Modernidade, Contemporaneidade e Subjetividade
Modernidade, Contemporaneidade e Subjetividade
Modernidade, Contemporaneidade e Subjetividade
Resumo
O artigo objetiva a discusso das caractersticas da modernidade e
contemporaneidade e seus possveis efeitos de mal-estar sobre a subjetividade.
O projeto da modernidade apresenta-se marcado pelo vis antropolgico e
antropocntrico, j que o homem, enquanto indivduo, foi alado condio
fundamental de medida de todas as coisas. Enfatizam-se a autonomia individual
e a valorizao narcsica, que se constituem em novos modos de alienao e se
orientam em direo ao gozo e ao consumo. Em uma sociedade, na qual se
valoriza a autonomia do indivduo, o sujeito se v obrigado a recorrer e a se
referir a si prprio, imerso em uma busca narcsica de perfeio e completude,
evitando, dessa forma, um confronto com sua condio de ser marcado pelo
falta e pela castrao, que lhe impem limites.
Palavras-chave: modernidade; contemporaneidade; mal-estar; subjetividade.
Abstract
The article aims to discuss the characteristics of modernity and contemporary
and its possible effects of malaise about subjectivity. The project of modernity
presents itself marked by anthropological and anthropocentric point-of-view,
since the man as an individual, was promoted to the fundamental condition of
the measure of all things. To emphasize individual autonomy and narcissistic
exploitation, which constitute new forms of alienation and are geared towards
the enjoyment and consumption. In a society in which values the autonomy of
the individual, the subject is forced to use and refer to himself, lost in a
narcissistic pursuit of perfection and completeness, thus preventing a
confrontation with his condition to be checked by lack and castration, which
impose limits.
Keywords: modern; contemporary; malaise, subjectivity.
_________________
Artigo recebido em 18 de janeiro de 2011 e aprovado em 24 de maio de 2011.
* Doutora em Educao pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora da PUCMINAS e do Centro
Universitrio Newton Paiva. Email: [email protected]
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Introduo1
O
terreno
da
modernidade
de
sua
herdeira,
ps-modernidade
ou
Parte do Captulo da Tese de Doutorado Do pecado pessoal ao pecado social: a solidariedade na reatualizao do ensino religioso da Companhia de Jesus, defendida na Faculdade de Educao/UFMG em
Junho/2009.
2
Faremos uso aqui das concepes e consideraes de Birman (2006, p. 37-38) sobre essa discusso dos
termos modernidade, ps-modernidade e contemporaneidade. [...] os norte-americanos em geral preferem
referir-se ps-modernidade para descrever os novos tempos em oposio modernidade. No se deve,
contudo, ser esquemtico em relao a isso, j que encontramos entre os europeus no apenas o acento
incidindo sobre a ruptura, como tambm a caracterizao dessa ruptura como algo positivo. Este o caso, por
exemplo, de Zygmunt Bauman, cientista social polons que professor nas universidades de Varsvia e de
Leeds, na Inglaterra. De outro ponto de vista, o filosofo francs Jean-Franois Lyotard tambm reconhece a
existncia da ruptura e o fim da modernidade, sublinhando a impossibilidade terica atual de as grandes
narrativas serem realizadas. O italiano Gianni Vattimo no apenas insiste na ruptura radical, como um
entusiasta dos tempos ps-modernos, baseando-se para isso em outros critrios filosficos. Em contrapartida,
o cientista social francs Gilles Lipovetsky destaca a ruptura, mas de maneira negativa, referindo-se psmodernidade como o imprio do vazio e do efmero, posio no muito distante da expressa pelo socilogo
Jean Baudrillard, que tambm a considera da maneira negativa. Por sua vez, os europeus ainda insistem na
existncia da modernidade hoje, sublinhando a radicalizao de seus pressupostos. Assim, Anthony Giddens,
na Inglaterra, prefere referir-se existncia de uma modernidade tardia, estando prximo do caminho do
cientista social alemo Ulrich Beck, que destaca a idia de uma modernidade reflexiva. Da mesma forma, o
cientista social francs Georges Balandier insiste na existncia de uma super-modernidade, na qual ainda
permanecem os fundamentos da modernidade. O filsofo alemo Jrgen Habermas destaca-se como um
defensor implacvel do projeto da modernidade, tudo isso se nos referirmos apenas aos campos das cincias
sociais e da filosofia, deixando de lado o da esttica, nos quais a presena viva do iderio da modernidade
sempre se destaca.
