Passagem Das Horas
Passagem Das Horas
Passagem Das Horas
Trago dentro do meu corao, Como num cofre que se no pode fechar de cheio, Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei, Todas as paisagens que vi atravs de janelas ou vigias, Ou de tombadilhos, sonhando, E tudo isso, que tanto, pouco para o que eu quero. A entrada de Singapura, manh subindo, cor verde, O coral das Maldivas em passagem clida, Macau uma hora da noite... Acordo de repente... Yat-l-------...Ghi-... E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade... A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol...Dar-es-Salaam (a sada difcil)... Majunga, Nossi-B, verduras de Madagascar... Tempestades em torno ao Guardafui... E o Cabo da Boa Esperana ntido ao sol da madrugada... E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo... Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei... Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos... Experimentei mais sensaes do que todas as sensaes que senti, Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me, Penso em que que me ficar desta vida aos bocados, deste auge, Desta entrada s curvas, deste automvel beira da estrada, deste aviso, Desta turbulncia tranqila de sensaes desencontradas, Desta transfuso, desta insubsistncia, desta convergncia iriada, Deste desassossego no fundo de todos os clices, Desta angstia no fundo de todos os prazeres, Desta sociedade antecipada na asa de todas as chvenas, Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperana e as Canrias. No sei se a vida pouco ou demais para mim. No sei se sinto de mais ou de menos, no sei Se me falta escrpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligncia, Consanginidade com o mistrio das coisas, choque Aos contatos, sangue sob golpes, estremeo aos rudos, Ou se h outra significao para isto mais cmoda e feliz. Seja o que for, era melhor no ter nascido,Porque, de to interessante que a todos os momentos, A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roar, a ranger, A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no cho, de sair Para fora de todas as casas, de todas as lgicas e de todas as sacadas, E ir ser selvagem para a morte entre rvores e esquecimentos, Entre tombos, e perigos e ausncia de amanhs, E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso, Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual , vida. Cruzo os braos sobre a mesa, ponho a cabea sobre os braos, preciso querer chorar, mas no sei ir buscar as lgrimas... Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, no choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca... Que h de ser de mim? Que h de ser de mim? Correram o bobo a chicote do palcio, sem razo, Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde cara. Bateram na criana abandonada e tiraram-lhe o po das mos. Oh mgoa imensa do mundo, o que falta agir... To decadente, to decadente, to decadente... S estou bem quando ouo msica, e nem ento. Jardins do sculo dezoito antes de 89, Onde estais vs, que eu quero chorar de qualquer maneira? Como um blsamo que no consola seno pela idia de que um blsamo, A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, montona, cai. Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se. Seja de que maneira for, preciso continuar a viver. Arde-me a alma como se fosse uma mo, fisicamente.Estou no caminho de todos e esbarram comigo. Minha quinta na provncia, Haver menos que um comboio, uma diligncia e a deciso de partir entre mim e ti. Assim fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir, E fica sempre, fica sempre, fica sempre, At morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica... Torna-me humano, noite, torna-me fraterno e solcito. S humanitariamente que se pode viver. S amando os homens, as aes, a banalidade dos trabalhos, S assim - ai de mim! -, s assim se pode viver. S assim, o noite, e eu nunca poderei ser assim!
Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo, Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - no sei qual - e eu sofri. Vivi todas as emoes, todos os pensamentos, todos os gestos, E fiquei to triste como se tivesse querido viv-los e no conseguisse. Amei e odiei como toda gente, Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo, E para mim foi sempre a exceo, o choque, a vlvula, o espasmo. Vem, noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti. carinhosa do Alm, senhora do luto infinito, Mgoa externa na Terra, choro silencioso do Mundo. Me suave e antiga das emoes sem gesto, Irm mais velha, virgem e triste, das idias sem nexo, Noiva esperando sempre os nossos propsitos incompletos, A direo constantemente abandonada do nosso destino, A nossa incerteza pag sem alegria,A nossa fraqueza crist sem f, O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem xtases, A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impacincia de fracos, A nossa vida, o me, a nossa perdida vida... No sei sentir, no sei ser humano, conviver De dentro da alma triste com os homens meus irmos na terra. No sei ser til mesmo sentindo, ser prtico, ser quotidiano, ntido, Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens, Ter uma obra, uma fora, uma vontade, uma horta, Unia razo para descansar, uma necessidade de me distrair, Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim. Por isso s para mim materna, noite tranqila...
Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que s a paz, Tu que no existes, que s s a ausncia da luz, Tu que no s uma coisa, rim lugar, uma essncia, uma vida, Penlope da teia, amanh desfeita, da tua escurido, Circe irreal dos febris, dos angustiados sem causa, Vem para mim, noite, estende para mim as mos, E s frescor e alvio, o noite, sobre a minha fronte... 'Tu, cuja vinda to suave que parece um afastamento, Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja, Tem ondas de carinho morto, frio de mares de sonho, Brisas de paisagens supostas para a nossa angstia excessiva... Tu, palidamente, tu, flbil, tu, liquidamente, Aroma de morte entre flores, hlito de febre sobre margens, Tu, rainha, tu, castel, tu, dona plida, vem...Sentir tudo de todas as maneiras, Viver tudo de todos os lados, Ser a mesma coisa de todos os modos possveis ao mesmo tempo, Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos Num s momento difuso, profuso, completo e longnquo. Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo, Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo, Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma nsia, Seja uma flor ou uma idia abstrata, Seja uma multido ou um modo de compreender Deus. E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo. So-me simpticos os homens superiores porque so superiores, E so-me simpticos os homens inferiores porque so superiores tambm,
Porque ser inferior diferente de ser superior, E por isso uma superioridade a certos momentos de viso. Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de carter, E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades, E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles, E h momentos absolutamente orgnicos em que esses so todos os homens. Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia, Basta que ela exista para que tenha razo de ser. Estreito ao meu peito arfante, num abrao comovido, (No mesmo abrao comovido) O homem que d a camisa ao pobre que desconhece, O soldado que morre pela ptria sem saber o que ptria, E o matricida, o fratricida, o incestuoso, o violador de crianas,O ladro de estradas, o salteador dos mares, O gatuno de carteiras, a sombra que espera nas vielas Todos so a minha amante predileta pelo menos um momento na vida. Beijo na boca todas as prostitutas, Beijo sobre os olhos todos os souteneurs, A minha passividade jaz aos ps de todos os assassinos E a minha capa espanhola esconde a retirada a todos os ladres. Tudo a razo de ser da minha vida. Cometi todos os crimes, Vivi dentro de todos os crimes (Eu prprio fui, no um nem o outro no vicio, Mas o prprio vcio-pessoa praticado entre eles, E dessas so as horas mais arco-de-triunfo da minha vida).
Multipliquei-me, para me sentir, Para me sentir, precisei sentir tudo, Transbordei, no fiz seno extravasar-me, Despi-me, entreguei-rne, E h em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente. Os braos de todos os atletas apertaram-me subitamente feminino, E eu s de pensar nisso desmaiei entre msculos supostos. Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros, Acenaram no meu corao os lenos de todas as despedidas, Todos os chamamentos obscenos de gesto e olhares Batem-me em cheio em todo o corpo com sede nos centros sexuais. Fui todos os ascetas, todos os postos-de-parte, todos os como que esquecidos, E todos os pederastas - absolutamente todos (no faltou nenhum).Rendezvous a vermelho e negro no fundo-inferno da minha alma! (Freddie, eu chamava-te Baby, porque tu eras louro, branco e eu amava-te, Quantas imperatrizes por reinar e princesas destronadas tu foste para mim!) Mary, com quem eu lia Burns em dias tristes como sentir-se viver, Mary, mal tu sabes quantos casais honestos, quantas famlias felizes, Viveram em ti os meus olhos e o meu brao cingido e a minha conscincia incerta, A sua vida pacata, as suas casas suburbanas com jardim, Os seus half-holidays inesperados... Mary, eu sou infeliz... Freddie, eu sou infeliz... Oh, vs todos, todos vs, casuais, demorados, Quantas vezes tereis pensado em pensar em mim, sem que o fsseis,
