Regras para a elaborao de uma ficha de leitura

O que uma ficha de leitura

A ficha de leitura um resumo das ideias de um autor contidas num livro ou

num artigo, tendo como objectivo preparar um trabalho de maior flego onde
pretendemos conciliar a informao proveniente de vrias fichas de leitura com as
nossas concluses em ordem a produzir um trabalho sistemtico e original.
importante distinguir entre dois tipos de ficha de leitura, a ficha com a qual se
pretende resumir as principais ideias do texto, tendo como objectivo evitar a
necessidade de l voltar, permitindo a sua utilizao em vrios trabalhos distintos, da
ficha, tambm designada por nota de leitura, em ordem a distinguir da anterior, com a
qual apenas pretendemos reter as ideias do autor que so pertinentes para o trabalho que
estamos a realizar. em relao a este ltimo caso que se dirige este documento.
Esta definio obriga a que se tenha em considerao os seguintes aspectos: a
ficha de leitura um momento de um movimento mais alargado, constitudo pela leitura
sucessiva de conjuntos de textos, em que cada conjunto ajuda a aperfeioar os nossos
objectivos e estes determinam o novo conjunto a ler (Quivy e Campenhoudt, 1992: 51);
A ficha de leitura no um fim em si mesmo, mas um meio para se conseguir voltar s
principais concluses de um texto sem ter que tornar a l- lo; a ficha de leitura um
instrumento de trabalho do seu autor e dirige-se exclusivamente a um nico pblico, ele
prprio.

Distino entre ficha de leitura, resumo e recenso crtica

O tipo de ficha de leitura a que nos referimos no um resumo de obra ou uma

recenso crtica, embora partilhe com estas formas de trabalhar os textos o propsito de
condensar as ideias contidas no documento em causa. A grande diferena que a ficha
de leitura procura fazer essa condensao a partir de uma orientao exterior ao texto:
os nossos objectivos. Com efeito, num dado texto no interessa ler tudo mas apenas ler
e condensar o que pertinente para os nossos objectivos. Fica claro, pois, que as fichas
de leitura, nesta acepo, no so resumos das obras mas resumos das ideias nelas
contidas que nos interessam para os nossos propsitos.

Elementos constituintes da ficha de leitura

Uma ficha de leitura deve comear sempre pela referncia completa que permite
ao autor voltar a localizar o texto em causa a partir desses elementos e colocar a
referncia correctamente na bibliografia final do seu trabalho. Esta referncia deve
aparecer de forma separada do texto e ser bem visvel a um olhar causal pela pgina.
Uma estratgia a de separar a referncia bibliogrfica do corpo da ficha de leitura com
uma barra e algumas linhas em branco.
Dada a quantidade de textos lidos para a realizao de qualquer trabalho e dada a
possibilidade forte de se voltar ao mesmo texto, atravs da sua ficha de leitura, em
diferentes trabalhos realizados, este um exerccio que se recomenda vivamente. No
poder citar uma ideia muito interessante porque se perdeu a referncia completa da obra
uma possibilidade tantalizante mas bem real.
O que se segue a sinopse, isto , um resumo, em no mais do que dois ou trs
pargrafos, das ideias principais da ficha. Note-se que, se este ponto o segundo a
aparecer, deve ser o ltimo a ser realizado, dado tratar-se de uma espcie de resumo do
resumo que a ficha constitui. A realizao da sinopse no deve ser desprezada porque,
muitas vezes, , em particular para os indivduos com menos prtica, o elemento chave
para a compreenso da principal ideia de um dado livro ou artigo. Na sinopse deve
aparecer, de forma bem explcita e hierarquizada, em primeiro lugar, a principal ideia do
autor e, em segundo lugar, as ideias (ou ideia) importantes para os nossos objectivos.
A grande maioria do texto que constitui uma ficha de leitura diz respeito
condensao crtica do trabalho do autor com interesse para os nossos objectivos. Neste
sentido, deve-se comear por procurar a ideia central que o autor defende no seu texto e
de que forma esta se relaciona com as ideias que interessam aos nossos objectivos. Estas
ltimas podem no coincidir com a ideia central mas esto sempre relacionadas com ela.
Note-se que, para o prprio autor, nem todas as ideias tm a mesma importncia, estas
articulam-se num processo de relacionamento mais ou menos hierarquizado onde ideias
menos importantes dependem, ou so deduzidas, de outras mais importantes. Este
processo encontra o seu limite na ideia central do texto que serve de fio condutor e lhe
d coerncia.
A condensao subjacente a este processo implica que muito do que o autor
escreveu no seja tido em conta no produto final, pois condensar sempre perder
informao. por isso que a ficha de leitura uma interpretao do trabalho do autor
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orientada pelos nossos objectivos: s nos interessa conservar o que se nos afigura
relevante. De outra forma, a ficha de leitura seria a simples interpretao do texto,
dizendo respeito ao outro tipo de ficha referenciado.
Note-se que o texto que constitui o corpo da ficha deve ter uma estrutura clara.
Em alguns casos, pode ser seguida a estrutura de captulos do autor do texto original (o
que o mais fcil), mas noutros necessrio realizar uma estrutura prpria para a ficha.
A estrutura de uma ficha pode ser implcita ou explcita, no entanto, a explicitao tem a
vantagem de tornar mais fcil futuras consultas sobre o tema. Uma estrutura explcita
quando o texto da ficha se encontra subdividido em partes logicamente articuladas e
hierarquizadas, encimadas por ttulos a negrito (seces e/ou captulos), como num
qualquer texto.