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tienne de La Botie humanista e filsofo francs escreveu a sua obra mais famosa, intitulada "Discurso da
Servido voluntria". J no ttulo aparece a contradio do termo servido voluntria, pois como se pode
servir de forma voluntria, isto , sacrificando a prpria liberdade de espontnea vontade? Dentro desta
temtica, a obra essencialmente um questionamento acerca das possveis causas que levariam os povos a se
submeterem vontade de um tirano, o que se mostrar como uma grande interrogao e indignao
opresso.
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Caractersticas da Modernidade
A Reforma Protestante permitiu certa democratizao do saber at ento
concentrado nas mos da Igreja Catlica e um tipo diferenciado de relao do homem com
o sagrado, na qual o crente poderia, por exemplo, ter a prpria interpretao dos textos
sagrados. A proposta de Martinho Lutero direcionava-se a um retorno ao Cristianismo
primitivo, no contaminado, e com alianas com o poder profano. A consequncia disso foi
uma pluralizao da verdade da f.
Outra caracterstica marcante da modernidade diz respeito ampliao dos
horizontes atravs das grandes navegaes e descobrimentos, o que tambm provocou certa
relativizao das convices morais e sociais europeias, devido circulao das notcias da
existncia de outros povos que se organizavam socialmente de forma diferenciada. Dessa
forma, o deslocamento produzido pela descoberta do Novo Mundo, acrescido da
divulgao dos avanos na astronomia copernicana, retiraram a Terra e o homem europeu
de seu centro, colocando ambos em um lugar de insignificncia. Vale ainda ressaltar que
este foi um perodo no qual as trocas eram mediadas pela moeda, assim como do
estabelecimento da mercadoria com um valor diferente de seu uso atravs das relaes
capitalistas.
Esse movimento assim um nascente projeto de globalizao, que perpassado
por uma crescente interdependncia dos povos. A globalizao avana hoje em ritmo
acelerado e impelida, principalmente, pelo desenvolvimento nos campos da tecnologia e
da comunicao.
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Birman (2006) argumenta que a partir do pressuposto do individualismo temos um destaque significativo do
eu, que passou a ser a medida de todas as coisas. A modernidade apresenta-se como uma ruptura com as
tradies da Idade Mdia na qual o eu no ocupava tal lugar que era ento atribudo a Deus.
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Elias (1993, p. 196, v. 2) explica: [...] O fato seguinte foi caracterstico das mudanas psicolgicas
ocorridas no curso da civilizao: o controle mais complexo e estvel da conduta passou a ser cada vez mais
instilado no indivduo desde seus primeiros anos, como uma espcie de automatismo, uma autocompulso
qual ele no poderia resistir, mesmo que desejasse. A teia de aes tornou-se mais complexa e extensa, o
esforo necessrio para comportar-se corretamente dentro dela ficou to grande que, alm do autocontrole
consciente do indivduo, um cego aparelho automtico de autocontrole foi firmemente estabelecido. Esse
mecanismo visava a prevenir transgresses do comportamento socialmente aceitvel mediante uma muralha
de medos profundamente arraigados, mas, precisamente porque operava cegamente e pelo hbito, ele, com
freqncia, indiretamente produzia colises com a realidade social. Mas fosse consciente ou
inconscientemente, a direo dessa transformao da conduta, sob a forma de uma regulao crescentemente
diferenciada de impulsos, era determinada pela direo do processo de diferenciao social, pela progressiva
diviso de funes e pelo crescimento de cadeias de interdependncia nas quais, direta ou indiretamente, cada
impulso, cada ao do indivduo tornavam-se integrados.
