Maria Lourdes Rocha - Franco Zampari

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FACULDADE CAL DE ARTE E CULTURA

BACHARELADO EM TEATRO

Maria de Lourdes Cunha de Oliveira

FRANCO ZAMPARI

A Herana De Um Sonhador Para a Cena Moderna Brasileira

RIO DE JANEIRO

2016
FACULDADE CAL DE ARTE E CULTURA

BACHARELADO EM TEATRO

Maria de Lourdes Cunha de Oliveira

FRANCO ZAMPARI

A Herana de Um Sonhador Para a Cena Moderna Brasileira

Trabalho de Concluso de Curso


apresentado a Faculdade Cal de Arte
e Cultura como parte dos requisitos
exigidos para obteno do ttulo de
Bacharel em Teatro.
Orientador: Prof. Me. ALVARO
LUIS DE S .

RIO DE JANEIRO
2016
Este trabalho dedicado a minha me Dolores

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Me. lvaro Luis de S, pelo seu apoio, no espao afetivo e intelectual
da orientao, pelo dilogo rico e libertador, pela generosidade em compartilhar seus
conhecimentos, saberes, memrias, em todas as fases da pesquisa possibilitando a
concretizao deste trabalho. O meu sincero e absoluto agradecimento.
A Profa. Dra. Carolina Pucu, mestra insubstituvel e inestimvel amiga, pelo
carinho incondicional, pelo incentivo e sublime apoio, pela genialidade dos
ensinamentos que me permitiram ampliar as minhas reflexes e conhecimentos para
alm da sala de aula, e enfim, pela colaborao decisiva para a realizao deste trabalho.
Minha doce gratido.
A Mirela Gusmo, protagonista da minha restrita lista dos amigos fiis. S foi
possvel chegar ao fim deste trabalho com a sua ajuda. No h como avaliar quanto lhe
devo.
A Izan Rodrigues, pelo enorme carinho, pelas sugestes, pelos estmulos. Devo
infinita gratido.
A Faculdade Cal de Arte e Cultura, e a todos os meus professores, alm da
direo e a administrao, funcionrios, que realizam o trabalho com tanto amor e
dedicao. O meu agradecimento especial.
A todos, enfim, que ajudaram e incentivaram a realizao do trabalho. A vocs
o meu agradecimento carinhoso.
RESUMO

O objeto deste estudo a importncia da figura mpar de Franco Zampari e o


significado do seu empreendimento o Teatro Brasileiro de Comdia 1948-1964 dentro
da evoluo histrica do espetculo teatral moderno.
Vamos retraar essa trajetria percorrendo caminhos desbravados por Zampari
na concretizao de um sonho chamado TBC, sublinhando importantes contribuies
dessa realizao ao palco contemporneo.
PALAVRAS CHAVE: TBC; Franco Zampari; Memria; Teatro Brasileiro Moderno
ABSTRACT

The object of this study is the importance of the unique figure of Franco Zampari and
the meaning of your business the Brazilian Comedy Theater - 1948-1964 within the
historical evolution of the modern theatrical spectacle.
We retrace this path traversing paths pioneered by Zampari the realization of a dream
called TBC, emphasizing important contributions this achievement to the contemporary
stage.

KEYWORDS: TBC; Franco Zampari; Memory; Modern Brazilian Theater.


Sumrio

1. INTRODUO ........................................................................................................... 7
2. PRIMEIRO CAPTULO Franco Zampari criador de sonhos ............................... 9
2.1 Franco Zampari uma breve biografia ..................................................................... 9
2.2 A So Paulo dos Anos 20, 30 e 40 ........................................................................ 17
3. SEGUNDO CAPTULO TBC a sntese da modernidade teatral brasieira ......... 30
3.1 O Movimento teatral amador................................................................................. 30
3.2 A Reforma do Espao............................................................................................ 45
3.3 O Padro TBC de qualidade .................................................................................. 50
3.4 Os Encenadores Pedagogos ................................................................................... 55
3.5 Os atores contratados em sistema permanente ...................................................... 67
3.6 O repertrio filosfico social a formao da plateia .......................................... 70
3.7 A produo como um ciclo fechado .................................................................. 77
4. TERCEIRO CAPTULO TBC o castelo encantado .......................................... 81
4.1 -1948-1949: sob o signo do dinamismo; ............................................................... 81
4.2 -1949-1953: sob o signo do sucesso; ..................................................................... 87
4.3 -1953-1955: sob o signo das estrelas;.................................................................... 94
4.4 -1956-1960: sob o signo da crise;........................................................................ 102
4.5 -1960-1964: sob o signo da brasilidade;.............................................................. 108
5. CONCLUSO O legado do TBC para o teatro brasileiro .................................. 118
6. FONTES E REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS. ............................................ 121
7

1. INTRODUO
O estudo focaliza o processo de implantao do teatro moderno no momento
histrico em que surgiu o TBC. Objetivando explicitar a importncia de Franco Zampari
e o significado do seu legado, na propagao do referido processo.
Para tanto, abordaremos as caractersticas e os principais acontecimentos do
TBC, desde a sua fundao at a sua dissoluo em 1964.
Alm disso, avaliaremos amplamente o perfil de Franco Zampari, as bases de
sua poltica de empreendimento, discutindo e elucidando questes relativas a esta
poltica, e a relevncia de sua prtica na consolidao do modelo de teatro desenvolvido
pelo TBC e, igualmente, para a formao do teatro moderno.
oportuno observar a esse respeito que, segundo nos mostram os estudos, os
espetculos que configuram a cena moderna brasileira, so de um modo ou de outro,
herdeiros de uma linguagem que comeou a ser construda na dcada de 40 e foi
sistematizada pelo TBC.
Franco Zampari ponta de lana no processo de implantao dessa
linguagem. Visualizou que So Paulo propiciava um vasto campo para a atividade
artstica e criou uma companhia fundamentada numa programao que no se restringia
somente a pesquisas no campo cultural, mas tambm na rea de consumo, procurando,
entre outras coisas, considerar o teatro como uma mercadoria para o pblico
consumidor.
O propsito inicial da ideia era voltado para a conquista de um pblico formado
pelas classes onde o poder aquisitivo proporcionava acesso a informao. E para atra-lo
tornou-se ao indispensvel apresentar espetculos de alto nvel, contendo ingredientes
compatveis com o padro europeu e norte americano, cujas caractersticas de
modernidade incluam: plano da dramaturgia, concepo de espetculo, mtodos de
direo e atuao, administrao empresarial de elenco fixo e etc. Em suma, para que os
alicerces dessa organizao no fossem abalados, ocorreu a sistematizao do
denominado BOM ESPETCULO, introduzida pela criao de Franco Zampari,
gerando, assim, um grande aprendizado ao teatro moderno brasileiro. No primeiro
captulo, portanto, falaremos de Zampari atravs de uma breve biografia, e mostraremos
um pouco da So Paulo dos anos 20, 30 e 40. No segundo captulo falaremos do
movimento teatral amador, e traaremos um leve contorno em volta do quadro que
retrata as transformaes empreendidas pelo TBC, tais como: A reforma do espao; o
8

padro TBC de qualidade; os encenadores-pedagogos; os atores contratados no


sistema permanente; o repertrio filosfico social - a formao de plateia; e a produo
como um ciclo fechado. Finalmente o terceiro captulo: TBC o castelo encantado
ser elaborado tendo como base o livro de Alberto Guzik TBC: Crnica de um sonho.
Tentaremos neste captulo recuperar acontecimentos importantes soprados pelos ventos
brandos e tambm pelos temporais entre 1948 e 1964 na casa da Rua Major Diogo.
O panorama exposto acima situa o TBC como companhia de peso no processo
de modernizao, e a partir dessa experincia, outras questes surgem considerando o
bloco de crticas feitas acerca do valor do TBC e, consequentemente a Franco Zampari,
para o teatro brasileiro.
Quais os efeitos das vises de Zampari ao implantar o TBC considerando o
teatro como mercadoria para um pblico consumidor? Quais as implicncias da poltica
de resultados de Zampari junto ao TBC? Franco Zampari no teve clareza de viso
necessria para estimular a dramaturgia nacional?
Esmiuar, estas, e outras questes, parte fundamental para que esta pesquisa
possa alcanar sua meta.
9

2. PRIMEIRO CAPTULO Franco Zampari criador de sonhos


2.1 Franco Zampari uma breve biografia

Franco Zampari nasceu em Npoles no dia 10 de setembro de 1898 e morreu em


So Paulo no dia 14 de setembro de 1966. Npoles a capital da regio da Campnia,
cidade onde nasceram os papas Bonifcio V, Urbano VI, Bonifcio IX, Paulo IV, e
Inocncio XII, h mais de 2800 anos desempenha um importante papel na pennsula
italiana. Clebre por seu patrimnio histrico e cultural, e pela mescla de belezas
naturais, calor humano e, agitao, concentrando, desse modo, caractersticas marcantes
do sul da Itlia, com seu trfego turbulento, buzinas bramindo, napolitanos caminhando
a passos largos pelas ruelas empanturradas de roupas secando, gritando toscamente no
dialeto carregado seus assuntos triviais do dia-a-dia, os santurios de Nossa Senhora
convivendo em perfeita harmonia com as cintas-ligas expostas nas vitrines, o ar
impregnado de aromas da rica gastronomia, soprados pela brisa do mar. Este cenrio
catico, exuberante e de poderosos encanto, cuja histria da colonizao, congrega
gregos, romanos, normandos, espanhis e, italianos, revela um pouco do temperamento
enrgico e impetuoso do Napolitano de um modo geral. Franco Zampari apesar da
escassez de detalhes sobre o perfil de suas origens e, de ter vivido numa Npoles no
to efervescente, trazia consigo caractersticas fortes do sangue napolitano, era visto
como um sujeito meio spero no tratamento com os atores e, extremamente impulsivo,
embora, muito de seus repentes fossem causados -segundo relatos- por uma forte
enxaqueca que raramente o largava. Contudo, de sua vida em Npoles podemos destacar
o seu encontro com Ciccillo Matarazzo, foi l que os dois se conheceram, conforme nos
conta David Jos Lessa Mattos em seu livro O Espetculo da Cultura Paulista: teatro e
televiso em So Paulo (dcadas de 1940 1950):

Franco Zampari e Francisco (Ciccillo) Matarazzo Sobrinho eram


amigos de longa data, desde os tempos da escola secundria, em Npoles, na
Itlia. Ciccillo nascido em So Paulo em 1898, na Rua Major Quedinho, hoje
centro da cidade, era filho de Andrea Matarazzo, um dos irmos do velho
conde Francisco Matarazzo, pioneiro da industrializao em So Paulo e
fundador do cl Matarazzo. Em 1908, com 10 anos de idade, depois de ter
feito o curso primrio no Instituto Caetano de Campos, na praa da
Repblica, Ciccillo segue para a Itlia em companhia de um preceptor, com
destino a Npoles. Nesta cidade, realiza seus estudos secundrios ao lado de
Franco Zampari, de quem se torna amigo por toda a vida. De Npoles,
Ciccillo segue para Lige, na Blgica, e l se inscreve no curso de
Engenharia. Viveu na Europa durante dez anos, de 1908 a 1918, ou seja, dos
10 aos 20 anos de idade. Apesar dos trgicos acontecimentos que abalaram a
Europa durante a Primeira Guerra Mundial (1914- 1918), ele pde, no dizer
de seu bigrafo, viver aqueles tempos humansticos da belle poque ,
10

adquirindo refinada educao, fato que teria forte influncia em sua


futura trajetria, quando despontaria como homem de artes a partir da
dcada de 40 (Mattos,2002, 51).

No toa participou em So Paulo da Fundao do Museu de Arte Moderna


(1949), da Bienal de Artes(1951), do Museu de Arte Contempornea (1963), e ainda, da
Companhia Cinematogrfica Vera Cruz (1949), e do TBC-Teatro Brasileiro de Comdia
(1948), os dois ltimos, respectivamente, ao lado de Franco Zampari. Este, nome de
irrefutvel importncia nas artes brasileiras, sendo responsvel pelo desenvolvimento e
exploso de duas delas, o teatro e o cinema, no dia seguinte a sua morte os principais
jornais de So Paulo davam a notcia. O Estado de S. Paulo publicou:

FALECEU FRANCO ZAMPARI:


Aos 68 anos de idade faleceu ontem, s 19 horas, o engenheiro
Franco Zampari, vitimado por complicaes cardacas ps -operatrias.
Encontrava-se internado no hospital da Beneficncia Portuguesa.
O extinto, filho do Sr. Giulio Zampari e de d. Giulia De
Angelis Zampari, era casado com d. Dbora Prado Marcondes Zampari. Era
irmo do Sr. Carlos Zampari, casado com d. Glria Zampari. O feretro sair
hoje, s 14 horas, da Beneficencia Portuguesa, para o Cemitrio da
Consolao. ____________N. da R. - Franco Zampari, engenheiro metalrgico
fundador do Teatro Brasileiro de Comdia e da Companhia cinematogrfica
Vera Cruz, era natural de Npoles, na Itlia, nascido a 10 de setembro de
1898 formou-se em engenharia-metalrgica e nesta qualidade profissional
que foi convidado a transferir-se para o nosso pas, no ano de 1922.
Estabelecendo-se em So Paulo, fundou junto com o Sr. Francisco Matarazzo
Sobrinho, a Metalrgica Matarazzo, marco inicial de uma intensa atividade que
iria exercer no setor industrial do Brasil, pas cuja nacionalidade ad otaria por
naturalizao, aps se haver casado com da. Dbora Prado Marcondes
Zampari.
O TBC
Personalidade profundamente interessada no setor das artes,
principalmente nas do espetculo, Franco Zampari, aplicando no teatro a sua
experincia administrativa, iria ser a mola propulsora do movimento que
permitiu a fundao, em So Paulo, do Teatro Brasileiro de Comdia, que hoje
um marco inicial da arte cmica no pas. Compreendendo o absurdo dos
diversos movimentos amadorsticos isolados que aqui se praticavam e a
necessidade existente de se construir um prdio teatral onde abrigasse o Teatro
de Comdia, Zampari conseguiu aglomerar o Teatro Experimental, de Alfredo
Mesquita; o Teatro Universitrio, de Dcio de Almeida Prado; o Teatro dos
amadores de So Paulo, de Madalena Nicol; o teatro Horcio Berlinck e o
Teatro de lngua inglesa, reunindo seus integrantes sob a gide do TBC. O
novo grupo estreou suas atividades a 11 de outubro de 1948, na casa da Rua
Major Diogo, cuja adaptao para o teatro acabava ser feita, apresentando La
Voix Humaine, com Henriette Morineau e A Mulher do Prximo de Ablio
Pereira de Almeida. Contratando profissionais como Cacilda Becker, Aldo
Calvo, Adolfo Celi e Ruggero Jacobbi, Franco Zampari estruturou o TBC que
iniciava sua fase de ouro, definitiva para o estabelecimento do teatro no Brasil

. Vera Cruz
Mas no foi s no teatro o trabalho incentivador de Franco Zampari,
no terreno das artes de representao. A 16 de dezembro de 1949, aps haver
11

estudado detidamente os problemas da produo cinematogrfica, juntando -se


a um grupo de industriais, estabeleceu a Companhia Cinematogrfica Vera
Cruz, com um capital inicial de 7,5 milhes de cruzeiros. Na mesma poca foi
iniciada a construo, em tempo acelerado, dos estdios da empresa, hoje os
maiores da Amrica do Sul com seus 57.237 metros quadrados. As atividades
artsticas da Vera Cruz comearam com o O Cangaceiro, pelcula pela qual o
jovem diretor Lima Barreto iria provar ao pblico brasileiro a possibilidade
existente de se fazer no Brasil outro cinema que no o de chanchadas, at ento
predominantes. Teve tambm a primeira produo da Vera Cruz o mrito de
chamar a ateno do pblico presente no festival cinematogrfico de Cannes,
para uma indstria cinematogrfica que iniciava. Durante os anos em que
Franco Zampari esteve frente dos destinos da empresa 26 pelculas foram
realizadas em seus estdios, ao mesmo tempo que se acumulava um acervo de
material necessrio a filmagens, que at hoje utilizado nas produes
cinematogrficas realizadas em So Paulo. (O Estado de S. Paulo, 1966, 12)

A Folha de S. Paulo acrescenta mais detalhes sobre a sua morte:

MORRE FRANCO ZAMPARI CRIADOR DO TBC E DA VERA


CRUZ. Franco Zampari, o engenheiro que inaugurou uma nova fase no teatro
e no cinema nacionais a partir de 1948 fundando o Teatro Brasileiro de
Comdia e a Companhia cinematogrfica Vera Cruz, faleceu ontem, nesta
capital, aos 67 anos, no Hospital da Beneficncia Portuguesa, cinco dias aps
ter-se submetido a uma operao renal.
Seu sepultamento realiza-se hoje no cemitrio da Consolao,
saindo o fretro s 14 horas, do Hospital da Beneficncia Portuguesa. Deixa
viva a senhora Dbora Prado Marcondes Zampari; no deixa filhos. Era
presidente perptuo da Sociedade Brasileira de Comdias (proprietria de
TBC) e diretor superintendente da firma Artefatos de Alumnio e Embalagens
ARDEA.
Franco Zampari, nasceu em Npoles, na Itlia, em 1898 e com
24 anos vinha para o Brasil formado pela Escola Politcnica de sua cidade
natal. Comeou a trabalhar com os Matarazzo e era engenheiro chefe da
Metalrgica quando abandonou tudo para dedicar-se integralmente ao
movimento artstico. considerado o homem que deu ao cinema nacional a
base econmica, superestrutura slida sem a qual nossa cinematografia, ento
incipiente, no poderia sair do terreno da improvisao que a marcava.
Foi com a indenizao obtida ao sair daquela firma, somada
a capitais de outros idealistas, que fundou a Companhia cinematogrfica Vera
Cruz, logo aps entender que o TBC j estava consolidado.
Com freqncia externava sua f no cinema brasileiro que
logo aps a fundao da Vera Cruz conhecia o sucesso de o Cangaceiro, em
mbito internacional, e produzia outros filmes de repercusso como Tico -tico
no Fub, Sinh Moa e Caiara.
Sua poltica de importao de tcnicos, diretores,
figurinistas, tanto para o cinema quanto para o Teatro surtiam efeitos notveis,
iniciando-se o que se chamou de perodo de renovao do teatro brasileiro.
(Folha de S. Paulo,1966, n 22643).

Zampari, saiu da Itlia com destino a So Paulo, chegando nesta cidade, na


poca com 600 mil habitantes, em dezembro de 1922, trazendo consigo um diploma de
engenheiro-metalrgico e, dois motivos imprescindveis: O primeiro, reencontrar
Dbora Prado Marcondes, moa da sociedade paulista advinda de famlia tradicional
quatrocentona, que havia conhecido na Itlia , de quem gostava, ficaria noivo e, com
12

quem se casaria quatro anos depois, como mostra o anncio do Correio Paulistano do
dia 06-8-1926:

CURIA METROPOLITANA
EXPEDIENTE DO DIA 5
Monsenhor Vigrio Geral assignou as seguintes provises:
De dispensa do proclamas, para Andr Dias e Dinorah Dias;
Benedicto Gabriel e Maria Antnia Ferrari; oratrio particular, para Franco
Zampari e Dbora Prado Marcondes. (Correio Paulistano, 1926, 5 edio
22643 (1).

Dbora Prado Zampari conta:


Ao contrrio do que todo mundo pensa, nunca tivemos fortuna.
Franco era um engenheiro, no um industrial. Veio para o Brasil em 1922 para
comear a vida, sem outra coisa de seu alm de um diploma. Conhecemo -nos
na Itlia, gostamos um do outro, e eu voltei para o Brasil. Franco acabara de se
formar, no tinha ainda uma situao definida nem grandes razes na Itlia,
ento veio pr c. Ciccillo Matarazzo havia sido seu colega de escola e eram
muito amigos; sabendo da inteno do Franco de casar-se e se instalar no
Brasil, ofereceu-lhe um emprego. Comeamos nossa vida muito simplesmente,
com conforto, claro, mas numa posio bastante modesta. Franco trabalhava
na laminao Matarazzo, em So Bernardo. Trabalhava muito, trabalhou muito
a vida inteira, dedicava-se integralmente ao seu trabalho, fosse ele qual fosse.
Levou um bom tempo, at atingir a posio que alcanou, e se teve sucesso foi
exclusivamente em funo do seu trabalho e da sua comp etncia. (Zampari,
1980,151).

E o segundo motivo, o de ocupar um cargo oferecido por seu amigo Ciccillo


Matarazzo na Laminao Matarazzo em So Bernardo. Continua Debora Zampari,
Nossa vida mudou radicalmente depois que Ciccillo e o velho Pignatari fundaram a
metalrgica e escolheram Franco para dirigi-la. Foi ele quem realmente formou a
metalrgica, desde o incio, levou adiante o empreendimento, construiu a fbrica do Rio
de Janeiro, criou uma potncia - e ento ganhou muito dinheiro. (Zampari,1980,151)
David Jos Lessa Mattos comenta:
Realmente, Ciccillo Matarazzo, com o apoio de seu tio, o conde
Francisco Matarazzo adquiriu em 1924 uma das empresas da famlia a Metal
Graphica Aliberti, em sociedade com Jlio Pignatari, que era casado com sua
prima Ldia, filha do conde. Juntos fundaram a firma Pignatari& Matarazzo
que, em 1929, quando desfez-se a sociedade, se transformou na Metalrgica
Matarazzo, de propriedade nica de Ciccillo. Nas dcadas seguintes
independentemente da S/A Indstrias Reunidas F. Matarazzo, pertencente aos
filhos do conde, falecido em 1937, um outro poderoso grupo industrial
Matarazzo, com fbricas espalhadas em vrias regies do pas, iria constituir-se
em torno da Metalrgica Matarazzo, sob o comando de Ciccillo Matarazzo.
(Mattos,2004, 53).

Vicente Ragognetti descrevendo o perfil do imigrante Zampari na Revista de


Teatro em 1966 diz o seguinte:
13

Deu adeus sua cidade natal - (Addio mia bella Napoli non pi ti
rivred...), olhou com muita saudade o Teatro Fiorentini, o Teatro Sannazaro
e at o Teatro Mercadante, onde remoeu a sua paixo pelos segredos do palco,
meteu o canudo de Engenheiro na mala e com a mocidade em flor -
(Giovinezza, giovinezza primavera di bellezza...), emigrou para o Brasil.
Foi para So Paulo, onde h muitos italianos, onde ainda se fala pelas ruas o
dolce idioma gentile da pennsula consagrada. Veio para o Brasil, como
todos os imigrantes de todos os pases do mundo, para fazer a Amrica. E a
fez. Com o seu diploma, com o seu trabalho, com a sua capacidade de discernir
o futuro, com a sua boa estrela. Chegado ao pncaro da fortuna, Franco
Zampari voltou a pensar maneira antiga, a cultivar os velhos sonhos de Via
Toledo e de Retifillo. Lembrou-se de uma sua velha paixo: O teatro. E com
entusiasmo juvenil fundou em So Paulo o Teatro Brasileiro de Comdia.
(Revista de Teatro, 1966,10).

O Engenheiro discreto, mostrou o quanto gostava de teatro, quando em seguida a


sua chegada em So Paulo se tornou um frequentador assduo do Teatro Municipal,
onde depois manteria duas cadeiras permanentes. Em depoimento ao SNT Ablio
Pereira de Almeida afirma que Zampari era um homem louco por teatro; e que ele tinha
permanentemente no municipal a letra C, 1 e 3; comprada para ele incondicionalmente
para tudo quanto fosse espetculo. (GUZIK, 1985,11). Zampari se casou com Dbora
Prado Marcondes pertencente a uma famlia tradicional paulistana e, a confluncia de
visitas dos italianos da indstria com figuras da elite intelectual paulistana na residncia
do casal, comps o grupo que ficou conhecido como Bodega dArte, tendo em vista que
todos tinham esse interesse comum. Dbora Zampari fala desse momento. Ns
levvamos uma boa vida. Nossa casa vivia cheia de amigos, artistas, intelectuais, ou
simplesmente gr-finos. Saamos muito pouco, mas o Franco era um homem socivel,
gostava de se ver rodeado de gente. E sabia criar em torno dele um ambiente alegre e
animado. Do mundo nada se leva, era assim que nos chamavam os nossos amigos
quando queriam brincar conosco. Realmente levvamos uma boa vida. (Zampari,1980,
150). Segundo Mattos:
Tudo comeou, alguns anos antes, quando Franco Zampari, casado
com Dbora Prado Marcondes Zampari, costumava receber em sua casa, na
Rua Guadalupe, 663, no Jardim Amrica, um grupo de amigos, a maior parte
pessoas da alta sociedade Paulista. As reunies acon teciam sempre aos
domingos a partir das 12 horas, alongando-se at por volta das 20 horas. Era
um open-house de que participavam seus amigos mais prximos, quase todos
muito ricos, acompanhados de suas esposas, com a presena, tambm, de
vrias pessoas ligadas ao mundo das artes e da cultura, conforme depoimento
de Ruy Affonso, que no perdia um s desses encontros semanais. O grupo era
constitudo de trinta a quarenta pessoas. Aps o almoo, servido s 14 horas,
todos reuniam-se num grande espao especialmente construdo por Zampari
nos fundos de sua ampla residncia, por ele batizado de bodega dArte, uma
espcie de oficina de criao artstica. L, ao lado de um piano, de bons discos
importados, de livros de arte e, sobretudo de boa bebida, eles passavam as
tardes de domingo. E cada um, de acordo com suas possibilidades, expandia
seus dotes artsticos pessoais, seja declamando uma poesia, seja cantando
14

alguma cano, de preferncia europeia ou norte americana, como era o caso


da atriz amadora Madalena Nicol especialista em Negro spiritual que a todos
encantava com a sua bela voz. Ao piano, acompanhando a cantoria, sentava -se
geralmente Carlos Vergueiro, que mais tarde viria ocupar a direo artstica do
TBC, integrando tambm seu elenco de atores. Ablio Pereira de Almeida,
sempre ligado ao grupo de teatro amador de Alfredo Mesquita, era um dos
habitus dessas reunies. Ele ia sempre em companhia de sua mulher, Lcia,
que gostava muito de teatro. Dcio de Almeida Prado aparecia l de vez em
quando. O advogado Paulo Galvo Coelho, irmo de Ruy Coelho, e Jos de
Barros Pinto, da Faculdade de Filosofia, eram presenas constantes, assim
como Yolanda Penteado e Ciccillo Mattarazzo, participantes frequentes dessas
reunies domingueiras antes mesmo de unirem-se em casamento, fato que
ocorreu em 1947. Entre os frequentadores mais ricos e dotados de especial
interesse pelas artes, alm de Yolanda e Ciccillo, figuravam os irmos Moraes
Barros, Nino e Manoel, descendentes de fazendeiros de caf e do presidente
Prudente de Moraes; o casal Majorie Prado e Jorge da Silva Prado, ela norte-
americana e ele filho de Antnio Prado Junior e neto do conselheiro Antnio
Prado e de dona Veridiana Prado; o industrial Paulo Assumpo e sua mulher,
Sofia (Fifi) Lebre Assumpo; e o homem de altas finanas, Adolfo
Rheingantz, e sua mulher Maria Jos (Maj) Rheingantz. Algumas vezes
Franco Zampari recebia tambm em sua casa artistas estrangeiros de passagem
por So Paulo. Por exemplo, quando da apresentao no Teatro Municipal da
Cia. De Dana Original Ballet Russo, no ano de 1946 ou 1947, ele convidou
todo o elenco para uma apresentao especial em sua residncia. Para tanto,
mandou cobrir com madeira e lona a piscina do jardim interno, onde instalou
equipamentos de iluminao e armou um cenrio todo particular, repleto de
plantas ornamentais. A apresentao foi noite, para um grupo de quarenta
pessoas, amigos e frequentadores das reunies dos domingos. Aps o
espetculo, foi servida uma ceia. (Mattos,2004,53)

Gradativamente, no decorrer dessas reunies, Franco Zampari foi se


entusiasmando e desenvolvendo a ideia de criar em So Paulo um teatro destinado
apresentao de obras dramticas modernas, de prestgio internacional. Passo a passo a
ideia foi ganhando fora, e decidiu-se ento pela formao de uma sociedade sem fins
lucrativos, apta a garantir a instalao e o funcionamento de um novo teatro na capital
paulista conforme escreve Alberto Guzik:

Para levantar os fundos destinados instalao da sala de espetculos


e o capital necessrio ao seu funcionamento, Zampari e Ciccillo Matarazzo
criaram a Sociedade Brasileira de Comdia, entidade sem fins lucrativos para a
qual convidaram duzentas figuras da sociedade paulistana. Dela participam,
entre outros, os banqueiros e industriais Adolfo Rheingantz, Paulo Assuno,
Frederico de Souza Queiroz e Herman de Moraes Barros, sendo a consultoria
jurdica formada por Nlson e Paulo Cndido Motta e Antnio Caio da Silva
Junior. (Guzik,1985,13, 14)

Por vrias razes - incluindo a, a autntica paixo de Zampari pelo teatro e o


grande interesse de Ciccillo pelas artes - esses novos mecenas decidiram fomentar e,
abrigar as atividades dos grupos de teatro amador de So Paulo, oferecendo-lhes o TBC
Teatro Brasileiro de Comdia, uma casa de espetculos, seguindo padro europeu,
15

tecnicamente muito bem equipada, de dimenses bastante razoveis, com 365 lugares,
instalada num pequeno prdio alugado, situado na Rua Major Diogo, nmero 315, no
bairro da Bela Vista, antigo bairro do Bexiga. Ablio Pereira de Almeida, que integrava
o Grupo de Teatro Experimental, GTE, de Alfredo Mesquita, evoca o surgimento do
empreendimento artstico-cultural e a inteno dos patronos do TBC em dar suporte ao
teatro amador: Alugamos o prdio por quatro anos, o Ciccillo de fiador. 'O teatro dos
amadores' ele disse na ocasio da assinatura do contrato. 'Se der lucro, dos
amadores. Se der prejuzo, eu pago'. (MATTOS, 2002,51) Entretanto, de acordo com o
depoimento de Dbora Zampari foi principalmente Franco Zampari quem arcou com as
despesas:
Quando resolveu fundar o TBC, o Franco sabia o quanto aquilo iria lhe custar,
mas foi em frente. Nossos amigos quase todos muito ricos ajudaram, claro,
compraram quotas da sociedade, e os scios pagavam assinaturas para c ada dez
espetculos. Embora as bilheterias fossem geralmente muito boas, nem de longe
cobriam os altos custos das montagens e da manuteno do teatro, com aquela equipe
enorme de tcnicos, atores, diretores permanentes. Ento quem sustentava o TBC, quem
financiou tudo, durante anos a fio, foi o Franco. Pagava com gosto, mesmo sabendo que
no havia condies de retorno do dinheiro empregado, Pagava o preo do seu hobby,
caro, sem dvida, mas no fora das suas possibilidades. (Zampari,1980,151).

O movimento de teatro amador despertou a ateno de Zampari, porm, como


aponta Alberto Guzik em seu livro TBC: Crnica de um sonho: No permaneceu
um registro preciso das razes que induziram Zampari a se mobilizar para a criao da
casa de espetculos. Seu envolvimento com as artes era muito anterior experincia da
Mulher de Braos Alados1 . Expressa Guzik:

Mas a causa concreta que o levou a criar efetivamente a sala parece


composta em parte por uma motivao ldica e em parte pela sensao de uma
responsabilidade scio-cultural. Transparece a primeira de uma declarao sua
a Fernando Peixoto: O TBC nasceu em So Paulo numa noite de euforia na
qual muitos brasileiros sustentavam que s era possvel existir teatro na Frana,
nos Estados Unidos, Inglaterra e Itlia. E que no Brasil, durante muitos
decnios ainda, teramos que nos contentar com as companhias que nos
visitavam, para ver bons espetculos. Eu estrangeiro, porm casado com uma
brasileira de quatrocentos anos, me revoltei. As discusses ficaram bem
violentas. E apostei que no espao de um ano eu montaria uma companhia em
So Paulo, dentro dos melhores moldes. Isso aconteceu em outubro de 1947.
Em outubro de 1948, exatamente no dia 11, o Teatro Brasileiro de Comedia
estreava em So Paulo com A Voz Humana, de Jean Cocteau, e A Mulher do
Prximo, de Ablio Pereira de Almeida. Entretanto, a deciso de levar a cabo
um empreendimento que j fora inclusive discutido com os responsveis pelos
grupos amadores, no poderia correr apenas por conta do mpeto de uma aposta
feita, segundo lendas que correm, entre copos de usque ou taas de
champanha. Falando revista Teatro Brasileiro, em dezembro de 1955,

1 Sobre A Mulher de Braos Alados, ver Alberto Guzik, TBC: Crnica de um sonho, 1986, p. 3
16

Zampari argumenta: simples o que me fez criar o TBC. Cheguei ao Brasil,


vindo da Itlia, em dezembro de 1922. Sempre trabalhei como engenheiro. Em
1948, pertencendo organizao de dez fbricas, pude sentir que o que parecia
empreendimento louco logo se justificava, em virtude do progresso imenso do
pas. Amante do palco desde os dezessete anos, notei com tristeza que o meio
teatral brasileiro era precrio, no obstante o esforo heroico de alguns homens
e grupos... Decidi fundar um grupo amador e orientei a transformao de uma
garagem, na Rua Major Diogo, 315, num teatrinho com trezentos e sessenta e
cinco lugares. E reiteraria essa declarao em 1958, ao receber na Cmara
Municipal o ttulo de cidado Paulistano: Senti que, tendo recebido tudo em
So Paulo, precisava devolver alguma coisa cidade. Sendo um parque
industrial de primeirssima ordem, centro agrcola, com um movimento de
renovao literria que se firmava com os grupos ligados a Paulo Prado e
grande figura de Mrio de Andrade, So Paulo no tinha ainda um teatro. Da a
minha ideia de criar o TBC. Acoplando esse conjunto de declaraes, creio que
estamos de posse dos fatores que determinaram Zampari a agir. O elemento do
risco, contido na competio, somado a um mecenato que o atraa, formaram
um magneto poderoso e irresistvel. Por um ngulo temos o homem prdigo,
frequentador das rodas sociais da elite, fascinado desde muito cedo pelo palco
e finalmente sentindo a possibilidade de se aproximar dele com maior
familiaridade. Por outro, o homem de negcios realizado, o engenheiro
empreendedor e capaz, diretor das indstrias Matarazzo, participant e de um
entusiasmo similar ao que levara seu grande amigo Francisco Matarazzo
Sobrinho a criar, no mesmo ano de 1948, o Museu de Arte Moderna de So
Paulo, desejando ampliar e diversificar sua contribuio ao pas que o adotara.
Dessa fuso nasce o impulso que conduziria a efetivao do empreendimento
que inicialmente visava a oferecer uma sede aos amadores paulistas. possvel
que a nenhum dos participantes desse primeiro momento tenha ocorrido a
dimenso que assumiriam as consequncias do envolvimento de Zampari com
o teatro. (Guzik, 1986,12,13)

De acordo com a imprensa da poca, Franco Zampari recebe em 1958 os


prmios Saci e Associao Paulista de Crticos Teatrais (APCT), pelos dez anos do
TBC; recebendo, no mesmo ano o ttulo de Cidado Paulistano e a taa de ouro do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de So Paulo .
Alfredo Mesquita fundador da Escola de Arte Dramtica de So Paulo, em artigo
publicado na revista Dionysos, faz um registro da importncia de Zampari para a cena
nacional.Ele, declara:

Ningum que no tenha vivido naquele tempo em So Paulo pode


imaginar o clima de euforia teatral que havia em relao ao TBC. O pblico era
enorme [...] foi a maravilha que devemos indiscutivelmente a Franco Zampari.
Ele, a despeito de sua imensa fortuna, no tinha o menor interesse pela
bilheteria, somente o nvel artstico dos espetculos empolgava a ele. Seu
maior sonho era reunir todo o teatro nacional em um grande truste contratado
por ele, com dezenas de elencos atuando simultaneamente em So Pau lo, no
interior paulista, no interior do Rio de Janeiro e em todo o Brasil. Ele quase
conseguiu isso, no entanto sonhou alto demais. [...] ao Franco que ns
devemos o grande teatro que houve neste perodo em So Paulo. Alm dele,
Ziembinski e Paschoal Carlos Magno so nomes que nunca devem ser omitidos
quando se fala do Teatro Bras ileiro. (Mesquita,1980,40)
17

2.2 A So Paulo dos Anos 20, 30 e 40

Esta parte do trabalho tem seu desenvolvimento apoiado em dados histricos extrados
do livro de David Jos Lessa Mattos. O Espetculo da Cultura Paulista Teatro e TV em So
Paulo: 1940 1950.. So Paulo:Cdex,2002
Site
BASSETO, Sylvia. Anais do XXI Encontro Estadual de Histria: Trabalho, Cultura e
Memria ANPUH SP. ISBN: 978-85-98711-09.6 edio: 1. 2012. Campinas. 03 a 06, set.
2012. Disponvel em: http:// www. Encontro 2012. s.p.anpuh.org/anaiscomplementares
E no artigo do peridico (On-line)
MATTOS, Izilda Maria Santos de. A cidade que mais cresce no mundo- So Paulo
territrio de Adoniran Barbosa. Artigo para revista eletrnica So Paulo em Perspectiva. Vol
15 n 3, So Paulo, july/sept 2001. Disponvel em:
<http:// www. Scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102.

H um certo sopro de modernidade em torno da cidade de So Paulo desde os


primeiros anos do sculo XX, quando a cidade, j com ares de centro urbano, sinalizava
sua abertura para o mundo moderno e industrial. Algumas obras arquitetnicas e de
engenharia, que tornaram-se emblemticas do progresso tecnolgico e cultural, podiam
ser vistas em 1892 como o caso do viaduto do Ch, o velho viaduto de ferro, em
1894 a Escola Politcnica, o Museu do Ypiranga, e a Escola Normal Caetano de
Campos. E ainda, a tradicional Faculdade de Direito, no largo de So Francisco. Em
1900 a cidade continuava avanando, e j nessa poca, havia construdo o Gasmetro;
instalado um pequeno aqueduto de 15 km, que partia de uma fonte na Cantareira
chegando at o bairro da Consolao; e ampliado sua pequena rede de esgoto. Mais
adiante, dava incio a substituio da iluminao a gs pela eletricidade, os bondes
puxados a burro, que ligavam o centro da cidade avenida Paulista e a outros bairros
mais afastados comearam a ser substitudos por bondes eltricos. Em 1901, a So
Paulo Traction Light and Power Company instalava a primeira geradora hidroeltrica,
fato que ocasionou um grande impulso produo fabril.
Em decorrncia da expanso cafeeira das ltimas dcadas do sculo XIX, a
cidade transformava-se incessantemente, num processo acelerado em direo a tornar-se
o maior centro comercial, financeiro e industrial da Amrica Latina. As elites
econmicas paulistas desempenharam importante papel na formao da indstria, na
urbanizao e, modernizao da cidade, estas elites eram formadas de um lado pelas
tradicionais famlias dos fazendeiros exportadores de caf, e de outro, pelos
comerciantes e empreendedores estrangeiros que se estabeleceram no Estado.
Entretanto, segundo nos mostra David Jos Lessa Mattos em seu livro O Espetculo da
Cultura Paulista Teatro e TV em So Paulo (1940 1950), nos dois primeiros decnios
18

do sculo XX, foram principalmente os grandes fazendeiros ligados indstria e aos


negcios da exportao do caf, e no os novos-ricos imigrantes estrangeiros, que
constituram o que se pode chamar de elite poltica e cultural de So Paulo. Mattos diz:

Dentre as tradicionais famlias paulistas de elite, destacava-se a do


conselheiro Antnio da Silva Prado, modelo do fazendeiro -empresrio que se
tornou prefeito da cidade de So Paulo de 1898 at 1910, realizando notveis
obras de urbanizao. Ao lado de Antnio da Silva Prado, sobressaa -se
igualmente Antnio lvares Penteado, outro grande fazendeiro de
quatrocentos anos envolvido nos negcios da exportao do caf e um dos
mais importantes pioneiros da indstria paulista. Em 1889, ele fundou a
Fbrica Santana, de fiao e tecelagem de juta, equipada com maquinaria
inglesa e conforme aos padres mais modernos da poca, para produzir a
sacaria utilizada na exportao do caf. O edifcio ocupava uma rea de doze
mil metros quadrados e ficava na rua Flrida, no Brs, com as ruas Henrique
dos Santos e Conselheiro Belizrio.(...) Alis, referindo-se natureza
capitalista da economia cafeeira paulista, o historiador Caio Parado jnior, neto
de Antnio lvares penteado, considera a fbrica Santana a primeira
manufatura brasileira a produzir em larga escala e que pode ser tomada como
exemplo do estmulo direto que as atividades ligadas produo cafeeira
ofereceram indstria (...) Isso tanto pelo aporte de capital com que contribuiu
para as inverses industriais, como pelo mercado consumidor que a riqueza
produzida pelo caf proporcionou.
A primeira grande fortuna italiana em So Paulo nascida de
operaes bancrias foi a de Giovanni Briccola, que chegou cidade em 1885
como engenheiro contratado pela Companhia Paulista de Estrada de Ferro. Sua
riqueza concretizou-se aps ele haver ingressado no mundo dos negcios e dos
bancos, tornando-se agente do Banco de Npoles. Outros imigrantes ligaram-se
tambm s atividades bancrias. Foi o caso, por exemplo, de Giuseppe
Martinelli, que teve empresas de navegao e importao e de Francisco
Matarazzo e Giuseppe Puglisi Carbone. Estes, juntamente com outros
imigrantes italianos, fundaram em 1900 o Banco Comercial Italiano de So
Paulo. Em 1906, pouco depois da sada de Matarazzo, este banco associou -se
Banca Commerciale Italiana, de Milo. E mais tarde, em 1910, fundindo -se
com o Banque de Paris et des Pays -Bas, transformou-se no Banco francs e
Italiano para a America do Sul, de cuja diretoria faziam parte alguns
imigrantes, como, por exemplo, Rodolfo Crespi, fabricante de tecidos de
algodo, Henrich Trost, importador, e Egidio Falchi, fabricante de biscoitos.
(Mattos, 2002, 84,85,87)

E continua analisando:
Dentre esses importadores e empreendedores estrangeiros que logo
se tornaram pioneiros da indstria paulista, o mais bem-sucedido foi sem
dvida Francisco Matarazzo. Ele havia chegado ao rio de janeiro em 1881,
trazendo algum dinheiro e uma carga de toucinho que pretendia vender.
Percebendo o incremento dos negcios em So Paulo, o crescimento do
mercado consumidor e a grande movimentao de capitais em torno do
comercio exportador de caf, transferiu-se para a cidade de Sorocaba, onde, em
1882, abre uma pequena casa comercial ou uma venda, como se diz em
cidadezinha do interior. Pouco tempo depois, percebendo que o pas importava
banha de porco, lana-se na fabricao desse produto, instalando duas
pequenas fbricas na regio de Sorocaba e montando uma rede de fornecedores
de matria prima junto aos estabelecimentos rurais dos campos de Itapetininga.
Nesse perodo a atividade comercial o seu forte. Possuidor de uma tropa de
burros, transacionava pessoalmente com os produtores rurais, tudo comprando
19

e tudo vendendo. Alm da fabricao de banha, que passou a vender


acondicionada em latas, e no em barris de madeira como era a banha
importada dos estados Unidos, comea a expandir seus negcios na cidade de
So Paulo a partir de 1890. Em sociedade com dois de seus irmos, cria a firma
de comisses e consignaes Matarazzo & Irmos e parte decididamente para
novos empreendimentos comerciais. Seu primeiro negcio em larga escala foi
a importao de arroz e, principalmente, de farinha de trigo. No ano de 1900,
quando j havia inaugurado a firma F. Matarazzo & Cia. Ltda. funda sua
primeira fbrica de farinha, o Moinho do Belenzinho, ao mesmo tempo que se
associa, como foi visto, a outros imigrantes italianos para criar o Banco
Comercial Italiano de So Paulo. (Mattos, 2002,87,88)

Durante as administraes dos prefeitos Antnio Prado (1889- 1910) e o baro


Raimundo Duprat (1911-1914), So Paulo ingressa numa poca repleta de ideais de
progresso, transformaes, modernidade e cosmopolitismo. Ao longo desse perodo a
cidade repaginada pelos planejadores urbanos franceses Bouvard e Cochet, que juntos
implementam projetos arrojados, de arquitetura e paisagismo, promovendo, desse modo,
o embelezamento da rstica paisagem local, ocorre ento, o prolongamento e o
alargamento de ruas e avenidas, as vrzeas so substitudas por parques, alamedas e
lagos graciosos. Alm disso, os antigos lampies de gs cedem lugar a iluminao
eltrica, fornecida pela Light and Power. Diante de tais transformaes ocorridas na
cidade, surge a necessidade da criao de espaos destinados a cultura e ao lazer para os
habitantes desse novo cenrio. Um grande exemplo de espao cultural desse perodo o
Teatro Municipal. O arquiteto Ramos de Azevedo e os italianos Cludio Rossi e
Domiziano Rossi iniciaram a construo em 1903 e, aps oito anos de trabalho, o Teatro
Municipal foi batizado pela pera Hamlet, de Ambroise Thomas, sob os olhares de
uma multido de 20 mil pessoas, este apotetico acontecimento introduz So Paulo no
roteiro internacional dos grandes espetculos. O palco do Teatro Municipal recebeu
grandes artistas europeus, de importantes orquestras sinfnicas e companhias
estrangeiras de teatro, dana e opera quando de suas tournes pela Amrica Latina,
apresentaram-se atores e atrizes, tais como: Rjane, Huguenet, Remete Saccone,
Remete Novelli, Grasso, Maria Melato, Emma Grammatica, e os portugueses Alda
Garrido, Chaby e Aura e Adelina Abranches. O canto lrico foi l representado por
renomados intrpretes: Caruso, Tito Schipa, Titta Ruffo, Beniamino Gigli, Claudia
Muzzio, Galli-Curci, Mrio pinheiro, Bidu Sayo, Journet e Besanzoni Lage.
(MATTOS, 2002). Desde 1911 data da inaugurao do Teatro Municipal at por volta de
1940, as elites polticas e culturais paulistas puderam dispor de um local especialmente
destinado aos seus momentos de entretenimento cultural e artstico, e igualmente aos
20

seus grandes eventos sociais. Essas elites puderam dispor dele tal como se fosse algo
que lhes pertencesse, como aponta (MATTOS, 2002) em seu livro, num longo trecho
que encerra comentrios curiosos e importantes sobre a histria do Teatro Municipal:

Por volta de 1915, o entretenimento artstico das elites paulistanas


resumia-se de modo geral a alguns concertos no Teatro Municipal e a recitais
de poesia, msica e canto promovidos pela Sociedade de Cultura Artstica ou
por particulares. No Teatro Municipal, sobressaa-se o talento dos maestros
Chiaffarelli e Agostinho Cantu frente de uma incipiente orquestra. Nos
recitais apresentavam-se alguns poucos artistas residentes em So Paulo ou em
outras cidades. Podem ser citados, por exemplo, o violinista Francisco
Chiaffitelli, da cidade de campinas, as pianistas Alice e Vitria Serva, a cantora
Vera Janacopoulos e a harpista Olga Massuccio. H que se mencionar tambm,
nesse mesmo perodo, os concertos das jovens pianistas Guiomar Novaes e
Antonieta Rudge e os recitais de poesia de Berta Singermann, Margarida Lopes
de Almeida e Rosalina Coelho Lisboa, a mesma Rosalina que se tornaria mais
tarde famosa poetisa e, como foi visto, a escolhida de Assis Chateaubriand, em
1950, para ser a madrinha da televiso no Brasil. (Mattos , 2002,123)

Certamente, possvel se observar o requinte das apresentaes artsticas.