A importncia da referncia s pginas da obra original

Em qualquer trabalho que realizemos, quando se referem as ideias de um dado

autor, temos que o referenciar, no apenas na obra como na pgina, ou pginas,
concreta(s) onde se encontra(m) essa ideia(s). Para o fazermos, temos que ter esta
informao na prpria ficha de leitura. Assim, praticamente cada pargrafo e muitas das
oraes terminam com uma referncia ao nmero da pgina do texto original onde est
a ideia. Nos casos onde uma ideia se desmultiplica por vrias pginas, a referncia deve
ser pp., estando as pginas separadas por um trao ou uma barra (por ex. pp. 55/57 ou
pp. 55-57). Quando a ideia em causa a tese de fundo da obra, no necessrio colocar
a(s) pgina(s).

O estatuto dos comentrios do autor da ficha

Numa ficha de leitura, enquanto momento de um trabalho mais vasto, podemos

colocar os nossos prprios comentrios. Por exemplo, para chamar a ateno para uma
contradio com o que diz outro autor, ou para procurar mais informao sobre uma
ideia, etc A principal preocupao a ter a da distino entre o que originalmente
nosso e as ideias do autor que condensamos. necessrio encontrar um sistema
uniforme de separao entre estes dois tipos de texto presentes na ficha. Existem vrias
possibilidades referenciadas na literatura. Neste documento s se referenciam duas:
escrever os nossos comentrios numa cor diferente (e sempre a mesma), a vermelho, por
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exemplo, ou colocar os nossos comentrios entre parntesis rectos. Recomenda-se

vivamente que o sistema adoptado seja uniforme dentro de uma mesma ficha de leitura
e no conjunto das fichas realizadas, no sentido de se minimizar os plgios involuntrios.