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Duby tambm nos mostra esse lastro histrico em a Histria da vida privada, 2: da
Europa feudal Renascena (1990). Nesse texto o autor discute a ideia de que o espao
para o individual era algo que inexistia na poca feudal, as experincias dentro e fora das
moradas sempre ocorriam em grupos, e qualquer movimento no sentido da privacidade ou
isolamento era objeto de suspeita ou, ainda, de admirao. Na grande maioria das vezes s
se expunham a essa experincia os considerados desencaminhados, os possudos (herticos)
e os loucos (um dos sintomas da loucura era vaguear sozinho). A ideia e processo de
privatizao s se constituiro, de acordo com Chartier, entre os sculos XVI e XVIII e
vinculam-se a seis categorias essenciais:
Revel (1991, p. 174-175), historiador, nos mostra que As transformaes dos comportamentos e das
representaes so lentas e difusas e muitas vezes contraditrias. Assim, s excepcionalmente podemos
atribuir uma data precisa a uma evoluo ou a uma inovao e associ-la a um fato singular. Contudo, a
histria da civilidade prope essa experincia nica. Ancora-se num texto bsico que depois no cessou de ser
reivindicado, plagiado, deformado. Essa matriz A civilidade pueril, de Erasmo, publicada pela primeira vez
em Basilia em 1530 e logo destinada a imenso sucesso. Ao mesmo tempo em que reformula a prpria noo
de civilidade, esse breve tratado didtico, escrito em latim, fixa e por trs sculos o gnero literrio que
garantir pedagogia das boas maneiras sua ampla difuso social.
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cmodos. Dessa forma, gabinetes, bibliotecas, escritrios, que designavam um mvel, vo,
pouco a pouco, transformando-se em aposentos com uma funo especfica, bem como
sendo marcados pelo carter privado.
Tambm nos hbitos e modos mesa podemos observar esse movimento de
privatizao, que interdita, por exemplo, o compartilhamento do prato, a utilizao das
mos ao comer, e prescreve o emprego de utenslios pessoais, bem como a ritualizao das
refeies, e no crescente movimento de conservar objetos materiais que remetem
lembrana/presena do outro.
[...] desamparo fundamental (Hilflosigkeit) do ser humano, exige a interveno de um adulto prximo
(Nebenmensch) que perpetre uma ao especfica necessria sobrevivncia do ser humano desamparado.
Lacan prope a categoria de Outro (com o maisculo) para designar no apenas o adulto prximo de que
fala Freud mas tambm a ordem que este adulto encarna para o ser recm-nascido na cena de um mundo j
humano, social e cultural. [...]. O Outro no apenas, portanto, uma pessoa fsica, um adulto, por exemplo,
[...] chamaremos de me, porquanto em nossas sociedades seja esta a categoria que designa a funo de cuidar
dos bebs e tambm toda uma ordem simblica que a me introduz no seu ato de cuidar do beb. (ELIA,
2004, p. 39-40).
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vida biolgica pura (da ordem do instinto) seja excluda da experincia do sujeito, que a
pulveriza e fragmenta na vida cultural (da ordem da pulso).
O que daqui se depreende que essa concepo de sujeito tem ntima relao com a
descoberta do inconsciente. Assim, perante uma modernidade que enfatiza o eu e a razo
como soberanos, Freud traz aquilo que ele prprio denomina a terceira ferida narcsica da
humanidade, atravs da postulao do conceito de inconsciente8. O inconsciente
compreendido pela Psicanlise como um sistema que possui leis prprias de
funcionamento, e no como algo que se situa fora do campo da conscincia. Freud d ao
inconsciente e s suas formas de expresso um status que os olhos do senso comum
desprezam.