Ah, quo pouco eu fui no que sois, quo pouco, quo pouco Sim, e o que tenho eu sido, o meu subjetivo universo, meu sol, meu luar, minhas estrelas, meu momento, parte externa de mim perdida em labirintos de Deus! Passa tudo, todas as coisas num desfile por mim dentro, E todas as cidades do mundo, rumorejam-se dentro de mim ... Meu corao tribunal, meu corao mercado, Meu corao sala da Bolsa, meu corao balco de Banco, Meu corao rendez-vous de toda a humanidade, Meu corao banco de jardim pblico, hospedaria, Estalagem, calabouo nmero qualquer cousa (Aqui estuvo el Manolo en vsperas de ir al patbulo) Meu corao clube, sala, platia, capacho, guichet, portal, Ponte, cancela, excurso, marcha, viagem, leilo, feira, arraial,Meu corao postigo, Meu corao encomenda, Meu corao carta, bagagem, satisfao, entrega, Meu corao a margem, o lirrite, a smula, o ndice, Eh-l, eh-l, eh-l, bazar o meu corao. Todos os amantes beijaram-se na minh'alma, Todos os vadios dormiram um momento em cima de mim, Todos os desprezados encostaram-se um momento ao meu ombro, Atravessaram a rua, ao meu brao, todos os velhos e os doentes, E houve um segredo que me disseram todos os assassinos. (Aquela cujo sorriso sugere a paz que eu no tenho, Em cujo baixar-de-olhos h uma paisagem da Holanda, Com as cabeas femininas coiffes de lin
E todo o esforo quotidiano de um povo pacfico e limpo... Aquela que o anel deixado em cima da cmoda, E a fita entalada com o fechar da gaveta, Fita cor-de-rosa, no gosto da cor mas da fita entalada, Assim como no gosto da vida, mas gosto de senti-la ... Dormir como um co corrido no caminho, ao sol, Definitivamente para todo o resto do Universo, E que os carros me passem por cima.) Fui para a cama com todos os sentimentos, Fui souteneur de todas s emoes, Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensaes, Troquei olhares com todos os motivos de agir, Estive mo em mo com todos os impulsos para partir,Febre imensa das horas! Angstia da forja das emoes! Raiva, espuma, a imensido que no cabe no meu leno, A cadela a uivar de noite, O tanque da quinta a passear roda da minha insnia, O bosque como foi tarde, quando l passeamos, a rosa, A madeixa indiferente, o musgo, os pinheiros, Toda a raiva de no conter isto tudo, de no deter isto tudo, fome abstrata das coisas, cio impotente dos momentos, Orgia intelectual de sentir a vida! Obter tudo por suficincia divina As vsperas, os consentimentos, os avisos, As cousas belas da vida O talento, a virtude, a impunidade,
A tendncia para acompanhar os outros a casa, A situao de passageiro, A convenincia em embarcar j para ter lugar, E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, urna frase, E a vida di quanto mais se goza e quanto mais se inventa. Poder rir, rir, rir despejadamente, Rir como um copo entornado, Absolutamente doido s por sentir, Absolutamente roto por me roar contra as coisas, Ferido na boca por morder coisas, Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas, E depois dem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida.Sentir tudo de todas as maneiras, Ter todas as opinies, Ser sincero contradizendo-se a cada minuto, Desagradar a si prprio pela plena liberalidade de esprito, E amar as coisas como Deus. Eu, que sou mais irmo de uma rvore que de um operrio, Eu, que sinto mais a dor suposta do mar ao bater na praia Que a dor real das crianas em quem batem (Ah, como isto deve ser falso, pobres crianas em quem batem E por que que as minhas sensaes se revezam to depressa?) Eu, enfim, que sou um dilogo continuo, Um falar-alto incompreensvel, alta-noite na torre, Quando os sinos oscilam vagamente sem que mo lhes toque E faz pena saber que h vida que viver amanh. Eu, enfim, literalmente eu,