Mas o teatro Municipal foi, tambm, durante anos seguidos, o


palco escolhido pelas elites para a realizao de banquetes polticos e, mesmo,
;;;de bailes de carnaval. Inicialmente, tanto os bailes quanto os banquetes eram
realizados no foyer do teatro. Entretanto, como o local revelara-se pequeno
demais em face do nmero cada vez maior de frequentadores, a prefeitura logo
decidiu construir um tablado desmontvel que se adaptava sobre a plateia, no
mesmo nvel do palco. Neste tablado passaram a ser realizado s todos os anos,
bailes carnavalescos e, em determinadas ocasies, grandes banquetes polticos.
Por exemplo, marcaram poca os banquetes organizados pelo Partido
Republicano Paulista. Nessas ocasies, o palco era a extenso da plateia e o
espetculo era o comes-e-bebes das elites, com o comparecimento de membros
dos governos estadual e municipal, deputados e senadores, membros do
tribunal de justia e militares de altas patentes. A msica, alojada no palco,
com o tradicional cenrio da floresta iniciava com a sinfonia de O Guarani,
prosseguia com valsas vienenses e terminava, aps o brinde de honra, com o
hino nacional. As frisas e camarotes eram ocupados pelos familiares das
autoridades e seus convidados, aos quais eram servidos, durante o banquete,
bombons e, na sobremesa, bem-casados e sorvetes
Os banquetes polticos eram reunies luxuosas, em que as elites
polticas podiam ver realizarem-se os seus requintados apetites gastronmicos
e gostos artsticos. (Mattos , 2002, 127)

E o que acontece no palco do Municipal alm dos eventos j narrados por


MATTOS, ns veremos agora:
Vez por outra, no Teatro Municipal, aconteciam tambm
apresentaes de espetculos teatrais encenados por artistas amadores
pertencentes alta sociedade paulistana. A propsito, a famosa semana de
Arte Moderna de 1922 l realizada, e que se tornou um marco na histria
cultural brasileira, embora no tendo sido propriamente um espetculo teatral,
na verdade no deixou de ser um festivo e criativo happening cultural amador,
concebido por jovens amantes das artes, jovens poetas e escritores ligados s
elites polticas e culturais de So Paulo e por elas patrocinados. (Mattos , 2002,
129).
21

E, prossegue:
Dentre os vrios espetculos teatrais amadores realizados pela alta
sociedade paulistana no Teatro Municipal, chama particularmente a ateno a
encenao da pea O Contratador de Diamantes, no ano de 1919. Este
espetculo reuniu, pela primeira vez, trs personagens que voltariam a
encontrar-se nos anos 40 e 50 e que, nessas dcadas, estiveram envolvidas em
importantes acontecimentos da vida artstica e cultural de So Paulo: Alfredo
Mesquita, Assis Chateaubriand e Yolanda Penteado. (...) sobrinha de Olivia
Guedes Penteado e filha de Juvenal Penteado, outro irmo de Antnio lvares
Penteado, Yolanda Penteado foi, no dizer do escritor e seu amigo Gilberto
Freyre, a paulista dos derradeiros esplendores do caf, (...) a ltima fidalga
paulista dos grandes dias do caf e, ao mesmo tempo, a brasileira de um no vo e
pioneiro e corajoso tipo de mulher bela e lcida. (...) Pela inteligncia, pelo
sex-appeal. Compreende-se que ilustres brasileiros mais velhos do que ela
tenham se apaixonado de modo to romntico(...), ainda quando (ela era),
menina moa. (Mattos, 2002, 129,130)

E a menina moa Yolanda Penteado sobe ao palco:

Em 1919, ainda mocinha, Yolanda Penteado participou como atriz-


figurante do drama histrico O Contratador de Diamantes, escrito por Afonso
Arinos de Mello Franco, intelectual mineiro radicado em So Paulo, que, trs
anos antes, em 1916, havia realizado viagem ao Nordeste coligindo farto
material folclrico. Dessa viagem resultara o espetculo Reisada, montado
naquele mesmo ano de 1916, no Teatro Municipal, em que o poeta Catulo d a
Paixo Cearense cantou pela primeira vez sua clebre composio Luar do
serto. (MATTOS, 2002,130)

Na sequncia do trecho acima, a respeito do drama histrico O Contratador de


Diamantes, MATTOS indica ainda que:

(...) Com a morte do marido, a viva Antonieta prado de Mello


Franco, filha do conselheiro Antnio Prado, resolveu ento dirigir, ela mesma,
a montagem de O Contratador de Diamantes, tendo no elenco praticamente as
mesmas figuras da alta sociedade paulistana que haviam participado do
espetculo Reisada. Washington Luiz, que na poca era prefeito de so Paulo
depois foi governador do Estado e presidente da Repblica -, alm de ceder o
Teatro Municipal para a realizao desse espetculo e custear os cenrios,
acompanhou tambm os ensaios . O mobilirio e os objetos de cena eram
autnticos, compostos de mveis antigos e de baixelas de prata da poca de
d.Joo V, os quais, dizia-se, pertenciam s famlias Prado e Penteado. Na
distribuio dos papeis, a personagem-ttulo, a do contratador, ficou para
Eduardo Aguiar de Andrada, e a da esposa, dona Branca, para Eglantina
Penteado da Silva Prado. A personagem do fidalgo Portugus foi para Gofredo
da Silva Telles e a do ouvidor para Ren Thiollier. (Mattos , 2002,131)

E, nas notas finais sobre a encenao fatos peculiares vem baila:

Alm dos protagonistas, subiram ao palco do Teatro Municipal os


atores coadjuvantes, um conjunto de jovens vestidos com roupas de poca, as
moas trajando longos vestidos Luiz XV, bordados com fios de ou ro.
22

Formavam dezesseis pares que deviam danar um minueto tocado pela


orquestra sob a regncia do maestro Francisco Mignone. Entre as moas e os
rapazes, era possvel identificar Yolanda Penteado, Jlio de Mesquita Filho e
Marina Vieira de Carvalho, sua futura mulher, Maria Helena e Yolanda Prado,
Silvia Uchoa, Roberto Moreira, Onaldo Machado, Klingelhoefer, Dino Crespi,
Luis Novaes de Barros, Lia Mesquita, Marina Furtado e Carolina Penteado da
Silva Telles. (Mattos, 2002,131).

Por volta de 1920, a capital paulista possua cerca de 580.000 habitantes, dados
da poca revelam que quase dois teros do total desse nmero de pessoas era constitudo
de imigrantes ou descendentes de imigrantes estrangeiros com predominncia de
italianos. A maioria dos imigrantes ia trabalhar nas lavouras de caf. Porm, alguns
conseguiam estabelecer-se na cidade, principalmente aqueles que traziam consigo
algum tipo de ofcio, como o de pedreiro, grfico, vidraceiro, ou qualquer outro que
pudesse ser absorvido imediatamente, naquele meio social que comeava a adquirir
feies urbanas marcantes. A industrializao tem incio num processo aparentemente
simples, isto se d atravs da fabricao de produtos de baixo valor e pouco elaborados,
usando matrias-primas nacionais como o prprio caf, o acar, o couro e o algodo.
Os precursores deste processo de industrializao foram os imigrantes, tendo em vista
que muitos j haviam sido operrios e boa parte deles chegava ao Brasil com algum
dinheiro. Podemos destacar neste grupo de pioneiros Rodolfo Crespi, os irmos Jafet,
atuando no ramo de tecidos, os irmos Puglisi Carbone e a famlia Klabin, responsvel
pela fundao da primeira grande indstria de celulose do Brasil. Chama ateno o fato
de que, alm de serem imigrantes eles tinham outra coisa em comum: todos comearam
trabalhando com importaes antes de se aventurarem na produo. Os bairros da
Mooca, Brs, Santa Efignia, Consolao e S concentravam o maios nmero de
indstrias, sendo que o bairro do Bom Retiro situado na mesma regio tornou-se o
reduto dos operrios. Ali se deu em 1917, a primeira greve do pas, em consequncia da
greve a cidade parou por vrios dias forando, desse modo, os patres a decidirem
negociar. Na lista de reivindicaes dos grevistas constavam: melhores salrios, jornada
de oito horas e seis dias por semana, a proibio do trabalho para menores de 14 anos,
entre outros direitos. O smbolo do sucesso dos imigrantes na poca foi o edifcio
Martinelli, construdo entre 1922 e 1930. Localizado no centro de So Paulo, o prdio
se manteve por dez anos no patamar de mais alto da cidade, com 25 andares e 100
metros de altura. Construdo em concreto armado e sob condies adversas na poca,
considerando que havia um rio sob o prdio, a obra ganhou o status de proeza
arquitetnica.
23

O incio da industrializao impulsionou a mudana da paisagem urbana e a


exploso demogrfica. Os anos 1920 foram um marco de transformaes aceleradas na
cidade de So Paulo, uma era de crescimento industrial, de modernizao das fbricas,
da eletricidade, das inovaes tecnolgicas, do surgimento das primeiras transmisses
do rdio e do incio do cinema falado, os Loucos Anos 20 trouxeram um clima de
prosperidade e liberdade sem precedentes. Tambm foram marcados por um tsunami de
derrubadas e construes de novas avenidas, pontes, prdios pblicos, jardins...,
acontecimentos que caracterizam a construo da imagem de uma capital moderna. So
Paulo cresce e moderniza-se colocando em prtica o modelo padro de urbanizao e
modernizao ocorrido na Europa, durante o perodo da Belle poque. Ressalta-se a a
criao de bairros exclusivos para a elite dirigente, assim como avenidas com
iluminao eltrica e jardins para passeio pblico; a Avenida Paulista, que rastreia os
parmetros de arquitetura da Av. Champs-Elyses de Paris, onde uma lei aprovada por
Joaquim Eugnio de Lima determina que todas as construes feitas na avenida tenham
pelo menos 10m de distncia em relao rua, bem como 2m de cada lado, a serem
ocupados por jardins e rvores, seguindo, assim, o modelo urbanstico parisiense; e
ainda o Teatro Municipal, um monumento de porte majestoso que se assemelha pera
de Paris, impondo sua marca no centro de So Paulo como smbolo da modernidade
urbana.
Movimentos artsticos que buscavam expressar a complexidade da vida
contempornea emergem ao redor do mundo nesse perodo, o Cubismo, o Dadasmo, o
Surrealismo e, nomes como os de Pablo Picasso, Salvador Dali e Marcel Duchamp so
reverenciados. Nesse contexto cultural efervescente, surge no Brasil a coletnea de
poemas Paulicia Desvairada (1922), de Mrio de Andrade (1893-1945), considerada a
primeira obra verdadeiramente de vanguarda do Modernismo brasileiro. Ode ao
Burgus, que se tornou o poema mais famoso do livro, foi lido durante a Semana de
Arte Moderna de 22 - para o espanto da seleta plateia que vestiu a carapua com os
versos: "Eu insulto o burgus! A Semana de Arte Moderna, tambm chamada de
Semana de 22, aconteceu em So Paulo no ano de 1922, e foi realizada nos dias 13, 15 e
17 de fevereiro, no Teatro Municipal. Cada dia da semana foi destinado a um tema
especfico, dentre pintura, escultura, msica etc. O evento marcou poca e, entrou para a
histria ao apresentar novas ideias e conceitos artsticos. Dentre os artistas que
participaram da Semana esto nomes consagrados do modernismo brasileiro, como
Mrio de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Guilherme de Almeida, Vctor
24

Brecheret, Plnio Salgado, Tcito de Almeida, Menotti Del Pichia, Srgio Milliet,
Heitor Villa-Lobos, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti.

ANOS 30 e 40

No incio dos anos 30, tudo aquilo que caracterizara de alguma forma
o esprito do movimento modernista nos anos 20 os anseios de
transformao, as constantes viagens Europa, a alegre e festiv a excitao que
punha por terra os cnones estticos estabelecidos, a nacionalidade
redescoberta pela experincia artstica, o entusiasmo de uma liberdade
intelectual e criativa que se exprimia na poesia, na literatura e nas artes
plsticas parece ter-se arrefecido aps a revoluo de 30 e, particularmente,
depois da Revoluo Constitucionalista de 32, o malogrado levante militar
paulista contra Getlio Vargas. Como escreveu Mrio de Andrade, tudo
estourava, poltica, famlias, casais de artistas, estticas, amizades profundas. O
sentido destrutivo e festeiro do movimento modernista j no tinha mais razo
de ser, cumprido o seu destino legtimo. Na rua, o povo amotinado gritava: -
Getlio! Getlio! ...Na sombra, Plnio Salgado pintava de verde a sua
megalomania de Esperado. No norte, atingindo de um salto as nuvens mais
desesperadas, outro avio abria as asas do terreno incerto da bagaceira. Outros
abriam eram as veias para manchar de encarnado as suas qu atro paredes de
segredo (Mattos, 2002,135, 136)

Como aponta (MATTOS, 2002) na citao acima, a dcada de 30 foi


especialmente marcante para So Paulo tanto pelas grandes realizaes no campo da
educao e cultura quanto pelas adversidades polticas. Os conflitos gerados entre, os
representantes dos setores agroexportadores do Estado, a elite poltica dominante e o
governo federal, levaram Revoluo Constitucionalista de 1932, episdio, este, que
transformou a cidade em uma autentica praa de guerra, onde eram armadas as
estratgias de combate, arrecadava-se os auxlios e as contribuies da populao, e
tambm onde se inscreviam os voluntrios. So Paulo saiu-se derrotado, e sua
participao poltica no cenrio nacional, tornou-se restrita. No entanto a "terra de
gigantes" segue em frente, e a urbanizao acelerada caracteriza So Paulo nesse
perodo; o intenso crescimento transformaria a cidade em uma metrpole moderna.
Nesse processo, ampliavam-se obras pblica, construes, demolies, e acontece
tambm o florescimento de instituies cientficas e educacionais. Em 1933, foi criada
a Escola Livre de Sociologia e Poltica, sendo destinada a formar tcnicos para a
administrao pblica; em 1934, Armando de Salles Oliveira, o ento, interventor do
Estado, inaugurou a Universidade de So Paulo; e em 1935, o Municpio de So Paulo
ganhou, na gesto do prefeito Fbio Prado, o seu Departamento de Cultura e de
Recreao.
25

Nesse mesmo perodo, a cidade assiste a uma realizao urbanstica notvel,


engendrada pelos planos de interveno urbana, nas gestes de Fabio Prado (1935-38) e
Prestes Maia (1938-45), que investiram no remodelamento da cidade e sedimentaram
novas reas em expanso, como os projetos da Companhia City os jardins (Europa,
Paulista e Amrica) que traziam a modernssima maneira de viver das elites. Muitas
novidades so apreciadas e, fazem parte do convvio cotidiano de quem vive na cidade:
Os novos viadutos, do Ch, major Quedinho e Martinho Prado, a Avenida 9 de Julho, a
Biblioteca, o mercado novo e o estdio Municipal do Pacaembu.
vlido ressaltar que durante a administrao de Prestes Maia (1938-45) foi
estabelecido um novo desenho urbano, tendo como suporte o Plano Avenidas , que
foi colocado em prtica, objetivando claramente, promover o alargamento do centro
comercial, o incentivo do mercado imobilirio, e tambm dinamizar o crescimento da
cidade e sua verticalizao, este ltimo testemunhado com a construo e inaugurao
em 1934, do Edifcio Martinelli, maior arranha-cu de So Paulo, poca, possuindo 26
andares e 105 metros de altura. As construes cresciam, So Paulo era tomado pela
chegada em nmero significativo de migrantes do interior do Estado e do Nordeste que,
por sua vez, ajudavam a erguer a cidade, contribuindo para a mistura que se
caracterizava pelos contrastes e, similaridades inquietantes no seu dia a dia.
No panorama teatral paulista da poca, Alfredo Mesquita realiza algumas
apresentaes de espetculos amadores no Teatro Municipal, geralmente patrocinados
pela Liga das senhoras Catlicas, conforme o relato de Jos Lessa Mattos em seu livro
O Espetculo da Cultura Paulista Teatro e TV em so Paulo (1940-1950):

Diferentemente de Yolanda penteado, Alfredo Mesquita retornaria


vrias outras vezes ao Teatro Municipal participando de espetculos amadores.
Em seu texto Origens do teatro paulista, ele refere-se montagem no Teatro
Municipal, em 1926, da pea, O sarau no pao de So Cristvo, escrita pelo
romancista Paulo Setbal (...) A sociedade benemrita Liga das Senhoras
Catlicas tomou a iniciativa de patrocinar a encenao dessa pea cujo texto
ela havia solicitado a Paulo Setbal. Ali, diz Alfredo Mesquita que O sarau no
pao de so Cristvo, de pea propriamente dita, pouca coisa tinha. Antes,
pretexto para recitativos, cantos, msica e, no 3 ato, danas: gavota, giga,
quadrilha, em que tomei parte com minhas amigas e amigos, jov ens gr-finos
de ento. Dez anos mais tarde, em 1936, Alfredo Mesquita retornaria ao
Teatro municipal. (...)Ele voltou ao Teatro Municipal com o espetculo Noites
de So Paulo de sua autoria, representado por um elenco de amadores, entre os
quais seus sobrinhos e sobrinhas. (Mattos, 2002, 132,133)

E uma nova experincia teatral de Mesquita no palco do Municipal :


26

Em 1939, Alfredo Mesquita encenou no Teatro Municipal sua


terceira fantasia, D. Branca, organizada em benefcio do departamento de
menores da Liga das Senhoras Catlicas. Durante o 2 ato, o espetculo teve
um momento que causou grande impacto na plateia. Foi quando surgiu no
palco O ballet das lendas brasileiras, um quadro com msica especialmente
composta pelo maestro Souza lima, cenrio, roupas e mscaras de Clvis
Graciano, sua estreia como cengrafo bal ensaiado por Chinita Ullman,
danado por suas alunas. No elenco l estavam novamente Marina Freire e
Ablio Pereira de Almeida, este representando o pai de uma das personagens, o
"poeta manque Genito, interpretado por Dcio de Almeida Prado. (Mattos,
2002, 134)

E as Companhias de teatro profissional apresentam durante as temporadas de


1936, 1938 e 1939, de acordo com Maria Lucia Pereira em ANTECEDENTES E
HISTRIA COTIDIANA DO TBC na Revista Dionysos n. 25, 1980, os seguintes
espetculos:
Cia. Procpio Ferreira: CHEQUE AO PORTADOR, de Armando
Gonzaga; ANASTCIO, de Joracy Camargo.
Cia. Dulcina: MAIS QUE PEQUENA e NOITES DE
CARNAVAL, de Carlos Goicoechea; PANCADA DE AMOR, de Noel
Coward; ALEGRIA DE VIVER, de Verneuil.
Cia. Manuel Dures, Palmeirim e Alma Flora (A comdia
moderna): BAZAR DE BRINQUEDOS; LINDA VOV, de Paulo
Magalhes; AMOR, de Oduvaldo Vianna.
E ainda apresentaes de Gensio Arruda com seus caipiras e Nino
Nello, com um repertrio muito ao gosto dos talo-paulistas
Cia. Dulcina: MARQUESA DE SANTOS, de Viriato Correa
(escrita especialmente para a atriz); YORRAH, de Verneuil, com os amadores
ingleses dirigidos por R. H. Eagling.
Cia. Luiz Iglesias Freire Jr.: A MENINA DE OURO, com a
garota Isa Rodrigues e Oscarito; BATATA; CABEA DE PORCO, no
Cassino.
Cia. Delorges Caminha: YAY BONECA, de Ernani Fornari;
MAU, de Castelo Branco de almeida; TIRADENTES, de Viriato Correa,
com participao de Itlia Fausta.
Cia Dulcina: NO TEMPO ANTIGO, de Antnio Guimares;
GRANFINA, de Paulo Magalhes. Cia. Jayme Costa: CARLOTA
JOAQUINA, de R. Magalhes Jr.
Cia. Procpio Ferreira: MARIA CACHUCHA, de Joracy
Camargo, interpretada por Hortncia Santos.
Cia. Amlia Rey Collao: UM JUDEU, de R. Magalhes Jr., e
SCHEHERAZADA, de Guilherme de Almeida. (Pereira, Dionysos n
25,1980, 66, 67)

A dcada de 1940 caracterizou-se no Brasil como um perodo de grande


efervescncia no plano econmico e poltico. Getlio Vargas ascende ao poder, em
1930, tal fato havia marcado o fim do liberalismo e uma predominncia nas
interferncias do Estado na vida econmica do pas, entretanto, certos fatores de ordem
internacional, tomando como exemplos a Segunda Guerra Mundial e a grande crise
enfrentada em 1929, colaboraram para o que podemos chamar de um surto
de desenvolvimento industrial, em substituio ao ciclo do caf. Em So Paulo,
27

particularmente, o perodo se notabilizou pela consolidao de um potente parque


industrial, tornando-se, assim, o principal produtor de bens de consumo do pas.
A capital paulista avanava vigorosamente em sua trajetria de crescimento
populacional, atraindo um grande nmero de indstrias e, concentrando uma expressiva
e poderosa elite, abandonando, desse modo, gradativamente e, definitivamente o seu
velho aspecto de cidade provinciana.
Chama ateno, entretanto, o fato de em plena expanso populacional e
industrial que transformaria a capital paulista numa metrpole, no plano cultural, So
Paulo ainda se distanciasse muito do Rio de Janeiro, local onde o debate esttico
encontrava-se muito frente e, o governo atentamente j assimilava as manifestaes
modernas internacionais. Sua notabilidade cultural marcava passo na Semana de Arte
Moderna de 1922. Evento, incontestavelmente, da maior importncia, que influenciou a
criao de grupos e associaes, tais como a Sociedade Pr-Arte Moderna e a Famlia
Artstica Paulista; permitiu uma sutil abertura aos artistas modernos nos sales oficiais,
e ainda, afirmou alguma substncia ao debate esttico e cultural. Contudo, suas ideias
no alcanaram o grande pblico, nem chegaram a definir um circuito artstico local,
que, - a despeito da intensificao industrial e comercial da cidade -, dispunha de
uma casa de pera de prestgio e uma grande rede de cineteatros, apresentando uma
programao variada, alm disso havia um nico museu voltado arte, a Pinacoteca do
Estado, e a Escola de Belas Artes.

E segue a programao de alguns espetculos profissionais das temporadas


Paulista de 1940, 1941, 1942, 1943, 1944, 1945 e 1947:

Cia. Sebastio Arruda: A MO DOS ESCRAVOS; STIMO


CU; A ROSA DO ADRO; ALMA SERTANEJA (acompanhado de um
espetculo de luta-livre)
Cia. Nino Nello: O CORDO, de Arthur Azevedo
Cia. Joo Rios: DEUS LHE PAGUE, de Joracy Camargo (seguido
de BALANGANDANS JOO RIOS, um ato variado).
Cia. Procpio Ferreira: O AVARENTO, de Molire (no elenco
Aime e Paulo Porto); O BURRO E O ANJO DA MEIA NOITE, de Joracy
Camargo, O BADEJO, de Arthur Azevedo.
Um VIEUX COLOMBIER, pouco ortodoxo, Isa Rodrigues
(com o elenco do Teatro Apolo do Rio), Alda Garrido, Mesquitinha, Follies de
Paris, Cia. Israelita de Teatro Musicado, os Piccoli e Clara Weiss completam o
panorama de 1940 (CEM ANOS DE TEATRO EM SO PAULO III)
Cia. Raul Roulien: (na qual estreia profissionalmente Cacilda
Becker): PROMETO SER INFIEL (ACCDALTA), de Dario Niccodemi;
GARON, de Alfred Savoir, TRIO EM L MENOR, de R. Magalhes Jr.;
28

ALGUNS ABAIXO DE ZERO, de Machado de Oliveira; CORAO, do


prprio Roulien; DIANA EU TE AMO, de Alberto de Castro.
Cia. Procpio Ferreira: MEDICO A FORA, de Molire, UM
GOLPE ERRADO, de Goldoni.
Cia. Dulcina: SINH MOA CHOROU, Ernani Fornari;
NUNCA ME DEIXARS, de Margareth Kennedy; A COMEDIA DO
CORAO, de Paulo Gonalves
Cia. Jayme Costa: NOSSA GENTE ASSIM, de Mello Nbrega;
A PENSO DE DONA ESTELA, de Gasto Barroso.
Cia. Procpio Ferreira: O IMIGO DAS MULHERES (em que
Bibi Ferreira apresentada como a maior revelao do teatro nacional), de
Goldoni, P DE CABRA, de Dias Gomes.
Cia. Dulcina: VIVO A MINHA VIDA, de Moss Hart e
Kaufmann; SINH MOA CHOROU, de Fornari; PIGMALEO, de
Bernard Shaw; TOVARICH: AS SOLTEIRONAS DOS CHAPEUS
VERDES; O ULTIMO LORD.
Iracema de Alencar e Manoel Pera: A FELICIDADE PODE
ESPERAR, de Eurico Silva; FEIA, de Paulo Magalhes; BERENICE.
Vicente Celestino (com operetas ou canes encenadas):
MESTIA; O BRIO; A VIUVA ALEGRE.
Alda Garrido: GUERRA NO CASAMENTO.
Nino Nello: PEPINO, O VERDUREIRO; O LOUCO DO
BELM; O FILHO DO SAPATEIRO, SAPATEIRO DEVE SER, de Joo
Batista de Almeida; QUEBROU O EIXO (revista de crtica poltica)
Procpio: O VENDEDOR DE ILUSES; O AVARENTO;
GENTE HONESTA, de Amaral Gurgel; O DEMONIO FAMILIAR, de Jos
de Alencar
Dulcina: A MULHER INATINGVEL, de Somerset Maugham.
Jayme Costa: O HOMEM QUE CHUTOU A CONSCINCIA,
de J. Rui
Palmerim: PEDIMOS A PAZ, de Goldoni
Nino Nello: A IMIGRANTE; CANO DA SAUDADE;
FILHO DE SAPATEIRO, SAPATEIRO DEVE SER; P RAPADP, de
Arnold Coimbra.
Dulcina e Odilon trazem para So Paulo sua Temporada para
Intelectuais apresentada no Municipal do Rio em 1944, com o seguinte
repertrio: CESAR E CLEOPATRA e JOANA DARC, de Shaw, e
ANFITRIO 38, de Giraudoux. Apresentam ainda DESLUMBRAMENTO,
de Keith Winter; A MARQUESA DE SANTOS de Viriato Corra;
CONVITE A VIDA, de Maria Jacinta, e uma reprise de CHUVA, de
Somerset Maugham.
Bibi Ferreira (temporada iniciada em 44): QUE FIM DE
SEMANA, de Noel Coward; A MORENINHA, de Joaquim Manoel de
Macedo, em adaptao de Miroel Silveira; O BARBEIRO DE SEVILHA, de
Beaumarchais, A CULPA DE VOC, de Giocoechea e Cardone; A VIDA
NO NADA DISSO e A PRIMEIRA DA CLASSE, de Malfatti e Insausti
(esta ltima contando com Cacilda Becker no elenco).
Procpio: O MENTIROSO, de Goldoni; O DIABO, de F.
Molnar e uma temporada de Teatro retrospectivo, com GUERRA DE
ALECRIM E MANJERONA, de Antnio Jos, O Judeu; O DEMONIO
FAMILIAR, de Alencar, AS DOUTORAS, de Frana Junior; O BADEJO,
de Arthur Azevedo, QUEBRANTO, de Coelho Neto; FLORES DE
SOMBRA, de Cludio de Souza.
Os Artistas Unidos, grupo carioca, vem a So Paulo, contando
com Henriette Morineau, j radicada no Brasil, no seu elenco, apresentam
MADEMOSELLE, de Jacques Deval, e PECADO ORIGINAL (LES
ENFANTS TERRIBLETS), de Cocteau. (Pereira,1980, 68, 69, 70, 71, 72)
29

Em resumo, a cidade que no podia parar, no final da dcada de 40, j estava


contaminada pelo ritmo da modernidade, a pressa, o corre-corre dos transeuntes, os
modernos edifcios, os arranha-cus e as chamins, automveis, buzinas..., em 1954,
ano em que So Paulo comemorou seu IV centenrio, para dar o tom as festividades
elegeu-se como slogan a frase So Paulo a cidade que mais cresce no mundo,
definitivamente, um brado ufanista de exaltao ao progresso, as conquistas e glrias
dos paulistas.
30

3. SEGUNDO CAPTULO TBC a sntese da modernidade teatral


brasieira
3.1 O Movimento teatral amador

possvel afirmar que toda uma etapa de renovao do teatro brasileiro ser
impulsionada pelos grupos amadores de teatro a partir de 1938. At a referida data o
teatro brasileiro perseguia a sua raiz nacional baseado na comunicao direta existente
entre o ator e a plateia. A presena do grande ator, sob as luzes do palco, era a prtica
dominante na relao espetculo/pblico e se impunha sobremaneira a ideia de
conjunto. A linguagem do espetculo era codificada por meio das respostas emocionais
do pblico, extradas, principalmente, pelas habilidades histrinicas do ator. Nesse
contexto o humor era parte importante. As companhias se formavam em torno de um
ator principal, um grande nome cuja virtude cnica maior era o domnio do
improviso. Sobre este tema Maringela Alves de Lima em sua abordagem na Revista
Dionysos - TEATRO BRASILEIRO MODERNO UMA REFLEXO diz o
seguinte:

Esse teatro individualista, improvis ado, mas enganado na


comunicao do que na qualidade artstica, ajudou no s a formar um pblico
como a alargar o campo de conhecimento das caractersticas do espectador
brasileiro.
Quem no conhece Procpio Ferreira, j ouviu falar muito nesse
homem. Uma gerao inteira de espectadores conhecia o ator, mesmo quando
no sabia nada sobre a pea que estava sendo encenada. Procuravam no
espetculo a presena de um determinado ator.
O ator que centralizava o interesse do pblico desenvolvia uma
habilidade especial para captar as reaes da plateia, mesmo que para isso
tivesse que mutilar um texto e alterar o ritmo e a durao de um espetculo. O
encanto da representao se apoiava exatamente sobre esse contato imediato.
Enquanto esse teatro predominava no Brasil, o teatro europeu
atravessava uma fase de caractersticas bem diversas, atribuindo a
responsabilidade maior do espetculo ao dramaturgo e ao encenador.
A partir de 1938 o teatro brasileiro entra em outro processo, bem
menos espontneo, deslocando o centro da representao do ator para a
totalidade do espetculo. O objetivo atualizar a esttica do espetculo no s
em relao a histria do teatro universal, como em relao demanda de um
outro tipo de pblico, mais sofisticado e mais bem informado. (Lima, 1980,
23).

Alberto Guzik em seu livro TBC: CRNICA DE UM SONHO - algumas


palavras preliminares -, mostra a relevncia que as atividades teatrais desses importantes
grupos amadores assumiram no fim dos anos 30 e que foram aumentando
gradativamente no incio dos anos 40, ele fala tambm sobre a incorporao de alguns
31

componentes ditados pela presena desses grupos no caminho da modernidade teatral


brasileira:
Nas dcadas de trinta e quarenta, bom nmero de grupos de teatro
amador foi formado no Brasil por uma espcie de idealismo visionrio. Quase
simultaneamente, em cidades to diversas quanto So Paulo, Rio e Recife,
organizaram-se equipes no profissionais que declaravam como suas algumas
bandeiras de luta muito semelhantes . Constitudos por universitrios,
intelectuais, profissionais liberais, esses conjuntos buscavam transformar uma
prtica teatral que lhes parecia tacanha, antiquada e desaparelhada para vos
mais ambiciosos. Sua ao tinha dois alvos prioritrios: O repertrio e a
tcnica, que queriam ver modificados e atualizados.
Movidos fora da paixo, os amadores brasileiros sonharam um
teatro radicalmente transformado, viabilizaram parte desse projeto na esfera
no profissional que era a sua, e contaminaram com esses ideais algumas
personagens-chaves. Como foi o caso de Franco Zampari, que viria a ser o
patrono todo-poderoso do Teatro Brasileiro de Comdia.
(...) Desde o incio, a dcada de 1940 em So Paulo era cenrio
para uma tentativa consequente de se injetar sangue novo no teatro sem
ambies que dominava o palco ento. Veio dos amadores. maneira do que
aconteceu no Rio, a energia surgiu a partir crculos intelectuais formados por
membros da alta sociedade e da burguesia remediada e abastada.
Impulsionados por grande variedade de influncias, mas dotados de projetos de
qualidade cultural superior ao da mdia do que se via na cena nacional, os
grupos amadores paulistas passam a atuar com vigor. Alfredo Mesquita o
animador do Grupo de Teatro Experimental, que comeou em 1942, com uma
apresentao de quoi rvent les jeunes filles, de Musset, falado no original.
Mas seu gosto e interesse pelo teatro tem origens anteriores. A
lembrana infantil de um espetculo de Afonso Arinos de Mello Franco,
baseado em pesquisas folclricas que o estudioso mineiro havia empreendido
durante viagem ao Nordeste do pais, ... a clebre Reisada festa de Reis
antiga moda brasileira -, interpretada por moas e moos da sociedade
paulistana no nosso Teatro Municipal, sob o patrocnio da benemrita
Sociedade de Cultura Artstica, em 1916, e sua memria de outra encenao
de 1919. O Contratador de Diamantes, levada ao palco pela viva de Mello
Franco. Dona Antonieta, parecem ter causado duradoura impresso em seu
entendimento da possibilidade de uma atividade amadora cuja qualidade o
impressionou. Largo espao de tempo permeia essa manifestao de interesse e
os resultados que ela suscitaria.
Acostumado desde a infncia a frequncia ao teatro, em 1933
escreve uma primeira pea, A Esperana da Famlia, adaptada de um conto
seu, includo no volume de estreia, lanado no ano anterior, e tem essa obra
encenada pela companhia de Procpio Ferreira. Em 1935 estar em Paris,
seguindo alguns cursos de teatro. Em 1936, de regresso ao Brasil, inspirados
pelas experincias do casal Mello Franco, organiza um grupo para montar,
tambm no Municipal, uma fantasia em trs atos que recebe o ttulo de
Noites de So Paulo, baseada na vida, tradies e costumes das fazendas do
interior do Estado. (Guzik, 1986, 4,5)

No registro de Maria Lcia Pereira, em ANTECEDENTES E HISTRIA


COTIDIANA DO TBC, encontramos que a encenao de Noite de So Paulo, de
Alfredo Mesquita, foi montada pelo prprio e levada ao palco com elenco de elementos
da alta sociedade, no Teatro Municipal, em benefcio do Asilo Santa Terezinha, da
Carapicuba em 5 de dezembro de 1936:
32

Sobre NOITE DE SO PAULO (...) depe o prprio Alfredo


Mesquita, anos mais tarde: NOITE DE SO PAULO era uma fantasia em
trs atos, passada numa fazenda do interior do nosso Estado, com cantos e
danas tipicamente nossos, msicas de Dinorah de Carvalho, cenrio de Wasth
Rodrigues, palavras para as canes de Guilherme de Almeida, com um
segundo ato passado no tempo dos escravos, isto , nos fins do sculo XIX,
entrando em cena um troley puxado por burros de verdade, havendo mais um
samba danado pelos negros, mais uma quadrilha em que tomava parte toda
troupe de amadores (...) Nessa apresentao subiu pela primeira vez ao
palco Ablio Pereira de Almeida. Quanto mocinha, - era Magdalena Lbeis,
hoje cantora de tamanha nomeada. (CEM ANOS DE TEATRO EM SO
PAULO II, por Sbato Magaldi e Maria Thereza Vargas 03-01-76. Citado
por Maria Lcia Pereira, Revista Dionysos n 25 ANTECEDENTES E
HISTRIA COTIDIANA DO TBC,1980,66).).

De acordo com Guzik (1986, 5), em 1937 Mesquita encontra-se novamente em


Paris, mergulhado no interesse pelos mais significativos encenadores do momento.
Alm de seguir cursos na Sorbonne e no Collge de France, estuda com Louis Jouvet e
Gaston Baty, e ainda, acompanha com muito interesse as realizaes de Georges e
Ludmilla Pitoeff. De volta ao Brasil, ele leva adiante a experincia que havia
empreendido em Noites de So Paulo. Em 1938, segundo (PEREIRA, 1980, 67) nos
mesmos moldes de Noites de So Paulo, Alfredo Mesquita monta seu espetculo A
Casa Assombrada (...) Encenado em benefcio do Asilo Santa Terezinha, o espetculo
tinha cenrio de Wasth Rodrigues, canto a cargo de Vera Janacopulos, msica de Souza
Lima e, no elenco, entre outros, Marina Freire, Ablio Pereira de Almeida e Irene de
Bojano. E em 1939 encenada Dona Branca com Dcio de Almeida Prado como
protagonista. Na segunda parte do espetculo, o Bailado das Lendas Brasileiras, com
msica de Souza Lima. Clvis Graciano inaugura ento sua carreira de cengrafo.
Terminou a a primeira fase da experincia teatral de Alfredo Mesquita. Ele
atravessa nos anos 1940 um perodo difcil; sua famlia opositora ao regime de Vargas
e de Adhemar de Barros, seu intendente em So Paulo, em consequncia, perde o jornal
O Estado de S. Paulo, durante cinco anos gerido por prepostos do regime estadonovista.

Em 1942 Alfredo abre a Livraria Jaragu, na Rua Marconi. Dotada de


uma casa de ch numa saleta arranjada aos fundos da loja, naqueles dias de
ditadura e guerra, no demorou muito para que a livraria se transformasse num
agitado ponto de encontro de parte dos intelectuais e artistas de So Paulo.
Lembra o antigo proprietrio que por l se encontravam os Andrades Mario e
Oswald, Srgio Milliet, Rebolo, Volpi, Clvis Graciano, Souza lima, Carlos
Lacerda, Vincius de Morais, Portinari, Pancetti, afora os participantes do
Grupo Experimental, que comearia suas atividades naquele mesmo ano , e os
atores de outro grupo amador, o English Players. (Guzik, 1986, 5, 6)
33

Ablio Pereira de Almeida em depoimento a Revista Dionysos lembrando


antecedentes do TBC diz o seguinte sobre a Jaragu e, o seu incio como autor teatral:

Os participantes de GTA, do qual eu fazia parte, se reuniam na


livraria Jaragu. Eram intelectuais, artistas, gente muito culta. Tinha o Clvis
graciano, que era cengrafo, o Antnio Cndido, o Nicanor Miranda, o Lvio
Xavier... E tinha muitos perus, que borboleteavam por ali.
Pois bem, em determinado momento, eu escrevi uma pecinha
chamada Pif-Paf. E o Alfredo Mesquita prestigiou muito a iniciativa.
Entusiasmou-se, falou que um dos objetivos do grupo era tambm formar
dramaturgos e, desistiu de montar uma outra pea, que j ia comear a ser
ensaiada, para encenar Pif-Paf. Eu mesmo dirigi, com um elenco amador, e o
sucesso foi extraordinrio.