[...] No transcorrer dos sculos, o ingnuo amor-prprio dos homens teve de submeter-se a dois grandes
golpes desferidos pela cincia. O primeiro foi quando souberam que a nossa Terra no era o centro do
universo, mas o diminuto fragmento de um sistema csmico de uma vastido que mal se pode imaginar. Isto
estabelece conexo, em nossas mentes, com o nome de Coprnico, embora algo semelhante j tivesse sido
afirmado pela cincia de Alexandria. O segundo golpe foi dado quando a investigao biolgica destruiu o
lugar supostamente privilegiado do homem na criao, e provou sua descendncia do reino animal e sua
inextirpvel natureza animal. Esta nova avaliao foi realizada em nossos dias, por Darwin, Wallace e seus
predecessores, embora no sem a mais violenta oposio contempornea. Mas a megalomania humana ter
sofrido seu terceiro golpe, o mais violento, a partir da pesquisa psicolgica da poca atual, que procura provar
o ego que ele no senhor nem mesmo em sua prpria casa, devendo, porm, contentar-se com escassas
informaes acerca do que acontece inconscientemente em sua mente [...]. (FREUD, 1917, p. 336).
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Contemporaneidade e Individualismo
O mundo contemporneo demarcado pelo individualismo tambm se associa ao
consumismo, configurando aquilo que Debord (1997) chama de sociedade de consumo
ostentatrio e do espetculo9, com a busca do prazer incessante e a obsesso pela imagem
perfeita, de corpos e almas, tudo isso reforado pelas iluses farmacolgicas para regular o
mal-estar. tambm uma cultura do narcisismo, segundo prope o historiador Lasch
Debord, escritor francs, discute em seu livro A sociedade do espetculo (1997) a nfase que o mundo
moderno/ps-moderno d imagem, provocando um deslizamento do ter para o parecer, na qual a
mercadoria (descartvel) consumida tem um lugar preponderante e exaltada de forma significativa. A
teatralidade outra caracterstica desse tipo de sociedade, na qual cada membro se insere como um ator na
cena social, com grande contribuio da mdia.
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(1983), na qual o que importa a exaltao gloriosa do prprio eu 10, uma cultura na qual
no h lugar para a existncia do amor, amizade, pois o que interessa a cada um o gozo
predatrio sobre o outro e sobre o seu corpo, que tratado como um annimo qualquer,
sem rosto. , ento, uma forma de estruturao que aponta muito mais para uma cultura de
morte do que para uma cultura de vida.
Outra caracterstica deste tempo, apontada pelo socilogo Bauman (1998), so os
fundamentalismos e seus fascnios, que prometem isentar cada um dos sujeitos das agruras
da
escolha,
ofertando-lhes
uma
autoridade
indubitavelmente
suprema.
Os
Lasch (1983) configura a cultura do narcisismo como aquela que exalta o eu, atravs dos mecanismos
miditicos que promovem uma estetizao desmesurada. Neste tipo de cultura o sujeito vale pela imagem que
produz e expe.
11
Segundo a doutora em Psicologia Social Aguiar (2002), a globalizao no pode se reduzir dimenso
econmica, apesar de ser o seu primeiro e principal aspecto. Ela se atrela tambm experincia cotidiana das
aes que no reconhecem ou desconhecem fronteiras no que diz respeito informao, ecologia, tcnica,
sociedade civil etc. Ela opera transformaes na realidade dos homens gerando o inesperado, o incerto, a
ausncia de limites.
12
Sobre os avanos tecnolgicos, principalmente dos meios de comunicao, Bauman (2007, p. 11) destaca:
[...] No h terra nulla, no h espao em branco no mapa mental, no h terra nem povo desconhecidos,
muito menos incognoscveis. A misria humana de lugares distantes e estilos de vida longnquos, assim como
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exemplo, a internet e o celular, podem ter um efeito de fascnio sobre cada um, pois
oferecem uma iluso de liberdade de escolha, que parece infinita, mas que, ao mesmo
tempo, demarcam uma ausncia de intimidade, pois o sujeito pode ser localizado a qualquer
tempo e em qualquer lugar. Essa iluso protege o sujeito do medo do encontro, do ntimo e
do contato com o outro.