As citaes e as condensaes das ideias do autor

A esmagadora maioria das frases presentes numa ficha de leitura so produzidas

pela pessoa que est a realiz- la, com base nas ideias do autor do texto em anlise. No
entanto, por vezes existem frases que, pela sua importncia no pensamento do autor, so
copiadas integralmente do texto. O estatuto destas frases na ficha de leitura de relativa
excepo, nunca devem ser seno uma pequena parte do texto total. A sua relevncia a
de constiturem um resumo (feito pelo prprio autor) das ideias em anlise e/ou uma
ilustrao do que se pretende dizer num dado ponto. Muitas vezes, as citaes so
recolhidas tendo em ateno a possibilidade de virem a incorporar o texto final que
pretendemos realizar.
Como no caso dos nossos prprios comentrios, tem de ser bem clara a
separao entre as declaraes literais de um dado autor e a nossa interpretao
condensada do que ele quis dizer. para o segundo caso que se usa habitualmente o
termo citao, muito embora, aquando do texto final, se d a esse termo um sentido
mais abrangente de citao bibliogrfica, quer dizer, de apresentao do autor, obra e
pgina de onde retirmos uma determinada ideia. Na ficha de leitura, como no trabalho
final, as citaes integrais do texto original devem vir entre aspas (normalmente as
aspas). Alm disso, nos casos em que se encurta ou se manipula a frase do autor,
querendo conservar-se o estatuto de citao literal, essas alteraes devem estar
devidamente assinaladas, quer tenham lugar no incio da frase, no meio, ou no fim, com
a seguinte sinaltica: (). Finalmente, quando se introduz uma palavra ou expresso
nossa na citao, esta deturpao do texto original deve ser assinalada, colocando todos
os termos estranhos ao original entre parntesis rectos [ ].
Os ttulos do autor devem ser tratados como citaes e, como tal, devem vir
entre aspas e indicada a pgina onde figuram no texto original.
Finalmente, releve-se a prtica da criao de fichas prprias para conservar as
citaes retiradas dos textos, as fichas de citao, cujo objectivo passa pela
possibilidade de ter disponvel um acerco de citaes variadas, e devidamente
indexadas, a incluir nos trabalhos realizados. Este tipo de exerccio , sobretudo,
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recomendvel para investigadores profissionais e/ou para quem utilize citaes de textos
e documentos com muita frequncia no seu trabalho, de uma forma legitima, como pode
ser o caso da Histria.

Ficha de leitura e plgio

Utilizar as ideias dos outros para realizar o nosso prprio trabalho no um

plgio. Pelo contrrio desejvel e no h outra forma de fazermos o nosso trabalho
avanar. Como diria Bernardo de Chartres (sec. XII), somos como anes que vemos
longe porque estamos sobre os ombros dos gigantes que nos antecederam, os autores
dos livros e artigos que usamos. Habitualmente, as novas ideias surgem sempre com
base em ideias anteriores, atravs da sua modificao, da sua recusa, da sua anttese, ou
de um qualquer outro processo. Os trabalhos com ideias verdadeiramente originais so
muito raros e no esto ao alcance de menos que gnios.
Plgio no dar crdito pessoa ou pessoas de onde retirmos uma dada ideia.
Para que a situao de plgio se verifique, apenas necessrio que uma ideia, retirada
de um autor, no aparea referenciada como sendo desse autor, mesmo que seja
apresentada pelas nossas prprias palavras!
O plgio uma forma de roubo e uma fraude, mesmo quando involuntrio.

O caso especfico da aprendizagem do processo de elaborao de uma ficha

de leitura

Por vezes, no processo de aprendizagem das tcnicas de elaborao de uma ficha

de leitura, solicitado aos alunos a realizao de um exerccio que remete para o
primeiro tipo de fichas de leituras referenciado, as que respeitam ao texto integral. Neste
caso, os procedimentos so os mesmos que os descritos neste documento, com uma
nica excepo: no existem objectivos exteriores que orientem e comandem a leitura.
A ficha de leitura assume o papel de resumo do texto em causa, ganhando expresso a
procura das ideias principais do autor, das suas articulaes e hieraquizaes.

Bibliografia recomendada:

Quivy, Raymond e Campenhoudt, Luc Van Manual de investigao em cincias

sociais; Lisboa, Gradiva, 1992.
Eco, Umberto Como se faz uma tese: em cincias humanas, Lisboa, Presena, 1984.

Fernando Diogo
Com crticas e sugestes de:
Damio Rodrigues
Octvio de Medeiros
Mrio Viana