Pondera Ablio :
__ A pea no era no era grande coisa. Nem podia ser. Eu era
advogado. Nem de Direito eu entendia. Entendia de Advocacia [...] Mas eu era
intuitivo, tinha bom gosto e um grande esprito de observao, que alis tenho
at hoje. E uma certa prtica de teatro. A pea no era realmente grande coisa,
mas era oportuna, e o sucesso foi espetacular. Quando fechamos as cortinas, no
final do primeiro ato, j sentamos no ar a reao do pblico. E demos muitos
espetculos. O Municipal lotava at o galinheiro. Depois fomos para o Teatro
Boa Vista porque, naquela poca, So Paulo no tinha mesmo teatros . Eram
s o Municipal e o Boa Vista. (Almeida,1980,133)

E em Origens do teatro paulista, Alfredo Mesquita faz um relato sobre o


prprio nascimento do GTE na Livraria Jaragu, fundada por ele e Roberto Meira:

Foi ali que, nesse mesmo ano (1942), Pussy Smallbones, filha do
cnsul ingls em So Paulo e diretora do grupo English Players sugeriu que
fundssemos nossos dois grupos (o nosso ainda no tinha nome) num s. que
a turminha dos nossos fiis, como diria Mme. Verdurin, que interpretara
minhas trs fantasias, criara gosto pela coisa mostrando-se ansiosa por
continuar a representar. Quanto ao grupo dos amadores ingleses, era, naquele
perodo, antes anglo-brasileiro, fazendo parte dele muitos elementos nacionais.
Topei a ideia de Pussy. Convoquei os membros de um e de o utro grupo, mais
alguns interessados pelo assunto. Organizaram-se reunies, noite, na sala de
ch da Jaragu. Debateu-se o assunto, elegeu-se a diretoria, definiram-se
diretrizes, elaborou-se um programa, deu-se nome ao movimento: Grupo de
Teatro Experimental, sugesto de Almeida Salles, eleito seu primeiro
presidente. (Mesquita, 1980, 35,36)

Observa Guzik:
[...] Nesse 1942, Alfredo ensaiava a pea de Musset e o conjunto
ingls preparava um texto de outro autor. Apresentaram as duas montagens
constituindo um nico espetculo no Cultura Artstica. Foi o tempo que durou
a juno dos dois grupos sob uma mesma sigla.
O GTE, agora s, iniciava sua trajetria mais significativa,
contando no elenco com muitos dos futuros profissionais do TBC.
Participavam dele Ablio Pereira de Almeida, Marina freire, Irene Bojano,
Nydia Lcia, Caio Caiubi, Maurcio barroso e Ruy Affonso, entre outros. E
deixando de lado a experincia discutvel de mostrar romnticos franceses na
lngua ptria deles, o GTE adota um programa que no se distancia muito dos
objetivos dOs comediantes no Rio. Esses, por sua vez, tinham encontrado um
34

grande inspirador na figura de Paschoal Carlos Magno, o poderoso animador


de um momento crucial para a modernizao eletiva do teatro brasileiro.
Sua preocupao era melhorar o repertrio teatral brasileiro,
conduzido ento, no teatro do estudante, atravs de uma maneira mais
aprimorada da prtica da representao, atitude que pode ser constatada em
suas atividades desde a estreia do TEB com Romeu e Julieta, em 1938, com
uma direo considerada histrica, de Itlia Fausta. Por linha semelhante se
conduziro Os comediantes, que se organizaram em 1940, o GTE, articulado
em 1942, o Grupo Universitrio de Teatro, de 1943, cuja direo coube a Dcio
de Almeida Prado. (Guzik, 1986, 6)

Alfredo Mesquita fala das realizaes e dos propsitos do GTE:

E o G. T. E. durou seis anos, de 1942 a 1948, levando cena uma


srie de espetculos clssicos, vanguardeiros e peas de novos autores
nacionais, sendo, justamente esse o nosso programa, a nossa finalidade, o
nosso ideal: Elevar o nvel das representaes e montagens, do repertrio, at
ento humlimo, do teatro profissional brasileiro. De fato, vegetava este entre
pecinhas nacionais ingnuas e aucaradas e adaptaes de comdias
estrangeiras de ordem talvez mais baixa ainda, levadas por companhias
pauprrimas, sem direo e sem maiores ambies artsticas ou culturais, tendo
sua frente um ou outro ator ou atriz de talento cmico, como Procpio
Ferreira, Jaime Costa, Dulcina, etc., cercado por comparsas de fazer d. Essa a
situao no nosso teatro de ento. (Mesquita, 1980, 36)

Podemos observar pelos dados extrados de ANTECEDENTES E HISTRIA


COTIDIANA DO TBC, por Maria Lcia Pereira, que o incio das atividades teatrais dos
grupos amadores causou grande repercusso:

Em doze de agosto de 1943, O ESTADO (DE SO PAULO)


publica uma nota sobre a organizao do Grupo de Teatro Experimental (...) e
em vinte e um de outubro surge um comentrio sobre o Grupo Universitrio de
Teatro (...)
a seguinte a nota sobre o GTE: Vrias tentativas tem sido feitas
entre ns, nos meios intelectuais que se interessam pelos problemas do teatro,
para a organizao de grupos de amadores estudiosos, que possam insuflar ao
teatro nacional um novo sopro de vida e interesse, que lhe permita tomar o
desenvolvimento que merece. Ultimamente essas tentativas parecem vir
ganhando vulto, devendo ser assinalado o empreendimento dos unive rsitrios
de So Paulo, que aps constiturem o Teatro Universitrio e o ensaiarem por
longo tempo, esto agora visitando as principais cidades do interior paulista,
apresentando um conjunto de trs pequenas peas, duas antigas e uma
moderna. Um outro conjunto que h algum tempo vinha se esforando para
adquirir forma e apresentar-se em pblico, anuncia agora a concluso de seus
preparatrios para o incio do programa que traou. Trata-se do Grupo de
Teatro Experimental que anteriormente representou A OUOI REVENT LES
JEUNES FILLES, de Alfred de Musset. O GTE de se constituir formalmente,
tendo a srta. Irene Smallbones como Presidente de Honra e Alfredo Mesquita
como Diretor Artstico. O intento do grupo contribuir para a formao de
um teatro nacional, que seja nacional tanto nas peas e nos autores, como nos
atores e cengrafos, educando para isso o gosto do pblico. Nesse sentido
procurar incentivar o aparecimento de teatrlogos nacionais. Enquanto no
houver para serem representadas boas peas de autores nacionais, sero levadas
peas estrangeiras, em tradues cuidadosas e de preferncia escolhidas entre
aquelas que no integrem o repertrio das companhias profissionais de teatro.
35

Talvez por causa da montagem anterior de Musset, no original, o


anncio de A SOMBRA DO MAL, de Lenorman, para trs de setembro, no
Municipal, frisa que O ESPETCULO SER EM PORTUGUS.
Sob a direo de Alfredo Mesquita, A SOMBRA DO MAL tinha
cenrios e vesturios de Clvis Graciano; coreografia de Chinita Ullman,
ritmos negros de Dinorah de Carvalho; e, no elenco, Ablio Pereira de
Almeida, Peter Prado, Rodolfo Nanni, Paulo R. de Magalhes, Jos de Barros
Pinto, Paulo Mesquita Mendona, Carlos Vergueiro, Marina Freire e Mercs da
Silva Telles.
Quanto ao Grupo Universitrio de Teatro afirma a nota bem
uma EXPRESSO DO MOVIMENTO QUE ORA ATRAVESSAMOS, pois
foi fundado com o propsito de colaborar na obra magnfica dos Fundos
Universitrios de Pesquisa para a Defesa Nacional e paralelamente, constituir
um centro permanente de interesse pelo teatro, renovando-lhe o repertrio e
envolvendo-o no esprito universitrio (21/10/1943).
Formam o grupo Dcio de Almeida Prado, Walter Wey e Clvis
Graciano. A montagem est a cargo de Rossetti e Molina; o vesturio, Lo urdes
Santos Machado; execuo, Lise e Zilica; acessrios, Ruth de Almeida Prado;
e ponto, Ruy Coelho. Figuram no elenco Cacilda Becker, Irene Bojano,
Augusto Fisal, Caio Eduardo Cayubi, Carlos Falbo, Douglas Michalany,
Gasto Gorenstein, Snia Coelho, Hamiltom Ferreira, Luciano Centofant,
Salim Belfort, Tito Fleury e Waldemar Wey.
O espetculo apresentado constava de trs peas: AUTO DA
BARCA, de Gil Vicente; OS IRMOS DAS ALMAS, de Martins Pena e
PEQUENOS SERVIOS NA CASA DE CASAL, de Mrio Neme.
(Pereira, 1980, 69, 70)

Para ficar ainda na esfera do amadorismo paulista cabe ressaltar o surgimento do


Grupo Universitrio de Teatro, pois rastreando a trilha cada vez mais ampla e moderna
que segue o teatro brasileiro, torna-se importante pontuar o papel da Universidade de
So Paulo em seu desempenho de atualizao cultural, que tambm o teatro ir aspirar.
Nesse sentido, entra em cena, em 1943, e sob a iniciativa de Dcio de Almeida Prado, o
Grupo Universitrio de Teatro (GUT), que tem seu bero na Faculdade de Filosofia da
USP.
Dcio, que se tornaria uma figura de grande expresso no processo de
modernizao do teatro brasileiro, tanto pela participao na prtica com os amadores
quanto pela atuao crtica. Segundo nos conta Guzik, vem de uma famlia tradicional
de proprietrios de terras. Desde cedo entusiasmou-se por teatro e literatura. Em
depoimento ao antigo Servio Nacional de Teatro, relembra fatos pitorescos, como por
exemplo, ter ido ao teatro pela primeira vez aos dez anos, e aos quinze, por ocasio da
estreia de Deus lhe pague, ter vibrado intensamente com a polmica suscitada pelo texto
de Joracy Camargo. Durante o ginsio dirigiu um jornalzinho, na companhia de Paulo
Emlio Salles Gomes. Chegou a concluir o curso de direito das Arcadas e, se formou
com a primeira turma da Faculdade de filosofia. Cincias e Letras da USP. Ele atuava
no magistrio, participara de alguns dos espetculos de Alfredo Mesquita que
36

precederam a criao do GTE e exercia a crtica desde 1941, na revista Clima. Atribui a
Alfredo Mesquita a ideia da fundao de uma revista. Sobre isso, e a criao do Grupo
Universitrio de Teatro, podemos encontrar mais detalhes no texto a seguir:

A Dcio, que na ocasio viajava pelos estados unidos, coube a crtica


teatral, ainda que na poca no possusse conhecimento mais especializado do
assunto. A partir da, felizmente para a histria do teatro brasileiro, concretiza -
se sua dedicao ao assunto. Por meio de sua atuao em Clima e no Grupo
Universitrio de Teatro firma-se sua participao concreta no processo de
renovao teatral. O GUT foi organizado por Dcio e Lourival Gomes
Machado com o apoio do Reitor Jorge americano, por meio do Fundo
Universitrio de Pesquisa, do qual o conjunto amador servia como divulgador.
Participaram do elenco do grupo tanto Cacilda Becker, j profissionalizada
anteriormente, como Hamilton Ferreira, Waldemar Wey e outros, sendo Ruy
Coelho o ponto da equipe. (Guzik, 1986, 7).

Para destacar o aspecto do ineditismo em relao ao repertrio do GUT, diz GUZIK:

Viajaram pelo interior, apresentando um repertrio de originais em


lngua portuguesa escolhido de forma programtica, atitude indita entre os
amadores at ento. Eram acompanhados por um professor universitrio que,
no intervalo, fazia um pequeno pronunciamento sobre o FUP.
Jorge americano, Andr Dreyfus e Jaime Regalo so professores que
excursionaram com o grupo. Quem desenhou os cenrios para a primeira
encenao foi Clvis Graciano. E at a fundao do TBC, o GUT desenvolveu
uma atividade relativamente contnua. A partir de 1946, assumindo o posto de
crtico teatral de O Estado de S. Paulo, Dcio colocava-se na condio de ser,
como afirmou Paulo Francis testemunha de uma gerao, papel que
desempenhou com dignidade e inteligncia admirveis. (Guzik, 1986,7)

Em 1938, surgia no Rio de janeiro, o Teatro do Estudante do Brasil, criado por


Paschoal Carlos Magno, por ocasio de seu retorno ao pas, aps uma de suas
experincias diplomticas. Com o nascimento do Teatro do Estudante, o teatro
brasileiro, presume-se, procura racionalizar a criao teatral, admite-se, ento, que os
efeitos teatrais podem ser conseguidos atravs de um embasamento tcnico, de uma
elaborao consciente do espetculo.
Para falarmos de mais esta etapa amadora pela modernizao teatral apoiada na
seleo de alguns dados mais representativos, extramos do texto de Maria de Lourdes
Rabetti, algumas passagens que consideramos bastante significativas sobre o TEB e,
igualmente, para o entendimento do processo de renovao como projeto cultural de
longa durao que, segundo Rabetti, muitas vezes encontrou barreiras e escolheu
caminhos determinados pela realidade mais ampla. Ela aponta o seguinte:
37

A escolha do nome do grupo (e de seus componentes), ao nosso


ver, j indicava o compasso da modernidade:
Fao questo de ressaltar que nunca pretendi que o movimento se
chamasse teatro universitrio, porque teatro no pertence a nenhuma
classe. O erro dos teatros universitrios que vieram depois que nenhum deles
era realmente universitrio, mas sim abusavam do nome. Teatro do
Estudante era para mim alguma coisa que abrangia estudantes de escola
superiores, secundrias, normais e aceitava qualquer pessoa que quisesse
fazer teatro e fosse menor de trinta anos. Eram todos estudantes... de teatro.
Ao desvincular seu grupo da universidade (e no entanto, a
integrao de Srgio Cardoso ao grupo em 1948, onde no papel de Hamlet
marcou sua entrada definitiva para o teatro, fazendo-o abandonar, um ano antes
de se formar, a Faculdade de direito, parece ser o exemplo mais significativo
de que o Teatro do Estudante manteve uma relao com a mesma), Paschoal o
aproxima daquele amor a arte teatral que ope estudo venda do produto. A
referncia idade, por sua vez, procura afastar os jovens dos velhos
profissionais.
Todavia, ser a prpria figura de Paschoal Carlos Magno a se
apresentar de modo muito particular diante das posturas de mudana que at
ento procuramos discutir. Tendo atuado no mundo artstico como autor de
romance e de peas de teatro passa a entremear sua atividade diplomtica no
Governo Vargas com a direo do grupo TEB. De alguma forma, o
entrelaamento destas atividades se traduz em caractersticas significativas, que
carregam sua contribuio para a viso modernizadora:
Em Londres, Paschoal entrou no teatro. Escreveu peas, mas no
isso que o fez popular. Abriu o apartamento de diplomata, numa poca de
intensa austeridade dos ingleses, a atores famosos, John Gielgud, Beatrix
Lehman, Laurence Olivier, etc., alguns homossexuais. Teve um grande caso de
amor com o bissexual Michael Redgrave... Jovem bonito, cheio de charme,
apelidaram-no de The Brazillian Bombshell, o apelido de Carmem Miranda em
Hollywood. Sucesso absoluto. (Francis, 1988, 14).

A imagem no convencional de Paschoal Carlos Magno descrita acima por Francis


ponderada por RABETTI:

Autor de teatro e diretor de um grupo teatral moderno, Paschoal


apresenta uma postura irreverente, devido talvez sua proximidade
diplomtica com o poder. Nessa medida, tambm pode ser compreendida a
proposta de quem, engajado na modernidade, dizia querer somente plantar uma
bandeira, numa sociedade miservel como a nossa, no importa se mal
executada. Tambm frente ao poder, nosso embaixador teatral adotava uma
posio realista, em resposta prtica populista de Vargas [...]
(Rabetti,1988,14)

Alfredo Mesquita em origens do teatro paulista, falando sobre o movimento


amadorstico no Rio diz o seguinte: (...) tendo frente e incentivado pelo incansvel
Paschoal Carlos Magno, verdadeiro gnio da publicidade e propaganda, propulsor e
animador entusiasta do teatro amador e estudantil, surja ele onde surgir, do norte ao sul
do pas, o movimento carioca no podia deixar de ter como teve irradiao
incomparvel. Alm do mais, tal movimento contou sempre com o apoio material do
governo. (Mesquita, 1980,37). E, RABETTI, desenrola a bandeira de Paschoal:
38

A bandeira de Paschoal, na verdade, quase virada ao avesso


justamente porque era mal costurada, diante dos critrios que a realidade
impunha e que o prprio movimento de mudana andava elaborando. E
sempre Paulo Francis que, ao oferecer uma descrio (interna do grupo),
permite visualizar, na defasagem que ocorre entre os limites da atuao
concreta e o projeto da atualizao, a instaurao de uma segunda ordem de
representao (= travestimento) no espao do teatro moderno.
Durante seis meses ensaiamos naquela base. Alguma coisa saiu...
Tudo feito em cena rigorosamente marcado, quase ao mnimo gesto. No h
improvisaes. E seis meses de horas de convvio dirio, somos criaturas
condicionveis, produziram interpretaes. O fato de que raramente tinham
algo a ver com as intenes dos autores, ou que no seguissem a gradao e
modulaes que os diretores de verdade conduzem, nada disso impedia que o
espetculo corresse, baseado no talento (ou falta) de cada um, e que existisse
entre ns uma familiaridade em cena que ao olho destreinado sugerisse
ensemble... nada funcionava. Cengrafos e figurinistas sofreram mutilaes de
projetos. Trajes de outras peas eram adaptados s nossas produes. Meu
Ulisses em Hcuba, para citar um exemplo, tinha couro e outros petrechos
autnticos sobre o saiote preto e branco. Na prtica, restou o saiote que me
fazia parece uma moa do Botafogo (logo que clube), uma baliza, talvez.
Romeu vestia a roupa de Oberon... Marcello se revelou uma presena poderosa
em cena... la Procpio e gerao, comeou a inventar situaes inexistentes
na pea. Algumas eram engraadas, outras no. Ambas so impermissveis, em
teatro srio, logo permissveis no Teatro do Estudante. (Francis , 1988, 15)

Comenta Rabetti:

Insistimos em olhar, at este momento, as descries de Paulo Francis


porque, como elemento participante do grupo, pode apresentar uma viso
bastante inusitada no prprio projeto de modernizao. De fato, acompanhando
seus textos notamos que seu sarcasmo trafega entre uma posio irreverente,
que o aproximaria de Paschoal, e uma alternativa que ele denomina t eatro
srio, compreendendo no apenas um texto dramtico, mas ensemble, direo,
organizao cenogrfica e de figurinos, cuidadosamente planejados e
realizados. Aos olhos do renovador, a viagem modernizadora do TEB no se
distinguia suficientemente daquelas que ocorriam como prtica constante dos
mambembeiros da velha guarda profissional. E por outro lado, ao encenar
Shakespeare, na representao de 52, o Teatro do Estudante o nacionalizava
demais pois a cada montagem, fazia transparecer, sob a capa de um autor de
indiscutvel prestigio cultural, a nudez de uma atuao muito prxima de uma
realidade limitada que remetia a uma conscincia do atraso. Uma s
bandeira (leia-se, autor dramtico) no era suficiente. (RABETTI,
Contribuio para o estudo do Moderno Teatro Brasileiro: A presena Italiana.
Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de Histria da Faculdade
de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo.
Volume I, So Paulo, 1988, 13, 14, 15, 16)

Do repertrio dos grupos amadores paulistas constam ttulos de qualidade, e o


nvel de seus espetculos leva a crtica a ser mais exigente em relao aos espetculos
profissionais. Entretanto, a exceo feita ao GUT, que fez uma opo programtica por
uma dramaturgia de lngua portuguesa, ns podemos encontrar certa similaridade nas
linhas de repertrio escolhidas pelos grupos. O Teatro do Estudante, Os Comediantes e
39

o GTE oscilam entre autores clssicos (Molire, Shakespeare, Aristfanes ou


Marivaux), e modernos (Tennessee Williams ou Pirandello). Todavia a lista de
encenaes desses grupos tinha certa flexibilidade para acolher autores que produziam
um material comercial com sensibilidade (Claude Andr Puget, Julien Luchaire, Sutton
Vane...). Tambm o GTE e Os Comediantes tinham a preocupao de trazer ao palco
autores nacionais. O primeiro apresentar textos de Ablio Pereira de Almeida e Carlos
Lacerda; caber ao segundo estabelecer um divisor de guas, realizando a histrica
montagem de Vestido de Noiva, texto de Nelson Rodrigues (1912-1980) dirigido por
Sbigniew Ziembinski (1908-1978), em 1943, considerada por tradio como o marco
inicial do teatro brasileiro moderno

Por Maria Lcia Pereira, Revista Dionysos ANTECEDENTES E HISTRIA


COTIDIANA DO TBC (1980, 70,71, 72):
1939
Entusiasmados com o xito e a repercusso de ROMEU E
JULIETA, de Shakespeare, pelo Teatro do Estudante, no Rio, em 1939
George Raeders e um grupo de universitrios levou, em So Paulo, NOITE
DE REIS, tambm de Shakespeare (...). O elenco se compe de nomes hoje
conhecidos em outros campos: Jos Tancredi, Walter Wey (recentemente
falecido), Luiz Contier, Jos Cretella Jr., Nicolau Zariff, Waldemar Wey,
Norma Caixe, Yvone Galvo Soares, Snia Toledo Piza. Fo i o seguinte o
comentrio: Mereceram todos longos e calorosos aplausos da plateia que
soube corresponder, com o entusiasmo, ao nobre esforo desenvolvido pelos
alunos da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, no sentido de elevar o
gosto do pblico com peas de real valor j consagradas. (24/11/1939)
(CEM ANOS DE TEATRO EM SO PAULO III).
1944
Temporada do grupo amador carioca OS COMEDIANTES (com
incio em junho), com os seguintes espetculos: UM CAPRICHO, de Musset,
ESCOLA DE MARIDOS, de Molire (direo de Adacto Filho); PELEAS E
MELISANDA, de Maeterlinck, VESTIDO DE NOIVA, de Nelson Rodrigues
(direo Ziembinski).
O GTE apresenta em novembro, FORA DA BARRA, de Sutton
Vare. A seguir, HEFEMANN, Alfredo Mesquita.
1945
O Grupo Universitrio de Teatro (GUT) apresenta duas montagens
neste ano: A FARSA DE INS PEREIRA, de Gil Vicente, e AMAP, de
Carlos Lacerda (cenrios de Clvis Graciano e bal de Chinita Ullman).
O Grupo de Teatro Experimental (GTE) monta OS PSSAROS,
de Aristfanes, e A BAILARINA SOLTA NO MUNDO, de Carlos Lacerda,
juntamente com O IMPROVISO DO GTE (que demonstra as dificuldades
pelas quais passam os amadores); e ainda O AVARENTO, de Molire, com
Ablio Pereira de Almeida no papel-ttulo.
1946
A falta de casas de espetculos comprovadora de que o teatro
perdeu terrivelmente o terreno. Se no Rio, em 1946, funcionavam dez salas,
So Paulo contava com apenas trs: O Boa Vista, o Santana e o Municipal,
inacessvel aos nossos conjuntos, com as temporadas estrangeiras e as festas de
fim de ano, as formaturas e os bailes. (...)
40

Assim mesmo o Grupo de Teatro Experimental e o Grupo


Universitrio de Teatro animam-se a planejar uma temporada conjunta, s
segundas-feiras, no Boa Vista, a preos populares. O GUT realiza o primeiro
espetculo com A FARSA DE INS PEREIRA e TODO MUNDO E
NINGUM, de Gil Vicente, e PEQUENOS SERVIOS EM CASA DE
CASAL, de Mrio Neme. Pouco antes, no Teatro Municipal, o Grupo de
Teatro Experimental levou AS ALEGRES COMADRES DE WINDSOR, de
Shakespeare, julgada pelo crtico acima das possibilidades do elenco.
PIF-PAF, de Ablio Pereira de Almeida, marca, no entanto, o
primeiro grande sucesso paulista. (...)
O Grupo Universitrio lana um novo espetculo: O AUTO DA
BARCA e AUTO DE MOFINA MENDES, de Gil Vicente, e OS IRMOS
DAS ALMAS, de Martins Pena. Participam no espetculo alguns elementos
que depois fariam carreira no teatro: O crtico Delmiro Gonalves, que fundou
um grupo, na dcada de cinquenta; a professora Maria Jos de Carvalho, q ue se
tornou autoridade na disciplina de Dico; e a professora Hayde Bittencourt,
que por muitos anos dirige o Teatro Universitrio de Minas Gerais. (CEM
ANOS DE TEATRO EM SO PAULO III)
1947
Funda-se mais um grupo, Os Artistas Amadores, dirigido por
Madalena Nicol e do qual faz parte Paulo Autran, que monta A ESQUINA
PERIGOSA, de Priestley (Pereira, 1980, 70, 71, 72)

Dois anos aps a estreia do Teatro do Estudante do Brasil, tambm no Rio de


Janeiro nasce o grupo amador Os Comediantes, cujas origens evocam s discusses
surgidas em 1938 resultantes do convvio artstico oferecido pela Associao dos
Artistas Brasileiros, dirigida por Celso Kelly. Na data de 15 de janeiro o Teatro
Ginstico abriga o incio das apresentaes dos seus espetculos. As estreias das
encenaes revelam o surgimento de um grupo teatral que traz tona a necessidade de
discusso e definio de uma srie de propostas, dentre essas, o esclarecimento de uma
proposta cultural e, as escolhas de repertrio e do nome do novo grupo.
So pertinentes as consideraes feitas por Beti Rabetti em seu texto, ao dizer do
grupo Os Comediantes que:
J a escolha do nome para o grupo, feita por Santa Rosa, aps alguns
dias de reflexo, aproxima o mesmo de uma proposta renovadora que se
constitui numa indicao bastante interessante. Veicula, em primeiro lugar,
uma nova viso para o trabalho do ator que, modernamente, deve interpretar
uma gama variada de personagens, diferente do velho ator que, em ltima
instncia, aos olhos da renovao, s interpretava a si mesmo:
Era preciso que exprimisse o meu real desejo; que cada elemento
reunisse o conjunto de qualidades necessrias para encarnar qualquer
personagem. Acho que foi um dicionrio ou revista italiana na qual havia um
artigo do meu amigo Mrio da Silva que encontrei a definio especfica,
diferenciando ator de comediante.
[...] O projeto veicula uma tentativa de efetiva ruptura com uma arte
de representar que naquela poca ainda se fazia presente. O representar a si
prprio prtica dominante de toda uma gerao de atores que, no Brasil, se
localiza no quadro das companhias profissionais que dominam os anos 20 e 30,
coexistindo e, muitas vezes, tentando uma proximidade com o projeto
modernizador contemporneo e subsequente.
41

[...] De qualquer forma, pode-se dizer que a perspectiva de adequao


aos modelos externos acrescida aqui, de um novo componente. O modelo que
at ento era baseado dominantemente no aspecto do texto teatral, com Os
Comediantes, se enriquece atravs da presena incisiva do encenador. Gustavo
Dria, um dos fundadores, associa a opo pelo mestre do Cartel como um
modelo que indicava a necessidade de escola que permeava o grupo:
Dizia Santa Rosa (no que era totalmente apoiado por Luiza Barreto
Leite e por outros) que sem traarmos os rumos de um teatro que nos levasse a
uma escola paralela, muito pouco aproveitamento teria o nosso trabalho. Por
isso a ideia de cursos paralelos, alguns comeados, mas sem continuidade,
passou a integrar o esprito da iniciativa
A liderana do cengrafo Santa Rosa, nesta fase inicial do grupo,
evidente e tambm sua especializao poderia aproxim-lo de Copeau e Jouvet,
os criadores do dispositivo cnico fixo, num mesmo ideal de despojamento
e funcionalidade que pos sibilitaria em Santa Rosa a criao de cenrios com
poucos elementos, apenas sugestivos.
Se a observao atenta ao significado da presena de santa Rosa
(como elemento criador de um grupo moderno e como cengrafo) contribui
para o seu resgate para a histria do nosso teatro moderno, preciso notar que
Os Comediantes entrariam para essa mesma histria sobretudo com a
montagem, 1943, de Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues. Tal
acontecimento lembrado tambm pela presena de um autor teatral
brasileiro, ento iniciante mas finalmente moderno, e pela presena de um
encenador: Nelson Rodrigues e Ziembinski, duas figuras marcantes e decisivas
para os novos trajetos da modernidade. (Rabetti, 1988, 16, 17, 18).

importante ressaltar que uma das vertentes de atuao da recm-chegada


figura do encenador era a coordenao que, observada de uma perspectiva interna do
trabalho teatral, traz consigo a noo de disciplina como requisito necessrio para a
realizao de um trabalho seriamente estruturado, e organizado em diversos aspectos.

Vejamos agora uma pequena nota sobre a avaliao da montagem Vestido de


noiva feita por Dcio de Almeida Prado, pinada do trabalho de dissertao de Tania
Brando A ENCENAO BRASILEIRA MODERNA: TEATRO DOS SETE:

A avaliao da montagem por Dcio de Almeida Prado decisiva: O


que vamos no palco, pela primeira vez em todo o seu esplendor, era essa coisa
misteriosa chamada mise-en-scne (s aos poucos a palavra foi sendo
traduzida por encenao), de que tanto se falava na Europa. Falamos em data
que smbolo, Dcio de Almeida Prado fala de um processo gradual de
incorporao de um conceito chave de teatro moderno encenao- ao jargo
da classe teatral. A modernizao no foi um processo rpido. Surgiu no
interior do amadorismo, como acontecera na Europa e nos Estados Unidos,
mas em um movimento muito nosso e peculiar, exigir algo mais que uma
dcada para tornar-se fato cotidiano. (Brando, 1990, 17)

Gustavo Dria num relato a Revista Dionysos, afirma que em 1947 vai surgir em
So Paulo mais um grupo amadorstico de semelhante importncia ao GTE, e que tem
sua frente a figura de Madalena Nicol, segundo suas palavras, um dos mais belos
42

talentos j aparecidos em nossos palcos, o novo conjunto se apresenta no Teatro


Municipal interpretando a esquina perigosa, de Priestley, traduzido pela prpria
Madalena Nicol. Em entrevista concedida a Silvia Regina Wakim e M. Lcia Pereira,
publicada igualmente na Dionysos, Paulo Autran fala sobre a caracterstica do teatro
amador que comeou a ser feito em So Paulo e sua participao no Grupo que
organizou juntamente com Madalena Nicol:

Comecei a fazer teatro como amador, aqui em S. Paulo, numa poca


em que no havia nenhuma companhia profissional paulista. Ns receba mos
visitas das companhias cariocas, que faziam temporadas no Teatro Santana, no
Teatro Boa Vista, que j foi abaixo, no Cassino Antrtica, que recebia visitas
de companhias de revista e no havia nenhum teatro tipicamente paulista, uma
companhia profissional paulista. Comeou ento a haver um movimento de
teatro amador, e um movimento de um nvel bastante bom, por ser justamente
uma tentativa de fazer um teatro melhor. Havia algumas companhias de nvel,
como a da Dulcina, que numa s temporada montou Shaw, DAnnunzio,
montou autores da melhor qualidade, mas normalmente vinham Jaime Costa,
Procpio, que traziam em seu repertrio uma grande maioria de peas de
boulevard, comediazinhas digestivas. Ento o teatro amador que comeou a ser
feito em So Paulo era um teatro procura de melhores textos, de uma melhor
qualidade, um teatro j mais informado a respeito do que um espetculo, da
importncia do cenrio, da roupa, do cengrafo, do figurinista, da sonoplastia,
da criao do espetculo no em funo de uma estrela, mas em funo da pea
a ser transmitida ao pblico, que era o teatro que estava se fazendo, j, no
mundo inteiro, preocupado com a direo do espetculo. Essa foi ento a
caracterstica do teatro amador que comeou a ser feito em S. Paulo. Havia o
Teatro Universitrio, dirigido, na maioria dos espetculos, pelo Dcio de
Almeida Prado; havia o Teatro Experimental, cuja figura mxima, o diretor
mximo, era o Alfredo Mesquita... Eu fiz a minha companhia com a Madalena
Nicol, que se chamava Os Artistas Amadores. Havia alguns outros grupos, mas
esses trs talvez fossem os principais. E a gente montava os textos que a gente
gostava mais. Eu montei uma nica pea com Os Artistas Amadores, que foi A
esquina perigosa, de Priestley. (Autran, 1980,170)

No devemos nos esquecer:

Cabe ainda uma referncia ao teatrinho que Lotte Sievers mantinha em sua
chcara, prximo de So Paulo, e onde, vez por outra, surgia um espetculo com a
audincia deamigos, jornalistas, etc. (Dria, 1980, 189)

O processo de modernizao da cena brasileira ter seu incio, de modo


efetivo, com o resultado da ao dos Grupos amadores. O esgotamento das frmulas
antigas aguou certamente essa propenso para a mudana, largamente demonstrada
pelos amadores a partir do final da dcada de trinta, e caracterizada, como se sabe, por
uma insatisfao generalizada com o que se passava nos palcos profissionais. Em seu
43

livro Moderno Teatro Brasileiro, Gustavo Dria expressa de modo bastante sucinto o
objetivo de todos quantos trabalharam pela renovao teatral dos anos 40. Ele diz:

Havia... dois pontos a considerar; primeiro, a conquista da plateia


pequeno-burguesa que no frequentava habitualmente o teatro porque o lhe era
oferecido no correspondia aos seus apelos, o que acontecia somente com os
elencos franceses, italianos ou portugueses que por aqui passavam. Segundo, e
como decorrncia desse primeiro, tornava-se imperioso oferecer textos de
melhor qualidade do que os que eram geralmente apresentados em nossos
palcos, trabalhados, tambm, de maneira mais cuidadosa, na interpretao de
atores disciplinados, dentro de uma mise en scne apurada. (Dria, 1975, 5)

Tratava-se, portanto, de um esforo realizado no sentido de recrutar um


pblico especfico, de se levar ao teatro uma classe social que o ignorava, pensando-se
em atra-la atravs de um apelo elegante e do refinamento do que apresentado. Os
jovens do Rio e de So Paulo posicionavam-se contra a rotina desgastada das
companhias profissionais. Segundo Alfredo Mesquita:

Era um teatro pobre, completamente sem pretenso alguma, ...


Alm de ser um teatro barato, destinado a um pblico pequeno -burgus,
possua uma unidade, pois os atores j conheciam o que estavam fazendo. Mas,
este teatro no era levado a srio pela intelectualidade, dado seu carter
moralista e familiar. As peas brasileiras implicavam em um teatro sem
problemas, onde todos eram bons, onde sempre se legitimavam os bons
sentimentos e o triunfo do bem. (Mesquita, 1986, 8).

A parte o fato de Gustavo Dria e Alfredo Mesquita terem posies


divergentes do que era pequena burguesia, ambos em suas falas fazem referncia a um
problema comum. O que visualizam a sua volta pouco imaginativo e, nada ambicioso,
todavia, consideram fundamental o esforo para alterar esse quadro estabelecido:

As dificuldades de se manter um conjunto de amadores empenhado


num projeto srio, objetivando chegar a espetculos de relevo, logo se fazem
sentir. Alfredo Mesquita, inspirado em Molire e Giraudoux, escreve o
Improviso do Grupo de Teatro Experimental, a ser includo antes do cartaz que
o GTE mantinha em seu repertrio. Findo o Improviso, o autor se dirige
plateia, colocando-lhe as dificuldades por que passavam em seu projeto de
trabalho e exortando-a a auxili-los. Segundo as prprias palavras do autor, ...
s uma pessoa no teatro inteiro respondeu ao meu apelo: Franco Zampari. Ele
imediatamente abriu uma lista, assinou seu nome e deu no me lembro mais
quantos contos. Fechou tambm a lista, porque ningum assin ou embaixo do
nome dele. (Guzik, 1986, 8)

Conforme diz Alfredo Mesquita, em seu depoimento para a revista Dionysos


(1980), os anos que deram incio a dcada de 40 foram anos tremendamente difceis,
44

pra no dizer trgicos para ns [...] no Brasil, a ditadura Vargas, animada pelas vitrias
dos seus congneres europeus, apertando os parafusos do seu totalitarismo indgena...
Tudo isso no deixava tempo nem nimo para que se pensasse em teatro em So Paulo
(p.35). Conforme Mesquita, os amadores paulistas quela altura j no tinham apoio
financeiro algum, nem oficial nem particular, vivendo sempre na misria, para dizer as
coisas como elas so, com meios modestssimos angariados entre seus prprios
membros e, nos melhores momentos com os parcos lucros dos seus espetculos. (p. 38).
As peas que encenavam no eram comprometidas com as questes polticas e sociais
contemporneas e, por essa razo, no eram alvo de preocupao do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP). De acordo com Guzik (1986), o desconhecimento ou a
falta de vontade de apresentar autores mais socialmente orientados como os americanos
Elmer Rice ou Clifford Odett [...], permite entender melhor o porqu de no terem sido
incomodados pela censura do famigerado DIP

So os tempos heroicos dos amadores. Luta-se pela certeza de que


possvel melhorar o quadro teatral dominante. Mas a batalha no cogita de
usar o palco como tribuna de ideias polticas. Tem-se ainda uma noo
imprecisa de que o teatro pode ser maior do que aquilo que vis to dia a dia em
cena. E, para os amadores, o momento de busca de apoio para a renovao
qualitativa que almejam. Embora sejam contemporneos da Segunda guerra
Mundial, seus espetculos no a refletem. Pensam em conceitos como Arte e
Belo com maisculas, querem atingir uma perfeio artstica que permita ao
teatro a ocupao de um lugar realmente destacado no panorama cultural do
pas. Mas, no caso dos amadores cariocas e paulistas que se encarregaram de
cimentar as bases da moderna renovao teatral brasileira, no se pode
esquecer que atuaram e conviveram com o Estado Novo, sujeitos, pois, s
presses censoriais que decorrem das ditaduras. (Guzik, 1986, 9)

GUZIK pontua:

A despeito da sinistra atuao do DIP, nos anos trinta e quarenta,


deformando e castrando a criao da inteligncia brasileira, no se deve a ela o
lineamento do repertrio dos grupos amadores. Nos depoimentos de seus
organizadores, no se nota a preocupao de encontrar textos que refletissem
de modo imediato problemas polticos e sociais contemporneos. Ao contrrio,
Gustavo Dria, narrando as cogitaes dOs Comediantes quanto a escolha dos
textos que comporiam sua primeira temporada cita A Dama Morena dos
Sonetos, de Shaw, A Jarra e A Verdade de Cada Um, de Pirandello, No, de
Obey, e Um Capricho, de Musset, como objetos de discusso nas reunies.
Desses textos optaram pelo de Musset, pela Verdade..., de Pirandello,
acrescentando-lhes Uma Mulher e Trs Palhaos, de Marcel Achard, e A
Escola de Maridos, de Molire. (Guzik, 1986, 9)

So tambm pertinentes as consideraes feitas por GUZIK a seguir:


45

Esse ecletismo encontrvel tambm nos repertrios organizados


pelo TEB, pelo Teatro Universitrio e pelo GTE para suas apresentaes.
Apenas o GUT optara desde o primeiro momento por uma linha de autores de
lngua portuguesa. Seu espetculo de estreia se compunha de Gil Vicente,
Martins Pena e Mario Neme. Do segundo constavam dois autos de Gil Vicente
adaptados por Dcio de almeida prado e um original de Carlos Lacerda. Mas j
em sua terceira produo, o GUT se depara com obstculos na manuteno da
proposta. Eu encontrei muita dificuldade em seguir com esse projeto
recorda-se Dcio, porque naquele momento nenhum jovem escrevia teatro no
Brasil. Havia naturalmente autores mais velhos, mas esses faziam um teatro
diferente daquele que nos interessava. A montagem seguinte do GUT
aproxima-o dos outros grupos amadores: escolhem O Baile dos Ladres, de
Anouilh. (Guzik, 1986,9)

E de modo taxativo, conclui:

De qualquer modo, mesmo voltados para uma linha que pouco


espao deu ao autor nacional, o que era sempre justificado pela carncia de
dramaturgos brasileiros bons, os conjuntos amadores deram uma mudana de
compasso ao teatro brasileiro. Resistindo aos espetculos de companhias como
as de Procpio Ferreira, Jayme Costa ou Alda Garrido que captavam a quase
totalidade da produo dramtica tupiniquim, num primeiro momento os
amadores se voltaram para outras fontes e buscaram inspiraes ainda
desconhecidas por aqui. Evitavam aquela que, segundo Sbato Magaldi, foi a
caracterstica principal da dramaturgia em voga nas dcadas de vinte e trinta,
dada pelas companhias profissionais que se mantinham junto ao pblico;
permitir que os primeiros atores que se tornaram dolos populares dispusessem
de um esboo sobre o qual projetar sua personalidade. Recusando Cala a
Boca, Etelvina, Feia, O Simptico Jeremias, os amadores empreenderam uma
busca de textos mais ambiciosos. Embora nem sempre seja clara a razo pela
qual se fixaram neste e no naquele dramaturgo, do repertrio internacional por
eles apresentado no pas so poucas as obras inconsequen tes ou francamente
ruins. (Guzik, 1986,9, 10)

3.2 A Reforma do Espao

A fundao do Teatro Brasileiro de Comdia aconteceu em 11 de outubro de


1948. Conforme David Jos Lessa Mattos (2002, 43), um dia antes da inaugurao do
TBC, o poeta Guilherme de Almeida publicava no jornal Dirio de So Paulo a crnica
315, rua Major Diogo uma quase-reportagem. Nela, ele escreve:

A vizinhana est mais ou menos escandalizada. Em pleno Bexiga,


na rua Major Diogo, entre duas vias preferenciais que descem do espigo da
avenida [Paulista] ao Centro entre a rua Santo Antonio e a Brigadeiro Luiz
Antonio os autos param entre um prdio diferente, de certa importncia, com
seus trs andares relativamente arquiteturados: fachada pintada de novo, cheiro
de construo, de calia fresca e tintas frescas. Aquilo grita, forte, na rua
estreita em que o bonde Bela Vista vai luminosamente bimbalhando entre
casas trreas incolores: uma quitanda com seus cachos de banana pendurados,
uma farmcia com aquele arzinho servial de injees prontas, dois armarinhos
de vitrinas j apagadas expondo chitas e enxovais de bebs, um bar com muitas
46

garrafas e poucos fregueses, uma entrada sombria para uma vila que se
dissolve num mistrio noturno...A gente simples, nos passeios, pra curiosa,
olhando o casaro renovado que jorra tanta luz. O que ser aquilo? Por
enquanto, nenhum anncio-luminoso, nenhuma taboleta, nenhum cartaz
explica coisa alguma. Entretanto, amanh..., amanh, no nmero 315 da rua
Major Diogo ser inaugurado o Teatro Brasileiro de Comdia (...), o teatro
pequeno e ntimo que So Paulo queria, pedia para ter onde dizer suas discretas
emoes. Na feia ostra urbana do Bexiga incrustada no casco velho da cidade
renovada agora essa jia se acende. Est certo. No nesses cncavos
obscuros que se criam as prolas? ... (Guilherme de Almeida, 315, rua Major
Diogo uma quase reportagem, Dirio de So Paulo, 10/10/1948. Citado por
Jos Lessa Mattos em: A inaugurao do Teatro Brasileiro de Comdia,
primeiro captulo do livro O Espetculo da Cultura Paulista, Teatro e TV em
So Paulo, 2002,43).

A despeito do seu resultado, a criao do TBC tinha, inicialmente, objetivos


aparentemente modestos. Franco Zampari, imbudo do sentimento de gratido, e
desejando retribuir ao Brasil - e particularmente a So Paulo -, a privilegiada situao
econmica aqui obtida, pensou em adaptar um local para que os grupos amadores
tivessem oportunidades de apresentar-se, j que os gastos e as dificuldades que o Teatro
Municipal e o Teatro Boa Vista ofereciam eram enormes. Zampari falando revista
Dionysos, em setembro de 1980, argumenta sobre a sua deciso de propor uma sede
para os grupos amadores paulistas: decidi fundar um grupo amador, e orientei a
transformao de uma garagem, na Rua Major Diogo, 315, num teatrinho com trezentos
e sessenta e cinco lugares, com palco de grande profundidade mas infelizmente pouca
altura. Foi fundada a Sociedade Brasileira de Comdia, sem objetivo de lucro e cujo fim
estatutrio o desenvolvimento da arte teatral no pas (Zampari,1980, 161). Segundo
GUZIK:
O edifcio da Rua Major Diogo, 315, foi descoberto por Hlio
Pereira de Queiroz, ponto e facttum do GTE, que ponteara A Mulher de
Braos Alados. Sabedor de que Zampari desejava instalar um teatro, indicou -
lhe o prdio. Este, segundo Alfredo Mesquita, teria sido anteriormente um
laboratrio e, durante a guerra, centro de uma organizao fascista. De acordo
com o prprio Franco, antes de abrigar o teatro o edifcio teria servido como
garagem. A adaptao do local se processou com velocidade, trs meses aps
sua descoberta, (...) abriram-se as portas para a inaugurao. (...) pelo
depoimento de Alfredo Mesquita somos informados de que o TBC Era, na
poca, um teatro muito bonito, decorado pela Sofia Assuno, cmodo e bem
iluminado. A estreia, o fundador da EAD a considera como um momento
histrico para o teatro paulista. (Guzik1986,13,14).