Todas essas estratgias visariam lidar, de forma ilusria, com as trs fontes de
sofrimento/impotncia das quais padece o homem moderno/contemporneo o corpo, a
natureza e a relao com o outro , como nos mostra Freud em sua obra de 1930. Assim,
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precisar do outro como um possvel irmo para realizar certa gesto do mal-estar, ou se
agarrar de forma alienada iluso de autossuficincia engendrada pelo mundo moderno e
ps-moderno, atravs de expedientes diversos.
Mas, outras formas de mal-estar hoje se impem. Birman, em outra obra, de 2006,
Arquivos do mal-estar e da resistncia, acrescenta que, na chamada ps-modernidade,
experimentamos outras modalidades de mal-estar que se registram no corpo, na ao e no
sentimento, que podem se combinar no mesmo sujeito.
Para ele, o corpo um dos registros no qual o mal-estar se prenuncia de uma forma
mais eminente. Todos se queixam do mau funcionamento do corpo e acreditam que sempre
deve haver uma forma adequada para que a performance do corpo possa ser melhor. [...]
Sentimo-nos sempre faltosos, deixando de fazer tudo o que deveramos, considerando as
possibilidades oferecidas para o cuidado do corpo. Enfim, estamos sempre numa posio de
dvida em relao a isso. (BIRMAN, 2006, p. 175). O autor descreve que nos encontramos
em um estado permanente de estresse, que pode se manifestar de maneiras infinitas: dores
difusas, tonteiras, elevao da presso arterial, acelerao cardaca, sndrome da fadiga
crnica, sndrome do pnico etc. Perante esse contexto de mltiplas explicitaes do malestar, sobressaem os tratamentos corporais, que vo das massagens nos spa, passando
pelos exerccios orientais e ginsticas (as academias transformam-se em templos seculares),
no se excluindo aqui os suplementos vitamnicos, para o enfrentamento imaginrio da
morte e do envelhecimento.
J no registro da ao, a chamada hiperatividade (excitabilidade elevada) se
impe, e o sujeito age, com frequncia, sem pensar naquilo que objetiva com sua ao e
tambm naquilo que motiva sua ao. Assim, a explosividade impera, e como se o sujeito
no conseguisse conter um excesso experienciado e, tampouco, transformar esse excesso
em uma ao adequada ao contexto. Decorrem dessas exploses emocionais incontrolveis
a violncia (que difere da agressividade, constitutiva do psiquismo) e o consequente
aumento da delinquncia, do uso das drogas (legais e ilegais), dos transtornos alimentares
(bulimia e anorexia) e da criminalidade, que se intensifica e se torna cada vez mais
refinada.
O ltimo registro, o do sentimento, se apresenta, em primeiro lugar, pelo
empobrecimento da linguagem, que se encontra cada vez mais perpassada pela imagem,
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Por outro lado, o sofrimento apresenta-se como uma experincia com carter
alteritrio. Assim sendo, o outro se encontra presente, e para ele que o sujeito em
sofrimento enderea seu apelo, pois aqui h um reconhecimento da no autossuficincia.
Nesse contexto, o homem ps-moderno/contemporneo vive uma experincia de
contradio cultural, pois, de um lado, se tem a priorizao da autonomia, da pretenso de
13
A depresso, sintoma do mal-estar neste comeo de milnio, como a histeria no final da era vitoriana, ao
mesmo tempo condio e conseqncia da recusa do sujeito em assumir a dimenso do conflito que lhe
prpria. De um lado a condio, porque, sem certo rebaixamento libidinal prprio dos estados depressivos, o
conflito acaba por se impor. De outro conseqncia, na medida em que a depresso, o empobrecimento da
vida subjetiva, so o preo pago por aqueles que orientam as suas escolhas em funo do medo de sofrer. O
sintoma neurtico provm justamente das resistncias de um eu que no dispe de recursos significantes para
enfrentar seu sofrimento. Por conta da resistncia, do desconhecimento que esta produz, o sofrimento
recusado lana sobre o eu uma sombra muito maior do que sua dimenso verdadeira. (KEHL, 2002, p. 80).
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ser dono do seu querer e viver e, por outro, submete-se a uma servido imaginria e
alienada das solues que so oferecidas a todos sem distino.
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