E eu metaforicamente tambm, Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso As leis irrepreensveis da Vida, Eu, o fumador de cigarros por profisso adequada, O indivduo que fuma pio, que toma absinto, mas que, enfim, Prefere pensar em fumar pio a fum-lo E acha mais seu olhar para o absinto a beber que beb-lo... Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma, Sem personalidade com valor declarado, Eu, o investigador solene das coisas fteis, Que era capaz de ir viver na Sibria s por embirrar com isso,E que acho que no faz mal no ligar importricia ptria Porqtie no tenho raiz, como uma rvore, e portanto no tenho raiz Eu, que tantas vezes me sinto to real como uma metfora, Como uma frase escrita por um doente no livro da rapariga que encontrou no terrao, Ou uma partida de xadrez no convs dum transatlntico, Eu, a ama que empurra os perambulators em todos os jardins pblicos, Eu, o policia que a olha, parado para trs na lea, Eu, a criana no carro, que acena sua inconscincia lcida com um coral com guizos. Eu, a paisagem por detrs disto tudo, a paz citadina Coada atravs das rvores do jardim pblico, Eu, o que os espera a todos em casa, Eu, o que eles encontram na rua, Eu, o que eles no sabem de si prprios, Eu, aquela coisa em que ests pensando e te marca esse sorriso,
Eu, o contraditrio, o fictcio, o aranzel, a espuma, O cartaz posto agora, as ancas da francesa, o olhar do padre, O largo onde se encontram as suas ruas e os chauffeurs dormem contra os carros, A cicatriz do sargento mal encarado, O sebo na gola do explicador doente que volta para casa, A chvena que era por onde o pequenito que morreu bebia sempre, E tem uma falha na asa (e tudo isto cabe num corao de me e enche-o)... Eu, o ditado de francs da pequenita que mexe nas ligas, Eu, os ps que se tocam por baixo do bridge sob o lustre, Eu, a carta escondida, o calor do leno, a sacada com a janela entreaberta, O porto de servio onde a criada fala com os desejos do primo, O sacana do Jos que prometeu vir e no veioE a gente tinha uma partida para lhe fazer... Eu, tudo isto, e alm disto o resto do mundo... Tanta coisa, as portas que se abrem, e a razo por que elas se abrem, E as coisas que j fizeram as mos que abrem as portas... Eu, a infelicidade-nata de todas as expresses, A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos, Sem que haja uma lpida no cemitrio para o irmo de tudo isto, E o que parece no querer dizer nada sempre quer dizer qualquer cousa... Sim, eu, o engenheiro naval que sou supersticioso como uma camponesa madrinha, E uso monculo para no parecer igual idia real que fao de mim, Que levo s vezes trs horas a vestir-me e nem por isso acho isso natural, Mas acho-o metafsico e se me batem porta zango-me, No tanto por me interromperem a gravata como por ficar sabendo que h a vida...
Sim, enfim, eu o destinatrio das cartas lacradas, O ba das iniciais gastas, A entonao das vozes que nunca ouviremos mais Deus guarda isso tudo no Mistrio, e s vezes sentimo-lo E a vida pesa de repente e faz muito frio mais perto que o corpo. A Brgida prima da minha tia, O general em que elas falavam - general quando elas eram pequenas, E a vida era guerra civil a todas as esquinas... Vive le mlodrame o Margot a pleur! Caem as folhas secas no cho irregularmente, Mas o fato que sempre outono no outono, E o inverno vem depois fatalmente, h s um caminho para a vida, que a vida...Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os romnticos, Esse opsculo poltico do tempo das revolues constitucionais, E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razo Nem haja para chorar tudo mais razo que senti-lo. Viro todos os dias todas as esquinas de todas as ruas, E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra. No me subordino seno por atavisnio, E h sempre razes para emigrar para quem no est de cama. Das serrasses de todos os cafs de todas as cidades Acessveis imaginao Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer, Perteno-lhe sem tirar um gesto da algibeira, Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi. No automvel amarelo a mulher definitiva de algum passa,