O TBC abria suas portas ao pblico - dos mais refinados diga-se de passagem -,
em 11 de outubro de 1948, e segundo dados da poca a sua inaugurao foi certamente
um acontecimento de gala na vida social e cultural da cidade. O evento foi prestigiado
por parte importante da alta sociedade de So Paulo, com suas mulheres que
47

transbordavam elegncia e refinamento, ostentando em sua fina estampa figurinos


adquiridos geralmente em suas compras nas lojas de Paris ou confeccionados pelas raras
modistas de alta costura do Rio de Janeiro e de So Paulo, echarpes, vestidos de soire e
perfume Chanel. Elas vinham acompanhadas de homens igualmente elegantes em
black-ties, conduzidos em seus automveis estrangeiros, dando sinais marcantes de alta
distino na sociedade e cultivo cultural e artstico. Segundo Mattos, os setores mais
cultos e esclarecidos da alta sociedade tiveram a representao de tradicionais famlias,
que desde os primeiros anos do sculo XX, vinham marcando presena, de algum
modo, na vida, cultural, artstica e intelectual de So Paulo, como as famlias Prado,
Penteado e Mesquita. Em seu livro Mattos nos traz todos os detalhes dessa noite:

Destas famlias, com charme discreto e elegncia, duas mulheres


apareciam com especial destaque: Dbora Prado Marcondes Zampari, filha de
fazendeiros da regio de Campinas que, quando menina, na poca da Primeira
Guerra Mundial, viveu durante dez anos na Europa, entre a Itlia e a sua,
acompanhada da me e dos irmos, e a bela Yolanda Penteado, ela tamb m
filha de fazendeiros paulistas, descendente longnqua de Joo Ramalho, prima
do historiador Caio Prado Jr. E sobrinha querida de da. Olvia Guedes
Penteado, a amiga de Mrio de Andrade e grande animadora do movimento
modernista na dcada de 20. Muito provavelmente as irms Mesquita
principalmente Ester, Maria e Lia -, filhas de Jlio Mesquita, o fundador do
jornal O Estado de S. Paulo, e netas de Cerqueira Csar [...] Por certo,
encontravam-se igualmente presentes algumas das mais conhecidas figuras da
intelectualidade e da vida cultural da cidade: artistas plsticos, escritores,
jornalistas e crticos de arte que costumavam frequentar as famosas livrarias
Planalto e Jaragu [...] O dono da livraria Jaragu era Alfredo Mesquita, irmo
mais novo de Jlio de Mesquita Filho que, com o cunhado Armando de Salles
Oliveira, havia tomado a iniciativa de criar, nos idos de 1934, a prpria
Universidade de So Paulo e sua Faculdade de Filosofia.
Realmente o comparecimento de Alfredo Mesquita ali, naquela
noite, era absolutamente indispensvel, pois fora ele o criador, em 1942, do
Grupo de Teatro Experimental, GTE, grupo amador do qual era diretor e que se
apresentava como uma das principais atraes do espetculo inaugural do
TBC.
Dcio de Almeida Prado era presena certa e praticamente
obrigatria naquela noite. Afinal, Dcio j exercia na poca a funo de crtico
teatral no jornal O Estado de S. Paulo e, ao mesmo tempo, era o diretor do
Grupo Universitrio de Teatro, GUT, da Faculdade de Filosofia, qu e fundara,
em 1943, juntamente com o estudante e futuro professor da USP, Lourival
Gomes Machado. Este grupo amador contou sempre com a colaborao de
Antonio Candido, de sua mulher, Gilda de Mello e Souza, de Ruy Coelho e de
outros jovens universitrios. De fato vrios estudantes da Faculdade de
Filosofia estiveram ligados ao teatro amador universitrio, seja como atores,
seja como contra-regras ou pontos: Entre eles esto Ruy Affonso Machado,
Miriam Lifchitz Moreira Leite, Lygia Corra Dias de Moraes, Maria Jos de
Carvalho, Maria Isaura Pereira de Queiroz e Oliveiros da Silva Ferreira.
Destes, apenas Ruy Affonso, aps bacharelar-se em filosofia, teve expressiva
carreira profissional como ator, justamente a partir da fundao do TBC, em
1948. (Mattos, 2002,44,45,46)
48

Assim, possvel afirmar que a inaugurao do TBC foi, mesmo um importante


acontecimento cultural em So Paulo concretizado graas ao suporte financeiro
fornecido por um grupo de figuras da sociedade paulistana, destacando-se empresrios,
banqueiros e industriais, participantes da Sociedade Brasileira de Comdia, entidade
sem fins lucrativos criada por Franco Zampari e seu amigo e padrinho de casamento, o
industrial Francisco (Ciccillo) Matarazzo Sobrinho, para levantar os fundos destinados a
criao da sala de espetculos.
A propsito do surgimento do TBC, Sabto Magaldi em seu texto na revista
Dionysos, faz referncia a nota publicada a 5 de outubro, no Estado, que prev a
importncia da abertura da nova sala:
provvel que tenhamos que dividir a histria do Teatro amador em
So Paulo em dois perodos; antes e depois do Teatro Brasileiro de Comdia.
Apenas cogitava-se ainda de teatro amador, quando j no ano seguinte o TBC,
para sobreviver, sentia necessidade de profissionalizar-se. A inaugurao deu-
se no dia 11 de outubro, com a montagem de La voix humane (A voz
humana), de Cocteau, no original, por Henriette Morineau, e A mulher do
prximo, de Ablio Pereira de almeida, pelo Grupo de Teatro Experimental.
(Magaldi, 1980,43)

E foi um sucesso como mostra Mattos em seu relato:

[...]o mais importante que naquela noite de 11 de outubro de


1948, o espetculo de estreia do TBC foi um sucesso total. Ruy Affonso, que
estava presente, diz que findo o espetculo os artistas amadores e a
maravilhosa Morineau foram confraternizar-se com o elegante pblico no
saguo de entrada do teatro, um saguo muito bonito, todo decorado em verde,
branco e vermelho, cores da bandeira italiana, possuindo em uma das paredes
um arranjo mural onde sobressaam, impressionantes, trs mscaras em
cermica, confeccionadas pelo escultor Giandomenico de Marchis e assim
definidas pelo poeta Guilherme de Almeida a Stira que sorri, a Fantas,ia sob
seu loup de segredo, a Verdade que arrancou a mscara e olha firme entre
clios negros.(Mattos, 2202,57,58)

Destaco a nota de Gustavo Dria na Dionysos falando com propriedade sobre o


criador do TBC. Diz o seguinte :
Estavam porm enganados aqueles que viam em Franco Zampari um
mecenas capaz de se limitar ao simptico papel de financiador de amadores de
talento e boa-vontade. Inaugurado o teatro, quando todos acreditavam que o
mesmo representava apenas a realizao do velho sonho de um grupo de
idealistas, Franco Zampari era o nico a saber que havia dado apen as o
primeiro passo para a concretizao do que ele mesmo se propusera a criar: um
teatro de verdade, de alto nvel, capaz de contribuir positivamente para a vida
cultural e artstica do pas. Para tanto, desde o primeiro dia, o teatro abriria suas
portas com uma organizao tcnica de moldes profissionais: cengrafos da
categoria de Aldo Calvo e Bassano Vaccarini, maquinistas, eletricistas,
carpintaria e contra-regra capaz de satisfazer todas as exigncias de um teatro
moderno (Dria, 1980,190).
49

Como aponta o trecho acima, a est um dos aspectos mais relevantes e


significativos da criao do TBC e de sua presena no panorama artstico do pas. O
grupo liderado pelo mpeto e a determinao de Zampari viera alterar o panorama
cnico em So Paulo onde vigorava uma realidade de poucas pretenses. Magaldi em
sua anlise das caractersticas e diretrizes do TBC, destaca: a passagem dos antigos
teatros de estilo italiano, com frisas, camarotes, e anfiteatros, para uma pequena sala,
adaptada, criando maior intimidade entre o ator e o pblico e em consequncia um tipo
de interpretao mais sbrio e comedido, mas impedindo, pelo reduzido nmero de
poltronas o escalonamento no preo dos ingressos (MAGALDI, 1980, 47). Podemos
constatar que esse novo modelo de espao teatral empreendido pelo TBC teve reflexo a
longo prazo, influenciando a criao de salas de espetculos de dimenses mdias e
pequenas, com perfil intimista, facilmente encontradas no eixo Rio de Janeiro e So
Paulo, como exemplos, o trio de salas Marlia Pra, Tnia Carrero e Fernanda
Montenegro que compem o Teatro do Leblon situado no Rio de Janeiro.
Ainda sobre os aspetos iniciais da organizao, os elementos considerados
tcnicos de que se servia o TBC eram de primeira qualidade, no apenas importantes,
como tambm exclusivos, j que eram os nicos existentes no pas e, para o trabalho
dos componentes da equipe, eles dispunham no apenas de ambiente apropriado assim
como tambm de recursos necessrios e sempre mo. Um tal apoio tcnico trazia a
reboque uma noo de segurana de coisa bem comeada que at ento no existia.
Aldo Calvo iniciou seu trabalho no TBC a convite de Franco Zampari, fazendo
parte de sua equipe desde a fundao do teatro, em 48 at 1956. Em 23 de novembro de
1949 estreia O Mentiroso, de Goldoni e, este espetculo conforme aponta Maria Lcia
Pereira em Antecedentes e histria cotidiana do TBC (1980,78) marca com sua
encenao requintada, a linha de produo da casa da Major Diogo. PEREIRA cita
Dcio de Almeida Prado que expressa: (...) O palco do Teatro Brasileiro de Comdia
no tem altura, como no tem espao lateral para guardar os cenrios. um palco sem
caixa, se possvel conceber tal coisa. Pois nas mos de Aldo Calvo, transforma-se:
duas plataformas giram, uma terceira avana inesperadamente do fundo e eis o pblico
aplaudindo freneticamente o milagre. (Dcio de Almeida Prado, O ESTADO DE SO
PAULO. Citado por Maria Lcia Pereira em Antecedentes e histria cotidiana do TBC,
Revista Dionysos n 25, 1980,78).
50

Com a palavra o autor de tal feito heroico. Aldo Calvo:

O TBC surgiu em 1948, sem finalidade lucrativa, de forma filo -


dramtica e amadorstica, sendo as deficincias do palco compatveis com as
finalidades iniciais do Teatro. Portanto, no que se refere ao setor cenotcnico,
as condies eram, insuficientes: as dimenses do palco, a aparelhagem de
iluminao e os tcnicos (maquinistas, eletricistas, iluminadores, contra-regras
e cengrafos) que se defrontavam, pela primeira vez, com as incgnitas da
cenotcnica (uma atividade da qual muitos provavelmente ignoravam).
Minha experincia como cengrafo do TBC foi muito rica, pois tive
oportunidade de desenvolver trabalhos interessantes auxiliado por elementos
timos, cheios de entusiasmo, honestos, solcitos e intelig entes. Tambm a
esses tcnicos deve-se boa parte do sucesso do TBC.
Naquela poca Franco Zampari interferia muito pouco na cenografia.
Deixava-se convencer a aceitar ambientes cnicos que nem sempre
combinavam com seu gosto esttico.
A liberdade de ao, no incio, era comum a todos os componentes da
Companhia: artistas, diretores, cengrafos, todos trabalhando para o sucesso de
forma harmoniosa. E no resta dvida de que o TBC, tambm no setor
cenogrfico, marcou uma poca em So Paulo e no Brasil.
Do que posso me lembrar, a cenografia no Brasil, anterior ao TBC, era
sobretudo ingnua. O TBC, entre outras coisas teve o mrito de mostrar um
novo tipo de espetculo: mais homogneo e mais sofisticado at ento indito
no Brasil.
Para mim o TBC, talvez pelas caractersticas do palco (projeto de
minha autoria), foi uma experincia das mais interessantes. Trabalhar naquele
palco era quase um desafio. Lembro-me com uma ponta de orgulho, dos meus
cenrios em O Mentiroso, de Goldoni, e em A inconvenincia de ser esposa,
de Silveira Sampaio, dois espetculos de grande sucesso, onde a cenografia
tinha uma parte importante tambm para as solues cenotcnicas complexas
que elas comportavam.
Deve-se admitir que o sucesso do TBC foi, em parte, devido aos seus
cengrafos, na maioria das vezes ocasionais, como: Nomia Mouro, Bassano
Vaccarini, Darcy Penteado, Carlos Jacchieri e Tlio Costa (profissional j bem
conhecido pelo pblico italiano).
O aparecimento do Teatro Bela Vista (devido a Sergio Cardoso e
Nydia Licia) e do Teatro Maria Della Costa, ao qual se deve a presena de
Gianni Ratto no Brasil (cengrafo de amplo currculo tendo passado pelo
Piccolo Teatro de Milo, Teatro Alla Scala, Festival do Maggio Fiorentino,
Teatro Fenice de Veneza, etc.) e o impulso inicial dado pelo TBC fizeram de
So Paulo o centro da Arte Cnica no Brasil. A partir da surgiu tambm um
maior interesse para a cenografia, que foi se apagando com o fim desta curta
fase teatral.
[...] Mas, voltando ao TBC, apesar de todos os erros cometidos,
consequncia de uma poca, este pode ser ainda considerado, at agora, como
o nico exemplo vlido de Teatro de Comdia, com uma infra -estrutura
funcional completa; isto deve-se sobretudo a Franco Zampari, que dedicou a
sua vida e seus haveres para alcanar seu sonho. (Calvo,1980,27)

3.3 O Padro TBC de qualidade

Para darmos incio ao assunto, pinamos as palavras de Alberto Guzik em seu


texto A Cenografia e o TBC: Algumas Reflexes Sobre Uma Linguagem Visual,
51

publicado no livro Cenografia e Indumentria no TBC 16 anos de histria, onde ele


expressa:

Fundado em 1948, o Teatro Brasileiro de Comdia foi mais que


uma simples organizao comercial articulada para propiciar entretenimento
cultural de boa qualidade e captar os lucros que resultassem dessa atuao.
Antes de mais nada, o TBC recordado hoje como sinnimo de uma forma de
trabalho. E como exemplo de perfeccionismo. Fosse qual fosse a pea em
cartaz, da tragdia grega ao humor comercial exportados pelos parisienses, o
pblico tinha certeza de que veria uma boa produo. Os atores poderiam estar
mal ou bem, a direo seria enrgica ou frouxa, mas os primeiros se
mostrariam corretamente paramentados e a segunda seria dotada de um espao
cnico construdo sem economia no oramento. Duran te alguns anos o TBC
significou o sonho concretizado. Produes rentveis, bons elencos, uma
democrtica diviso da diverso entre os que viam e os que faziam as peas,
bomias memorveis, muito trabalho. Afinal a fbrica de iluses se instalava
em braslico bero! Custara a chegar, mas viera. E rapidamente ganhou
contornos definidos. Cercado de uma aura de eletricidade, fermentado com
palavras mgicas como dinamismo e otimismo, o Teatro tanto realizava
quanto dava o que falar. (Guzik, 1980, 29)

Dentre as caractersticas das inovaes trazidas pelas produes do TBC,


podemos destacar a que concerne ao cuidado com a ambientao cnica. A ateno dada
aos cenrios e figurinos, o alto nvel das criaes, o preciosismo nos acabamentos e etc.,
so inovadores na cena brasileira. Tal tratamento deixa para trs o velho hbito, como se
sabe, da improvisao e reutilizao de figurinos e cenrios que costumavam antes
servir a diversos textos e ambientes.

Aponta, Guzik:

Aldo Calvo, Bassano Vaccarini e Arquimedes Ribeiro foram os trs


primeiros tcnicos da cenografia e da indumentria que se encarregavam de
vestir o TBC. E l reinaram por bom tempo. Mas isso no foi obstculo para
que a pintora Nomia se aventurasse palco adentro assinando em 49 o espao
de Arsnico e Alfazema. No mesmo ano a elegante Fifi Assuno desenhara
belas vestes para a enevoada Luz de Gs. Beatriz Biar se encarregava da
costura e tambm criava figurinos. Tlio Costa foi outro que idealizou alguns
espaos para a sala da Major Diogo. At Srgio Cardoso criou o cenrio para O
Inventor do Cavalo uma comdia expressionista que esteve em cartaz no
Teatro das segundas-feiras. Mas j ento Srgio era o ator aplaudido do Hamlet
de Paschoal Carlos Magno. Houve, contudo, uma estrela que brotou
diretamente dos bastidores da tcnica para as luzes do palco. Cleyde Yconis,
nada mais nada menos que a irm de Cacilda, encarregada do guarda-roupa at
que algum, algum dia, ficou doente. E Cleyde sabia o papel.
O trao caracterstico de toda a rea visual do TBC o realismo. Os
figurinos sempre foram realistas. Os cenrios quase sempre. Aqui e ali podia
surgir um toque caricaturesco, uma ponta de estilizao. Mas nunca em dose
grande o bastante para dominar o todo do visual.
Os documentos fotogrficos oferecem abundancia de pormenores
sobre a boa construo dos cenrios e a qualidade tima dos figurinos. Mas a
52

linha industrial que determinava as atividades do TBC se faz visvel com a


percepo de que havia mais percia que inveno. (Guzik, 1980, 30)

possvel afirmar que o TBC tornou-se clebre pelo grande estilo das
produes e, constituiu-se num padro. Entretanto, para imprimir essa marca
trabalhavam nos moldes rgidos de uma indstria, como observa Guzik em seu
comentrio :

Quando encenou O Grilo da lareira, adaptado de Dickens por


Ziembinski e Brutus Pedreira, o Teatro aparelhou uma oficina para a confeco
de brinquedos exigidos em grande quantidade pela pea que foram
montados por Walter Batelli e Rina Fogliotti. O auge do entusiasmo pelo
capricho na produo teve lugar na j citada estreia da Dama das Camlias,
para a qual foram mobilizados dez tcnicos que cobriam todas as reas, da
maquiagem aos sapatos. Os cenrios de Santa Marta Fabril foram
desenhados por Mauro Francini e os trajes eram de Darcy Penteado. O espao
que Gianni Ratto inventou para Eurydice de Jean Anouilh considerado dos
mais belos j vistos em palcos brasileiros. (Guzik,1980,31)

Podemos observar no trecho da crtica de Dcio de Almeida Prado, citado por


PEREIRA(1980,84) que o crtico sublinha outro aspecto muito importante da encenao
de Ral. Ele pontua: Os cenrios de Tlio Costa representam excelente ponto de
partida para qualquer encenao de Ral. Secos, incolores, speros, inumanos,
estabelecem o ambiente ideal para o drama rude de Grki, alm de renovar a cenografia
do TBC, ao estabelecer dois planos no sentido da altura, coisa que o palco da Rua Major
Diogo no parecia poder comportar. (Dcio de Almeida Prado, O Estado de S. Paulo,
08/08/51. Citado por Maria Lcia Pereira em Antecedentes e Histria Cotidiana do
TBC, Revista Dionysos, n 25, 1980, 84).

Os caminhos trilhados pelo TBC o conduziram na direo de um teatro


ilusionista. Mas vamos deixar que Guzik que levantou a lebre, nos explique melhor o
assunto:

Os caminhos novos no eram trilhados, mas os j conhecidos eram


levados a perfeio. Isso representou uma opo pelo teatro ilusionista, de
mero lazer, onde as ambies culturais caminhavam passo a passo com as
preocupaes comerciais de seus responsveis. Cada montagem
intelectualizada era seguida por uma ou vrias peas de sucesso de bilheteria.
Textos que chutavam o crebro para escanteio e se preocupavam com
trivialidades, de preferncia fazendo rir das trivialidades. Bons ou maus, os
dramaturgos recebiam do TBC a mesma produo requintada e cuidadosa. E a
maioria esmagadora dos escritores que mereciam tal distino era estrangeira.
Os autores Brasileiros, por longos anos, foram ignorados ou desprezados pela
direo da casa. (Guzik,1980,31).
53

... e, Nydia Lcia fala de sua vida teatral intensa no elenco do Teatro Brasileiro
de Comedia. Vale a pena?

Foi a poca de ouro do TBC. As montagens eram astronmicas. O


guarda-roupa carssimo. Seda pura, veludo francs, renda guepir. Numa
ocasio por no se encontrar a fazenda certa para o colete que Ruy Affonso iria
usar em O mentiroso. Aldo Calvo escolheu a cor e o tecido, e este foi
especialmente fabricado pelas indstrias Matarazzo. O TBC era a coqueluche
de So Paulo. As estreias eram o acontecimento social do ms. Ao lado do
teatro havia o bar mais elegante da poca: o Nick-Bar, onde todas as noites se
reuniam gr-finos, intelectuais e artistas, para cear e para ouvir um jovem
pianista recm-chegado da Itlia, que ali tocava at a madrugada. Seu nome era
Enrico Simonetti
Enfim, o TBC era um mito. E criou uma mentalidade nova. Com
seus lados positivos e negativos. Muito positivo era o lado profissional
altssimo que tnhamos alcanado.
Por outro lado, negativa era nossa mentalidade. S ns
prestvamos, s o que fazamos era bom as outras companhias no existiam.
Tudo o que os outros faziam era velho e superado.... Enfim, ns ramos jovens
e pr frente. O resto... matusas...
Tal qual como hoje. (Lcia, 1980,169)

A partir dos fatos anteriormente narrados, torna-se oportuna a chegada aqui e


agora, de dois textos crticos de Miroel Silveira, ambos publicados na revista Dionysos
(n 25, 192,193,194): CONTRA O GR-FINISMO EM ARTE e NO TEATRO
BRASILEIRO DE COMDIA, os mesmos foram extrados do livro A OUTRA
CRTICA, Editora Smbolo. So Paulo, 1977. No primeiro, Miroel solta o verbo :

No foi -toa que o romancista norte-americano Hemingway, se


no me engano, recusou certa vez um prmio literrio que lhe fora concedido,
alegando no conceder classe enriquecida por meio de negociatas o direito de
patrocinar a arte. Esta no pode ter classes, e deve libertar-se de uma vez das
tradies feudais dos Mecenas, do homem rico e poderoso que usa os artist as,
afinal de contas, apenas como meros jograis de sua corte, hoje industrial.
[...] Entre ns, no s a literatura e o teatro e muitas outras artes
dependem da classe financeira dominante, dependem consequentemente do
gr-fino e de toda a sua infeliz ausncia de humanidade. claro que nem todos
os homens de fortuna so gr-finos no mau sentido. H excees, imensamente
honrosas, de homens ricos e poderosos que sabem aproximar-se da arte e de
seus sacerdotes com respeito e compreenso. Mas a regra, nem por isso, deixa
de ser verdadeira. E a regra ver o gr-fino interessar-se por arte como se
interessaria pela criao de pequineses, pelo pif-paf ou por mveis antigos
por mero snobismo, por falta de ocupao e de responsabilidade, achando
sempre tudo ou um amor ou fabuloso.
Principalmente no teatro pode ser muito nefasta essa exagerada
aproximao entre classes to afastadas: os proletrios da ribalta, de um lado e
de outro os gozadores da vida, os que enxergam atravs dos culos risonhos de
Pangloss, no vendo na incomensurvel dor humana seno uma emoo
esttica a mais. O dinheiro tudo corrompe muito rapidamente. Ele traz uma
ascenso nos aspectos exteriores dos espetculos, pela possibilidade de
54

melhores teatros e mais ricos cenrios. Mas a essncia do teatro, que ser uma
arte vital, uma expresso da vida e da sociedade (e no uma sua parte ntima),
fica prejudicada. O gr-finismo leva imediatamente para a fuga dos problemas
e s grandes verdades, sempre incmodas. A cena se desvirtua
irremediavelmente em refgio de pirotecnias inofensivas, em deleitosas
masturbaes para uso de sibaritas. E enquanto isso a verdade do teatro, as suas
lutas imensas, a sua busca em direo ao povo, a sua natural funo de
exprimir-lhe as tendncias e aspiraes, desaparecem num fru-fru de tafets e
num espoucar de champanha.
[...] Em vrias naes verdadeiramente civilizadas, onde j se
fizeram ouvir as vozes da justia social, o teatro desfruta de situao totalmente
digna e ntegra. No funciona como sucursal de divertimentos, como intervalo
entre boites e cassinos. Fala ao povo com a autoridade de uma expresso
superior da inteligncia e do corao do homem. No rasteja, no bajula. Diz o
que tem a dizer. (Miroel, 1980,192,193)
...

E no segundo texto: NO TEATRO BRASILEIRO DE COMDIA, Miroel traz


tona questes relacionadas a sada de Ruggero Jacobbi, entre outras. Ele diz o
seguinte:

Pensam que o mundo comea e acaba na Rua Major Diogo...


[...] 1 Apresentado como um grupo sem propsito de lucro, o
TBC, no entanto, cobra os mais altos preos de entrada existentes no Brasil:
Cr$ 55,00 por poltrona. Todos os outros teatros de comdia cobram, no
mximo, S EM ESPETCULOS ESPECIAIS: Cr$ 40,00.
2 s quintas-feiras h matine e aos sbados, ainda trs
espetculos com sacrifcio dos artistas e dos ensaios das peas subsequentes.
3 O repertrio, escolhido, com algumas excees (O
mentiroso, Ronda dos malandros, Nick-Bar), se comps quase
exclusivamente de peas comerciais, j experimentadas e consagradas por
pblicos primrios, tais como Os filhos de Eduardo, Ingenuidade, Arsnico
e alfazema. O TBC, tambm, s apresentou uma pea de autor brasileiro: A
mulher do prximo, de nenhum valor artstico, alis. (Miroel,1980, 193,194).

No entanto, o ator Paulo Autran em entrevista concedida a Silvia Regina Wakim


e M. Lcia Pereira revista Dionysos, rememora a vida no TBC trazendo outros
aspectos . Ele com a palavra:
Assisti a uma conferncia do Boal em que o TBC que ele descrevia
no tinha nada a ver com o TBC que eu conheci. E ele falava do TBC como um
ninho de gr-fininhos que estavam ali fazendo uma exibio pessoal de
vaidades e de tudo, sem levar em conta, absolutamente, o nvel artstico e
literrio que o TBC chegou a atingir, sem levar em conta, absolutamente, a
quantidade de trabalho que se tinha no TBC. O regime de trabalho do TBC, era
terrvel e apaixonante. No me lembro de nenhum de ns, atores do TBC,
termos nos queixado das horas de trabalho que tnhamos por dia. Ns
trabalhvamos sem parar de duas da tarde s duas da manh. Ensaivamos a
tarde inteira, tnhamos tempo para comer um jantarzinho, que era, na maioria
das vezes, um lanche apressado num cafezinho que havia em frente ao TBC.
Fazamos o espetculo e depois do espetculo, frequentemente, tornvamos a
ensaiar at duas horas da manh, quando no passvamos de duas horas.
Tnhamos trs sesses aos sbados, s vezes trs sesses aos domingos. E todo
mundo achava aquilo fascinante, porque havia uma f, unindo o elenco todo do
55

TBC, uma f na crena palpvel, na crena violenta de que estvamos fazendo


alguma coisa que valia a pena estvamos fazendo bom teatro, estvamos
levantando o teatro no Brasil. Era uma convico arraigada em todos ns, e que
era corroborada pelas pessoas que assistiam o espetculo, pelas crticas e por
tudo que se escrevia ou se dizia a respeito do TBC naquele momento. (Autran,
1980, 174).

.BRAVOS!

Em 23 de novembro estreia um espetculo (dirigido por Ruggero Jacobbi que


representa um marco na histria do TBC O Mentiroso, de Goldoni. Ele inova em termos
de encenao, cenografia dois palcos giratrios-, figurinos e adereos. Esta pea, na
qual estreia Sergio Cardoso, determina, com sua encenao luxuosa e bem cuidada, a
linha de produo do teatro. (Pereira1980, 17).

O trecho acima evidencia bem que a tcnica e o bom acabamento da produo


so outros dois importantes legados do TBC, assim como a reformulao do espao
cnico:
Essa uma das primeiras conquistas dos amadores, que tiveram o
privilgio de contar com santa Rosa em suas fileiras, prosseguiu bem no TBC,
que pde dispor de valores como Aldo Calvo, Bassano Vaccarini, Gianni
Ratto, Tulio Costa, Mauro Francini, Darcy Penteado, Hilde Weber, Noemia
Mouro, Cyro del Nero e Maria Bonomi na realizao de seus cenrios. Esto
nessa relao alguns dos nomes mais importantes da moderna cenografia
brasileira. Kalma Murtinho, Clara Hetenyi, Luciana Petrucelli, Odilon
Nogueira, Rina Fogliottti e Beatriz Biar esto numa ilustre linhagem de
figurinistas. E tanto Leontij Tymoszczenko quanto Victor Merinov fizeram
escola no Brasil, estabelecendo-se no apenas como maquiadores mas
professores de maquiagem. O acabamento profissional do espetculo tornou-se
regra a partir do TBC. Depois dele no se voltou a admitir o espetculo
insuficientemente encenado. Da mesma forma que estabeleceu verdadeiros
padres na direo teatral, na interpretao, na criao visual, tambm na mo -
de-obra especializada dos cenotcnicos, iluminadores, contra-regras,
costureiros e guarda-roupeiros criou-se uma tradio, uma especializao que
serve at hoje ao teatro paulista. A partir do TBC, o teatro brasileiro descobriu
efetivamente a importncia da infra-estrutura do espetculo no resultado final.
Seja este a produo-mercadoria, mencionada por Fernando Peixoto, seja A
Semente, o trabalho nunca se prejudica pela habilidade tcnica posta a seu
servio. Bem ao contrrio, at. (Guzik,1986,225).

3.4 Os Encenadores Pedagogos

Das transformaes empreendidas pelo TBC, no devemos nos esquecer daquela


que incorpora a utilizao da reforma do encenador como responsvel pela autoria do
espetculo, este fenmeno que segundo Magaldi (1980,47) datava das ltimas dcadas
do sculo passado na Europa e conhecido no Brasil de maneira mais aprofundada a
56

princpio por meio de Ziembinski e depois dos vrios diretores italianos. E tambm a
implantao do Teatro de Equipe. Mas para assegurar o xito artstico dessa frmula,
torna-se importante a presena efetiva de um encenador capaz de conduzir o grupo.
Assim, para ocupar esta posio Zampari contrata inicialmente Adolfo Celi e, ao longo
do caminho, outros diretores viro juntar-se ao primeiro: Luciano Salce, Flamnio
Bollini, Cerri, Ruggero Jaccobi, Ziembinski, Gianni Ratto e Alberto DAversa.

Na Palavra de Sbato Magaldi:

Por indicao do cengrafo Aldo calvo, que pertencera ao Scala de


Milo e se encontrava em So Paulo a convite de uma firma de decorao.
Franco Zampari fez vir de Buenos Aires o jovem diretor tambm italiano
Adolfo Celi, pertencente a uma turma brilhante da Academia de Arte
Dramtica de Roma, na qual figuravam, entre outros, Vitrio Gassmann, Luigi
Squarzina, Luciano Salce, Giorgio De Lulio e Rossella Falk. [...] em junho de
1949 estreou Nick Bar, lcool, brinquedos e ambies, ttulo dado a The time
of your life, de William Saroyan, a primeira pea dirigida por Celi, no TBC.
Sua presena imprimiu um cunho diferente ao elenco: O trabalho dos
amadores paulistas j vinha sendo de primeirssima ordem nesses ltimos
tempos, mas sempre no sentido da maior naturalidade e discrio possvel. Celi
modificou ligeiramente tais caractersticas, dando ao elenco do TBC um senso
de espetculo, mais teatralidade, uma teatralidade mais agressiva e mais viva,
de acordo, alis, com o carter da pea. O rendimento que obteve dos atores,
nesse ponto, foi excelente (12/6/49). Estranhamente, uma pequena nota d
conta de que na estreia no havia ponto de espcie alguma, nem mesmo n os
bastidores, o que constitui grande prova de confiana no trabalho realizado
durante os ensaios. (Magaldi, 1980, 44).

A pea Nick Bar, lcool, brinquedos e ambies cuja traduo coube a Gustavo
Nonnemberg e os cenrios a Aldo Calvo, tem sua importncia reconhecida por se
constituir na primeira nova fase profissional do TBC, com elenco comandado por Celi
tem incio na casa da Major Diogo um perodo que se caracteriza pela transmisso de
conhecimentos tcnicos. Cleyde Yconis que integraria o elenco em 1950, depois de
trabalhar por algum tempo no guarda-roupa, comenta:

O TBC nos ensinou exatamente tudo, com raras excees, gente que
j sabia ler um texto, representar... O que eles me ensinaram foi descobrir o
ponto de equilbrio da minha coluna pra eu andar... Eles eram meninos, que
vieram aprender aqui, junto com a gente. Eles sabiam um pouco mais... fizeram
o conservatrio de teatro em Roma. (Yconis,1980,28).

Sobe a cena o texto de Luigi Pirandello, Assim ... (Se Lhe Parece), direo de
Adolfo Celi, a pea tem como protagonistas Waldemar Wey como Laudisi, Paulo
57

Autran e Cleyde Yconis nos papis do Sr. Ponza e da Sra. Frola. Conta Cleyde
Yconis:

Eu tinha trs anos de teatro e fui fazer a Sra. Frola. Eu j devia ter, sei
l, meus vinte e seis, vinte e oito anos... E fui fazer uma velha de setenta,
oitenta anos... O Celi marcou ensaios comigo de manh e disse: Cleide, no
tem andar de velho, no tem voz de velho, no tem nada. Existe velho. Claro
que hoje pode haver at uma velha de sessenta anos qu e corra cem quilmetros,
[mas no se trata disso] ... seno o texto diria. Ento, essa velha uma velha.
Pela primeira vez, em 1953, eu recorri memria emotiva, porque ele disse:
Pr te facilitar vamos lembrar de velhos. Eu me lembrei da minha av.
Comeamos a juntar vrios elementos da minha av, que me eram muito mais
vivos e presentes. E ele fazia exerccios comigo para ver quais elementos de
velho eu dava: atravessar a rua, quase ser atropelada, ver cachorro, ver criana,
ver vitrina, rezar, ir na igreja, e ns fomos selecionando. ... Isso em 1953,
portanto h vinte dois anos atrs. Memria emotiva, exerccios, laboratrios,
sem usar essas palavras. (Yconis,1986,93)

Pode-se dizer que o comentrio de Cleyde Yconis torna evidente a funo


didtica que todos, Zampari, atores e pblico, atriburam a Celi e aos outros
encenadores italianos nesses primeiros anos. Paulo Autran em entrevista concedida a
Silvia Regina Wakim e M. lcia Pereira publicada na Revista Dionysos, tambm fala
sobre o trabalho com Celi e com os outros diretores Italianos:

R - O sistema de trabalho do Celi variava conforme a pea. Eu me


lembro de ter feito muito laboratrio com o Celi, aquilo que hoje em dia se
chama laboratrio e que muita gente pensa que foi criado depois disso. No.
Celi usava os ensinamentos de Stanislavski. Com ele fizemos vrias vezes
exerccios que Stanislavski fazia e recomendava fazer para propiciar um clima
de concentrao e criao.
P E vocs atores, tinham conscincia de que estavam seguindo o
mtodo de Stanislavski?
R No. As vezes Celi dizia: Olha, isto aqui uma idia de
Stanislavski. Apenas o Celi no fazia muito alarde. Celi era um homem de
uma cultura muito slida e estava mais preocupado em fazer espetculos, em
nos transformar em atores, em nos melhorar como atores, do que em nos
incutir teorias na cabea. Ele aplicava praticamente o seu vasto conhecimento
teatral com um resultado surpreendente. Era comum as pessoas dizerem:O
Celi uma fbrica de atores! Ele transforma um pedao de madeira num ator
maravilhoso., o que no verdade (ri). Ningum consegue transformar certos
atores em grandes atores. Mas verdade que ele formou um ncleo muito bom
de atores, que ele pegou ainda como massas informes e que transformou em
gente consciente do que o ato de representar, do que transmitir um
personagem plateia. Cada um deles tinha um sistema de trabalho
completamente diferente, uma concepo diferente de espetculo. Eu me
lembro: Bollini era um diretor muito cnscio do impacto, da violncia, de
como movimentar uma massa em cena. A primeira pea que ele dirigiu no
TBC foi Ral, e, ao contrrio de Celi, que fazia um trabalho intelectual sobre o
autor, sobre o que a pea representava no contexto de histria do teatro
mundial, o Bollini era um homem mais prtico. Ele comeou a ensaiar indo
quase que diretamente para uma marcao, sem muita discusso, e ns,
habituados a um trabalho talvez mais lento, mais racional, mais intelectual, ns
58

balanamos muito com os mtodos do Bollini e me lembro que uma ocasio o


elenco se reuniu e foi falar com o Celi, que era o diretor geral do TBC, e pedir
a ele que fosse assistir um ensaio do Bollini para ver como que estava, porque
ns no tnhamos noo do que que estvamos fazendo. O Celi assistiu um
ensaio de Ral, ficou maravilhado e nos chamou de loucos: Vocs esto
fazendo um trabalho belssimo, no sei por que que esto reclamando. E
realmente, Ral marcou poca no TBC. Salce era um diretor de mincias, de
nuances, um diretor de uma sensibilidade incrvel. OS espetculos dele tinham
um clima envolvente, muito psicolgico e muito bonito. E muito engraado.
Salce tinha um sense of humor incrvel. Assim, com essas influncias
totalmente diferentes...
P E o Ruggero?
R - Ruggero Jacobbi o grande terico de teatro, o homem que sabe
tudo de teatro, talvez a maior cultura deles todos. E um homem que quando
saiu do Brasil foi para Milo, ser o Consultor Artstico do Piccolo Teatro de
Milo, que era um dos maiores conjuntos teatrais do mundo, no seu tempo.
Quer dizer, um homem de altssimo gabarito intelectual, sem dvida alguma.
Ruggero, de todos eles, era o que melhor falava portugus, falava e escrevia
portugus, um portugus belssimo. Ruggero deu aulas de teatro fora do
comum eu me lembro de uma srie de conferncias que ele fz aqui em So
Paulo, em que voc, para entrar, para conseguir um lugar pra assistir era uma
coisa difcil, e o brilho desse homem falando era uma coisa rara. Agora, na
hora de dirigir, ele tinha, no sei... uma espcie de preguia... o trabalho dele
ficava superficial. Dificilmente Ruggero fazia um grande espetculo. Mas
apesar disso, ele que assinou a direo de O mentiroso, de Goldoni, um dos
bons espetculos do TBC. (Autran, 1980, 177)

Ainda Paulo Autran segundo GUZIK (1986,28), relembra um episdio ocorrido


com o ator Gustavo Nonnemberg, a quem Celi mandou pr a lngua para fora,
segurou-a com um leno e disse: Agora, fale o seu texto. Sua dico muito ruim. O
Celi no dirigia apenas; ele formava tecnicamente os atores (Autran,1986,28).

Em paralelo a sua atuao como diretor, Celi passou a desempenhar essa


atividade de lapidar ou formar os atores sob suas ordens. As palavras abaixo so de
Adolfo Celi diretor paradigmtico do estilo TBC em uma entrevista a Jlio Lerner
publicada no livro Uma Atriz: Cacilda Becker:.Ei- lo :

Eu gostava de desnortear o ator no contraste de uma sensao antes


ou depois de outra. E os atores reagiam muito bem a isso. Acho que eles
mudaram na sua vida pessoal exatamente por essa forma de dirigir. um
ritmo, uma velocidade de representar e, na poca, eu estava obcecado pela
maneira de representar brasileira ela dava tempo ao pblico para ouvir at se
cansar daquilo que ouvia e ento comentar uma sensao. Queria passar por
cima de tudo isso e dar muito mais coisas ao mesmo tempo. Todas as minhas
peas duravam dez minutos a menos do que deveriam durar, sempre. Eram
muito mais rpidas... (Adolfo Celi, entrevista a Jlio Lerner, em Uma Atriz
Cacilda Becker,cit., pp.122-123. Citado por Guzik em 1949-1953: sob o signo
do sucesso, no livro TBC: crnica de um sonho,1986, 59).
59

Na medida em que o ator era guiado pela direo rumo aos resultados que esta
pretendia atingir - em grande ou pequena escala - o intrprete tornava-se um
instrumento nas mos do responsvel pela assinatura do espetculo, este, determinava
sua postura, inflexes de voz, modo de andar, etc. Porm, isso no era aplicado de
maneira impositiva; era antes uma induo, como deixa claro GUZIK (1986,59) ao citar
o registro de Ruy Affonso, sobre sua atuao na primeira montagem de Arsnico e
Alfazema: sem dvida a Celi que devo a possibilidade de ter chegado a um resultado
satisfatrio... Nosso diretor tem um grande respeito pela personalidade dos seus artistas.
Ele apenas prepara o terreno para que o prprio ator faa surgir a sua personagem, sem
interferir despoticamente na nossa criao; ns mesmos que vamos pouco a pouco
esboando e dando vida aos nossos papeis. (Ruy Affonso, Programa de Arsnico e
Alfazema, 1949. Citado por Guzik em 1949-1953: sob o signo do sucesso, no livro
TBC: crnica de um sonho,1986, 59)
vlido ressaltar que se a interveno de Celi no trabalho no se dava de modo
opressivo, nem por isso deixava de se fazer sentir de modo intenso. E Cleyde Yconis
evidencia um pouco mais: Celi... principalmente nos fazia pensar. Pensar. Pensar.
Tinha uma anlise de texto de cada vrgula. Destrinchar, aprofundar o texto com o Celi,
e ouvir. (Cleyde,1980, 60).
Em novembro de 1949, o TBC contrata o ator Srgio Cardoso e o diretor
Ruggero Jacobbi. O primeiro, depois de uma experincia considerada no muito feliz
com o Teatro dos Doze, estreia sob sua responsabilidade O mentiroso, de Goldoni,
dirigido pelo segundo e, sendo por muitos considerado um dos mais perfeitos
espetculos do TBC. A respeito da chegada de Jacobbi nos conta Guzik:

O novo diretor do TBC, Ruggero Jacobbi, recebe como primeira


incumbncia a montagem de uma pea inconsequente de Savoir, Ele. Jacobbi
se encontrava no Brasil desde o final de 1946. No Rio, j dirigira A Estrada do
Tobaco, de Erskine Caldwell, para o Teatro Popular de Arte. E no Teatro dos
Doze, formado efemeramente por elementos congregados a partir do
movimento amador carioca, montara Arlequim, Servidor de Dois Amos, de
Goldoni, Tragdia em New York , de Maxwell Anderson, e o infantil Simbita e
o Drago, de Lcia Benedetti, Srgio Cardoso, sado tambm do Teatro dos
Doze, contratado pelo TBC ao mesmo tempo que Jacobbi, mas no participa
da montagem da obra de Alfred Savoir. Sobre Ele, pode-se dizer em seu favor
que a relativa notoriedade desfrutada pelo autor, polons radicado em Paris, no
entre-guerras, deveu-se ao fato de estar situado numa espcie de vanguarda do
teatro de Boulevard, afrontando os bem-pensantes com seu cinismo e
amoralidade. Esse teatro no vive mais, porm, em outubro de 1949, sua
comdia agridoce, levou perto de treze mil pessoas ao TBC. [...] O primeiro
aniversrio do TBC encontra o teatro solucionando sua primeira crise de ordem
60

artstica, que resulta na sada de Madalena Nicol, e mal lembrada


publicamente, caindo entre o fim da carreira de Luz de Gs e a estreia de Ele.
Mas o ltimo espetculo montado pelo TBC em 1949 recebe galas
e cuidados dignos de tal celebrao. O Mentiroso, de Goldoni, apresentar ao
pblico paulista a estreia de Srgio Cardoso no elenco da casa. Os cenrios de
Aldo calvo, com uma engenhosa soluo para as mudanas de cena e o uso de
dois palcos giratrios, constituem um elemento de primordial importncia para
a fluncia com que corre a direo de Jacobbi. Os figurinos, tambm de Calvo
evocam com muita elegncia o settecento goldoniano e deliciam o pblico.
Explica Ruggero Jacobi que, para entrar no TBC, fizera um trato com Zampari,
segundo o qual dirigiria um espetculo moda da casa e outro minha
moda. O Mentiroso, portanto, um trabalho sua moda. [...] Alfredo
Mesquita, que no tem uma lembrana simptica de Jacobbi como encenador,
coloca o Mentiroso numa situao parte, declarando-o um trabalho bastante
requintado, para aduzir logo em seguida Jacobbi era veneziano como
Goldoni, portanto ele conhecia bem o estilo da Commedia dellarte e pde
realizar um espetculo de bastante efeito.
Alfredo Mesquita acerta o alvo. Jacobbi, intelectual de belo calibre,
deixou registrado seu entusiasmo pela venervel forma de representao em
Goldoni e a Commedia dellArte. Ecoam at hoje aplausos ao seu Mentiroso,
que alguns consideram o melhor espetculo do TBC, incluindo -o at entre os
melhores do teatro brasileiro. Mas Dcio de Almeida Prado tambm chama a
questo para um outro ngulo: No obstante as grandes qualidades da direo
de Ruggero Jacobbi e a cenografia de Aldo Calvo, o maior acontecimento do
novo espetculo do Teatro Brasileiro de Comdia o desempenho de Srgio
Cardoso como protagonista.
Ruggero Jacobbi anotou algumas observaes interessantes sobre o
mtodo de trabalho do ator seu contemporneo. Elas parecem sintetizar de
certa forma uma atitude dos encenadores do TBC quanto interpretao.
Qualquer ator ou diretor de hoje sabe que trs quartos das
deficincias que aparecem na arte de representar, e, muito especialmente, na de
inflexionar, derivam justamente do fato de que o ator, enquanto diz, no pensa
no que est dizendo: pensa na linha geral do papel; no efeito que vai surgir, a
determinada altura, naquela cena; no perigo de ser montono, etc.
Preocupaes estas, todas legtimas e certas, mas que podem prejudicar de
outro lado, a naturalidade lgica e fsica da inflexo, aquela espcie de anlise
perptua do texto, que impe representao passos inevitveis, como seja
frisar uma palavra e no outra, marcar sinais de pontuao e distribuir o tempo
das frases no com base na respirao e sim na sintaxe. O ator moderno est
sempre obrigado a um processo gradativo e complexo de conquista da
personagem e da pea; uma vez decorada a fala, tem que harmoniz-la com as
outras, dele e dos outros atores; tem que se convencer de que aquelas palavras
so melhores do que as que ele usaria nas mesmas circunstncias; tem que
transform-las em ao, acumulando aos poucos inflexo, gesto, marcaes,
efeitos de voz, necessidade de respirao, at esquecer que tudo aquilo parte de
um texto escrito por outro e acreditar que surgiu de dentro dele mesmo.. Essa
dificuldade inicial permanece s vezes visvel at o fim, mesmo num resultado
perfeitamente conseguido, pois foi conseguido custa de inteligncia, tcnica e
fora de vontade, agindo sobre a sensibilidade em momentos sucessivos e, s
vezes, friamente distintos.
O que se depreende dessas palavras no exatamente um iderio
sobre a arte do ator, antes, o depoimento de um bom pensador colocado face a
face com a questo. E tem a qualidade de condensar uma atitude bem
generalizada em relao a ela, na Europa dos anos trinta e do imediato ps -
guerra. (Guzik, 1986,35)

Ao longo de todo o ano de 1950, o programa de atividades do TBC apresentou


at o ms de agosto nove espetculos, em setembro este nmero sobe para doze, com
61

a criao do Teatro das Segundas Feiras. Segundo GUZIK Integram um mesmo


programa O Homem da Flor na Boca, de Pirandello, Lembranas de Bertha, de
Tennessee Williams, e O Banquete, de Lcia Benedetti. A ideia da ocupao do dia
ocioso da casa foi de Luciano Salce e de Guilherme de Almeida, conselheiro literrio da
Sociedade Brasileira de Comdia (...) as trs peas que compem o espetculo so
dirigidas por Ziembinki. (Guzik,1986,46). Chama ateno, entretanto, a participao
de Ruggero Jacobbi a frente do primeiro espetculo apresentado pelo Teatro de
Vanguarda includo na programao do Teatro das Segundas-Feiras, A Desconhecida de
Arraes, de Armand Salacrou, na montagem Jacobbi mescla jovens e inexperientes
atores com outros um pouco mais tarimbados. Embora o pblico tenha recebido com
frieza a pea a crtica prestigiou amplamente iniciativa, conforme registo em Dionysos
n25 por Maria Lcia Pereira:

Estreia de A DESCONHECIDA DE ARRAES, de Armand Salacrou,


no Teatro das Segundas -Feiras por um novo grupo ligado ao TBC, denominado
Teatro de Vanguarda, e que deveria ter sido no somente um fato teatral, mas
tambm um fato literrio de bastante importncia. (O ESTADO DE SO
PAULO, 30-08-53). Porm o acontecimento restringe-se a este primeiro
espetculo, que se apresenta nos dias 7, 14 e 21 de agosto e 28 de setembro.(...)
sempre inquieta e trabalhador, Jacobbi vem de criar, no Teatro das Segundas -
Feiras, do TBC, o Teatro de Vanguarda e, a julgar pelo primeiro espetculo da
srie organizada, acreditamos que reencontrou o seu melhor estilo (...) Desta
vez (...) foi buscar um grupo de quase principiantes, nem sempre talhados para
os respectivos papis, obtendo assim mesmo resultado excelente. este, alis,
um dos aspectos mais interessantes desta sua nova iniciativa, de vez que revela
a orientao acertadssima de aproveitar elementos jovens, dando -lhes
oportunidades que dificilmente lhe seriam oferecidas no curso normal de suas
carreiras. (ANHEMBI n 36, v. XII, nov.1953.Citado por Maria Lcia Pereira
na revista Dionysos n25, 1980, 94).

possvel afirmar que nenhum dos astros consagrados da casa toma parte na
encenao do texto de Salacrou: Xand Batista (Ulisses) Eny Autran (Yolanda), tali
Rossi (Nicolas) Wanda Hammel (Mme. Venot), Din Mezzomo (Madalena), Monah
delacy (A Desconhecida), Francisco Arisa (o diretor/ o mendigo), Felipe Wagner (o
pai), Josef Guerreiro (o av), Rubens costa (Max 20), Walmor Chagas (Max 37), Lea
Camargo (Nieta), Alberto Maduar (o garon). De acordo com GUZIK Jacobbi depois
da montagem dessa obra, no volta mais a atuar no conjunto de Zampari. (Guzik,
1986, 89).
Em 4 de julho de 1950 acontece a estreia de A Importncia de Ser Prudente, de
Oscar Wilde, o espetculo dirigido por Luciano Salce, recm contratado pelo TBC e,
como seus conterrneos Adolfo Celi e Rugerro Jacobbi, ele tambm formado na
62

Academia de Arte Dramtica de Roma. Nas palavras de Paulo Autran: um diretor de


detalhes, de mincias, de nuances, um diretor de uma sensibilidade incrvel.
(Autran,1980,177) Entretanto, sobre sua primeira encenao apresentada na casa, no
so encontrados registros contendo comentrios exaltando a montagem de Salce como
um momento particularmente especial para o teatro. Apenas na produo subsequente
do teatro que teria mesmo oportunidade de mostrar a dimenso de sua sensibilidade,
estamos falando de O Anjo de Pedra, ttulo brasileiro dado a Summer and Smoke, de
Tennessee Williams, um sucesso estupendo de pblico e crtica, que destacamos nos
trs exemplos aseguir, pinados da revista Dionysos n 25, por Maria lcia Pereira:

O primeiro:
O ANJO DE PEDRA, de Tennessee Williams, um espetculo
que marcar poca nos anais da histria do Teatro Brasileiro de Comdia.
(Pereira,1980,80)

O segundo, encontrado no programa de O anjo de Pedra:


E quando mais tarde se falar desse espetculo, alm dos intrpretes,
quatro nomes sero sempre lembrados: Luciano Salce, Aldo Calvo, Bassano
Vaccarini e Enrico Simonetti. (Pereira,1980,80).

