificado em seus detalhes; uma sala de ensaios
estudada de forma a ter a mesma acstica da sala de espetculos, uma sala de costura,
almoxarifado, alm de oferecer condies tcnicas com modernos equipamentos de
cena.
Perseguindo, de modo obstinado, a ideia de elevado padro na montagem do
espetculo, Zampari toma atitudes, como a de contratar encenadores europeus, Italianos
em sua maioria: Adolfo Celi, Luciano Salce, Ruggero Jacobi, Flamnio Bolini e o
argentino Alberto DAvessa. E o resultado na prtica dessa contratao, foi de grande
contribuio para ampliar as influncias estticas que informam o teatro brasileiro.
Este trabalho no tem pretenses conclusivas a respeito do tema, ao contrrio,
pretende deixar aberto o caminho a fim de oferecer elementos para que se possa
compreender e avaliar a importncia do Teatro Brasileiro de Comdia e, do seu legado
para o Teatro Brasileiro. Na citao a seguir, Alberto Guzik encerra comentrios e
avaliaes relevantes e, igualmente oportunas sobre esse inestimvel legado.
CAI O PANO.
121
Peridicos
FALECEU FRANCO ZAMPARI. Jornal O Estado de S. Paulo. So Paulo, N
28.041, p.12.15-09-1966.
MORRE FRANCO ZAMPARI CRIADOR DO TBC E DA VERA CRUZ.
Jornal Folha de So Paulo Folha Ilustrada. So Paulo, n 13.605. 15-09-1966.
CRIA METROPOLITANA, EXPEDIENTE DO DIA 5. Jornal Correio
Paulistano, n 22643 (1), P.5.06-08-1926.
RAGOGGNETTI, Vicente. Revista Teatro Brasileiro, n331, p. 10. S. B. A. T.
jan./fev. 1963.
Diversos
Cenografia e indumentria no TBC 16 anos de histria. Catlogo de
exposio. So Paulo, Fundao Padre Anchieta. 1980
122
Teses e Dissertaes
MATTOS, Izilda Maria Santos de. A cidade que mais cresce no mundo- So
Paulo territrio de Adoniran Barbosa. Artigo para revista eletrnica So Paulo em
Perspectiva. Vol 15 n 3, So Paulo, july/sept 2001. Disponvel em: <http:// www.
Scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102