E finalmente, o terceiro, por Dcio de Almeida Prado, O Estado de S. Paulo:

Depois de dois anos de existncia, o Teatro Brasileiro de


Comdia no perdeu ainda (...)a capacidade de nos surpreender. O Anjo de
Pedra, vindo depois de O Mentroso, de Entre Quatro Paredes, de Antes do
Caf no apenas no desmerece de to ilustres predecessores como significa
mais uma posio conquistada. E isto se deve primeiramente direo de
Luciano Salce e a uma interpretao de Cacilda Becker que permanece
extraordinria por qualquer critrio que se queira considera-la
(Pereira,1980,80)

Os relatos da montagem revelam que o diretor Luciano Salce conseguiu


explicitar todas as caractersticas do texto, mas lhes imps uma leitura muito pessoal.
Rememora Cleyde Yconis: O Salce... era mais maduro do que Celi, e era cruel... Ele
no tinha piedade com os personagens. A Alma Winemiller da Cacilda era ridcula. Ele
usava o humor negro, era cruel. [Para com] o papel da me louca no tinha nenhuma
piedade. (Yconis, 1986, 45).

GUZIK sublinha as palavras de Miroel Silveira lanadas em A Outra Crtica: o


anjo de seu talento potico. Sem o fremir de asas desse guardio amigo, impossvel se
63

torna ascender a grandes alturas, soltando as amarras que nos prendem terra. E o anjo
de Salce no permite que em suas mos o teatro rasteje (Silveira, 1986, 45)

E Dcio de Almeida Prado, encerra a sequncia de notas elogiosas, destacando a


montagem entre os grandes momentos da breve mas brilhante carreira do teatrinho,
considera: E isto se deve primeiramente direo de Luciano Salce e a uma
interpretao de Cacilda Becker que permanece extraordinria por qualquer critrio que
se queira considera-la. (Prado,1986,45)

Nota: O Anjo de Pedra marca a primeira participao de Cleyde Yconis no


elenco da casa. (Guzik, 1986,43)

Elizabeth Henreid em entrevista revista Dionysos fala de Ziembinski, Salce e


dos outros diretores italianos. Vejamos:

P -Quanto direo: qual era o procedimento dos diretores, de cada


um? Se seguiam mtodos, que mtodos seguiam...
R No sei, cada um tinha l o seu mtodo. Os italianos vinham todos
de escolas italianas, quer dizer que tinham todos um mtodo bastante igual, o
Salci, o Celi, o Bollini... o Bollini eu no gostava muito como diretor, ele...
talvez fosse uma maneira de dirigir tambm. Ele sugeria coisas absurdas pra
um personagem, pra voc descobrir que aquilo era absurdo e voc fazer
exatamente o contrrio. Eu achava que ele no dirigia a gente, no. Ele botava
a gente no fogo mandava que cada um se virasse. Agora, eu estou vendo que
hoje em dia, principalmente, isso um forma de direo, n, usada muito pelos
diretores de hoje em dia. Quer dizer: vire-se. Eu no vou te ensinar nada, eu
no vou falar nada, talvez at eu te atrapalhe um pouco pra voc descobrir qual
a linha do seu personagem etc. Pelo menos foi isso que acontece u em Ral.
Foi uma loucura. Os ensaios do Bollini em Ral eram uma loucura. Ningum
sabia o que fazer, ningum estava muito certo do seu papel, os ensaios foram
feitos na extrema brutalidade, era uma pea muito bruta, muitos se
machucaram um tinha que rolar escada, se machucou... Foi uma coisa muito
estranha como direo. Ziembinski u gosto muito, quer dizer, pra mim o
ideal. Ele repara nos menores detalhes, ele vai ao fundo da personalidade do
personagem, do autor, da pea, sabe, ele faz a histria de cada personagem...
P Ele segue Stanislavski?
R , possivelmente.
P E se falava em mtodos, na poca, ou no?
R Muito pouco. A gente tinha l laboratrio, mas no como agora,
no. Assim em matria de laboratrio do que vocs fazem hoje em dia, a nica
coisa que eu me lembro, parecida, foi quando ns fizemos as Antgonas... Eu
pedi pro Celi pra no me pr na Antgona de Sfocles porque eu era pssima
pra dizer versos, no gostava, no gostava de pea clssica. E ele disse que eu
tinha que fazer, porque eu tinha que aprender, e eu ia fazer muito bem. Ento
ele me fez dizer o texto de vrias maneiras, ajoelhada, deitada, inclusive, uma
vez pedindo esmola. [...] O Ruggero Jacobbi era um diretor muito inteligente,
mas eu acho que ele escrevia mais do que dirigia. Era uma criatura muito
inteligente, muito culta, muito fina, ento era o ideal pra peas assim como O
mentiroso, peas de poca, de finura, era o ideal. O Salce era muito sagaz,
64

muito crtico, muito irnico, tinha um humor s vezes meio amargo, mas p ra
comdia era fantstico o Salce. Ele fazia com que a gente descobrisse coisas
que a gente nem estava a fim de observar. Celi era um diretor estranho. Ele
falava um pouco por metforas. Era difcil eu entend-lo. Ele mandava a gente
fazer e corrigia as arestas. Ele dava as dicas, mas voc tinha que desenvolver.
No havia muita ajuda no. Agora, eles tinham uma linha dentro da cabea
deles, e a gente tinha que seguir aquela linha. Dentro de toda a liberdade que se
dava pra voc achar seu personagem, eles, dentro da cabea deles, tinham um
esquema feito e perfeito, No podia fugir quele esquema idealizado por eles.
Uma disciplina frrea, para todos, obedincia ao horrio e, quanto ao resto,
ramos assim uma grande famlia. A gente se dava muito bem, a gente se
ajudava muito um ao outro... Acho que est tudo a, acho que j falei de t odos.
(Henreid, 1980, 156, 157).

No incio de agosto, entretanto, colocada no palco aquela que vir a ser


apontada como uma das mais importantes montagens da companhia. Ral, de Grki,
com direo de Flaminio Bollini; este, de acordo com Maria Lcia Pereira na revista
Dionysos apresenta o mtodo Stanislavski ao elenco do espetculo. Ela diz:

Com ele, o mtodo Stanislavski chega ao TBC, via actors Studio.


Os atores, a princpio, estranham o novo processo de trabalho e alguns deles
chegam mesmo a se queixar a Celi, que vai assistir aos ensaios e se deslumbra
com os mtodos do novo diretor. Ao final, RAL resulta num espetculo
surpreendente, onde o pblico descobre faceta insuspeitadas dos atores que ele
se acostumara a assistir no palco da Major Diogo (Pereira, 1980,84) .

J Alberto Guzik forma uma opinio diversa sobre a implantao do mtodo


Stanislavski na direo de Ral:

Por meio do depoimento de Cleyde Yconis, podemos reconstituir


parcialmente como foi recebida pelos intrpretes a modificao no estilo de
representao que Bollini trouxe consigo. A rigor, impossvel dizer que sua
direo de Ral tenha significado a implantao da forma stanislavskiana de
construo de personagens entre ns. Mas, sem dvida, verifica-se uma
alterao na rotina descrita pelos primeiros programas do teatro, onde a
compreenso intelectual da pea e da personagem dava-se integralmente
durante os ensaios de mesa, servindo a marcao para a composio fsica das
particularidades do papel, sempre com grande interveno do encenador em
cada um desses momentos. (Guzik, 1986, 59)

A respeito de Bollini, Cleyde Yconis inicia sua fala considerando que foi o
mais criana. O mais jovem, e, eu acho, o mais inexperiente dos trs. Rememora:

Comeamos a ensaiar e quinze dias depois, quando ns nos


levantamos [das leituras da mesa]. Bollini ganhou um apelido... era Faa
Ver. Em vinte e cinco anos de teatro, nunca vi um elenco xingar ta nto,
desesperar-se, chorar e trazer [para a montagem] tanto material. A gente
chegava e dizia: essa cena pode ser assim, pode ser assim, e vinha com mil
propostas; e ele dizia: Pode ser, pode ser. Faa Ver. Faa ver, entende? E ns
chorvamos, e arrancvamos cabelos e a cada dia [trazamos] material, material
65

[mais] material. Chegvamos para o Bollini; Olha, quem sabe fazendo


assim? , pode ser. Faa ver. Ento o apelido dele ficou Faa Ver. E de faa
ver em faa ver, o pblico viu um espetculo sensacional. (Yconis, 1986,60)

Elizabeth Henreid falando revista Dionysos, tambm comenta da sua


experincia de trabalho com Bollini, e ainda a sua participao na encenao de Ral.
Ela relembra:

(...) quando entrei em Ral, o Flamnio Bolinni, que dirigiu Ral me


fez abaixar muito o registro da voz, porque naquela poca eu falava muito nas
alturas e devia ter uma voz chatssima, e ele me fez abaixar o registro de voz
para o mais grave que eu pudesse falar. Quando eu entrei em cena dizendo:
inquilino novo, o pessoal ficou assim: Mas quem ? a Elizabeth ou no ?
ou no ? Toda esfarrapada, suja, imunda num papel altamente dramtico,
ento aquilo causou um impacto muito grande devido aos outros papis que eu
tinha feito. Acho que por isso que marcou tanto, no porque tenha sido o
melhor papel. (Henreid, 1980,155).

As apresentaes de Ral recebem os aplausos efusivos da crtica e igualmente


do pblico. Em setenta espetculos Ral assistida por dezesseis mil pessoas. Alberto
Guzik pondera a experincia de Bolinni com o elenco em sua chegada no TBC:

Independentemente da idade cronolgica do diretor ao encenar Ral


e Bolinni era muito jovem, estando com vinte e trs anos quando chegou - , o
que Cleyde atribui sua inexperincia talvez se deva antes a uma maneira at
ento indita em So Paulo de se dirigir a elaborao de personagens. O que
ela entende como excesso de pragmatismo e de insegurana da parte de
Bolinni, possvel que no seja nada alm de uma verso das ideias do mestre
russo filtradas por Lee Strasberg e seus colaboradores, postas em prtica a
partir de 1948 no hoje clebre Actors Studio.
Centrado no primeiro livro terico de Stanislavski, que descreve
minuciosamente o processo de elaborao interna da personagem pelo at or, o
Mtodo divulgado pelo Studio por muito tempo deixa de lado a sequncia do
pensamento Stanislavskiano, que aborda os aspectos fsicos e externos da
composio, chegando a exageros hoje celebrizados pelo anedotrio teatral. a
criao atravs de intensas improvisaes que Bolinni traz para o TBC. (Guzik,
1986,60)

Em fevereiro de 1952 estreia no Teatro das Segundas-Feiras, DILOGO DE


SURDOS, de Cl Prado (cuja encenao recomendada pelo prprio Zampari), sob a
direo de Flamnio Bollini. Dcio de Almeida Prado em suas impresses sobre o
espetculo escreve: (...) Dilogo de surdos, do ngulo tcnico, est longe de ser
impecvel: s vezes explicita de mais. Lendo a pea atentamente nada encontramos no
seu texto que no seja passvel de fcil explicao. Todavia, transportada para a cena,
perde grande parte dessa clareza. (Prado, 1980, 87)
66

Chama ateno uma informao de Cleyde Yconis sobre Bollini como diretor:

A pea onde... sofri muito ... foi. Dilogo de Surdos, onde, tambm
com Bollini, tive uma inibio terrvel. Ele marcava ensaios de manh, comigo
... [foi h] vinte e trs anos atrs, quando ele marcou comigo, de manh e me
deu esse livrinho... Esse livro maravilhoso. Expresso Corporal, de um
autor francs. Ele [o diretor] dizia: Afine o seu instrumento. Em 1952, a
primeira vez que eu comecei a fazer exerccios. Foi a primeira vez que eu
descobri que existia isso. Quem me revelou foi o Sr. Flamnio Bollini, o Faa
Ver do teatro brasileiro. (Yconis, 1986, 68)

A figura de Ziembinski por Miroel Silveira:

Considero Ziembinski a mais importante personalidade de teatro at


hoje aparecida no Brasil. Josef Guerreiro, em Adolescncia, est excelente.
(Silveira, 1980,194).

Por falar em Ziembinski..., ele e a sua companhia carioca, recebem o convite do


TBC para ocupar o palco vagado com a retirada de cena de A Ronda Dos Malandros.
Ao ingressar na casa da Major Diogo o Polons Zbigniev Ziembinski traz na bagagem
um histrico de considervel importncia, que inclui, sua atuao de modo decisivo no
perodo histrico de renovao do teatro brasileiro; ator com experincia em Vilna,
Lodz e Varsvia, alm da formao como diretor. Ele chegara ao Brasil em 1941,
depois de sair da Polnia e, atravessar a Europa fugindo da guerra. Por sua vez, Alberto
Guzik faz pertinentes consideraes ao dizer do nosso ator e encenador que:

Em 1943 associou-se aos Comediantes, permanecendo integrado


ao grupo em suas fases amadoras e profissional; fora dele, dirigira espetculos
para outras companhias e ministrara cursos. Ao ingressar no TBC seu currculo
lhe credita a direo antolgica de Vestido de Noiva e uma sequncia de
montagens memorveis, entre as quais Desejo, de O,Neill, Pellas et
Melisande, de Maeterlinck, Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, e Uma Rua
Chamada Pecado, de Tennessee Williams. A temporada com que inicia sua
trajetria no TBC no registra nenhum sucesso excepcional. Fundamentais
sero a diversificao de repertrio e o enriquecimento esttico que sua
presena acabar por trazer companhia. (Guzik, 1986, 41).

Em 26 de junho de 1950, segundo Maria Lcia Pereira: Ziembinski dirige


para o TBC, O CAVALHEIRO DA LUA, de Marcel Achard. Anteriormente, com a
retirada de cena de A RONDA DOS MALANDROS, apresentara com seu grupo duas
peas: ADOLESCNCIA, de P. Vanderberg, e ASSIM FALOU FREUD,
Cwojdinski. ento efetivamente contratado como diretor e ator. (Pereira,1980,80)
67

No final de outubro de 1951 estreia Harvey, comdia de Mary Chase, o ponto


alto dessa montagem, fica por conta da comemorao dos vinte e cinco anos de teatro de
Ziembinki, dez dos quais j dedicara ao Brasil. Dcio de Almeida Prado escreve em O
Estado de S. Paulo, 1/11/54 a seguinte nota sobre o ator e encenador:

Ziembinski,... pelo esprito e pelo temperamento, pertence mais


grande e genial gerao de Max Reinhardt e de Meierhold do que atual. E de
Gordon Craig ou de um Stanislavski, por exemplo, que descende sua paixo
quase mstica pelo teatro. Todos conhecem a anedota clssica sobre a pea
russa que teve de ser abandonada depois de meses de ensaio porque ningum
acertava com a inflexo exata da primeira frase: Boa tarde. Pois foi alguma
coisa dessa extraordinria e quase incompreensvel severidade artstica, dessa
intransigncia fantica, desse devotamento integral q ue Ziembinski trouxe para
o nosso teatro. (Prado, 1986,62).

3.5 Os atores contratados em sistema permanente

Considerando ainda os aspectos iniciais da companhia e suas contribuies,


ressalta-se a implantao do teatro de equipe, constitudo inicialmente com base em
jovens amadores em lugar dos astros e estrelas do teatro profissional vigente, a
organizao do primeiro elenco profissional, do qual participavam como contratados
exclusivos Cacilda Becker, Madalena Nicol e Maurcio Barroso; alm da estabilidade
do elenco cujo acordo era firmado atravs de contratos em geral de um ano, sendo os
mesmos, renovveis, e finalmente, os salrios de nvel mais elevado, permitindo, assim,
o recrutamento de interpretes de preparo intelectual mais apurado
Quanto ao esquema de trabalho no TBC vamos encontrar em Nydia Licia
algumas notas bastante curiosas a esse respeito:

Em janeiro de 1950 estava formado o primeiro Elenco Permanente:


Cacilda, eu, Marina e Elisabeth Henreid. O elenco masculino era um pouco
maior: Ablio, Carlos Vergueiro, Srgio Cardoso, Maurcio Barroso, Ruy
Affonso, A. C. Carvalho e Waldemar Wey. O primeiro espetculo apresentado
foi Entre quatro paredes, de Sartre, interpretado por Cacilda, Srgio, Carlos e
eu, e Um pedido de casamento, de Tchekhov, na interpretao de Clia, Ruy e
Waldemar.
[...] O tempo foi passando, o elenco cada vez mais homogneo, o
sucesso quase constante. Mas, como era a vida no TBC? Muita gente j me
perguntou isso. Bem, na poca nos parecia a vida certa. Agora, passados tantos
anos, eu me perguntam se os atores de hoje aceitariam um regime to severo
como esse a que ns fomos submetidos.
No existia dia de folga. Os ensaios eram dirios. Ensaiava-se
tarde toda e, quase sempre, tambm noite. Como paralelamente ao teatro
normal havia o Teatro das Segundas -Feiras, e todos ns queramos participar
dele, ensaivamos aos sbados de manh, ou depois das trs sesses do
domingo entre a matin e a noite, e nos outros dias, depois do espetculo.
68

Mdico, dentista, cabelereiro, s se fosse de manh. Casar? S as segundas


feiras. Fora de brincadeira: Srgio e eu casamos na segunda, e tera s duas
horas estvamos ensaiando a nova pea. E casamos no prprio teatro. Foi numa
segunda que casaram Ruy Affonso e Elizabeth Henreid e, tambm numa
segunda, Carlos Vergueiro e Zilah Maria. (Licia, 1980,168,169)

Franco Zampari afirma revista Dionysos:: O TBC tem 15 atores permanentes,


que recebem um mnimo de 8mil cruzeiros mensais e um mximo de 23 mil. Os
encenadores recebem de 25 a 30 mil cruzeiros, com um acrscimo de 30%, no Rio que
para os atores chega a 50%. (Zampari,1980,162)
Um destaque para a nota abaixo, encontrada na Revista Dionysos n 25, 1980,
91, que diz o seguinte:
N. da A. Cabe aqui lembrar as condies de trabalho oferecidas aos
profissionais que, se tinham deveres rgidos em relao ao cumprimento de
seus contratos, recebiam em troca um tratamento digno talvez nunca mais
encontrado em qualquer fase do nosso teatro empresarial: cada ator possua um
camarim individual; era-lhe fornecido material de uso pessoal (toalhas etc.); o
j mencionado contrato anual renovvel, o salrio compensador, recebido
mensalmente com um extra pela nona sesso (havia aos sbados trs sesses),
pois, segundo declarao de Zampari Revista Teatro Brasileiro n 12 de
1955, os artistas precisam de uma remunerao que lhes garanta dignidade de
vida e tranquilidade para se entregarem aos personagens.(Pereira,1980,91)

E Guzik, assina:
[...] As condies tcnicas oferecidas pelo TBC possibilitaram a
afirmao de um sem-nmero de talentos. Cacilda Becker, Cleyde Yconis,
Tnia Carrero, Fernanda Montenegro, Tereza Rachel e Nathlia Timberg,
numa enumerao muito restrita, como primeiras atrizes. Srgio Cardoso,
Paulo Autran Leonardo Vilar, talo Rossi, Walmor Chagas e Juca de Oliveira,
numa lista igualmente apressada, como primeiros atores. timas equipes de
intrpretes, alm dos mencionados, passaram pelo palco da Major Diogo e de
l saram para contribuir decisivamente na formao do novo perfil do teatro
brasileiro. E houve tempo para que os valores nacionais amadurecessem
adequadamente. (Guzik,1986,222)

No devemos nos esquecer das transformaes estticas voltadas tambm para a


atuao:
[...] O grupo de atores que participa das primeiras produes da casa
acaba por formular uma linguagem especfica de interpretao. H um certo
modo de falar, de articular, andar e gesticular caracterstico do TBC. Mas isso
acaba acontecendo com todas as companhias de teatro que atuem com
formaes estveis durante algum tempo. [...] O advento do encenador (que
tenha sido estrangeiro nesses primeiros tempos circunstancial) modifica todo
o quadro preexistente e possibilita o surgimento de uma interpretao mais
contida, mais adequada tendncia esttica que se firma aps a segunda
guerra. (Guzik,1986,224).

Chama ateno a opinio de Armando Paschoal falando revista Dionysos sobre


o alcance das contribuies do TBC Compreender o TBC, portanto, de certo modo
69

compreender o prprio teatro paulista: foi sombra dele que crescemos e nos formamos
todos, atores, crticos ou espectadores. (Paschoal, 1980,148). E Guzik acrescenta:

[...] Efetivamente, durante certo momento da recente histria


cultural de So Paulo, a totalidade das companhias em funcionamento possua
algum vnculo com o TBC. Madalena Nicol formou com Ruggero Jacobbi a
primeira. Srgio Cardoso, Nydia Lcia e Leonardo Vilar, a segunda. Maria
Della Costa, oponente de Zampari no momento em que este aspirava ao
monoplio da produo teatral em So Paulo, passou pela sala da Major Diogo,
antes da inaugurao do TMDC, em 1954. Tnia-Celi-Autran ganhou esta
grafia e companhia prpria em 1955. Em 1957 Cacilda Becker forma seu grupo
e consigo leva Ziembinski, Walmor Chagas e Cleyde Yconis. Em 1958,
Fernanda Montenegro, Fernando Torres, talo Rossi, Srgio Britto e Gianni
Ratto partem par o Teatro dos Sete e um histrico Mambembe. Tereza Rachel
se afasta da sala ao final de 1959, fixando-se no Rio depois de um ano de
atividade em So Paulo, onde se afirma como primeira atriz. De 1949 a 1959 o
TBC foi base para a formao de companhias nacionais. (Guzik,1986,226)

O cultivo do Teatro de Equipe com bons valores individuais e nunca o da


primeira figura, a estabilidade do trabalho de equipe e, por a vai..., tudo isto
facilmente encontrado na lista dos muitos servios prestados pelo TBC, no entanto, se
observarmos bem de perto vamos ver que h controvrsias sobre o assunto. Como
exemplo, a encenao de Anjo de Pedra, de Tennessee Williams cujo o elenco
encabeado por Cacilda Becker, Mauricio Barroso vive o protagonista masculino, Ruy
Affonso Rachel Moacyr, Nydia Licia, Elizabeth Henreid, Fredi Kleeman, Marina Freire,
Waldemar Wey e Sergio Cardoso em papis menores. Surgindo apenas na cena final
Srgio Cardoso vive o desajeitado Archie Kramer, que seduzido por uma
transformada Alma Winemiller, desse modo o teatro sinalizava sua inteno de criar um
rodzio entre os astros do elenco, como aponta Guzik:

Assim como Cacilda no participara de O Mentiroso e tivera uma


apario pequena na Importncia de Ser Prudente onde a posio de relevo
fora ocupada por Srgio, este era agora convidado a ceder sua vez atriz. O
que j se percebe da prtica da companhia que, embora esta afirme
repetidamente que o elenco no deve ficar atado a astros fixos, que deseja um
teatro de equipe, com cada elemento contribuindo igualmente para a qualidade
do conjunto, d-se na realidade coisa diversa. H nomes cujo evidncia
indiscutvel. Sua presena no noticirio da imprensa marcante, recebem os
maiores salrios, so donos dos primeiros papis. No h dvida de que no
momento da montagem da obra de William, Srgio e Cacilda so as figuras de
maior peso no quadro dos atores, vindo os demais em posies variadas de
destaque. E durante alguns meses a casa conserva a estratgia de alternar os
dois como cabeas de elenco.
Cacilda aproveitou integralmente a oportunidade que lhe dava a
personagem e fez de Alma Winemiller uma grande criao. Toda a crtica
unanime em apontar a importncia de seu desempenho para o sucesso da
encenao. Exatamente dez anos depois de iniciar sua carreira no teatro, levada
pela mo de Miroel Silveira para o Teatro do Estudante, no Rio, era a triz de
70

maior destaque da melhor companhia do pas, sendo sua opinio das poucas do
elenco que tinha peso junto a diretoria. O triunfo que consegue com O Anjo de
Pedra como que consolida a base de uma das reputaes mais formidveis e
inabaladas do teatro brasileiro moderno. (Guzik, 1986, 44)

Isto pode ser confirmado atravs das atuaes memorveis de Cacilda Becker
nos espetculos realizados no TBC, entre os quais, destaca-se Pega-Fogo, de Jules
Renard, nele Ziembinski recebe elogios tanto pela direo quanto pela criao do Sr.
Lepic, Todavia o triunfo do espetculo cabe a Cacilda Becker; sua leitura da
personagem do menino rapidamente ganhou imensa notoriedade, fato que leva a
incluso de Pega Fogo no repertrio regular da companhia:

...Pega-Fogo foi desenvolvido a partir de um enquadramento fsico


bastante estrito, que exigia um esforo muito grande da intrprete e mesmo
uma disposio de sacrifcio. Incumbia-lhe encarnar a figura de um garoto.
Idade e sexo interpunham-se, portanto, entre a realidade pessoal da comediante
e o seu papel. Cacilda conseguiu no entanto, dar sua interpretao o corpo
necessrio, independentemente da contribuio do make-up teatral, criando
aquela presena fsica pela qual se transmutava em Pega-Fogo um menino de
espirito amadurecido por uma experincia de vida marcada pela incomp reenso
e infelicidade, mas que no perdera a condio de sua idade, preservando uma
agilidade irrequieta e uma instabilidade de nimo, ao lado de uma presteza para
o devaneio e a projeo imaginativa, prprias da adolescncia. O desenho era
perfeito... (J.GUINSBURG e MARIA THEREZA VARGAS, Cacilda:a face e
a Mscara, Uma atriz: Cacilda Becker, So Paulo, Editora perspectiva,1983.
pp.255/258. Citado por Guzik, 1980,90).

3.6 O repertrio filosfico social a formao da plateia

No final de 1949 e incio de 1950, momento de profissionalizao do TBC, o


ecletismo comumente encontrvel nos repertrios das companhias estabelecidas de
modo organizado. Ao adotar um modelo esttico ecltico como linha de ao, o TBC se
inspirou, na verdade, nos grupos amadores. Mas se por um lado essa poltica de
revezamento de repertrio tantas vezes discutida -, deu margem para que se trouxesse
para a cena textos de segunda categoria, por outro lado, possibilitou a apresentao de
autores internacionais importantes, alargando, desse modo, as dimenses do debate
esttico. Alm disso, o esquema procurava atender, numa cidade sem teatros
diversificados, aos diferentes gostos das possveis plateias. E, assim, a casa apresenta
em julho de 1950 uma nova produo: A Importncia de Ser Prudente, de Oscar
Wilde. Quem assina a direo exatamente o recm-contratado diretor Luciano Salce,
nascido e formado na Itlia. Essa montagem do texto de Wild coberta de significado
71

particular se considerarmos a opo que ela implica como reveladora de uma faceta dos
desgnios dos produtores no tratamento da escolha do repertrio a ser levado ao palco.
John Gay X Oscar Wild. Saem de cena as prostitutas e os gngsteres para dar lugar aos
cavalheiros e damas da sociedade londrina. Quanto ao diretor Luciano Salce, apenas na
produo seguinte que teria mesmo chance de mostrar a amplitude de sua
sensibilidade. E o sucesso de Salce foi superlativo! Como aponta a nota de Guzik:

Em agosto inicia-se nas pranchas do TBC a carreira de um dos


espetculos que parece reunir todos os elementos do programa que, na prtica,
o teatro vai tentando articular para constituir seu perfil, sua proposta ao
pblico. Esto em cena a qualidade literria do texto, o rigor da execuo
tcnica, o apuro extremado das interpretaes; para o espectador o que se
oferece a conjugao do prazer da fruio com a possibilidade da reflexo
travs de uma montagem irrepreensvel. O Anjo de Pedra. O ttulo brasileiro
dado a Summer and Smoke, de Tennessee Williams. (Guzik,1986,43).

A atriz Elizabeth Henreid fala Dionysos sobre a participao de Franco


Zampari nas questes voltadas para o repertrio .

P - E a participao do Franco Zampari? Como que ele interferia no


repertrio...
R - O Franco Zampari era o rei, o dono de tudo, ele que mandava e
desmandava. Era um sujeito inteligente, que acatava a opinio de todos, da
Sociedade, de gente ligada s artes, literatura, porque ele era capito de
indstria. Ento s vezes ele dirigia a gente como se a gente fosse operrio.
Muitas vezes ns estvamos muito cansados, e ele nos comparava aos
operrios da fbrica, que trabalhavam 8 horas por dia sem se queixar. Agora,
ele esquecia que o trabalho artstico uma coisa que cansa muitas vezes o
dobro de um simples operrio. Ento a gente muitas vezes ficava exausta, a
ponto de cair muitas vezes ou em gargalhadas ou chorar potes, que j era
cansao, j era estafa. E ele era muito duro sob esse aspecto de disciplina. Ele
tinha muitos conselheiros, era um homem de bom gosto, e a Dbora, que era a
mulher dele, uma mulher muito culta, muito fina, tambm o ajudou muito na
construo do TBC. Eu gostava muito dele, apesar, apesar de ser um sujeito
meio spero, s vezes. Tinha que se desculpar os repentes do Franco Zampari
devido a uma dor de cabea constante que ele tinha. Ele engolia comprimidos
analgsicos assim de pacotes. Ele tinha uma bendita de uma enxaqueca que
raramente o largava, ento acho que era devido a isso a irritao dele. Mas foi
um grande homem. Foi o grande criador do TBC.
P E o repertrio, era escolhido por quem?
R Em princpio, por esses conselheiros que ele tinha, que eu no sei
exatamente quem seriam. Mas a ltima palavra quem dava era ele. Ele recebia
jornais, revistas da Europa, ento tudo que estivesse fazendo sucesso po r l ele
tentava trazer pra c. Como ele frequentava a alta sociedade, tinha conselheiros
literatos, artistas, escritores, poetas, ento eu tenho a impresso de que muitas
vezes eles se reuniam na casa dele e esse repertrio era uma coisa feita em
conjunto, sendo que ele que dava a ltima palavra do que ele gostaria que
fosse montado. (Henreid,1980,159)
72

O conjunto de qualidades do TBC, mais do que qualquer uma delas


separadamente, talvez explique seu crescimento tanto artstico quanto comercial em seu
perodo mais frtil. Em relao a sua poltica de repertrio, Dcio de Almeida Prado faz
suas consideraes em texto publicado em Teatro Brasileiro. Ele pondera:

Como organizao, o Teatro Brasileiro de Comdia no


representava a menor originalidade. At ento, via de regra, o nosso sistema
ainda era o dos conjuntos itinerantes, chefiados pelo 1. ator Procpio, Jaime
Costa, Dulcina. As peas eram escolhidas tendo-se em vista, sobretudo, as
possibilidades oferecidas pelo papel principal. Contando com sede fixa, com
um elenco numeroso e, sobretudo, tendo dissociadas as diferentes funes
teatrais empresrio, encenador, elenco, etc., - pde o TBC inverter com xito
essa ordem, pensando em 1. lugar no valor da pea (valor comercial ou
artstico, no importa), e apenas em seguida no problema da distribuio dos
papis. Era, naturalmente, o restabelecimento da verdadeira hierarquia de
valores, mesmo do ponto de vista do pblico, porque os intrpretes, cedo ou
tarde, correm o risco de cansar, ao passo que o texto representa por excelncia
o elemento renovador do interesse. O contrrio que constitui exceo.
Quanto ao nvel do repertrio, este resultou, aos poucos, da frico
entre o desejo de s representar textos da melhor qualidade literria e o gosto
do grande pblico propenso graa fcil, pea leve, aqui como em qualquer
outra parte do mundo. Chegou-se assim, na prtica, a uma espcie de
compromisso honroso para ambas as partes, alternando -se Pirandello e
Roussin, Bem Jonson e Noel Coward. Poderamos criticar o ecletismo da
soluo, julgando-o exatamente uma falta de discernimento e critrio, se no
nos lembrssemos que o TBC, sendo durante tanto tempo o nico elemento
permanente de uma cidade de 2 milhes e meio de habitantes, tinha de
contentar todos os pblicos, realizando uma funo que, numa cidade como
Paris, cumprida por vrios tipos de companhias, cada uma mais ou menos
especializada em certo gnero de pea, desde a Comdie-Franaise at os
teatros de Boulevard. Neste ponto, a grande lio do conjunto de Franco
Zampari foi a da sobrevivncia comercial, a da unio de certo idealismo com
muito esprito prtico. Nada nos custa aceitar Moss Hart e George Kaufmann, e
at um ocasional Verneuil, se esse o preo que temos de pagar para ver
Tennessee Williams ou Schiller. Alm disso, a dignidade artstica do teatro no
est s no texto mas tambm na representao e esta procurou sempre se
exemplar no TBC, errando por qualquer outro motivo, menos pelo carinho
posto na preparao de um determinado espetculo, fosse ele qual fosse.
(Prado, 1980,186)

E Guzik estica a conversa sobre ao assunto, argumentando que O TBC se


inspirou nos amadores ao incorporar um modelo esttico ecltico:

[...] A linha ecletizante dos amadores indiscutvel. Esses buscam


inspirao e alento nos grandes clssicos, em textos de nomeada, em modernos,
cercados das melhores referncias. Disso resulta a superposio de um clssico
da tragdia a uma comdia moderna ou a um drama realista. No parece que
tenha havido, no incio do perodo de profissionalizao do TBC, um consenso
de seus responsveis em relao ao ecletismo como linha de ao. Esta estava
naturalmente mo, usada que fora pelos amadores, e o TBC adotou -a sem
maior premeditao. Em fins de 1949 e incio de 1950, momento de
profissionalizao do TBC, o ecletismo como que se colocava com a maior
obviedade para qualquer companhia que se instalasse de modo organizado.
73

Que acabou sendo usado de forma indevida na Major Diogo no resta dvida.
Mas isso no invalida o princpio geral. (Guzik,1986,223)

E segue adiante:
[...] O ecletismo de repertrio forneceu cho para que se colocasse
em cena muita bobagem, muita pea de segunda classe. Mas possibilitou a
apresentao de autores internacionais importantes, ampliando as dimenses do
debate esttico.
Goldoni, Sartre, John Gay, Oscar Wild, Pirandello, Tennessee
Williams, Gorki, Dumas Filho, Sfocles, Hochwlder, Gonalves Dias, G. B.
Shaw, Ben Jonson/Stefan Zweig, Schiller, Arthur Miller e Strindberg formam
uma ilustre confraria, qual se acrescentam os nomes de Dias Gomes, Jorge
Andrade, Gianfrancesco Guarnieri e Garcia Lorca. Ao lado dessa constelao
se acrescentam nomes nada desprezveis; William Saroyan, Jules Renard,
Jacinto Benavente, Jean Anouilh, Noel Coward, Ugo Beti, Giuseppe Patronni-
Griffi, Millr Fernandes, Ablio Pereira de Almeida e Marcel Achard. E vem
por fim a lista de fornecedores menos substanciosos: Alfred Savoir, John
Patrick, Marc-Gilbert Sauvajon, Paul Vanderberg, Kaufman e Hart, Joseph
Kesselring, Mary chase, Barrillet e Gred, Sardou, Roussin, Jan de Hartog,
Verneuil Frederick Knot, Birabeau, Lindsay e Crouse, Peter Ustnov e Herlihy e
Noble. A simples enumerao desses escritores dimensiona a margem de ao
aberta pelo TBC. O teatro brasileiro sistematicamente alimentado por uma
dramaturgia de pouca expresso foi sacudido por essa produo. Que a
renovao tenha sido feita a frceps, isso se deve a um panorama esttico e
resistente transformao. (Guzik,1986,224)

Enquanto Miroel Silveira que sempre foi uma voz dissonante no coro daqueles
que, durante algum tempo louvaram sem restries - o valor inestimvel do TBC no
panorama teatral brasileiro, em entrevista Dionysos, ratifica as razes que o levaram a
adotar uma viso bastante ctica em relao ao trabalho desenvolvido pelo grupo teatral
ao longo do perodo de sua existncia. Diz, Miroel no trecho de sua entrevista:

- A tese que eu defendia era realmente correta. A evoluo veio


mostrar que a proposta do TBC era mesmo muito limitada. Essa proposta era
uma s: o neo-realismo. E o teatro no pode se restringir a ma nica proposta
esttica.
Segundo Miroel, os diretores italianos que chegaram ao Brasil, via-
TBC, no fim da dcada de 40, empenharam-se em espalhar aqui a corrente
esttica predominante na Europa de aps -guerra. E de tal maneira se
empenharam em valorizar o neo-realismo, que ignoraram todas as possveis
alternativas que com ele deveriam conviver. Pois na opinio de Miroel, no h
movimento esttico superado, j que a forma deve ser escolhida em funo da
proposta de cada encenao. E o TBC, em sua opinio, no seguiu essa regra.
- Mesmo quando eles montavam uma Antgona, uma proposta
clssica, eles se mantinham no neo-realismo.
Limitado ou no o TBC brilhou triunfalmente [...] Miroel aponta
as consequncias desses anos dourados:
- Por meio de uma concorrncia injusta, que os outros no tinham
condies de enfrentar, liquidou-se um estilo brasileiro de representao que
vinha amadurecendo. Do que havia at o surgimento do TBC, sobreviveu
apenas o estilo mais vulgar Dercy Gonalves.
74

E como, na opinio de Miroel Silveira o TBC ignorou


decididamente a dramaturgia brasileira, por sua causa, perderam-se tambm, o
teatro musicado, a comdia alm de toda uma gerao de atores.
Sobre posio do TBC em relao dramaturgia brasileira,
Miroel taxativo: eles no fizeram nada pela dramaturgia brasileira. S
montaram Ablio Pereira de Almeida e Edgar da rocha Miranda, que era um
gr-fino do Rio. Fora esses, acho que s Cl Prado. Outros autores nacionais s
foram montados pelo TBC depois que o Arena em 58 fez sucesso com Eles
no usam black tie. E a j era poca do flavio rangel, quando o Franco
Zampari j no tinha mais poder l dentro. De 49 a 58 s Ablio.
Mas o TBC no teve apenas resultados negativos ou fictcios,
Miroel reconhece:
- Ele teve uma funo extremamente importante, devido s
circunstncias sociais e financeiras em que existiu: elevou o padro de
produo a um nvel internacional. Depois do TBC nunca mais se viram
encenaes mal cuidadas. E consagrou alm disso, o elenco de equipe e a
presena do encenador como criador do espetculo. Isso realmente, no havia
antes. (Miroel,1980,166)

A obra Huis Clos, de Sartre traduzida por Guilherme de Almeida como Entre
quatro paredes, estreia em janeiro 1950 com certo alarde, suscitando polmica e
rebolio na cidade. Segundo Sbato Magaldi (1980,45) a gritaria geral, isso deve-se
ao fato de serem o existencialismo e, os dilogos sartrianos inconvenientes ao Partido
Comunista e a Cria Metropolitana, esta, por meio de uma nota, probe os catlicos de
assistirem pea sobre pena de cometerem pecado grave, a censura se pe em ao e o
probe, a liberao s acontece depois de representaes especiais para as autoridades.
De acordo com Maria Lcia Pereira (1980,78) Tambm os atores, para que o
espetculo seja liberado, tm que obter a autorizao expressa de seus padres
confessores. Porm todos os esforos so coroados com estupendo sucesso, um pblico
estimado em dezesseis mil pessoas assistem aos sessenta e sete espetculos
apresentados. A direo assinada por Adolfo Celi, o cenrio por Bassano Vaccarini e
pelo estreante Carlos Giacchieri, os figurinos so de Aldo Calvo. Ruy Affonso faz a
assistncia de direo, o elenco composto por Carlos Vergueiro no papel do criado,
Srgio Cardoso como Garcin, Cacilda Becker como Ins, e Nydia Licia como Stelle em
sua primeira apario no TBC profissionalizado.
Apesar do alvoroo ao redor de Entre quatro paredes, o espetculo no parece
corresponder inteiramente expectativa formada, como aponta Maria Lcia Pereira
citando na revista Dionysos (1980,74) Dcio de Almeida Prado:

(...) a interpretao (...) de Adolfo Celi (...) cria uma viso do inferno
menos original que a de Sartre, com gemidos e imprecaes, e no assinala
com tanta nitidez o crescendo da ao dramtica: o inferno e a psicologia das
personagens nos so dado inicialmente, no sendo atingidos por revelaes e
75

aprofundamentos sucessivos. De outro lado, confere ao espetculo a mxima


intensidade fsica, fazendo o pblico sentir na prpria carne o que lhe seria
talvez difcil alcanar pela inteligncia. (Prado, 1980, 74).

possvel afirmar que o espetculo A Ronda dos Malandros, provoca o


estouro de mais uma crise artstica no teatro. De acordo com relatos da poca, a
montagem do texto de John Gay nasceu da vontade que o diretor Ruggero Jacobbi
sentia de fazer no Brasil sua adaptao recente e mais famosa, a pera dos Trs
vintns, de Brecht e Weill. Compreendendo que seria difcil conseguir sua liberao
pela censura Jacobbi opta pela encenao original, de Jonh Gay. Conforme aponta
GUZIK (1986,40) a diferena entre os dois textos, ao nvel da agressividade e ironia
com que expem seu tema, praticamente nenhuma. A Ronda dos Malandros se mostra
to polemicamente bem-sucedida na Londres de 1728 quanto a dos trs vintns na
Berlim de 1928. H at quem ache que Brecht sobrecarregou o original, considerando a
pea de Gay mais veloz e certeira. Todavia Jacobbi no faz do texto um espetculo de
poca, conforme podemos notar em seu registro no programa da pea.

(...) Acredito religiosamente mesmo no texto literrio, na


inevitabilidade teatral da literatura dramtica, no espetculo como
interpretao. Para mim , ento, um salto no escuro a encenao de um
pretexto. Mas juro que no quis brincar de criador ou de mgico. No
acredito nisso. No quis fazer o espetculo puro (...) Ento, A Ronda dos
Malandros ser, ela tambm, interpretao de um texto. S que se trata, desta
vez, menos de um texto literrio que de um TEXTO PISCOLGICO, um
libreto de sentimentos populares, universalizados pela sua prpria
ingenuidade histrica. Sim, preciso de um pblico ingn uo. Sejam cndidos,
por favor. (IM SORRY, MR.GAY. Ruggero Jacobbi, no programa de A
RONDA DOS MALANDROS. Citado por Maria Lcia Pereira na revista
Dionysos n25, 1980, 79).

Aps duas semanas de apresentaes a pea retirada de cartaz, como veremos


a seguir nos detalhes que nos traz Guzik sobre a montagem:

Adaptada pelo encenador, Carla Civelli e Mauricio Barroso, A Ronda


dos Malandros ganha cortes e modificaes, recebendo o acrscimo de trechos
da Litania dos Pobres, de Cruz e Souza. A cenografia e os figurinos so de
Tlio Costa. A encenao no se prende a uma poca especfica. Os figurinos
indicam sculos diversos. Tudo, o poema de Cruz e Souza, com versos como:

pobres, o vosso bando


tremendo, formidando!
Ele j marcha crescendo,
O vosso bando tremendo!,

A atemporalidade do tema dada pelo vesturio, a encenao busca


reforar e ampliar o volume da mensagem original de Gay. O elenco
76

composto por um primeirssimo time. Mauricio Barroso, Cacilda Becker,


Nydia Lcia, Srgio Cardoso e Marina Freire esto nos papeis centrais. So
mais dezessete atores em cena [...] a estreia d-se em 17 de maio, mas a Ronda
fica em cartaz apenas duas semanas sendo bruscamente retirada pela direo da
Sociedade Brasileira de Comedia. Ruggero imediatamente pede demisso de
seu posto. Celi e o elenco buscam mediar a crise, mais no possvel. Ruggero
deixa a casa e forma no mesmo ano de 1950 uma companhia efmera com
Madalena Nicol. A pea foi retirada de cartaz pela empresa sob alegao de
insucesso de crtica e pblico. O primeiro real; Dcio de Almeida Prado, por
exemplo, condena severamente todos os aspectos da montagem. Mas os
nmeros desmentem o segundo. Em dezenove apresentaes, a Ronda foi vista
por quase seis mil pessoas, obtendo uma mdia de 294 espectadores por sesso.
O que se deu sem dvida foi a primeira tomada de posio poltica dos
diretores da casa.
A Ronda e, consequentemente, Jacobbi foram afastados do TBC
por motivos ideolgicos. Desde sua entrada para a empresa, Jacobbi no
procurara disfarar seu interesse por um teatro popular e engajado, e com A
Ronda dos Malandros afrontava diretamente os capitalistas conservadores que
haviam bancado aproduo. S se pode supor que estes aceitavam a
provocao indireta do discurso de Sarte mas no a d ireta de Gay e Jacobbi.
(Guzik, 1986,40)

Ruggero Jacobbi demite-se do Teatro Brasileiro de Comdia, e declara a


Miroel Silveira em entrevista publicada em Radar, de 2 a 6-6-50:

(...) Foi no dia 22 de maio que apresentei minha demisso


do cargo de ensaiador do TBC. Na mesma ocasio devido s
ligaes do TBC com a Cia. Vera Cruz, demiti-me tambm desta
entidade. A origem de minha demisso reside exclusivamente no
fato de ter sido ordenada naquele mesmo dia 22, e sem que
ningum se desse a pena de me consultar, a retirada de cartaz da
pea A RONDA DOS MALANDROS, de John Gay, por mim
dirigida. Isso apesar da ausncia do diretor artstico do teatro,
Adolfo Celi, apesar da pea ter dado perto de Cr$ 144.000,00 nos
primeiros cinco dias, apesar dela constituir a volta do TBC a um
repertrio de arte, depois do parntese comercial dOS FILHOS
DE EDUARDO. Houve, evidentemente, algum outro motivo que
conseguiu influenciar a honesta ingenuidade de empresrios
inexperientes. Quanto a mim, no me restava outro caminho
seno acompanhar o destino da minha realizao, a fim de
proteger minha dignidade profissional. (...) Contudo, deixo o TBC
sem rancor (...) sem recriminaes. Ficando amigo de todo mundo
e muito especialmente dos meus velhos e queridos companheiros
77

Adolfo Celi, Aldo Calvo e Luciano Salce que muito fizeram (o


possvel e o impossvel) para que o caso se solucionasse pacfica e
satisfatoriamente. (Jacobbi,1980, 79)

Em agosto de 1951 o TBC abre a cortina para apresentar RAL, de Mximo


Grki, este, o primeiro trabalho do recm-contratado diretor italiano Flamnio Bollini
Cerri. Na ocasio, tanto o espetculo como o seu diretor obtiveram uma recepo
efusiva e, surpreendente por parte da crtica, conforme podemos conferir nos dois
exemplos (Dionysos n25, 1980,84), de comentrios exaltando a realizao do
espetculo e tambm a encenao de Bollini:

Registra ANHEMBI:
(...) Flamnio Bollini s merece elogios. Mau grado a sua pouca
idade, Bollini apresentou como um diretor firme, minucioso, imaginoso, senhor
de uma tcnica segura e grande conhecedor de palco. (ANHEMBI n 12 v.
IV nov. 1951. Citado por Maria lcia Pereira, em Antecedentes e Histria
Cotidiana do TBC, Revista Dionysos, 25, 1980,84)

E Miroel Silveira, d uma trgua no combate ferrenho ao gr-finismo em arte,


para ponderar sobre o alcance d um texto altamente poltico sendo levado na sala de
espetculos do TBC:
(...) Foi um ato de coragem, por parte do Teatro Brasileiro de
Comdia, a encenao da pea RAL, de Mximo Grki (...) porque coloca o
teatrinho da Rua Major Diogo em posio cultural de ntida importncia ao
mostrar ao pblico, em vez de um original gracioso de intuitos meramente
recreativos, um drama que constitui marco histrico na evoluo do teatro (...).
Alm do mais, o contedo anticapitalstico da pea, seu apelo impreciso mas
pungente a favor de um mundo mais humano e mais justo, fazem com que sua
apresentao se aurole de simpatia, recomendando nossa estima aqueles que
to paradoxalmente se resolveram a encen-la. (RAL, - UM ATO DE
CORAGEM, Miroel Silveira, FOLHA DA NOITE, 10-09-51. Citado por
Maria lcia Pereira, em Antecedentes e Histria Cotidiana do TBC, Revista
Dionysos,1980, 25, 84).

3.7 A produo como um ciclo fechado

TBC: O primeiro a se preocupar com a infra-estrutura teatral, a frase de


autoria de Jos Carlos Serroni e se encontra no livro Cenografia e Indumentria no
TBC 16 anos de histria. Chama ateno a anlise feita por Serroni (1980,35) sobre o
setor de produo do TBC em seu perodo vivo de atividades: o Teatro brasileiro de
comdia possua, alm da boca de cena, todo um universo conhecido infelizmente
78

apenas pelos prprios funcionrios do teatro. Era uma equipe annima que, dentro da
maior exatido, alimentava o palco, no deixando nunca o espetculo parar. Tudo o
podia ou devia ser usado na montagem de uma pea era feito dentro de seus prprios
limites, com recursos que poucos teatros brasileiros possuam. Podemos observar sobre
essa questo que por trs de todas as realizaes do Teatro brasileiro de comdia,
existia o suporte absoluto de uma equipe tcnica formada por ilustres desconhecidos
que funcionava com a preciso de uma mquina para colocar em cena os mais variados
tipos de espetculos em grande estilo. Em seu texto, Serroni faz um relato minucioso
sobre a organizao quase completa do TBC:

Um guarda-roupa com vrias salas, uma marcenaria equipada para


a confeco de qualquer tipo de cenrio, de mveis e etc, um acervo completo
de contra-regra com centenas de peas de porcelana, de cermica e de cristal;
discos, aparelhos complicados, e um atelier de costura formavam um todo
desconhecido do pblico geral e eram os responsveis por toda a parte material
das peas do Teatro Brasileiro de Comdia.
[...] O TBC possua uma oficina de trabalho, montada por Rina
Fogliotti, que se encarregava da confeco de todas as peas de vesturio
utilizadas nas quase 10.000 representaes que encenou nos seus 16 anos reais
de existncia. Seu guarda-roupa ocupava trs salas e possua cerca de 2.000
trajes num valor inestimvel. A encarregada da manuteno desse guarda -
roupa era Zoraide Grego Dihel, que continua no TBC at hoje, em outra
funo, j que esse acervo foi totalmente extinto, em funo da venda arbitrria
dessas peas.
Uma outra seco vital para a sobrevivncia da cenografia do TBC,
era a marcenaria e cenotcnica, onde eram confeccionadas todas as peas de
cenrio, mveis dos mais variados estilos, valises de couro, pianos sem corda,
tudo quanto necessrio, trabalhado em sua textura, sendo que muitas vezes
essas peas eram envelhecidas convenientemente para terem o sabor da poca.
Passaram pela marcenaria e cenotcnica do TBC, entre outros: Belo Ferraz da
Silva, Carmine Pssaro, Lo Rosseti, Arquimedes Ribeiro, Atlio Del Fiori,
Walter Ribeiro, Jos silva, Jos Tavares, etc.
A contra-regra do teatro esteve por muito tempo sob a coordenao de
Pedro Petersen e Sebastio Ribeiro, mantendo em seu acervo os mais estranhos
e diversificados objetos usados nas decoraes dos cenrios
Longe das vistas do espectador tnhamos ainda a seco de efeitos de
luz e som sob a orientao de aparecido Andr e Renato Gagliano, bem como
um aparelho para a sincronizao da luz, que era o nico existente no Brasil
naquela poca, vindo da Europa a pedido de Franco Zampari. Essa mquina,
belssima por sinal, existe ainda hoje l no teatro, desativada por no ter quem
saiba oper-la.
A vida em alguns desses setores comeava quando o sol aparecia. As
portas do guarda-roupa eram abertas, a marcenaria iniciava sua tarefa brilhante
e, seguindo a orientao dos cengrafos e figurinistas, dava incio de parte
daquilo que o pblico apreciaria como elementos integrantes da pea encenada.
Esse mundo oculto era o responsvel direto pelo ambiente onde se
desenvolveria a ao. O rudo dos trens que passavam, a luz projetada num
quarto escuro, as valises carregadas, o jipe (de madeira) que aparecia no palco
quando da encenao de Casa de Ch do Luar de Agosto eram obras da
equipe annima que vivia longe das vistas do espectador. Nomes como os
anteriormente citados, entre outros, no apareciam nos programas, mas eram
79

bastante conhecidos dos artistas e dos diretores a quem emprestavam a sua


inestimvel e direta colaborao
Quando as cortinas baixavam, aps um final bem sucedido de pea,
mal sabia o espectador que os aplausos recebidos pelos atores seriam divididos
entre aquela gente simples que colaborava na montagem do espao em que se
desenrolou a pea. (Serroni,1980, 35,36).

Um pouco mais dessa histria, relatada em dois tempos, por Alberto Guzik:

A ideia de Zampari, depois de ajustes feitos no projeto original,


inclua a profissionalizao dos integrantes, a opo por um repertrio ecltico
e o mtodo de trabalho que caracterizou o TBC. O empresrio aplicou ao palco
o seu conhecimento industrial. Carecia de encenadores e importou -os,
precisava de mo-de-obra e formou atores. Estabeleceu exigncias de
qualidade, determinou certos critrios comuns a todas as produes. E criou
uma lenda de velocidade e eficincia. Mesmo nas peas mais sombrias, as
atividades do conjunto de Zampari eram envolvidas por um certo ar de festa. E
a vibrante Cacilda Becker, a imagem do TBC feita atriz, oferece um exemplo
excelente, embora involuntrio, do grau de prodigalidade a que a Companhia
chegava. A histria em dois tempos. Em 45, na companhia de Raul Roulien, a
atriz famosa escrevia para a me e irms: Comprei esta semana, para uma cena
minha, um robe de chambre em cetim rosa que uma maravilha. M inhas
queridas, eu preciso dizer que isso foi indispensvel. Ou seja, Cacilda, como
de resto todos os membros dos elencos do teatro brasileiro de ento, pagavam
do prprio bolso os figurinos que exibiam em cena. Esse o primeiro tempo.
(Guzik,1980,30).

Agora uma breve pausa na histria que est sendo contada acima, para que
Guzik aponte o panorama teatral no momento em que essa histria acontece:

O teatro profissional predominante nas dcadas de trinta e quarenta,


com as raras e honrosas tentativas espordicas de adoo de um
comportamento um pouco mais moderno, prima por uma forma acanhada de
produo teatral [...] Nas companhias de mais recursos como o lendrio
conjunto que Leopoldo Fres manteve, ainda h certos cuidado com os
cenrios de gabinete e com os trajes, especialmente os femininos, cujo brilho
era uma marca caracterstica do gosto do ator. Nas menos bem-sucedidas, os
atores secundrios eram incumbidos de financiar o prprio vesturio. Havia
sempre um cenrio bsico que recebia alguns acessrios e mos de tinta a cada
pea nova.
O empresrio, quase sempre, era o ator titular da companhia. O
encenador era figura desconhecida nessa formao, que ainda recorria ao
ensaiador. [...] Os atores recebiam apenas o texto correspondente s suas falas ,
antecedidas pela deixa imediatamente anterior e com o incio da fala seguinte
guisa de concluso. Um teatro de tipos fixos e situaes arquetpicas pode ser
ensaiado dessa forma. Mas veja-se bem que esse modo de trabalho estava
sendo empregado no Brasil, s vsperas da dcada de cinquenta, quando o
teatro j fora invadido pelas mais variadas tendncias. Desde o simbolismo que
mal roou pelo palco brasileiro, nada de novo chegava at ele. Ficara
indiferente a avanada do naturalismo como ficaria depois a do
expressionismo. Torceu o nariz reteatralizao e a todas as tendncias
contemporneas. Continuava infindavelmente amarrado a uma prtica modesta,
rudimentar. (Guzik,1986,221).
80

E agora veremos a concluso dos fatos do segundo tempo da histria de


Guzik:

Em 51, na Dama das Camlias, espetculo comemorativo do terceiro


aniversrio do TBC, Cacilda/Margarida Gauthier usava um vestido de baile. E
a roupa ficou famosa. At hoje h quem recorde a saia farta e rodada para a
qual foram importados cem metros de tule francs. E esse o segundo tempo.
Mas o Teatro de Zampari no ficou clebre apenas por uns metros de fil.
Fazia tudo em grande estilo. E para comprovar isso, nada melhor do que a voz
do proprietrio: A organizao do TBC quase completa, forma um ciclo
fechado, pois temos uma seo de carpintaria para trabalhar a madeira bruta.
Essa madeira passa seo de marcenaria onde existem mquinas aptas para
fabricar qualquer tipo de mvel. Uma seo de cenografia com as mesmas
dimenses do palco, permite que o cenrio seja preparado e verificado nos
pormenores. Uma sala especial para ensaios, reconstruda recentemente, aps o
incndio, foi estudada de forma a ter a mesma acstica da sala de espetculos...
Dispe o TBC ainda de sala de costura completa, de almoxarifado e de
depsitos para cenrios alugados fora do teatro. E Zampari no modesto mas
esquecido, deixava de mencionar amplos camarins, que facilitavam a
preparao dos atores. Pequeno do TBC era s o palco. Mas arranjos e
reformas sucessivas acabaram por ajeitar o espao problemtico. (Guzik, 1980,
30).

Maria Lcia Pereira em TBC: PEQUENO HISTRICO acrescenta alguns


detalhes sobre o sistema de luz e som A iluminao conta com um rgo de luz com
auto-transformadores de 40 circuitos, e o som, de alta-fidelidade, distribudo no palco
por meio de cinco alto-falantes. (Pereira, 1980,16).

Por detrs dos bastidores h um mundo que o espectador absolutamente


desconhece, como nos foi mostrado nos trechos acima, o trabalho de alta qualidade
desenvolvido antes de abrir o pano, de fundamental importncia para o xito do
espetculo, e Franco Zampari ao criar o TBC, soube, como poucos, articular essa ideia
da estrutura teatral e, coloc-la na linha de frente, ou melhor, na primeira fileira em um
lugar de destaque e reconhecimento. Aplausos!
81

4. TERCEIRO CAPTULO TBC o castelo encantado

Os dados histricos que servem de sustentao para o presente captulo foram


retirados em maioria - do livro TBC: crnica de um sonho de Alberto Guzik, e da
Revista Dionisos n25 Teatro Brasileiro de Comdia.

4.1 -11948-1949: sob o signo do dinamismo;

Em 1946 a cidade de So Paulo tem trs teatros: O Municipal, o Santana e o Boa


vista, em 1948 este ltimo demolido. O Municipal est permanentemente ocupado por
companhias estrangeiras ou para comemoraes de toda espcie, enquanto o Santana
por companhias profissionais. Assim, os grupos amadores no tem mais onde se
apresentar.
neste momento que emerge a figura de Franco Zampari, engenheiro napolitano
de quarenta e oito anos, exercendo cargos na diretoria da Indstria Matarazzo. Gostava
de teatro, e demonstrava enorme interesse por todas as suas manifestaes, chegando a
escrever uma pea, A Mulher de Braos Alados, esta, em 1. de junho de 1946
levada por um grupo de amigos, sob a direo de Ablio Pereira de Almeida, num
elegante teatro armado em lona especialmente construdo para essa finalidade nos
jardins da residncia da protagonista Sofia Lebre Assuno, completando o elenco
esto sua esposa Dbora Prado Zampari, Paulo Assuno, Maj Rheingantz, Carlo
Zampari e Isabel Moraes Barros. Acompanhando com simpatia o movimento amador
em So Paulo e interessando-se por teatro Zampari cria em 1948 o Teatro Brasileiro de
Comdia, concebido com sede destinada a acolher os grupos amadores da cidade. Sob a
indicao do ponto do GTE, Helio Pereira de Queiroz, Franco Zampari aluga e faz
reformar, Rua Major Diogo, no ento bairro do Bexiga (hoje Bela Vista), um prdio,
de propriedade do Sr. Ary de Franco Camargo, para o funcionamento do teatro,
(segundo Alfredo Mesquita o Teatro Brasileiro de Comdia teria sido, originalmente,
um laboratrio e, durante a guerra, centro de uma organizao fascista, porm, de
acordo com o prprio Zampari o prdio teria servido como garagem). A reforma do
local aconteceu muito rapidamente. Em apenas trs meses o edifcio transformado
num teatro de 365 lugares, cuja sala de espetculos ocupa um quinto da rea total do
prdio. So adaptados ainda dezoito camarins, duas salas de ensaio, uma sala de leitura,
uma sala de carpintaria e marcenaria, uma sala de administrao, um almoxarifado de
82

guarda-roupa, um almoxarifado de objetos de cena e um depsito de cenrios usados e


mveis de cena. A iluminao conta com um rgo de luz com auto-transformadores de
voltagem de quarenta circuitos, e o som, de alta fidelidade, distribudo no palco por
meio de cinco alto-falantes. A fim de levantar os fundos destinados instalao do
teatro e o capital necessrio a seu funcionamento, Zampari e Ciccillo Matarazzo criaram
a Sociedade Brasileira de Comdia, entidade sem fins lucrativos para a qual convidaram
duzentas figuras da sociedade paulistana, entre outros, banqueiros e industriais.
A casa inaugurada a 11 de outubro de 1948, com La Voix Humaine, de Jean
Cocteau, apresentado no original por Henriette Morineau, e A Mulher do Prximo, de
Ablio pereira de Almeida.
De 4 de novembro a 16 de dezembro apresentam-se no TBC quatro espetculos:
O Baile dos ladres, de Anouilh, pelo GUT; como tradutores constam os nomes de
Antnio Cndido e Ablio Pereira de Almeida, na direo est Dcio de Almeida Prado,
com a colaborao de R. Rognoni, e completando ficha tcnica, Hilde Weber que assina
a cenografia e, Maj Rheingantz os figurinos. No elenco Waldemar Wey, Glauco de
Divitis, Ruy Affonso Machado e Nydia Lcia. A seguir em 11 de novembro Margem
da Vida, de Tennessee Williams, pelo GTE; numa remontagem do grupo. A traduo
de Esther Mesquita, na direo e nos figurinos Alfredo Mesquita, e os cenrios, de
Clvis Graciano, aqui, Hlio Pereira de Queiroz aparece como diretor de cena no como
ponto. No elenco esto Caio Cayubi, Marina Freire Franco, Nydia Pincherle e Ablio
Pereira de Almeida. A montagem repete o feito de sua primeira exibio, levando
nova casa de espetculos um pblico de mais de trs mil e quinhentos espectadores. Em
14 de dezembro sobe ao palco o grupo dos English Players para apresentaes de dois
dias do texto I Have Been Here, do ingls J. B. Priestley, no original. O nmero
reduzido de representaes d-se pelo interesse restrito de que era objeto o grupo de
lngua estrangeira. A pea tem direo de Audrey Cammiade. No TBC, os English
Players se apresentaram com o nome de Sociedade de Amadores Ingleses. Encerrando a
primeira temporada do teatro em 16 de dezembro o Grupo de Artistas Amadores,
organizado por Madalena Nicol, nome de grande significao para o teatro brasileiro
apresenta a A Esquina Perigosa (Dangerous Corner), de Priestley, foram catorze
apresentaes, vistas por quase mil e quinhentos espectadores.
A abertura da temporada de 1949 marcada pelo relanamento de A Mulher do
Prximo, pea de Ablio Pereira de Almeida que volta ao cartaz tendo em vista que os
grupos amadores no tinham trabalhos prontos para serem apresentados. A pea
83

seguinte, Ingenuidade, de John Van Druten, um espetculo que rene o primeiro


ncleo de atores profissionais do TBC, dele participam Cacilda Becker, Mauricio
Barroso e Madalena Ncol, que tambm assina a direo da pea, segundo GUZIK
(1986,22), Madalena consegue dinamizar a encenao, valorizando as interpretaes
com uma marcao fluente e adequada s regras do playwriting cmico convencional no
qual a pea foi escrita. Os cenrios e figurinos so de Aldo Calvo e Bassano Vaccarini,
sendo de Beatriz Biar a assinatura dos figurinos femininos. Ingenuidade, torna-se o
primeiro grande sucesso do TBC, permanecendo em cartaz ao longo de cinco semanas,
levando ao teatro um pblico mdio semanal de 1.500 espectadores. At ento, nunca
uma pea ficara em cartaz mais de trs semanas, e a mdia semanal de espectadores
nunca havia superado a marca de 1.200. Este sucesso de pblico colocou Nicol numa
posio distinguida dentro do ncleo que comeava a se articular na esfera do TBC.
Ainda em janeiro de 1949, um acontecimento importante para o TBC, Zampari
contrata Adolfo Celi como diretor artstico da casa da Major Diogo, assim, ele daria,
segundo GUZIK (1986,21), um passo decisivo para o futuro da sigla TBC. Segue o
registro de Guzik:
Celi, jovem encenador italiano, formado em direo pela Academia
de Arte Dramtica de Roma, ento dirigida pelo venervel Silvio DAmico,
encontrava-se em Buenos Aires desde o incio de 1948. Fora para l
participando de um filme com Aldo Fabrizzi. Encerrado esse, deixou-se ficar
na capital argentina, onde encenou uma verso de Antgone de Sfocles para o
Teatro Experimental de Buenos Aires. Amigo de Aldo calvo, este o indicou a
Zampari, que procurava algum para se encarregar da coordenao cultural de
seu empreendimento.
Como as declaraes de Celi indicam e a atividade dos amadores
comprova, ainda no se pensava em profissionalizar a companhia. (...) Ao
chegar, seria sua tarefa auxiliar os amadores continuarem com o programa de
ao esboado desde os preparativos para a abertura do TBC. Possua a
vantagem de uma formao especializada na rea e teria condies de oferecer-
lhes uma assessoria geral. (...) Ao ser apresentado imprensa, em fevereiro do
mesmo ano, Celi faria declaraes que deixam entrever uma esttica, leitura
pessoal de fontes variadas, temperada por forte expresso individual. Quanto
ao espetculo, no necessrio dizer que precisa ser homogneo, isto ,
artstico e honesto ao mesmo tempo. Por isso mesmo, respeito profundamente
o texto de uma pea e jamais me interessou saber o que que o autor
pretendeu dizer com esta ou aquela frase ou expresso. O que realmente
interessa dizer o que ele escreveu e no o que pretendeu insinuar. E isto quer
dizer, logicamente, obedincia ao texto, mas uma obedincia consciente.
(Celli,1986,22).

19 de Maro, apresentao da remontagem de Pif-Paf, de Ablio Pereira de


Almeida, pelo GTE, e Antes do Caf, monlogo de Eugene ONeill, por Madalena
Nicol.
84

Encerra-se a temporada do espetculo duplo Pif-Paf /Antes do Caf, e Zampari


se depara pela segunda vez com a falta de espetculos dos grupos amadores para levar a
cena. Assim, convida Aime e a Companhia de Comdias do Teatrinho ntimo do Rio
de Janeiro para ocupar o palco do TBC. Em 5 de abril estreia Ele, Ela e o Outro, de
Louis Verneuil sob a direo de Esther Leo e no elenco alm de Aime, Fregolente e
Paulo Porto. O segundo espetculo apresentado pela Cia. Aime tem incio em 26 de
abril e marca a estreia de Silveira Sampaio em So Paulo, com a montagem de A
Inconvenincia de Ser Esposa.
Em 10 de maio estreia de A Noite de 16 de Janeiro, pea policial de Ayn Rand,
pelo Conjunto de Arte teatral, quem assina a direo Ronald Eagling, e a produo
de Paulo Autran. A encenao transforma o teatro num tribunal, onde no veredito final,
o pblico convidado a opinar. Participam do elenco, alm de Paulo Autran, Jlio
Gouveia, Nydia Pincherle, Joo Ernesto Coelho Neto, Clia Biar, Marina Freire Franco,
Clvis Garcia, Renato Consorte e Ablio Pereira de Almeida.
A encenao seguinte estreia em 25 de maio pelo Grupo de Artistas Amadores,
num programa duplo, Dois Destinos, o ttulo brasileiro de Brief Encounter, de Noel
Coward, e A Mo do Macaco, de W. W. Jacobs. Trata-se da ltima iniciativa da fase
amadorstica levada cena no TBC. Logo aps a estreia da montagem do texto de Ayn
Rand, conforme citado por GUZIK em seu livro: Zampari...elementos de todos os
grupos amadores e fez uma preleo no sentido de que era praticamente impossvel
manter um teatro de alto nvel, grandes montagens, despesas extraordinrias, s com
amadores. Dessa maneira, ele, Franco, propunha a profissionalizao do TBC, sob sua
direo financeira e artstica. Quase todos aceitaram. (Zampari, 1986,26). No devemos
nos esquecer que no espetculo de Coward/Jacobs, Madalena Nicol faz sua
antepenltima atuao como componente do elenco da Major Diogo. Ela traduz, dirige e
atua nas duas peas.
A estreia do espetculo seguinte em 8 de junho, tem a importncia de se
constituir na primeira da nova fase profissional do TBC, com Adolfo Celi frente do
elenco. A pea escolhida para a ocasio The Time of Your Life, de William Saroyan,
que em portugus, recebe o ttulo de Nick-Bar, por Gustavo Nonnemberg, os cenrios
so de Aldo Calvo. Participam do elenco Ablio Pereira de Almeida, Fredi Kleeman,
Mauricio Barroso, Cacilda Becker, Carlos Vergueiro, Madalena Nicol, Valdemar Wey,
Clia Biar, Marina Freire e Ruy Affonso, entre outros. Como aponta GUZIK: A pea
com vinte e nove personagens, abre espao aos numerosos intrpretes que haviam
85

deixado os amadores para formar o primeiro quadro extenso de profissionais do


conjunto de Franco Zampari. (Guzik,1986 26)
Nick-Bar encerra carreira em 10 de julho, vem a seguir em 14 de julho Arsnico
e Alfazema, comedia do americano Joseph Kesselring, dirigida por Celi, com cenrios
assinados pela desenhista Nomia. A comdia de humor negro de Kesselring, suplanta
imediatamente o sucesso da montagem anterior, levando a cena noventa espetculos
vistos por aproximadamente vinte mil pessoas, fato indito at ento. No elenco,
Cacilda Becker e Madalena Nicol, Ruy Affonso, Clovis Garcia, Clia Biar, Mauricio
Barroso, Milton Ribeiro e Carlos Vergueiro, entre outros. Chama ateno no programa
da pea as consideraes feitas por Adolfo Celi sobre o mtodo de ensaios que usa:
No h novidade quanto a isso. a anlise do texto na mesa, seguida da marcao.
(Celi,1986,30).
Em 31 de julho o jornal O Estado de So Paulo registra a formao de novo
pblico teatral: (...) Se o Teatro Brasileiro de Comdia ainda no se popularizou por
completo, j conta, todavia, com um ncleo extremamente fiel e constante de
espectadores, ncleo que cresce dia a dia e que se recrutou em sua maior parte entre o
melhor pblico, aquele que ignorava at agora o teatro nacional, preferindo o cinema ou
a literatura. (O estado de So Paulo, citado por Maria Lcia Pereira, Dionysos n 25,
77).
Para a estria da montagem de Luz De Gs, de Patrick Hamilton, que acontece
em 15 de setembro, so realizados testes para o papel da empregada e Elizabeth Henreid
selecionada e, contratada para o elenco permanente do TBC. Guzik fala um pouco
mais sobre o espetculo:
Em setembro estreia Luz de Gs, policial bem estruturado, de Patrick
Hamilton, que marca o fim da primeira fase do TBC, antes ainda que o teatro
complete o primeiro ano de vida. A pea a ltima de Madalena Nicol no
elenco. Ao lado da atriz entram no palco Ruy Affonso, Clia Biar, Elizabeth
Henreid e Carlos vergueiro. A direo de Celi, a cenografia, d e Sofia
Assuno e os figurinos, de Aldo Calvo. A sada de Madalena Nicol, brigada
com Cacilda Becker e Adolfo Celi, no constituiria, por si s, motivo para
caracterizar o encerramento de uma fase. Mas a ela se acrescenta que a pea
seguinte seria dirigida por outro italiano, Ruggero Jacobbi, j radicado no
Brasil e contratado por indicao de Celi e Calvo. Nessa primeira etapa,
Madalena Nicol desenvolveu uma intensa atuao no TBC, como intrprete e
diretora, ocupando um lugar de destaque, disputando o po sto de primeira figura
feminina da casa. Era natural que se estabelecesse uma rivalidade entre ela e
Cacilda Becker; a mesma situao se repetiria outras vezes na sala da Major
Diogo. No encontrada forma de soluo para o impasse, Madalena deixa o
grupo. (Guzik, 1986,30)
86

Na data de 10 de outubro, estreia Ele,de Alfred Savoir, traduo de Raymundo


Magalhes Jnior, o espetculo tem a primeira direo de Ruggero Jacobbi para o TBC,
recm contratado da casa. Cengrafo e figurinista masculino Aldo Calvo, figurinista
feminino Beatriz Biar. Participam do elenco, Nelson Ernesto Coelho, Carlos vergueiro,
A. C. Carvalho, Ruy Affonso Machado, Elizabeth Henreid, Waldemar Wey, Gini
Brentani, Mauricio Barroso, Clia Biar, Maury Lopes, Milton Ribeiro, Victor Merinov,
Geraldo Pacheco Jordo.

Um breve balano por GUZIK (1986,31) at aqui:

Nesses dez meses iniciais o TBC move-se com dinamismo notvel.


Articula-se ao redor da atividade dos amadores e rapidamente supera-a,
passando a exigir uma organizao prpria em tempo integral. Experimenta
uma linha de ao com os repertrios amadores. Segue rumo atuao
profissional. Forma seu primeiro ncleo estvel e no conhece reverses
financeiros. As atitudes que toma, como contratar um encenador estrangeiro e
marchar para o profissionalismo, esto longe de levantar qualquer oposio. Ao
contrrio, so estimuladas pela crtica, pelo pblico e pelos amadores que se
profissionalizam. Ostenta nos nmeros, dados impressionantes: dezesseis peas
em dez meses!
Com extraordinria maleabilidade, a organizao de Zampari
soube adaptar-se ao momento e agir com rapidez, na direo que parecia ser a
mais adequada. Se nenhum debate aprofundado se trava a respeito das linhas
culturais adotadas, isso deve-se em grande parte a uma boa percepo de todos
os envolvidos, crticos e espectadores inclusive, de que elas estavam sendo
examinadas na prtica, definidas a partir da experincia dos amadores,
retornadas e ampliadas na passagem para o profissionalismo. A transio se
encontrava em pleno processo e era acompanhada com extremo interesse.
Afirma Alfredo Mesquita: Ningum que no viveu naquele tempo em So
Paulo pode imaginar o clima de euforia teatral que havia em relao ao TBC. O
pblico era enorme... Todos falavam, todos gostavam e se interessavam.
(Mesquita,1986,31).

Em 23 de novembro, estreia um espetculo, dirigido por Ruggero Jacobbi, que,


segundo Maria Lcia Pereira em Cenografia e Indumentria no TBC representa um
marco na histria do TBC. O Mentiroso, de Goldoni. Ele inova em termos de
encenao, cenografia (dois palcos giratrios), figurinos e adereos. Esta pea na qual
estria Srgio Cardoso, determina com sua encenao luxuosa e bem cuidada a linha de
produo do teatro. (Pereira, 1980,17).
87

4.2 - 1949-1953: sob o signo do sucesso;

Em 3 de novembro de 1949, d-se um acontecimento que segue paralelo ao TBC


mas que envolveria de modo decisivo o seu futuro. Franco Zampari, Francisco
Matarazzo Sobrinho, Paulo Assuno, Sofia Lebre de Assuno, Adolfo Rheingantz,
Rex, Kemmeny e Cia, Hernani Lopes, Luiz Maiorana e Luiz Augusto Belluci fundam a
Cia. Cinematogrfica Vera Cruz, que tem Alberto Cavalcanti como produtor geral, para
tal empreendimento destina-se um capital inicial de dez milhes de cruzeiros. Para a
construo dos estdios e um equipamento tcnico americano adquirem uma rea de 30
mil metros quadrados em So Bernardo do campo, no Km. 17 da Via Anchieta. A
equipe tcnica formada em sua maioria por estrangeiros, nessa fase inicial. A Vera
Cruz vai assimilar grande parte do elenco e do pessoal tcnico do TBC, dado a ligao
de Zampari com o Teatro e, a sua implantao ser tambm um dos fatores responsveis
pelo fracasso econmico do TBC, que nela injetava grande parte de seus lucros.
Estamos, porm, no incio de uma nova dcada e, a partir das diretrizes tomadas
em sua primeira fase, tais como a eliminao da possibilidade de ir adiante com a
alternncia entre os grupos amadores, a estruturao de um ncleo profissional, e a
contratao de um segundo diretor, coloca-se ento a questo do objetivo a que visa o
bloco destas iniciativas.
Na abertura do pano desta sua segunda fase o TBC se encontra diante de um
espao aberto pelos grupos amadores de So Paulo e do Rio de Janeiro, que aplicaram
em seus trabalhos novos conceitos e influencias diversificadas, tais grupos fomentaram
o quadro existente, expandindo-o para uma multiplicidade de influencias onde passam a
contar nomes e estticas diversas. Sai do centro da cena o ator, para o qual se dirigiam
antes as atenes. Seu espao passa a ser ocupado por conceitos mais coletivos como
encenao, modo de produo e grupo. O TBC adere esses princpios, mas no em sua
totalidade. Como aponta GUZIK: No que se refere ao repertrio percebe desde o incio
que uma linha rigorosamente cultural no lhe facilitaria o retorno do capital empregado.
E j no valia mais a promessa a fundos perdidos que Ciccillo Matarazzo fizera a Ablio
Pereira de Almeida. Esperava-se agora que o investimento fosse rentvel. E o novo
diretor do TBC, Ruggero Jacobbi, recebe como primeira incumbncia a montagem de
uma pea inconsequente de Savoir. (Guzik,1986,33).
Em janeiro de 1950 o TBC profissionaliza-se efetivamente, com um elenco
permanente de doze atores. A partir desse momento o TBC empreende a sua poltica de
88

revezamento de repertrio, alternando peas de reconhecido mrito artstico e comdias


leves, de boulevard, de assegurado sucesso comercial. Ainda em janeiro estreia Entre
Quatro Paredes, de Sartre, juntamente com Um pedido de Casamento, de Tchecov,
num mesmo programa. A primeira suscita polmica suficiente para colocarem-se contra
ela duas entidades antagnicas: O Partido Comunista e a Cria Metropolitana. Esta
ltima determina aos catlicos que no assistam o espetculo, a censura entra em ao e
probe a pea. A liberao acontece aps vrias representaes especiais para as
autoridades. Tambm os atores, a fim de que o espetculo seja liberado, tm que obter a
autorizao de seus padres confessores. Porm, o resultado de todo esse bafaf que a
encenao faz um enorme sucesso, quase dezesseis mil pessoas assistem a temporada de
sessenta e sete espetculos. A direo de Entre Quatro Paredes de Adolfo Celi, tendo
na assistncia Ruy Affonso, o cenrio assinado por Bassano Vaccarini e pelo estreante
Caslos Giacchieri, os figurinos so de Aldo Calvo. No elenco esto Carlos Vergueiro,
no papel do criado, Srgio Cardoso, como Gracin, Cacilda Becker como Ins, e Nydia
Lcia, fazendo sua estreia no TBC profissionalizado, como Stelle.
O Espetculo seguinte entra em cartaz em 14 de maro. Trata-se de Os Filhos de
Eduardo, boulevard de Marc-Gilbert Sauvajon, numa direo conjunta de Cacilda
Becker e Ruggero Jacobbi. A montagem, de apelo comercial fica em cartaz por nove
semanas, com casas absolutamente lotadas, um pblico de vinte e cinco mil pessoas
assistem as noventa apresentaes, batendo todos os recordes e, colocando a pea entre
as dez maiores bilheterias conseguidas pela casa.
Em 17 de maio estreia A Ronda dos Malandros, uma traduo e adaptao - de
Maurcio Barroso e Carla Civelli, esposa de Ruggero Jacobbi - de The Beggars Opera,
de John Gay. Dirigida por Ruggero Jacobbi, esta adaptao ganha cortes e
modificaes, entre essas a incluso de trechos de A Litania dos Pobres, de Cruz e
Souza que so imediatamente proibidos pela polcia. Tlio Costa assina a cenografia e
os figurinos. A encenao de Jacobbi no se prende a uma poca especfica, os figurinos
indicam sculos diversos, a cena corrobora e expande o volume da mensagem original
de John Gay. Na linha de frente do elenco esto, Maurcio Barroso, Cacilda Becker,
Nydia Lcia, Srgio Cardoso, e Marina Freire. Completam o elenco mais 17 atores. O
espetculo fica em cartaz por apenas duas semanas, sendo inesperadamente retirado pela
direo da Sociedade Brasileira de Comdia, sob alegao de insucesso de crtica e
pblico. Ruggero Jacobbi pede demisso de seu posto. O quadro provoca o levante de
uma crise artstica no teatro, conforme aponta GUZIK: Em dezenove representaes, a
89

Ronda foi vista por quase seis mil pessoas, obtendo uma mdia de 294 espectadores por
sesso. a maior que o teatro obtivera at ento. O que se deu, sem dvida, foi a
primeira tomada de posio poltica dos diretores da casa. A Ronda e,
consequentemente Jacobbi, foram afastados do TBC por motivos ideolgicos.
(Guzik,1986,40).
Com a retirada de cena de A Ronda dos Malandros, Ziembinski ento
convidado, com seu grupo carioca, a ocupar o tetro. Ele chega casa da Major Diogo
trazendo trs peas de seu repertrio. Iniciando com a apresentao de Adolescncia, de
Paul Vanderberg, sob sua direo, tradutores R. Magalhes Jr. e Renato Alvim, a
cenografia de Carlos Giacchieri, no elenco Nely Rodrigues como Susana, Joseph
Guerreiro Bob, e Ziembinski faz o papel de Mauricio. O segundo espetculo Assim
Falou Freud, de Anton Cwojdinski, igualmente sob a sua direo, e cenografia de
Bassano Vaccarini, atuam na montagem Ziembinki e Nely Rodrigues. A terceira
montgem O Cavaleiro da Lua, de Marcel Achard, tem tambm direo e interpretao
de Ziembinski. O Cenrio leva a assinatura de Carlos Giacchieri, o elenco composto
por Joseph Guerreiro, Nely Rodrigues, alm dos atores do elenco estvel: Mauricio
Barroso e Clia Biar. Aps essa montagem, Ziembinski efetivamente contratado como
diretor e ator.
4 de Julho estreia A Importncia de Ser Prudente, de Oscar Wilde, a primeira
direo do recm-contratado Luciano Salce. Como Celi e Jacobbi ele tambm vem da
Academia de arte dramtica de Roma. A produo subsequente do teatro estreia em 16
de agosto e novamente traz Luciano Salce frente da direo do espetculo. O Anjo de
Pedra. Ttulo brasileiro dado a Summer and Smoke, de Tennessee Williams. Segundo
Maria Lcia Pereira: O Anjo de Pedra, de Tennessee Williams, um espetculo que
marcar poca nos anais da histria do Teatro brasileiro de Comdia. E Quando mais
tarde se falar desse espetculo, alm dos intrpretes, quatro nomes sero sempre
lembrados: Luciano Salce, Aldo calvo, Bassano vaccarini e Enrico Simonetti.
(Programa de O ANJO DE PEDRA, citado por Maria lucia Pereira na revista dionysos
n 25,80).
Segundo GUZIK: Ao longo de todo ano de 1950 os programas da casa trazem
anncios das atividades da Vera cruz, alardeando orgulhosamente o empenho que se
colocou em sua organizao, seus projetos ambiciosos, suas primeiras realizaes.
Trombeteia-se a proximidade do lanamento de Caiara e a adaptao de Paiol velho,
drama de Ablio Pereira de almeida. (Guzik,1986,46).
90

O Teatro das Segundas-Feiras estreia em 4 de setembro. O espetculo integra


num mesmo programa O Homem da Flor na Boca, de Pirandello, Lembranas de
Bertha, de Tennessee Williams, e O Banquete, de Lucia Benedetti. Idealizado por
Guilherme de Almeida, conselheiro literrio do teatro, e Luciano Salce. A dupla cria o
Teatro das Segundas-Feiras com base na ideia de ocupar o dia ocioso da casa para
apresentao de um repertrio de carter experimental. As trs peas que compem o
espetculo so dirigidas por Ziembinski, com assistncia de direo de Srgio Cardoso.
Em 4 de dezembro o programa alterado com Rachel, de Lourival Gomes Machado, O
Inventor de Cavalos, de Achille Campanille, e Pega Fogo, de Jules Renard. Na
encenao do texto de Renard Cleyde Yconis tem sua primeira apario profissional e,
Cacilda Becker recebe estrondosa aclamao da crtica e do pblico, por sua atuao
como um menino adolescente - por anos o carro-chefe de seu repertrio - e o espetculo
entra em carreira normal.

Guzik pondera:
Com a Vera Cruz exibindo suas primeiras produes, o TBC
realizando outras dezesseis montagens em um ano, com bom afluxo de pblico
e quase unanimidade de elogios e estmulos por parte da imprensa
especializada, ao fim de 1950 Zampari deve sentir-se vitorioso. O empresrio
alterou por inteiro sua vida, passando a administrar seu teatro, e fazendo-o
como se este fosse uma indstria; at agora triunfa. O TBC chega ao fim do
ano mais articulado como empresa e companhia. O episdio da Ronda dos
Malandros estabelece uma fronteira poltica. O sucesso de O Anjo de Pedra
atinge uma fronteira artstica. A rotina foi mantida pelos Sauvajon e Kaufman
& Hart da vida. O alardeado desempenho cultural da companhia busca uma
acomodao difcil com as necessidades da bilheteria. Mas a favor de Zampari,
deve-se ponderar que ele no cogita de abandonar a ambio cultural; aspira a
encontrar um ponto de equilbrio. O quadro tcnico da casa foi ampliado, assim
como o elenco, afinado instrumento de primeira grandeza. Os espetculos
apresentados no palco da Major Diogo passam a ter a reputao de timo
acabamento. Seja qual for o gnero ou a direo da montagem, o capricho e
esmero da produo se tornam marca registrada, a primeira, talvez, ostentada
pela casa. (Guzik, 1986,49)

O incio do ano teatral de 1951 marcado pela estreia em 10 de janeiro de Paiol


Velho, de Ablio Pereira de Almeida, direo de Ziembinski, cenrio assinado por
Bassano Vaccarini, no elenco Cacilda Becker, Carlos Vergueiro, Zeni Pereira, Milton
Ribeiro, Rachel Moacyr, Mauricio Barroso, A. C. Carvalho, Fredi Kleemann, Glauco de
Divitis, e o destaque para a participao de Eugnio Kusnet.
Em 28 de fevereiro estreia Seis personagens Procura de um Autor, de
Pirandello, o texto considerado uma obra prima traduzido por Menotti del Picchia, a
direo do espetculo de Adolfo Celi, a cenografia de Bassano Vaccarini e figurinos
91

de Aldo Calvo, o elenco composto por vinte e nove atores, Cacilda Becker e Srgio
Cardoso dividem a cena como protagonistas. Paulo Autran, que no participara do
incio da fase profissional do TBC, retorna casa nesta encenao que, repercute como
a volta ao teatro artstico, e representa para o TBC um gerador de prestgio cultural.
O espetculo seguinte estreia em 2 de maio Convite ao Baile, de Jean Anouilh, a
traduo de Gilda de Mello e Souza e a direo de Luciano Salce, cenografia de
Bassano Vacarinni, Figurinos de Carlos Thir e Nomia Mouro, Leonardo Vilar na
execuo dos trajes femininos, e A. Soares de Oliveira na execuo dos trajes
masculinos, Victor Merinov na maquiagem e perucas, Ernest Viebig na msica,
constando em cena uma Orquestra de Cmara do TBC, com Horcio Mendes Barbosa
como primeiro violino e A.P. Gobbi como clarinetista. No elenco, Srgio Cardoso,
Elizabeth Henreid, Maria Lcia, Eugnio kusnet, Cleyde Yconis, Ruy Affonso, Clia
Biar, Rachel Moacyr, Waldemar Wey, Nydia Lcia e Ziembinski. Quanto ao resultado
da montagem, apesar da produo requintada, esta, no bem recebida pela crtica.
Em junho entra em cartaz O Grilo na Lareira, adaptao de um conto de Charles
Dickens feita por Ziembinski e Brutus Pedreira. Alm da adaptao Ziembinski se
encarrega da direo, de uma das personagens e da iluminao. O Grilo representado
quarenta e trs vezes, e no obtm xito, substitudo por uma remontagem de Arsnico
e Alfazema, com Marina Freire no papel interpretado por Madalena Nicol na verso
anterior, e um garantido sucesso da bilheteria.
O prximo espetculo sobe a cena em 5 de agosto, Ral, de Mximo Gorki.
Ele marca a primeira direo de Flamnio Bollini Cerri, o quarto diretor italiano do
TBC, que vem de um estgio no Actors Stdios. Desta montagem participa Maria
Della Costa enquanto seu teatro est sendo construdo em sua nica atuao no
palco da Major Diogo. Chama ateno o comentrio de GUZIK: No incio de janeiro,
entretanto, colocada no palco aquela que vir a ser uma das mais importantes
montagens da companhia. Outra vez renem-se a grandeza de aspiraes, uma direo
ousada, um elenco brilhante e uma obra-prima da dramaturgia. (Guzik,1986,58). Ral
tem a traduo assinada por Eugenio Kusnet e Brutus Pedreira, cenografia e figurinos de
Tlio Costa, e um elenco com a participao de vinte e dois atores.
31 de outubro estreia Harvey, comdia de Mary Chase, montada para celebrar os
vinte e cinco anos de carreira de Ziembinski.
A ltima montagem do ano, entra em cartaz a 6 de novembro. A Dama das
Camlias, o clssico drama realista de Alexandre Dumas Filho, realizada no Teatro
92

Municipal em comemorao ao terceiro aniversrio do TBC. Toda a produo do


espetculo concebida em termos grandiosos e cercada de cuidados especiais. Na
extensa ficha tcnica constam os nomes de Gilda de Mello e Souza a quem foi entregue
a traduo, Luciano Salce assina a direo, Carlos Vergueiro faz a assistncia de
direo. Os cenrios e figurinos so de Aldo Calvo, os assistentes de cenografia so:
Geraldo Ambrossi, Eleonora Koch e Rina Fogliotti. A execuo da cenografia fica ao
encargo de Tlio Costa e Bassano Vacarinni, Leonardo Vilar o responsvel pela
realizao do vesturio de Cacilda Becker; Rina Fogliotti supervisiona a execuo dos
demais trajes femininos e A. Soares de Oliveira, a dos masculinos. Cleyde Yconis a
responsvel pelo guarda-roupa; Enrico Simonetti compe a msica, Marlia Franco cria
a coreografia; a maquiagem de Victor Merinov e a direo de cena cabe a Pedro
Petersen. O elenco encabeado por Cacilda Becker como a cortes Margarida
Gauthier, Mauricio Barroso no papel de Armando Duval e Paulo Autran se encarrega do
velho Jorge Duval. Alm do trio esto em cena: Carlos Vergueiro, Benedito Corsi, Fredi
Kleeman, Luiz Linhares, Ruy Affonso, Luis Calderaro, Rubens Costa, Ruy Cerqueira,
Elizabeth Henreid, Labiby Maddy, Maria Lcia, Cleyde Yconis e Wanda Primo. E
ainda a participao da orquestra e o corpo de baile do Teatro Municipal, com Michele
Barbano como primeiro bailarino e Lia Marques como primeira bailarina. Assim, o
carter espetacular da montagem, o aspecto visual, causa grande impacto, recebendo da
crtica, de um modo geral, alto conceito em relao a sua seriedade e grandiosidade com
a concepo do trabalho mais do que, exatamente entusiasmo por seu resultado.
Conforme aponta GUZIK O ano de 1951 se encerra para o TBC com um saldo
muito positivo, a despeito do relativo insucesso da temporada carioca. (...) Entretanto, a
preocupao com o problema econmico principia a surgir no empreendimento. J
durante o ano de 1951 a Vera Cruz comea a atravessar as srias dificuldades que
levariam irremedivel crise a eclodir dois anos mais tarde. (Guzik, 1986, 66).
Em 9 de janeiro A Dama das Camlias inicia temporada na sala da Major Diogo,
agora, em menores propores, a casa lota todas as noites. No entanto o espetculo
retirado de cartaz em consequncia de um problema de sade de Cacilda Becker.
Diante de tais circunstancias, entra em carreira normal em 29 de fevereiro no
Teatro das segundas-Feiras, dois textos nacionais num mesmo programa, Dilogo de
Surdos, de Cl Prado (montagem recomendada por Franco Zampari) e Relaes
Internacionais, de Noel Coward, com traduo de Bibi Ferreira, direo de Cacilda
Becker, e cenrios de Ruy Affonso. Em seguida aos dois espetculos, estreia mais um
93

texto nacional, Para Onde a Terra Cresce, de Edgard da Rocha Miranda. Adolfo Celi
assina a direo e Bassano Vacarinni o cengrafo. A encenao fracassa,
permanecendo apenas duas semanas em cartaz, atraindo pouco mais de dois mil e
trezentos espectadores.
Ante ao fracasso de Para Onde a Terra Cresce voltam cena em 8 de abril A
Dama das Camlias e em 30 de abril O Mentiroso, com algumas alteraes no elenco. 6
de junho sobe cena Inimigos ntimos, de Pieere Barillet e Jean-Pierre Grdy, dirigida
por Luciano Salce, traduzida por Renato Alvim e Mrio Silva, a encenao apresenta ao
pblico brasileiro um novo cengrafo italiano Mauro Francini, figurinos de Rina
Fogliotti. No elenco esto Cacilda Becker, Mauricio Barroso, Srgio Cardoso, Clia
Biar, Ruy Affonso e Elizabeth Henreid. A montagem obtm um xito espetacular.
A grande produo do teatro para o ano de 1952 sobe ao palco em 21 de agosto.
Antgone, autores: Sfocles e Anouilh. Apresentao de um mesmo espetculo reunindo
as duas peas. Tradutores: Guilherme de Almeida (Sfocles) e Bandeira Duarte
(Anouilh), A direo de Adolfo Celi. Antgone de Sfocles, cenrios de Bassano
Vacarinni, Figurinos de Rina Fogliotti e Bassano vacarinni, o autor das mscaras
Darcy Penteado. Antgone de Anouilh, cengrafo e figurinista, Aldo Calvo. Os mesmos
atores se incumbem das personagens nas duas peas. Na fala de GUZIK ele diz: O
espetculo que reuniu as duas peas se constituiu num tremendo xito para o TBC. Foi
tal a sua repercusso que instigou o surgimento do prmio Saci, conseguindo venc-lo
em trs categorias. Adolfo Celi foi laureado como melhor diretor, Cacilda, como melhor
atriz e Paulo Autran, como melhor ator. Curiosamente o pblico se encanta pelo longo
espetculo. (Guzik, 1986,73)
No ltimo espetculo de 1952 volta a ser aplicada a frmula da Comdia
digestiva sucedendo a um texto consagrado. Em 31 de outubro estreia V com Deus, de
Murray e Boretz, com direo de Flamnio Bolinni Cerri. Vale destacar que nesta
montagem Antunes Filho entra para o TBC como assistente de direo por indicao de
Dcio de Almeida Prado, depois de ter visto um trabalho seu num festival de teatro
amador.

Guzik, expressa:
Ao encerrar-se 1952 fecha-se tambm, mais uma fase na ainda curta
existncia do TBC. Nada se percebe no teatro mas, escondida nos bastidores de
seu grupo diretor, j est inteiramente armada a grande crise que se abater
sobre a Vera Cruz em meados de 1953, alterando definitivamente tambm o
futuro do TBC. No entanto, ainda no isso que caracteriza uma mudana na
94

fisionomia do conjunto. Percebe-se o fim do ciclo pela sada de alguns dos


componentes fundamentais em sua formao. Srgio Cardoso e Nydia Licia,
cujo casamento realizado no palco do teatro fora registrado pelos jornais como
um fato social de relevncia, se afastam para encabear no Rio a Companhia
Dramtica Nacional. E saem Ruy Affonso e Elizabeth Henreid. Partem p ara
uma viagem pela Europa, casados tambm. No regresso Ruy, que sempre
sentira vontade de se dedicar direo, tem um atrito com Zampari, que lhe
oferece o Departamento de Roteiros da vera cruz, mas no um lugar como
encenador no teatro. Diante disso, Ruy afasta-se do conjunto e Elizabeth o
acompanha. Ela ainda voltar casa da Major Diogo mais tarde, enquanto ele
se desliga definitivamente. No rico quadro de intrpretes do teatro, essas perdas
no so irremediveis, mas deixam marcas. Configuram alteraes e brechas
no grupo original, formado a partir de 1948.

De acordo com Maria Lucia Pereira revista Dionysos n 25 O TBC termina o


ano com um quadro fixo de dezoito atores, quatro encenadores (Celi, Ziembinki, Salce e
Bollini), um cengrafo (Vaccarini), onze auxiliares e treze funcionrios. E, apesar de
todo o seu xito artstico, com um dficit de Cr$ 641.392,70. (Pereira, 1980,91).

4.3 1953-1955: sob o signo das estrelas;

Conforme foi visto no trecho que finaliza o tpico anterior O TBC termina 1952
endividado. Alm disso, desfalcado de valores, mas ainda altivo. Isto, porm, no
aconteceu com as outras companhias de teatro existentes em So Paulo. Certamente no
foi um ano considerado dos melhores para o conjunto da Major Diogo, entretanto, para
os demais grupos que atuavam na cidade, foi, definitivamente, dos piores. As outras
companhias profissionais desapareceram na paisagem, como afirma GUZIK: Armando
Couto, Graa Melo, Madalena Nicol, Nicette Bruno.... anota a revista Anhembi. O
mesmo peridico constata um pouco adiante que Somente o TBC continua. O TBC e a
crise. Os primeiros reparos sobre a questo da nacionalidade no empreendimento de
Zampari, que sero to fortes mais tarde, j se fazem ouvir: sinal disso uma
observao de Dcio de Almeida Prado no seu balano do ano. (Guzik, 1986,79).

Ele diz:
O xito artstico do TBC, sem dvida o maior do pas, , em grande
parte, um xito de origem e fundo europeu. Quanto mais os diretores forem
se integrando na nossa terra, deitando razes, recebendo e exercendo
influncias, formando discpulos, estabelecendo numa espcie de simbiose
com o meio, mais se estar a caminho da soluo de um tal problema, ou
seja, o abrasileiramento do nosso teatro (Prado,1986,79)
95

No parece casual o fato de Dcio de Almeida Prado se referir ao


abrasileiramento do teatro como um problema. Sinal de que j surgiam as primeiras
opinies contrrias a participao predominante da Piccola italia na casa da Major
Diogo.
Paralelamente aos problemas da rea econmica, o teatro lidava com as questes
internas, como por exemplo, as dificuldades na convivncia pacfica de astros do
mesmo porte. A sada de Srgio Cardoso, esta, mais do que a de outros artistas que
deixaram a casa no mesmo perodo traz baila esta questo. Nas palavras de GUZIK:

[...] Pode-se ponderar que, em 1952, Srgio participou de 5 das sete


peas feitas pelo teatro. Mas de todas elas teve apenas O Mentiroso voltado por
inteiro para o destaque do seu talento. Em Dilogo de Surdos criou uma
personagem de ingrata construo, em Inimigos ntimos dividia o domnio da
cena com Cacilda, nas Antgones tinha papis de importncia relativa. O Jovem
ator possua mais carisma e ambio que isso.
Verificada a possibilidade de efetivamente ser o lder absoluto de um
grupo, Srgio no deve ter hesitado muito. E ao sair, levou consigo Nydia Lcia
e Leonardo Vilar. (Guzik, 1986,80)

O teatro, no entanto, segue a sua trilha. Em fevereiro estreia o novo espetculo,


num mesmo programa duas reapresentaes: Pega Fogo, com o mesmo elenco da
primeira montagem, e Relaes Internacionais, havendo algumas alteraes no elenco.
O sucesso da primeira confirmado na remontagem. Casa lotada. Enquanto isso,
aguarda-se a nova montagem indita. Esta, acontece m 18 de maro, Divorcio para
Trs, de Victorien Sardou, com ela Ziembinki recebe o prmio Governador do Estado
como melhor ator.
Como se pode observar tarefa difcil apreender os fatores determinantes da
escolha dos textos que integram o repertrio da casa. Da provm a discusso: Vai-se
de Sfocles a Murray e Boretz, a jules Renard, a Noel Coward e a Sardou! A palavra-
chave ecletismo (...) nesse painel se integra a produo da pea de Sardou. (Guzik,
1986,81).
A pea seguinte tem sua primeira apresentao em 12 de junho, Na Terra
como no Cu, um solene drama histrico, de Fritz Hochwlder, Luciano Salce dirige a
encenao do texto traduzido por Brutus Pedreira. Antunes Filho trabalha como
assistente. Ziembinski e Paulo Autran levam pra casa o prmio Governador do Estado
como os melhores do ano. O espetculo, porm, um enorme fracasso, sendo
apressadamente retirado de cartaz, em seu lugar colocada Uma Mulher em Trs atos,
uma comdia nacional de Vo Gogo (pseudnimo de Millr Fernandes). Primeiramente,
96

levada no Teatro das Segundas-Feiras, numa produo modesta bancada pelos atores
Armando Couto e Lucy Veloso, no pertencentes ao elenco permanente do TBC. A
direo de Adolfo Celi, os cenrios so de Mauro Francini e executados por
Arquimedes Ribeiro. Os figurinos so assinados por Rina Fogliotti, a maquiagem fica
ao encargo de Tymoszczenko, e a iluminao por Conrado Fortuna. No elenco a dupla
de atores Armando Couto e Lucy Veloso. A encenao no um xito; d quarenta e
duas representaes e e vista por aproximadamente oito mil espectadores.
Em 26 de julho sobe cena Treze Mesa, outra comdia de Sauvajon, numa
espordica direo de Rugerro Jacobbi pra o TBC. Aps o incio de Treze Mesa,
Jacobbi pe em cena no Teatro das Segundas-Feiras, um novo grupo, com o ttulo de
Teatro de Vanguarda. O projeto se organiza em torno da ideia que visa montagem de
textos de valor reconhecido. Assim em 1 de agosto sobe cena A desconhecida de
Arras, de Armand Salacrou. O acontecimento, porm, limita-se a este primeiro
espetculo, que se apresenta nos dias 7, 14 e 21 de agosto e 28 de setembro.
A estreia de 16 de setembro obtm um sucesso de crtica e de pblico, Assim ...
(Se Lhe Parece), de Pirandello. Em setenta e uma sesses, mais de dezoito mil
espectadores assistem ao texto de Pirandello, configurando sucesso absoluto, que recebe
trs prmios Governador do Estado: Melhor Diretor (Celi), melhor ator (Paulo Autran) e
melhor ator coadjuvante (Waldemar Wey).
Enquanto assim ... segue em cartaz, em outubro a crise da Vera cruz chega ao
conhecimento do pblico, pois a companhia forada a interromper todas as suas
atividades. Guzik, comenta:

Comea desse modo a ruir o sonho de Zampari. A queda no ser


brusca. Semelhar mais uma lenta agonia, que se estender por anos a fio. A
partir desse segundo semestre de 1953, nenhum depoimento mais fala de festas
em casa de Zampari, de grandes recepes na Vera Cruz. Inicia-se um tempo
de conteno, de severa vigilncia nos projetos e nos custos. No teatro, as
medidas no se tornam draconianas nesse primeiro momento, quando ainda se
desconhece o destino que ter a Vera Cruz. (Guzik, 1986, 93).

Nesse quadro estreia em 10 de novembro Se Eu Quisesse, de Paul Gerldy, escrita


em colaborao com Robert Spitzer. O texto tem traduo de Celso Kelly, a direo
cabe a Ziembinski. Miroel Silveira fala da montagem:

Ziembinski dirige e interpreta o primeiro papel masculino com


absoluta diferena de resultados. Como ator, sua presena no papel de marido
se torna sempre eficaz e convincente; sua direo, ao contrrio bastante
discutvel. Se acertou na linha mestra da pea (o papel da esposa interpretado
97

por Cleyde Yconis), dando-lhe matizes exatos de doura, inquietude, vaidade


ofendida e quase revolta, por outro lado no soube terminar com idntica
segurana o traado de alguns personagens eu para ela convergem... A falta de
sinceridade, de verdade e de calor humano (em certos momentos) chega a ser
intolervel, comprometendo o agrado que o espetculo proporciona. (Silveira, a
Outra Crtica, 93 citado por Guzik, 1986, 94).

O espetculo seguinte tem sua estreia em 30 de dezembro, Uma Certa Cabana,


de Andr Roussin. A pea representa a entrada de Tnia Carrero no elenco da Major
Diogo. A atriz fora contratada por Zampari, em 1951 ao lado de Paulo Autran, este se
integrou imediatamente ao TBC, enquanto Tnia Carrero ficou dois anos atuando na
Vera Cruz. Conta Paulo Autran que Uma Certa Cabana:

Foi a pea escolhida para a estreia de Tnia [no TBC]. ramos trs
atores e um figurante Tnia Carrero, Mauricio Barroso e eu que fazamos o
espetculo. Cacilda estava fazendo um filme em Campos do Jordo, Floradas
na Serra, e havia necessidade de botar um grande nome [em cartaz], Tnia j
havia conseguido esse grande nome, no s na companhia dela, como tambm
no cinema, com os filmes que fez para a Vera cruz. Nossa pea estreou em fins
de dezembro de 53, se no me engano, numa poca em que normalmente, nos
teatros, no havia ningum. Eu me lembro que no dia 31 de dezembro o teatro
estava literalmente lotado. E lotou o ms de janeiro inteiro, que geralmente era
um ms de pouca afluncia de pblico. (Autran, 1986, 96).

O Leito Nupcial, de Jande Hartog, estreia em 18 de fevereiro, estrelado por


Cacilda Becker e Jardel Filho, os astros de Floradas na Serra, filme da Vera Cruz. A
direo do TBC intui que a pea pode vir a ser uma boa divulgao para o filme,
entretanto, o espetculo resulta num enorme fracasso. A montagem seguinte estreia em
18 de abril, Mortos Sem Sepultura, de Sartre, todavia, a mesma no toca o pblico.
Sucedendo a esta, volta cena em 4 de maio no Teatro das Segundas-Feiras, num
mesmo programa Um Pedido de Casamento, desta vez dirigido por Ziembinski,e Um
Dia Feliz, de mile Mazaud. Na sequncia em 21 de maio estreia Uma Mulher do
Outro Mundo, de Noel Coward, que no consegue permanecer nem dois meses em
cartaz. Uma nova criao apresentada em 14 de julho, E o Noroeste Soprou, de
Edgard da Rocha Miranda, texto premiado pela comisso do IV Centenrio, que
subvenciona o espetculo. Esta montagem tambm no obtm xito. A produo
seguinte estreia em 4 de agosto, Leonor de Mendona, de Gonalves Dias, montada por
indicao de Dcio de Almeida Prado e da Comisso do IV Centenrio. A encenao
recebe os aplausos da crtica, porm, no forma entre os sucessos de bilheteria do teatro.
A temporada apresenta trinta e quatro sesses, e a marca de pblico no supera a casa
dos seis mil espectadores. Em setembro estreia Negcios de Estado, de Louis Verneuil,
98

Affairs of State, em traduo de Magalhes Jr. E direo de Ziembinski, no elenco, alm


de Ziembinski, Margarida Rey, Jardel Filho, Josef Guerreiro e Vicente Livrari. A
montagem bem aceita pelo pblico, mais de quinze mil assistem s setenta e oito
sesses.
Ainda em setembro uma equipe do TBC viaja para o Rio de Janeiro para um
temporada no Teatro Ginstico, com Assim ... (Se Lhe Parece). A inteno era
apresentar em trs meses um repertrio de seis espetculos. O elenco paulista mostra a
seguir Antgone, de Anouilh e Um Pedido de Casamento, num mesmo espetculo;
Inimigos ntimos e Seis Personagens Procura de um Autor. A temporada considerada
um sucesso e o TBC se estabelece definitivamente no Ginstico.
Em 3 de novembro a casa estreia a encenao de Candida, de Bernard Shaw,
com direo de Ziembinski. Chama ateno sobre a montagem um fato curioso,
apontado na revista Anhembi: Depois de ter estreado como um drama lento e solene,
foi restituda por Ziembinski, depois de alguns dias, ao ritmo de comdia,
transformando-se num xito. (Assinala Anhembi, citado por Guzik, 1986, 110).
Um dia depois do natal o TBC leva cena sua ltima montagem de 1954,
Assassinato a Domiclio, de Frederic Knott, dirigida por Adolfo Celi, nesta montagem o
ator Walmor Chagas entra para o elenco permanente da casa da Major Diogo. A
encenao de Celi no configura num xito para o teatro.

Como veremos nas palavras de Guzik

O ano de 1954 foi difcil para o TBC. Apenas um de seus movimentos


se mostrou de fato feliz: o primeiro instante de sua instalao no Rio. Em So
Paulo, o espetculo mais bem-sucedido da temporada, Uma Mulher do Outro
Mundo, no ultrapassou muito os quinze mil espectadores. Zampari
considerava uma mdia razovel para cada produo um mnimo de vinte mil
espectadores, o que, para a Sociedade Brasileira de Comdia, deixa o ano do
IV Centenrio de So Paulo como o pior da casa desde a sua inaugurao.
Nesse mesmo perodo, aps um desentendimento com o empresrio, Luciano
Salce considera cumprida sua tarefa no Brasil e regressa para a Itlia. Em todos
os sentidos, ressalvada a montagem de Leonor de Mendona (em que pese a
significao da pea, Cndida foi uma produo falhada), a fase menos
importante da carreira do TBC a partir da abertura, em 1948. (Guzik,
1986,112).

E prossegue:
Do lado cultural, apenas uma montagem de relevo tanto pela
qualidade da obra quanto pelo valor da produo. Do lado comercial, nenhum
trabalho cuja repercusso implicasse o cumprimento de seu objetivo. No
Olimpo da casa, possvel que no se tenha passado por outra fase to tensa.
99

Nada vem tona, porm o elenco permanente est cindido desde a ruptura de
Celi e Cacilda. Parte dos atores se alinham de um lado, parte do outro;
rompida de forma grave a harmonia que, bem ou mal, prevalecera at algum
tempo antes. Cacilda, lder inconteste da equipe, no s tem seu lugar ocupado
como no aparece em nenhuma das montagens paulistas do conjunto a partir do
final da temporada de Leito Nupcial, que encerrara sua carreira no incio de
abril. Razes tinha Miroel Silveira para escrever que
Passada a fase das vacas gordas, na qual obteve resultados
brilhantes, verdade, porm escudados no poder do dinheiro ( com o qual
concorria em bases desiguais com a pobreza do teatro profissional brasileiro),
chegado o momento de o TBC demonstrar sua f em si mesmo, reencetar a
luta, agora dentro da realidade dos anos magros, enfrentando um programa
alheio s improvisaes e ao desastre das subvenes... a fim de consolidar-se
uma obra que estamos vendo, com tristeza, em perigo de desmanchar-se.
(Miroel, 1986,112)

Concluindo:
nesse complexo de fatos que se deve colocar a atividade do TBC em
1954. Seria injusto para com a memria de Zampari ignor-los. O industrial
vira sua criatura assumir propores que fugiam ao seu controle. No nosso
objetivo proceder a um julgamento dos erros ou acertos dos atos que levaram a
isso. Basta registrar o modo como as coisas se passaram, buscando esclarecer
os desencontrados resultados do ano no TBC. (Guzik, 1986,114)

Abrindo a temporada de 1955, estreia em maro Santa Marta Fabril S. A., de


Ablio Pereira de Almeida. Na direo Adolfo Celi, tendo como seu assistente Armando
Paschoal. O espetculo resulta num grande sucesso de bilheteria, interrompido durante
dois dias, por conta de um incndio que destri a cenografia de Volponi que est
sendo ensaiada e afeta todas as instalaes do teatro, acarretando, assim, um golpe
financeiro para o teatro. A fim de refazer-se do prejuzo causado pelo incndio, Adolfo
Celi inicia no Rio a montagem de Santa Marta Fabril, participam do elenco da
produo carioca, Tnia Carrero, Paulo Autran, Odete Lara e Mauricio Barroso. Ao
longo dos ensaios de Santa Marta Fabril coloca-se em cena, Profundo Mar Azul, de
Terence Rattingan, com Tnia Carrero e Paulo Autran. A receptividade do pblico
pequena para a encenao do texto de Rattingan, contudo, a verso carioca de Santa
Marta Fabril, triunfa.
A encenao de Volponi ocupa o palco da casa em 29 de junho. Trata-se da
adaptao feita por Stefan Zweig do original de Ben Jonson de 1605. O texto de Zweig
bem menor do que a criao de Ben Jonson. Volpone dirigido e protagonizado por
Ziembinski. Destaca-se a importncia para o sucesso da montagem os cenrios de
Mauro Francini, os figurinos de Michel Weber, e especialmente a maquiagem de
Tymoszczenko que contribuiu para a construo das figuras animalescas de Jonson. A
100

montagem agrada de um modo geral, e leva sala da Major Diogo um pblico de


aproximadamente dezesseis mil espectadores.
Cacilda Becker volta ao palco da Major Diogo no espetculo que estreia em 22
de setembro, Maria Stuart, de Schiller em traduo de Manuel Bandeira. A direo
cabe a Ziembinski. As atuaes de Cacilda Becker e Cleyde Yconis tem o
reconhecimento da crtica. dito sobre Cacilda Becker: ... O que Cacilda possui, mais
do que qualquer outra atriz, no so qualidades fsicas, no uma voz excepcional, no
o estilo: a flama interior. E de Cleyde Yconis: Um extraordinrio desempenho,
uma verdadeira criao, no sentido da composio fsica e psicolgica, de retrato ideado
com grande inteligncia e realizado com grande sensibilidade. (Dcio de Almeida
Prado, Teatro em Progresso. Citado por Guzik, 1986,121). O espetculo funciona bem
junto ao pblico, atingindo vinte e um mil espectadores em oitenta e nove sesses.

Sbato Magaldi anuncia um dos primeiros problemas:

Um incndio destruiu pequena parte das instalaes do TBC e o


Estado comentava que So Paulo, sem o TBC, j no seria exatamente,
precisamente So Paulo. (...) Parecia impossvel apesar de tremendamente
verdadeiro que o fogo pudesse consumir dessa maneira estpida um bem que
de algum modo j coletivo, j pertence cidade, marcando -a da mesma
forma que o prdio do Banco do Brasil, o Viaduto do Ch, os nossos Museus
ou o Parque Ibirapuera (9/6/1955) (Magaldi, 1980, 49)

E, em agosto o teatro sofre uma perda importante e grave. Adolfo Celi se afasta
para formar sua prpria companhia junto a Paulo Autran e Tnia Carrero. Outras
figuras, como Margarida Rey e Felipe Wagner tambm acompanham o trio. Anota,
Guzik:
... Segundo o testemunho de Cacilda Becker, [o des ligamento do Celi]
provocou em Franco Zampari a maior de suas desiluses artsticas, pois...
Franco Zampari via em Celi o continuador do seu trabalho naquele teatro...
Sobre mais essa sangria no grupo, declarou Adolfo Celi, que era sem dvida a
alma do teatro: A razo fundamental que nos fez deixar o TBC foi pensar que,
quanto maior nmero de elencos houver, tanto melhor ser para o teatro
brasileiro. Serve para o nosso caso o conhecido exemplo da ameba que, ao
dilatar-se muito, acaba se dividindo em duas. O TBC existe independentemente
das pessoas que o compem. Da a nossa sada no trazer prejuzos.
Pretendemos, tambm, lanar elementos novos, que dificilmente poderiam
entrar no TBC a no ser para papis secundrios. que o Teatro da Rua Major
Diogo faz, naturalmente, pelas necessidades de sua organizao, contratos
fixos e longos (Celi, 1986,122)

Em Dezembro, o teatro reapresenta OS Filhos de Eduardo, de Marc-Gilbert


Sauvajon. Numa nova produo, com a alterao de quase toda a ficha tcnica da
101

montagem de 1950. Desta, permanecem, entretanto, Cacilda Becker e Ruggero Jacobbi


na direo. Todavia, a remontagem no alcana grandes nmeros na bilheteria da casa.
Ao fim de 1955, o saldo em termos artsticos bastante negativo. At mesmo os
amigos e admiradores da casa da Major Diogo j comeam a lhe fazer suas crticas:

(...) No a primeira vez que me refiro aqui, questo do


autodidatismo no nosso teatro. Isso porque, salvo rarssimas excees, todos os
nossos atores so autodidatas. E, por s-los pagam o preo inevitvel: cada vez
que se defrontam com textos que fogem dos padres, digamos, comuns,
suam sangue e no conseguem impor-se. Foi o caso de Antgone, de Sfocles,
espetculo em que o sentido da pea escapou totalmente aos intrpretes, e foi o
caso de Maria Stuart, espetculo em que o carter e o estilo da pea estiveram
completamente ausentes. (...)Antgone e Maria Stuart foram apresentadas no
TBC com alguns anos de intervalo. E a verdade que, assistindo a segunda no
podemos deixar de chegar concluso de que o TBC est marcando passo. O
responsvel o autodidatismo, contra o qual nada se fez. (Paulo Mendona,
Anhembi n 61, v. XXI, dez.55. Citado por Maria Lcia Pereira, Dionysos n
25,1980, 103).

Guzik nos mostra um pouco da realidade teatral da cidade, fora dos muros do
TBC, ao dizer que:
Enquanto as coisas se desenrolavam na Major Diogo, desde fevereiro
desse ano o Teatro de Arena se encontrava instalado em edifcio prprio, na
Rua Teodoro Baima. Tambm Maria Della Costa conseguira terminar a
construo de seu teatro, na Rua Paim. A realidade teatral da cidade comeava
a desligar-se drasticamente agora, da clula mater que fora o TBC. Srgio
Cardoso e Nydia Lcia haviam praticamente concludo a reforma do antigo
Cine-Teatro Espria, que seria transformado no Teatro Bela vista, sendo
inaugurado em 1956. Tambm a dramaturgia se movimentava. Maria depois de
estrear seu teatro com O Canto da Cotovia, de Anouilh, representara um
Feydeau, Com a Pulga Atrs da Orelha, ambos os trabalhos dirigidos por
Gianni Ratto. Mas seu terceiro espetculo rompia com essa espcie de esquema
tebeciano convencional. Por indicao de Dcio de Almeida prado a G. Ratto,
punha-se em cena A Moratria, do jovem Jorge Andrade, formado h pouco
pela EAD. (Guzik,1986,123).

Acompanhando a evoluo dos acontecimentos, torna-se claro que, a casa da Major


Diogo, como registra em sua nota Paulo Mendona, estava mesmo marcando passo. Chama
ateno no repertrio a montagem de Esperando Godot. Porm, essa produo no a do teatro.
Franco Zampari cede sua sala por quinze dias a Alfredo Mesquita, que l encena o texto de
Beckett com atuaes de alunos da Escola de Arte dramtica. Sbato Magaldi comenta a
iniciativa:
Ao realizar Esperando Godot, a escola de Arte Dramtica de S. Paulo
cumpriu, com extrema felicidade, o programa de encenar textos de vanguarda,
que escapam ao domnio das companhias comerciais. Trata-se sem dvida, do
espetculo mais maduro de seu j numeroso repertrio. A direo de Alfredo
Mesquita no s exprimiu o significado e a profundidade da pea, como
tambm, preocupada em manter o espectador preso ao dilogo, deu colorido e
102

vigor potico aos movimentos. (Sbato Magaldi, Teatro brasileiro, n 1,


novembro de 1955, p. 27. Citado por Guzik,1986,124)

Concluindo, questes intrigantes so colocadas por Guzik:

Qual ser, porm, o critrio que atribui a certas empresas um teatro


mais convencional e a outras, ousadia suficiente para se enveredarem pela
vanguarda? O que impedia o TBC de perceber o sucesso parisiense de Beckett
e Ionesco, logo ele, to atento a qualquer triunfo de pblico no exterior? E o
que o impedia de notar a profunda mudana que se processava no teatro
paulista? O sucesso de Godot em Paris, e depois pelo mundo todo, assinala que
no havia uma razo real para que o TBC no cogitasse de encenar Beckett,
alm da desconfiana de seu mentor em relao a um teatro que pessoalmente
no lhe agradava. Por outro lado, o TBC no levou em considerao o processo
evolutivo do teatro paulista, porque Zampari se sentia ameaado por ele,
conforme menciona Maria Della Costa; Maria indica que o empresrio teria
tentado criar obstculos expanso de outros grupos teatrais na cidade . Por
medo de mudar, o TBC comeava a perder terreno. (Guzik,986,124)

4.4 - 1956 1960: Sob o signo da crise;

Franco Zampari por sua vez, tenta compensar com agilidade as perdas, entre
outras, a de Adolfo Celi. Assim, o empresrio faz novas contrataes de colaboradores
para a sua equipe, como aponta Guzik:

O TBC avana para a segunda metade da dcada de 1950 buscando


situar-se numa paisagem cambiante. Sua diretoria provavelmente no entende
bem em que sentido sopra o vento, mas percebe ou pressente desenfurnadas as
velas artsticas do empreendimento. Tentando equilibrar-se, depois da vertigem
provocada pela sada de Celi, Tnia e Paulo, integra em suas fileiras atores
jovens, talentosos, na grande maioria cariocas. Alguns Nathlia Timberg, por
exemplo vem para So Paulo, arregimentados pelo ncleo da Sociedade
Brasileira de Comdia no Teatro Ginstico, outros, entre os quais Fernanda
Montenegro, Fernando Torres, Srgio Brito e talo Rossi aportam cidade
atrados pelo crescimento de seu mercado teatral. Revelada por Mme.
Morineau nos Artistas Unidos, Fernanda chamada por Zampari depois de
uma estada no Teatro Popular de Arte, de Maria Della Costa, onde atuou em
montagens como, A Moratria, A Ilha dos Papagaios e Mirandolina. Nathlia,
por sua vez, foi contratada para O Sedutor, produo estreada no Ginstico em
dezembro de 1955.
Gianni Ratto, cengrafo milans, um dos fundadores do Piccolo
Teatro de sua cidade natal, igualmente sai do TPA para o TBC. (...) Ao mesmo
tempo, depois de chegar ao pas numa viagem do Teatro Nacional de Blgica,
o jovem Maurice Vaneau, encenador de Barrabs, de Ghelderode, o maior
sucesso da excurso, tambm se incorpora ao conjunto de Zampari. A casa
passa por uma renovao cujos critrios so idnticos aos da transio para o
profissionalismo: atores nacionais, diretores estrangeiros, repertrio de
sucessos mundiais. Mas a frmula que tanto prestgio lhe dera em 1949, j no
era seu atributo exclusivo em 1956. Pela mesma trilha haviam enveredado as
agremiaes que, direta ou indiretamente, brotaram da diviso da ameba
referida por Celi. De outro lado, no Teatro de Arena, no tardaria a tomar
corpo a oposio a toda a esttica praticada pela Major Diogo. (Guzik,
1986,125)
103

Vejamos a opinio de Guzik sobre a sada de campo de Celi:

A secesso entre Celi e Zampari privou o TBC daquele que vinha


sendo seu mais constante e importante timoneiro, e configurou o encerramento
de outro ciclo da casa. O teatro j perdera os prstimos de Jacobbi, Salce, e
Bollini. Sem Celi, do primitivo ncleo de encenadores estrangeiros que
moldaram suas feies restava apenas Ziembinski. Para o conjunto, a sada de
Celi implica a perda, acima de tudo, de um fabuloso produtor. Mais que um
diretor, apenas, foi o programador, o principal responsvel pela estruturao do
repertrio do teatro, com sua notria alternncia de textos comerciais com
textos ambiciosos. Note-se que nesses primeiros anos da sala se observou um
admirvel equilbrio entre uns e outros. Para cada Sardou, talvez no um
Sfocles como regra, mas, sem dvida, um Sartre; um Tennessee Williams por
cada Sauvajon; Pirandello em troca de Kaufman & Hart. Pode no ser o ideal,
mas , pelo menos, razovel. (Guzik, 1986, 126).

Como podemos constatar no trecho acima, a sada de Celi ocasionou grande


perda para a equipe de Zampari. Vida que segue! A primeira montagem do ano estreia
em 12 de janeiro, O Sedutor, de Diego Fabri, com direo de Eugnio Kusnet. O
espetculo foi mal recebido pela crtica e pelo pblico. Mas, apesar disso, segundo
MAGALDI O TBC teve um ano brilhante, em 1956, com o lanamento, de A Casa de
Ch do Luar de Agosto, espetculo que serviu para a estreia brasileira do jovem diretor
belga Maurice Vaneau. E arremata: (...) Em compensao Eurydice, de Anouilh,
montagem seguinte do TBC, na direo de Gianni Ratto, teve sorte antagnica, sendo
retirada de cartaz antes que estivesse pronta para substitu-la Manouche, de Andr
Birabeau, dirigida por Ziembinski. (Magaldi, 1980, 49). A repercusso de Manouche
modesta, com um pblico estimado em quatro mil pessoas ao longo das trinta e quatro
sesses.
No ms de maio o TBC sofre um duro golpe que torna ainda mais grave, sua
cada vez mais instvel - situao financeira. O Teatro Ginstico, sede da equipe no Rio,
destrudo por um incndio que queima todo o material que l se encontrava. A
produo de Gata em Teto de Zinco Quente, a pea em cartaz, queimada por inteiro.
Em 18 de outubro estreia Gata em Teto de Zinco Quente, de Tennessee
Williams, em traduo de Raymundo Maglhes Jr. A direo de Maurice Vaneau com
assistncia de armando Paschoal. O espetculo bem recebido pela crtica, que destaca
o trabalho de direo e dos atores.
No ano de 1957 a casa da Major Diogo d incio s suas atividades em 4 de
janeiro, com As Provas de Amor, o segundo texto de Joo Bithencourt, com direo e
cenografia de Maurcio Vaneau. Apesar da cuidadosa produo do TBC, o espetculo,
104

ao longo de quarenta apresentaes no alcana um pblico de trs mil espectadores.


Registrando, assim, uma das mais baixas mdias da casa, o que resulta em sua retirada
de cartaz num brevssimo tempo. Em 20 de fevereiro sobe cena A Rainha e os
Rebeldes, de Ugo Betti, sob a direo de Maurice Vaneau, que em seguida retorna
Europa se desligando temporariamente do teatro, desse modo, o TBC perde o seu
diretor artstico. Quanto a montagem, a mesma no tem xito, ressalta-se, contudo, a
elogiada atuao de Clyde Yconis. 4 de abril marca a estreia paulista de Nossa Vida
com Papai, de Howard Lindsay e Russel Crouce, tradutor R. Magalhes Jr., assina a
direo Gianni Ratto, assistente de direo, Fernando Torres. O espetculo faz boa
carreira na sala da Major Diogo. Fernanda Montenegro recebe o destaque da crtica por
sua brilhante atuao.
O TBC finalmente engata um sucesso com a estreia em 25 de julho da
montagem, Rua So Luiz, 27-8. de Ablio Pereira de Almeida, primeiro trabalho do
novo diretor-artstico da casa Alberto DAversa. O espetculo tem vida longa,
assistido por 52.361 espectadores, ficando em cartaz at o ms de dezembro. Sucedendo
a esta produo de espetacular sucesso de pblico e, grande xito financeiro, estreia em
5 de dezembro, Os Interesses Criados, de Jacinto Benavente, traduo de Brutos
Pedreira, direo de Alberto DAversa. Apesar da crtica favorvel o espetculo fracassa
junto ao pblico.
Em 21 de novembro, estreia no Teatro Maria Della Costa alugado ao TBC,
Adorvel Jlia, adaptao de Marc-Gilbert Sauvajon, baseado em Theatre, de Somerset
Maugham e Guy Bolton, tradutores Mrio da Silva e Renato Alvim. Falando sobre a
importncia dessa montagem, Guzik diz o seguinte: (...) direo competente de
Ziembinkii e uma interpretao memorvel de Cacilda Becker. O que essa montagem
assinala nos anais do TBC que trata-se do ltimo espetculo que Cacilda Becker
desempenha no conjunto de Zampari. Aps nove intensos anos, a prima-dona da Major
Diogo deixava a casa onde se consagrara para criar seu prprio conjunto. Para Zampari,
mais uma perda pondervel. (Guzik, 186,157)
E Sbato Magaldi expande o assunto: O espetculo representava tambm a
despedida, da organizao pertencente a Franco Zampari, de mais um ncleo de seus
maiores valores, encabeados por Cacilda Becker. Saam com ela para formar nova
companhia, que foi estrear no Rio. Ziembinski, Cleyde Yconis, Walmor Chagas e
Fredi Kleemann. (Magaldi, 1980, 50).
105

Cacilda Becker, nas palavras de Guzik:

Para o futuro muita coisa ainda faria a atriz; inmeros espetculos


haviam sido apresentados pelo TBC sem que deles participasse. Entretanto, seu
nome permanece miticamente associado sigla criada por Zampari, talvez por
ter sido sob sua tutela que a atriz desenvolveu toda a amplido de um
extraordinrio talento. Haver algum mais que tenha sado das fileiras do TBC
diretamente para a lenda, como ela? De l partiram outros atores laureados;
quase todos os mais prestigiosos que atuam em palcos brasileiros vieram dessa
safra. Nenhum atingiu a dimenso particular de Cacilda. Quem, alm dela,
deixou a casa da Major Diogo j guindado ao pedestal e aos pesados encargos
de monstro sagrado? Antes de 1957, a aclamao unnime de sua qualidade
especial a elegera primeira dama do teatro nacional e lder de sua classe,
autoridade que no foi questionada at a morte prematura, em 1969. (Guzik,
1986, 158)

Em 9 de janeiro de 1958 o TBC abre o pano com mais um tremendo fracasso,


A Dama de Copas, de Ablio Pereira de Almeida, a pea , na verdade, uma atualizao
de Pif-Paf. A direo de Armando Paschoal. A prxima montagem sobe ao palco em 5
de maro, A Muito Curiosa Histria da Virtuosa Matrona de feso, de Guilherme
Figueiredo, direo de Alberto DAversa, assistente de direo Fernando Torres. No
elenco: Leonardo Vilar, Fernanda Montenegro, Francisco Cuoco, Nathalia Timberg,
Srgio Britto, Fernando Torres, Carminha Brando. A encenao da Matrona no
agrada, segundo GUZIK: A crtica faz severos reparos ao texto e ao espetculo,
ressalvando apenas a atuao de Fernanada Montenegro, a quem se atribui uma
interpretao primorosa. (Guzik, 1986, 162).
Vestir os Nus, de Pirandello, estreado em 11 de abril. O texto traduzido por
Ruggero Jacobbi, e sua encenao assinada por Alberto DAversa, tendo como seu
assistente Fernando Torres. Participam do elenco, Fernanda Montenegro, Srgio Britto,
Carminha Brando, talo Rossi, Oscar Felipe, Leonardo Vilar e Gleyde Marisa. O TBC
no feliz na montagem de Pirandello. Porm, o mesmo no acontece com o espetculo
que estreia em 11 de junho, dando incio s comemoraes do 10 aniversrio do Teatro
Brasileiro de Comdia. Panorama Visto da Ponte, de Arthur Miller, de acordo com
MAGALDI: um espetculo em tudo feliz: o impacto do texto norte-americano, a
enrgica direo de DAversa, e um desempenho de qualidade, em que Leonardo Vilar,
impressiona como protagonista. (Magaldi, 1980, 50). E GUZIK tambm registra: A
pea de Miller mostrada cento e quarenta vezes em So Paulo, somando-se a esse
nmero as cinquenta e oito sesses de reprise, as duzentas e treze levadas no Rio e mais
vinte e quatro em viagem pelo interior. So ao todo quatrocentos e trinta e cinco rcitas,
106

vistas por cem mil pessoas. O teatro de Zampari d a todos a impresso de ter-se
aprumado, de voltar aos grandes dias. (Guzik, 1986, 167).

O vento sopra a favor e, em 11 de novembro, o imigrante Franco Zampari,


recebe o ttulo de Cidado Paulistano. Guzik confirma a nota:

No incio de novembro Zampari recebe da Cmara Municipal o


ttulo de cidado paulistano. A cidade reconhece oficialmente o valor do
esforo desse imigrante apaixonado. Sabemos todos quo relativo o mrito
dessas comendas oficiais, distribudas ao sabor dos mais diversos interesses
circunstanciais. No caso de Franco, porm, a honraria era no s devida como
at chegava atrasada. H muitos anos que o empresrio se fazia merecedor
dela, lutando por um sonho, pela afirmao de um ideal. Pessoalmente no
tenho dvidas de que a aspirao secreta de Zampari era igualar-se aos
mitolgicos chefes da indstria do entretenimento nos Estados Unidos.
Nomes como Florenz Ziegfeld e Lee Shubert, no teatro, Samuel Goldwyn e
David Selznick, no cinema, devem ter capturado de alguma forma sua
imaginao, levando-o talvez a perceber o fascnio que h em criar tendncias
e comportamentos culturais, em fazer e desfazer carreiras, em mandar e
desmandar nesse universo nada prosaico, onde o irreal e o real s vezes se
confundem to poderosamente. Mas se no difcil tecer hipteses sobre as
razes que conduziram Zampari ao mundo dos espetculos, o componente
admirvel da personalidade desse homem de ao a persistncia com que se
aferrou sua criao. A comemorao do dcimo aniversrio do TBC uma
conquista pessoal de Zampari, na energia que empregou na sustentao desse
projeto, mesmo quando os alicerces passaram a ceder. (Guzik, 1986,168)

O suspiro de alvio dado pelo sucesso de Panorama Visto da Ponte foi curto.
No dia 20 de novembro a estreia de Pedreira das Almas, de Jorge Andrade. A
encenao do texto de Andrade preparada ao longo de quatro meses, a fim de ser a
grande montagem comemorativa do 10 aniversrio do TBC. A direo cabe a Alberto
DAversa, com cenografia de Mauro Francini, e figurinos de Darcy Penteado. O elenco
composto por trinta e cinco atores, um dos mais numerosos j reunidos no palco da
sala da Major Diogo. A poderosa tragdia de Jorge Andrade, no agrada nem crtica
nem o pblico. So levadas ao palco quarenta e oito apresentaes, com uma mdia de
cento e quarenta pessoas por sesso. Nmeros que apontam um grande prejuzo para a
casa.
oportuno observar que o momento revela instabilidade financeira e, artstica,
alm da falta de rumo em relao ao repertrio. Porm, na viso de Guzik: Ainda no
se fala em fracasso da administrao de Zampari frente do TBC. No se pensa em
analisar sua situao na casa, com excessos, insensibilidade s mudanas estticas,
insistncia em programas de ao superados pela realidade, ao invs de agilidade em
107

transformaes de conduta que se poderiam ter revelado providenciais. Levanta-se


apenas o lado positivo do empreendimento. (Guzik, 1986,171)

Aponta Guzik
:
No dia 13 de dezembro de 1958 a Folha da Tarde anuncia o
fechamento provisrio do TBC, em decorrncia do afastamento de Zampari,
que sofrera, segundo se noticiou, um espasmo cerebral. No entanto, O Estado
de S. Paulo do dia 14 noticiou que a sala no fecharia, Pedreira das Almas
continuaria em cartaz, tendo sido essa deciso tomada em casa de Jlio
Mesquita Filho, numa reunio de haviam participado pessoas da classe teatral e
da sociedade. (...) Instado a intervir na questo, o Governador Jnio Quadros
recomenda Caixa Econmica Estadual que conceda um emprstimo de dez
milhes de cruzeiros empresa. Eis como chega ao fim o ano de
comemoraes a que o TBC tinha direito: Zampari afastado, em cartaz em So
Paulo uma pea que no sensibiliza o pblico e, a maior das ironias, o futuro da
casa depende da demorada burocracia de um emprstimo governamental
justamente para a empresa de um organizador que at ento alegara
enfaticamente poder prescindir de qualquer auxlio desse tipo. No havia mais
lugar para dvida, em dezembro de 1958: os tempos eram irremissivelmente
outros. Para culminar, encerrada a montagem de Pedreira das Almas, Fernanda
Montenegro, a nova e brilhante estrela da casa, afasta-se para fundar sua
prpria companhia. Saem com ela Fernando Torres, talo Rossi e Srgio Britto,
que, ao lado de Gianni Ratto, formaro no Rio o Teatro dos Sete. O novo grupo
iniciar sua trajetria com uma rutilante espetculo: O Mambembe, obra-prima
de Arthur Azevedo. (Guzik, 1986,172).

Zampari retoma a direo do TBC em maro de 1959, quando Alfredo Mesquita


estava na fase final de ensaios de A Senhoria, de Jacques Audiberti, o espetculo sobe
ao palco em 11 de maro com adaptao e direo do prprio Alfredo Mesquita, a
montagem, contudo, no faz carreira. A prxima estreia acontece em 3 de abril,
Senhorita Jlia, de Strindberg, dirigida por Alberto DAversa, no obtm igualmente
sucesso, apesar do excelente desempenho de Tereza Rachel destacado pela crtica. As
estreias seguintes no contribuem para tirar o TBC da crise em que se encontra. Em 18
de junho Romanoff e Julieta, comdia de Peter Ustinov, com direo de Alberto
DAversa, que consegue relativo sucesso de pblico. Sucede a esta, em 17 de setembro
Patate, de Marcel Achard, tradutores Mario da Silva e Renato Alvim, direo de
Alberto DAversa, cengrafo Franco Zampari. O ano encerrado com a encenao
estreada em 19 de novembro, Quando se morre de amor, de Giovanni Patroni Griffi,
tradutor Ruggero Jacobbi, direo de Alberto DAversa. Observa MAGALDI: O
repertrio parecia deslocado em relao a expectativa do pblico e no houve muito
xito, artstico ou comercial. (Magaldi,1980,51)
108

Uma produo vinda do Teatro Ginstico, estreia em 20 de janeiro de 1960 na


sala da Major Diogo, trata-se de Idade Perigosa, de J. L. Herlihy e William Noble. A
traduo de R. Magalhes Jr. E a direo de Henriette Morineau, e que consiste em
outro grande fracasso.
Em maio a Sociedade Brasileira de Comdia diante das dificuldades financeiras,
encerra oficialmente suas atividades no Rio de Janeiro. Paralelamente a este
acontecimento, efetua-se uma reforma no palco da Major Diogo, atendendo a uma
exigncia feita pelo novo diretor artstico da equipe. Flvio Rangel. A esse respeito,
escreve GUZIK:
A pea que Zampari escolhe como encenao de estreia de Flavio
Rangel marca igualmente a rendio do empresrio nova realidade. Por
indicao de Armando Paschoal, Flavio prepara, no palco reformado, o texto
que d incio ltima das fases da casa: O Pagador de Promessas,
vigorosssimo drama do baiano Dias Gomes. A escolha de Flvio como
encenador e Dias Gomes como autor possui quase um significado simblico.
Completa um ciclo e representa uma drstica guinada esttica de Zampari.
Numa deciso eficaz, embora tardia, o empresrio evita o suicdio da
companhia. (Guzik, 1986, 179).

4.5 - 1960 1964: Sob o signo da brasilidade;

possvel observar no incio dessa nova fase empreendida pelo TBC que tenta-
se uma adequao aos novos tempos. Sobretudo atravs de um repertrio mais voltado
para a dramaturgia nacional e a realidade brasileira. GUZIK analisa:

Ao escolher Flavio Rangel e O Pagador de Promessas em seu


teatro, cede nova e vitoriosa tendncia nacionalista que s e afirma na cena
brasileira. Tardou a faz-lo? Sim, porm no mais do que as outras companhias
que atuavam em So Paulo e presenciaram a verdadeira revoluo que o Teatro
de arena operou na cidade durante os anos da dcada de cinquenta. Nessa fase,
o que impressiona as testemunha que acompanharam a sala da Major Diogo
desde o incio a constatao do aturdimento de Zampari ante ao novo estado
de coisas. Foi-se o desassombrado mpeto com que se aproximou dos
amadores, construiu-lhes uma sede e profissionalizou um grupo. O empresrio
que tanto hesita agora antes de dar um passo essencial mal lembra o mesmo
homem que, ao perder a colaborao de Adolfo Celi, com agilidade soube
atrair Gianni Ratto e Maurice Vaneau para sua equipe.
talvez o vagar com que chega verificao de que DAversa no
era o diretor artstico mais adequado para seu empreendimento, a vacilao
com que admite um indiscutvel progresso na manifestao teatral processado
fora dos muros do TBC, o que causa estranheza a todos os que o conh eceram
em fases mais geis. No fossem as caractersticas de velocidade que o
marcaram to profundamente, e sua acolhida ao processo de nacionalizao do
teatro que se espalhava do Arena para as outras salas da cidade e do pas se ria
considerada normal, isto , no se estranharia tanto que alguns anos houvessem
decorrido entre a criao da nova tendncia e sua implantao na sala da Major
Diogo. Alis, exceo do Teatro Popular de Arte, que encenou Gimba em
109

abril de 1959, catorze meses depois da estreia de Eles no usam Black -Tie, as
principais companhias de teatro de So Paulo e do Rio, que praticavam uma
esttica herdada justamente do TBC, levaram tanto tempo quanto essa casa
para reconhecerem que se processara uma alterao palpvel no gosto do
pblico e se fazia necessria uma adaptao s novas tendncias. Se o TBC no
estivesse circundado da fama de agir com velocidade na captao do gosto do
pblico, talvez ningum se espantasse com sua demora em adaptar-se
modificao do quadro que ajudara a implantar. (Guzik,1986, 181)

A encenao de O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, estreia em 29 de


julho de 1960 com direo de Flvio Rangel, cenografia e figurinos assinados por Cyro
Del Nero. O palco do TBC recebe um sucesso consagrador, que segundo a opinio da
crtica se constitui um dos mais importantes momentos do Teatro Brasileiro
contemporneo. A montagem arrebata 16 prmios no ano, e o diretor Flavio Rangel
instala-se na casa da Major Diogo, alterando, visivelmente o seu carter artstico, como
observa GUZIK:
A montagem dessa pea pelo TBC reverte a tendncia que
predominou na sala durante doze anos. A dramaturgia brasileira no era
desconhecida dela, como os fatos se encarregam de mostrar. O que muda a
partir de O Pagador de Promessas o ngulo de abordagem, o tom, o tema.
Exceo feita a Ral, de Gorki, no quadro das encenaes de autores
estrangeiros, e a Para Onde a Terra Cresce e ... E o Noroestte Soprou, as
malsucedidas tentativas de Edgard da Rocha Miranda, as grandes massas de
deserdados eram ignoradas pela equipe de Zampari.
Entre 1948 e 1959, dos noventa textos encenados pelo teatro, dezoito
so de autores nacionais. Silveira Sampaio (encenado numa emergncia e no
por escolha da sala), Lcia Benedetti, Lourival Gomes Machado, Cl Prado,
Millr Fernandes, Gonalves Dias, Joo Bittencourt, Paulo Hecker Filho,
Augusto Boal, Guilherme Figueiredo e Jorge Andrade comparecem cada qual
com uma obra, Edgard da Rocha Miranda com duas e Ablio Pereira de
Almeida com seis. A dramaturgia desses escritores levada na Major Diogo
versa os mais diversos assuntos , desde os humildes assalariados da classe
mdia at a alta aristocracia lusitana, passando por burgueses urbanos do
Brasil, israelitas dos tempos bblicos e gregos da era clssica. Boa parte deles
foi apresentada apenas no Teatro da Segunda-Feira e no Teatro Experimental,
iniciativa de alcance extremamente limitado (...) O Pagador de Promessas
alarga as fronteiras de um repertrio tematicamente restrito. Seus lavradores e
capoeiristas, seu povo humilde e obstinado iluminam de modo especial a longa
sequncia de montagens relevantes ou obscuras, empresadas pela casa.
Zampari no teve a clareza de viso necessria para estimular a dramaturgia
nacional. Contudo, demonstrou dignidade ao reconhecer-se vencido. Aceitou a
derrota e fez da capitulao um momento histrico. A uma das mais vibrantes
criaes da dramaturgia brasileira deu uma montagem inesquecvel. Pela
primeira vez no TBC, desde a entrada de Celi para o grupo, um texto brasileiro
era dirigido por um encenador brasileiro. (Guzik,1986,183, 184)

No devemos nos esquecer que embora a produo de O Pagador de


Promessas ainda no tenha sido totalmente compensadora na bilheteria, a montagem d
de volta ao TBC um prestgio que estava indo por gua abaixo. A obra de Dias Gomes
evidencia que at a sua montagem, - a despeito de outras iniciativas importantes -, a
110

contribuio do Teatro Brasileiro de Comdia dada a dramaturgia brasileira foi modesta,


se resumindo a duas leituras modernas ao clssico Leonor de Mendona de Gonalves
Dias e, a afirmao ainda que discutvel para alguns- de Ablio Pereira de Almeida
como autor de prestgio. Segundo GUZIK Nenhum dos escritores lanados pelos
projetos experimentais da Major Diogo, conseguiu grandes resultados. E Edgard da
Rocha Miranda, duas vezes encenado em custosas produes, no logrou xito como
autor teatral. Cl Prado tampouco consegue faz-lo. (Guzik,1986,188). E prossegue:

No se pode afirmar que o TBC tenha prejudicado a dramaturgia


brasileira. Quando sua trajetria teve incio a literatura dramtica nacional
estava em crise e o prprio movimento dos amadores, que deu origem ao
projeto do TBC, reagia a esse estado de coisas com a opo por textos
importados, de maior qualidade. Mas a equipe de Zampari nada fez para
auxiliar o escritor local a superar o impasse. Conta-se que o empresrio chegou
a dizer que esses deveriam assistir aos seus espetculos para aprender a
escrever para teatro! Os originais brasileiros entregues diretoria da casa eram
lidos com descaso ou nem abertos. (Guzik, 1986, 188).

A ltima montagem do ano estreia em 24 de novembro, Um Gosto de Mel, de


Shelagh Delaney, tradutor Gerty Meyer, direo de Benedito Corsi. A encenao no
desperta o interesse do pblico. Assim, o teatro fechado por algumas semanas, sendo
reaberto com O Panorama Visto da Ponte, em temporada popular. O espetculo
mantido em cartaz at fevereiro de 1961 com um pblico escasso em cada sesso.

Pulamos para 1961:

O ano de 1961 talvez seja dos piores da trajetria do TBC. O


perodo se inicia com uma ao trabalhista. Os atores que esto nas peas em
cartaz e os que ensaiam o novo espetculo, sob a direo de Flavio Rangel, h
trs meses sem receber, recorrem ao Ministrio do Trabalho. O empresrio no
consegue no consegue o necessrio para colocar em p o texto de Guarnieri
No pode sequer manter aberto o teatro da Major Diogo. Falta dinheiro em
caixa. Ante a iminncia da dissoluo do empreendimento, mobilizam-se
alguns setores. Na classe teatral, sempre to instvel e cindida, h o consenso
de que o TBC constitui um patrimnio cultural. Quando Zampari decide pelo
fechamento da sala, forma-se um movimento para impedi-lo.
(Guzik,1986,191).

Em 15 de maro de 1961

A Sociedade Brasileira de comedia entrega a gesto do teatro, por um


prazo de dois anos, CET, que, com o apoio da Unio Paulista da Classe
Teatral, nomeia Roberto Freire diretor-superintendente. Este por sua vez,
nomeia Flvio Rangel diretor-artstico e Armando Paschoal administrador
executivo do teatro. Nestes dois anos, depois da demisso de Roberto Freire,
111

nomeado Maurcio Segall, que posteriormente substitudo por Moiss Leiner


e depois por Dcio de Almeida Prado, que, por sua vez, substitudo por
Flavio Rangel. (Pereira, 1980, 119)

Em 27 de abril estreia um novo espetculo, A Semente, de Gianfrancesco


Guarnieri, direo de Flavio Rangel. Embora sendo um triunfo e obtendo xito de
bilheteria, A Semente no constitui desafogo financeiro para a casa, livre das dvidas
agora graas entrada de um emprstimo que o Governador Carvalho Pinto recomenda
ao Banco do Estado que fornea a Zampari no valor de Cr$ 3.000.000,00, alm disso o
TBC tambm recebe um auxlio financeiro do Jockey Club, mas dependente, para sua
subsistncia, do dinheiro que entra da bilheteria. Em 3 de agosto estreia Almas Mortas,
de Gogol, texto escolhido e dirigido por Flavio Rangel. Zampari, embora afastado tem
opinio diversa a escolha do texto. Mas Flavio Rangel vai em frente e monta o
espetculo, com bastante economia. A montagem consegue ficar em cartaz por apenas
duas semanas.
possvel afirmar que em outubro de 1961 Franco Zampari publica um extenso
depoimento na revista Anhembi no qual faz uma justificativa de um angulo pessoal, das
razes do fracasso de sua gesto no TBC, de acordo com GUZIK Alguns dos
argumentos que levanta so ponderveis. Outros no passam de tentativas pouco
convincentes de explicao. E alguns fatos fundamentais so cuidadosamente
contornados. (Guzik, 1986,201).

Franco Zampari, argumenta:

Muito se tem escrito e falado sobre a crise dos teatros em So


Paulo.
Como fundador do TBC e como coeficiente (penso no
desprezvel da renovao teatral em So Paulo quero expor as minhas opinies
sobre esta crise que se infelizmente no se resolver satisfatoriamente ter como
desfecho o fechamento de quase a totalidade dos teatros , com a disperso dos
artistas, volta do panorama teatral estaca zero, abalando nas bases a atual
dramaturgia brasileira que se encontra ainda gatinhando, mas em fa se de
grande evoluo. A meu ver as razes da crise paulista e do TBC em particular,
tem fundamento em duas causas fundamentais e em muitas outras
secundrias, que por serem muitas, agem e afetam o teatro com a mesma
intensidade que as duas fundamentais . (Zampari, 1980,121)
O custo de vida de uma Nao sempre o reflexo do valor de sua
moeda em relao s chamadas moedas fortes, sejam estas, dlar, libra
esterlina ou franco suo.
Vamos para simplificar, tomar o dlar como base de raciocnio :

PRIMEIRA CAUSA FUNDAMENTAL


112

o preo das entradas. Em 1949/1950, primeiro perodo do TBC,


o preo de uma entrada era de Cr$ 60,00, passando logo depois a Cr$ 80,00.
Um dlar custava pouco mais Cr$ 12,00, resultando que para cada ingresso o
TBC recebia um mnimo de 5 dlares. Com estas possibilidades de arrecadao
o TBC, embora em regime de dficit, podia ser sustentado com o sacrifcio
financeiro de um particular, e manter um grupo de artistas contratado
permanentemente. O nmero desses artistas variava entre quinze e vinte e
quatro, alm de cengrafos e figurinistas de primeira classe, e de diretores de
classe internacional em nmero de trs ou quatro, que, alternando -se na
direo, davam ao teatro aquela flexibilidade de estilo e de interpretao que
indiscutivelmente foram a base sobre a qual se criaram novos artistas de
primeira grandeza, timos diretores nacionais e por fim uma dramaturgia
brasileira, sem falar de crticos de arte especializados. Em 1955/1956, o dlar
estava a Cr$ 60,00. O ltimo diretor que o TBC pde contratar foi Maurice
Vaneau, a US$ 800,00 mensais. O preo das entradas foi aumentado de Cr$
80,00 para Cr$ 120,00, de Cr$ 120,00 para Cr$ 150,00 e ultimamente a Cr$
200,00, recebendo o TBC US$ 0,80 para cada entrada contra US$ 5,00 que
recebia em 1949/1950.
Resultado: o pblico diminuiu de forma assustadora, pois,
infelizmente o gosto artstico no entrosa com as possibilidades financeiras,
preferindo beber um whisky a Cr$ 200,00 ou mais, a assistir a um bom ou
razovel espetculo teatral. Como corolrio desta primeira causa foi a
impossibilidade de sustentar-se o Teatro em alto nvel resultando o
empobrecimento artstico de toda e qualquer organizao teatral.

SEGUNDA CAUSA FUNDAMENTAL

a disperso dos artistas de valor. O desejo indiscutivelmente


humano, de sobressair, fez que, em menos de uma dcada, inmeras
companhias se criassem; todas com somente um ou dois, no mximo, trs
artistas de primeira grandeza, sendo o restante do elenco composto por
principiantes, cheios de boa vontade, de boas intenes, mas, que nunca, no
comeo de uma carreira poderiam interpretar os papeis a eles confiado, por
falta de traquejo e falta do material tempo para amadurecer as personagens
que deveriam representar.
Resultado: espetculos nos quais sobressaem um ou dois artistas
com um desequilbrio chocante de valores. Em duas palavras: falta de
homogeneidade. Os diretores foram reduzidos a um nico diretor por
companhia (os diretores contratados esporadicamente nada podem faze r: mal
conhecem os artistas, so obrigados a trabalhar com extras que por acaso
encontram disponveis, verificando uma monotonia nos espetculos encenados,
alm da impossibilidade intelectual e material de preparo de artistas sob
premncia de tempo e penria financeira. O mesmo fenmeno com relao a
cengrafos e figurinistas).
Na poca urea do TBC (1951/1956), possua ele cerca de vinte
artistas contratados permanentemente, entre os quais figuras femininas como
Cacilda Becker, Tnia Carrero, Cleyde Yconis, Nathlia Timberg, Nydia
Lcia, Margarida Rey, Dina Lisboa, Elizabeth Henreid, etc., e como figuras
masculinas, Ziembinski, Paulo Autran, Srgio Cardoso, Lo Vilar, Walmor
Chagas, Lus Linhares, Waldemar Wey, Maurcio Barroso, etc. Quantas
possibilidades de timos e e equilibrados espetculos existiam! Como se podia
escolher com facilidade o ator adequado interpretao de cada personagem!
Lembro-me com saudades de RAL, de ANTGONES, de DO MUNDO
NADA SE LEVA e de ASSIM NA TERRA COMO NO CU, sem falar de
um PAIOL VELHO, de uma SANTA MARTA FABRIL, de uma CASA DE
CH e por fim de ENTRE QUATRO PAREDES, de Sartre. Quantos estilos
diferentes de representao, quantas possibilidades artsticas, quantas
esperanas! Corolrio da segunda causa fundamental: todo e qualquer
espetculo (com rara exceo) atualmente desequilibrado e falho. enfim o
empobrecimento artstico de todas as organizaes teatrais.
113

CAUSAS SECUNDRIAS

So muitas. Citarei somente algumas. Devido compresso de


despesas, os teatros no podem mais manter o mesmo padro:
a) de figurinos (O TBC sempre fornecia roupa
completa aos artistas, previamente desenhada e em padres fixados
pelo figurinista);
b) de cenrios (o preo da madeira est assustador);
c) de iluminao (cada lmpada de 500W. est
custando cerca de Cr$ 1.000,00 e tem duzentas horas de vida);
d) de msica (o custo de comentrio musical tal que
no pode ser mais confiado a msicos especializados0;
e) de textos estrangeiros (o preo de US$ 500,00 ou
de US$ 1.000,00 de valor impraticvel com o dlar a Cr$
270,00);
f) o descontentamento dos msicos e dos cenotcnicos
em geral (um artista que, em 1955, ganhava Cr$ 20.000,00 ou Cr$
25.000,00 podia viver dignamente hoje com Cr$ 45.000,00 ou Cr$
50.000,00 vive mal).
Com todos esses coeficientes primrios e secundrios negativos,
v-se que o teatro encontra-se no s numa crise permanente, mas, em um
estado latente de revolta de todos os elementos que nele trabalham
A paixo pelo teatro lenta mas inexoravelmente se transforma em
dio. Qual o remdio?
Este existe, pois aplicado em quase todos os pases europeus.
Uma ajuda real aos teatros estveis de cada cidade. (...) necessrio que o
Governo Estadual ou Federal, no importa qual seja, encarem com realismo o
problema teatral. Se considerarem o teatro como elemento de cultura, que seja
subvencionado como necessrio, eliminando-se para sempre as atuais formas
de auxlio, que mais parecem esmolas. Se acharem que o teatro obsoleto, que
o deixem morrer de uma vez por todas. Ns que amamos o teatro iremos ao seu
funeral.
Concluindo, estas consideraes que podem ser aceitas, discutidas
ou refutadas, so a opinio sincera de um homem que muito amou e ama o
teatro
Para finalizar, aos artistas, aos diretores, aos cenotcnicos, que
estudem e encontrem uma frmula para juntarem-se novamente todos e
formarem uma grande companhia e um grande teatro, digno de So Paulo.
Lembrem-se de que o teatro um templo onde o culto a arte, que universal,
sem limites sem ideologias pr-estabelecidas e que, por fim, o nacionalismo
salutar e necessrio se ministrado em doses sbias, mas, que pode afetar a arte
quando aplicado de forma indiscriminada. (Anhembi, n 131. Outubro de
1961.Citado por Guzik, 1986,201,202,203).

Com o fracasso de Almas Mortas, de Gogol, o TBC retorna no fim do ano


dramaturgia brasileira com A Escada, de Jorge Andrade. Na opinio de MAGADI pea
sem grande ambio artstica mas que soube calar fundo no pblico a que se destinava.
(Magaldi, 1986,53). A Escada tem direo de Flavio Rangel, e permanece em cartaz por
quatro meses e meio, sendo vista por quase trinta e seis mil espectadores.
Conforme Maria Lcia Pereira; a revista ANHEMBI traz um balano teatral do
ano que demonstra ter o Teatro Brasileiro de Comedia passado para a retaguarda no
panorama do teatro brasileiro, (Pereira, 1980, 123).
114

E Guzik, traz baila o assunto:

A revista Anhembi de janeiro de 1962 publica uma matria de Juca de


Oliveira, ainda assinando Jos de Oliveira Santos, o nde, citando grande
nmero de atividades teatrais amadoras, a fundao dos CPCs, viagens de
companhias pelo interior e para o Nordeste, afirma que em 1961 Mais de cem
mil espectadores (trs vezes as nossas plateias costumeiras) viram teatro pela
primeira vez. E, prossegue,
Poder-se-ia dizer que o teatro j no se satisfaz no s aplauso do
espectador habitual, do espectador popularmente chamado de... burgus; sente
a necessidade de comunicao mais ampla, de dilogos novos, de perguntar o
que essa imensa massa, at ento annima, sente, pensa ou quer; na verdade, o
teatro est buscando no novo estmulo das massas a necessidade da prpria
revitalizao.
Alega tambm o ator que
De fcil constatao o fato de que, em So Paulo, o sucesso de
uma... pea determina fatalmente o fracasso das demais, no havendo qualquer
outro critrio capaz de explicar o fenmeno a no ser a exiguidade e a
qualidade nica do pblico espectador, em contraposio a uma dramaturgia
que na sua temtica reflete as contraes de todas as camadas da sociedade.
Injusto, mas compreensvel, que no mencione o esforo do TBC
para adaptar-se a essa realidade. Mas a posio do articulista tpica. Quando
se ataca a questo ideolgica no TBC, fala-se quase invariavelmente do
perodo de 1948-1960, burgus, deixando um discreto segundo plano a fase
nacionalista 1960-1964. O teatro da Major Diogo no se constituiu num reduto
exclusivamente classista de lazer. A ltima fase to importante quanto a
amadora ou a profissional para a formao de seu perfil definitivo. Seria
insensato negar a importncia das montagens de O Pagador de Promessas, A
Semente e A Escada no quadro teatral dos anos sessenta. Por outro lado, o tipo
de raciocnio que nega a validade ao teatro burgus acaba por bater
(inadvertidamente s vezes) num preconceito bvio. Tambm se no ta a
tendncia a dissociar a ideia de arte nacionalista do pblico burgus, o que
flagrantemente inverdico. O teatro brasileiro se fartou de provar o contrrio
nos ltimos vinte anos. Condenar no todo a poltica de ecletismo do TBC
perigosamente preconceituoso. A contribuio da dramaturgia internacional de
qualidade to grande quanto a da dramaturgia nacional. O TBC usou e
abusou de literatura europeia e norte-americana de segunda mo. Mas esse fato
desmerece os praticantes do exagero, no o princpio geral. (Guzik, 1986,206).

Novas tentativas do diretor artstico do TBC para o ano de 1962. Por Magaldi:

Traando o programa do TBC para 1962, Flavio Rangel declara:


Entendo que a nica forma a ser seguida no atual estgio do teatro brasileiro
em nosso pas o decidido apoio a dramaturgia brasileira; mas por outro lado,
limitar-se a ela seria uma poltica exageradamente estreita. O TBC pretende
lanar tambm os mais significativos textos da dramaturgia universal, de
qualidade artstica inquestionvel, alternando-os com a produo dos nossos
melhores autores (11/03/1962). (Magaldi, 1980, 53).

E, pontua:
Essa explicao visava introduzir a prxima estreia de A Morte do
Caixeiro Viajante, de Arthur Miller, lanada h uma dcada por Jayme Costa.
Pela direo de Flavio e pelos principais desempenhos, o espetculo foi muito
bem recebido. Acolhida semelhante teve Yerma, de Garcia Lorca sob a
direo de Antunes Filho e no desempenho de Cleyde Yco nis. O ltimo
115

lanamento de 1962, no TBC foi A Revoluo dos Beatos, pea de Dias


Gomes que no repete as qualidades de O Pagador de Promessas, embora
propiciasse um espetculo inquieto e vibrante de Flavio Rangel. (Magaldi,
1980, 53).

Maria Lucia Pereira, assinala: O TBC tem somente uma compensao neste
ano to conturbado: ganha 6 dos 9 mais importantes prmios da Associao Paulista de
crticos Teatrais. (Pereira, 1980, 125).

Em janeiro de 1963 nova crise atinge a casa da Major Diogo:

Os custos com a manuteno eram to grandes que o TBC j se


colocava, em janeiro de 1963, como atingido por nova crise. Os atores e
funcionrios apelam para o Governo Estadual, para que se encontre uma
soluo para os seus problemas. Sugere-se na ocasio, que seja cons eguida a
liberao da verba de dois milhes e novecentos mil, cortada pela Comisso de
Oramento e que a essa quantia se acrescente uma verba especial de dez
milhes, a fim de que se atenda s necessidades do TBC bem como das demais
empresas em situao deficitria. A liberao dessa verba de dez milhes foi,
alis, um dos ltimos atos do Governador Carvalho Pinto. (Magaldi, 1980,53)

Das colocaes de Magaldi no trecho acima, Guzik acrescenta ainda que:

A essa altura, a Comisso estadual de teatro presidida por Dcio de


Almeida Prado, ao fim de sua gesto, devolve as funes de interveno no
TBC classe teatral. Da classe, a CET as havia recebido na crise de 1961.
Pouco antes de Dcio e seus companheiros de comisso entregarem os cargos,
Cleyde Yconis e um grupo de atores procuraram Zampari, obtendo dele sinal
verde para tentar levar adiante o TBC. A comisso ento se retira. Tem incio o
ltimo esforo.
Maurice Vaneau, de regresso ao Brasil, assume a direo artstica na
aguda crise. Em fevereiro o teatro anuncia sua prxima produo. Os Ossos do
Baro, que estreia no incio de maro.
A comedia narra a vitria do imigrante enriquecido, que conquista
para o filho a mo da neta do proprietrio da fazenda de caf onde foi trabalhar
quando chegou ao Brasil como colono. (...) A pea ficou ano e meio em cartaz.
Foi vista por mais de cento e cinquenta mil pessoas. O maior triunfo de
bilheteria de toda a histria da sala. Contribuiu amplamente para essa
penetrao o trabalho inspirado de Zeloni como o imigrante Ghirotto. (Guzik,
1986,213).

O estupendo sucesso longamente celebrado. Enquanto isso a prxima


montagem preparada sem pressa. Considerado um dos maiores textos da dramaturgia
contempornea, Vereda da Salvao estreia em 8 de julho de 1964, depois de quatro
meses de ensaio. Acontece que ao longo dos ensaios, muda o regime poltico do pas.
Estoura o movimento de 1964, que retira Joo Goulart da presidncia da repblica e
coloca as foras armadas no poder. O texto, contudo, liberado pela censura e sobe
116

cena cercado de expectativas. Mas, lamentavelmente, como expressa Guzik: Vereda


da Salvao, a obra mais ambiciosa do teatro brasileiro na dcada de sessenta, afunda
num incompreensvel fracasso, arrastando consigo as ltimas energias do TBC.
(Guzik, 1986, 215)

Nas palavras do diretor, as causas do insucesso:

... ns botamos na cabea que precisava dourar um pouquinho a plula,


fazer um pouco de cenrio, e estragou tudo. L em cima {na sala de ensaios].
As pessoas iam assistir aos laboratrios, que eram uma coisa extraordinria, e
se comoviam muito. A gente inventou um termo, que depois, o pessoal
aplicava muito: antigesto, a antipalavra - no mais o gesto complementando,
ajudando a palavra, mas o gesto tendo outros sentidos, o da sobrevivncia, e
tambm a maneira de falar no ilustrava mais, no era mais para ilustrar ... Mas
foi um fiasco o espetculo; foi um fracasso total, porque era um cdigo
desconhecido do teatro, uma linguagem desconhecida do teatro. (Filho, 1986,
216).

Em 30 de julho de 1964 Maurice Vaneau afastado da direo artstica do TBC,


em consequncia da crise provocada pelo fracasso de Vereda da Salvao.

(...) a Sociedade Brasileira de Comedia, ao receber um novo


superintendente, Hugo Schlesinger, muda aos poucos a sua poltica : interessa-
se muito mais por alugar o TBC. E depois de anexar o Teatro de Arte, no
subsolo do imvel da Rua Major Diogo, abre, com auxlio de cotas que so
vendidas ao pblico, o Teatro das Naes, na Av. So Joo, desdobrado ainda
no Teatro de Bolso. (CEM ANOS DE TEATRO EM SO PAULO III. Citado
por Maria Lcia Pereira em Dionysos n 25, 1980, 127).

O apagar das chamas. Por Guzik:

O que resta dos dezoito anos de atividade da casa pouco. Os demais


andares do edifcio so sublocados para outras firmas, desfaz-se o arquivo,
desmontam-se as oficinas de costura e carpintaria, a infra-estrutura dissolve-se
velozmente. Ficam a sigla, que ainda preserva um pouco de sua mgica
desvanecida, um edifcio depauperado e desconfortvel, e memrias. (Guzik,
1986,216).

Maria Lcia Pereira, constata: No programa de VEREDA DA SALVAO, o


orgulho de alguns nmeros que dificilmente sero alcanados por algum outro conjunto
nacional: (Pereira, 1980,127).
Ei-lo:
O TBC apresentou at o dia 30-06-64, cento e quarenta e quatro peas sendo:
33 brasileiras
32 francesas
35 inglesas
117

17 americanas
13 italianas
4 russas
2 espanholas
2 alems
1 sueca
1 austraca
1 holandesa
1 grega
1 polonesa
1 hngara
Algumas dessas peas foram representadas no original.

Alm dessas peas foram tambm apresentados vrios espetculos extraordinrios assim como
recitais poticos, de canto e de mmica, pantomima etc.... destacando -se a participao de: Inezita
Barroso, Marcel Marceau, Les Frres Jacques, Vittorio Gassman, Os Jograis etc.... Esses espetculos
perfazem um total de: 8.990 REPRESENTA ES repartidas da seguinte maneira:

So Paulo................................................. 6.551
Rio de Janeiro ......................................... 2.363
Interior ..................................................... 76

Essas 8.990 representaes do TBC tiveram 1.911.128 espectadores, distribudos da seguinte


maneira:
So Paulo .............................................. 1.332.767
Rio de Janeiro ......................................... 538.885
Interior .................................................... 39.476

Tambm se apresentaram no TBC, a convite da casa:

Espetculos nacionais

BALLET ILUSTRADO: Maria Olenewa e Nicanor Miranda


ESCOLA DE ARTE DRAMATICA:

CASAMENTO FORADO, de Molire


A EXCEO E A REGRA, de B. Brecht
QUADRILHA, de Carlos Drummond Andrade
O JULGAMENTO, de Kafka
UM IMBECIL, de Pirandello
PALAVRAS TROCADAS, de Alfredo Mesquita
SEU BOHLE e ESPERANDO GODOT, de Samuel Beckett, direo de Alfredo Mesquita

Espetculos estrangeiros

CIA. VITTORIO GASSMANN


ORESTE, de Alfieri

RECITAL DE POESIA ITALIANA

CANEVAS, Canevas de Franca Valeri, Bonucci e Capriolli


PANTOMIMAS, LES FRERES JACCQUES, de Marcel Marceau (Pereira, 1980,127,128)
118

5. CONCLUSO O legado do TBC para o teatro brasileiro

A histria do teatro brasileiro est sendo contada e recontada, num movimento


de busca e possibilidades de encontrar razes, exigindo a memria, traando caminhos
sinuosos, mas esclarecedores apontados pelo rastro, pelo que fica do que feito. A
prova!
Um desses caminhos nos remete ao ano de 1948, considerado um ano decisivo
na transformao do panorama teatral paulista, parte disso, deve-se a fundao do TBC
Teatro Brasileiro de Comedia,
Criado pelo empresrio italiano Franco Zampari, o TBC tornou-se, segundo a
crtica, pelas suas repercusses, um marco decisivo na conceituao histrica do teatro
brasileiro.
No comando do TBC Franco Zampari perfaz uma trajetria que funde o
industrial com o amante do palco, lanando uma companhia organizada
empresarialmente e tecnicamente. Cabe destacar sua importncia como realizador e,
figura de gnio empreendedor, cujas audcias, as vises de reforma implantadas na
concretizao do TBC, anteciparam e alargaram novos caminhos, que contriburam
positivamente para a evoluo do teatro moderno brasileiro.
O TBC abriu o pano, corroborando as vises de reforma de Zampari em relao
ao que acontecia anteriormente no teatro profissional, alterando, assim, a prtica teatral
de cabo a rabo. Sua poltica de empreendimento estabelece uma noo definida de
profissionalismo, valorizando o trabalho de equipe organizado e no mais apoiado na
presena exclusiva do astro ou estrela; marca a hegemonia do encenador brasileiro;
institui critrios de qualidade para o seu repertrio; atualiza a esttica do espetculo
como um todo, isto , tornou-se fundamental preocupar-se com os elementos que
contribuem para a totalizao do espetculo, tais como, direo cnica, iluminao,
cenografia e figurinos, introduzindo, desse modo, um novo comportamento para a
criao teatral, trazendo tona a unidade artstica. Em decorrncia de todas essas
transformaes, o aprimoramento profissional do espetculo, tornou-se regra, e o teatro
brasileiro percebeu a relevncia da infraestrutura do espetculo no resultado final.
Os alicerces do TBC so fundamentados nos moldes industriais e investem na
estrutura fsica. Havia no teatro sees de carpintaria para trabalhar a madeira bruta,
uma vez trabalhada, essa madeira passava para a seo de marcenaria, que por sua vez,
estava devidamente equipada com mquinas aptas para fabricar qualquer tipo de mvel,
119

dispondo ainda, de uma seo de cenografia, com as mesmas dimenses do palco, a fim
de que o cenrio fosse preparado e verificado em seus detalhes; uma sala de ensaios
estudada de forma a ter a mesma acstica da sala de espetculos, uma sala de costura,
almoxarifado, alm de oferecer condies tcnicas com modernos equipamentos de
cena.
Perseguindo, de modo obstinado, a ideia de elevado padro na montagem do
espetculo, Zampari toma atitudes, como a de contratar encenadores europeus, Italianos
em sua maioria: Adolfo Celi, Luciano Salce, Ruggero Jacobi, Flamnio Bolini e o
argentino Alberto DAvessa. E o resultado na prtica dessa contratao, foi de grande
contribuio para ampliar as influncias estticas que informam o teatro brasileiro.
Este trabalho no tem pretenses conclusivas a respeito do tema, ao contrrio,
pretende deixar aberto o caminho a fim de oferecer elementos para que se possa
compreender e avaliar a importncia do Teatro Brasileiro de Comdia e, do seu legado
para o Teatro Brasileiro. Na citao a seguir, Alberto Guzik encerra comentrios e
avaliaes relevantes e, igualmente oportunas sobre esse inestimvel legado.

Eis sua concluso:

O TBC erige um modelo de ao. Modelo passvel de ser


discutido, valorizado, negado. Tudo isso tem sido feito incessantemente
desde 1964. Mas o tempo decorrido comea a derreter as paixes do
debate e permite a emerso da verdadeira face dessa casa lendria. O
feito de seu repertrio ecltico at a extravagncia uma experincia
irrepetida no Brasil, nessa intensidade. Em dezesseis anos, foram
levadas no palco da Major Diogo cento e quarenta e quatro obras, vistas
por quase dois milhes de pessoas. Para isso, como diz Paulo Autran,
como diz Elizabeth Henreid, como dizem todos os atores sados das
fileiras do TBC, foi necessrio muito trabalho.
Franco Zampari no sobrevive sua criao por muito
tempo. Morre afastado em 1966, sem que lhe sejam prestadas as
mesmas homenagens mais tarde tributadas a Ziembinski e Paschoal
Carlos Magno, pioneiros de mesma tmpera. Zampari uma figura
fascinante pelo apego ao sonho que alimentou, com o qual coloriu sua
vida e mudou a face do teatro brasileiro. A tenacidade manaca com que
se aferrou a ele, com que o transformou num grande ideal, tambm faz
dele uma personagem de fico em busca de um autor.
(Guzik,1986,228)

Esse agente sonhador Franco Zampari:


120

Segundo Cacilda Becker, em depoimento a Maria Thereza


Vargas,
At 1956 tudo conseguiu caminhar bastante bem, porm
desse ano em diante, Zampari comea a lutar com dificuldades
tremendas... O governo no assistia o TBC. Zampari teria merecido
apoio irrestrito de qualquer governo do mundo, mas o nosso nunca lhe
ofereceu... No enterro de Zampari, Alfredo Mesquita me disse: O
teatro brasileiro deve muito a muita gente, principalmente ao velho
Ziembinski, a Paschoal Carlos Magno, mas sobretudo a Franco
Zampari. Todos eles deram tudo o que tinham, mas Zampari deu mais,
deu a vida.... (Mesquita, 1986,228)

CAI O PANO.
121

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GUZIK, Alberto. TBC: Crnica de Um Sonho. So Paulo, Editora Perspectiva
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VANUCCI, Alessandra. A Misso Italiana. Histrias de uma gerao de
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Diversos
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122

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A presena italiana.1988, volume I, 121f. Tese de doutoramento (apresentada ao
Departamento de Histria da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da
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BRANDO. T.S. A Encenao Brasileira Moderna: Teatro dos Sete.1990,
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Artigo de peridico (On-line)

MATTOS, Izilda Maria Santos de. A cidade que mais cresce no mundo- So
Paulo territrio de Adoniran Barbosa. Artigo para revista eletrnica So Paulo em
Perspectiva. Vol 15 n 3, So Paulo, july/sept 2001. Disponvel em: <http:// www.
Scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102

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