Vou ao lado dela sem ela saber. No trottoir imediato eles encontram-se por um acaso combinado, Mas antes de o encontro deles l estar j eu estava com eles l. No h maneira de se esquivarem a encontrar-me, No h modo de eu no estar em toda a parte. O meu privilgio tudo (Brevete, Sans Garantie de Dieu, a minh'Alma). Assisto a tudo e definitivamente. No h jia para mulher que no seja comprada por mim e para mim, No h inteno de estar esperando que no seja minha de qualquer maneira, No h resultado de conversa que no seja meu por acaso, No h toque de sino em Lisboa h trinta anos, noite de S. Carlos h cinqentaQue no seja para mim por uma galantaria deposta. Fui educado pela Imaginao, Viajei pela mo dela sempre, Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso, E todos os dias tm essa janela por diante, E todas as horas parecem minhas dessa maneira. Cavalgada explosiva, explodida, como uma bomba que rebenta, Cavalgada rebentando para todos os lados ao mesmo tempo, Cavalgada por cima do espao, salto por cima do tempo, Galga, cavalo elctron-on, sistema solar resumido Por dentro da ao dos mbolos, por fora do giro dos volantes. Dentro dos mbolos, tornado velocidade abstrata e louca, Ajo a ferro e velocidade, vaivm, loucura, raiva contida, Atado ao rasto de todos os volantes giro assombrosas horas,
E todo o universo range, estraleja e estropia-se em mim. Ho-ho-ho-ho-ho!... Cada vez mais depressa, cada vez mais com o esprito adiante do corpo Adiante da prpria idia veloz do corpo projetado, Com o esprito atrs adiante do corpo, sombra, chispa, He-la-ho-ho ... Helahoho ... Toda a energia a mesma e toda a natureza o mesmo... A seiva da seiva das rvores a mesma energia que mexe As rodas da locomotiva, as rodas do eltrico, os volantes dos Diesel, E um carro puxado a mulas ou a gasolina puxado pela mesma coisa. Raiva pantesta de sentir em mim formidandamente, Com todos os meus sentidos em ebulio, com todos os meus poros em fumo,Que tudo uma s velocidade, uma s energia, uma s divina linha De si para si, parada a ciciar violncias de velocidade louca... Ho ---Ave, salve, viva a unidade veloz de tudo! Ave, salve, viva a igualdade de tudo em seta! Ave, salve, viva a grande mquina universo! Ave, que sois o mesmo, rvores, mquinas, leis! Ave, que sois o mesmo, vermes, mbolos, idias abstratas, A mesma seiva vos enche, a mesma seiva vos torna, A mesma coisa sois, e o resto por fora e falso, O resto, o esttico resto que fica nos olhos que param, Mas no nos meus nervos motor de exploso a leos pesados ou leves, No nos meus nervos todas as mquinas, todos os sistemas de engrenagem, Nos meus nervos locomotiva, carro eltrico, automvel, debulhadora a vapor Nos meus nervos mquina martima, Diesel, semi-Diesel,
Campbell, Nos meus nervos instalao absoluta a vapor, a gs, a leo e a eletricidade, Mquina universal movida por correias de todos os momentos! Todas as madrugadas so a madrugada e a vida. Todas as auroras raiam no mesmo lugar: Infinito... Todas as alegrias de ave vm da mesma garganta, Todos os estremecimentos de folhas so da mesma rvore, E todos os que se levantam cedo para ir trabalhar Vo da mesma casa para a mesma fbrica por o mesmo caminho... Rola, bola grande, formigueiro de conscincias, terra, Rola, auroreada, entardecida, a prumo sob sis, noturna,Rola no espao abstrato, na noite mal iluminada realmente Rola ... Sinto na minha cabea a velocidade de giro da terra, E todos os pases e todas as pessoas giram dentro de mim, Centrfuga nsia, raiva de ir por os ares at aos astros Bate pancadas de encontro ao interior do meu crnio, Pe-me alfinetes vendados por toda a conscincia do meu corpo, Faz-me levantar-me mil vezes e dirigir-me para Abstrato, Para inencontrvel, Ali sem restries nenhumas, A Meta invisvel todos os pontos onde eu no estou e ao mesmo tempo ... Ah, no estar parado nem a andar, No estar deitado nem de p, Nem acordado nem a dormir, Nem aqui nem noutro ponto qualquer,
Resolver a equao desta inquietao prolixa, Saber onde estar para poder estar em toda a parte, Saber onde deitar-me para estar passeando por todas as ruas ... Ho-ho-ho-ho-ho-ho-ho Cavalgada alada de mim por cima de todas as coisas, Cavalgada estalada de mim por baixo de todas as coisas, Cavalgada alada e estalada de mim por causa de todas as coisas ... Hup-la por cima das rvores, hup-la por baixo dos tanques, Hup-la contra as paredes, hup-la raspando nos troncos, Hup-la no ar, hup-la no vento, hup-la, hup-la nas praias, Numa velocidade crescente, insistente, violenta, Hup-la hup-la hup-la hup-la ...Cavalgada pantesta de mim por dentro de todas as coisas, Cavalgada energtica por dentro de todas as energias, Cavalgada de mim por dentro do carvo que se queima, da lmpada que arde, Clarim claro da manh ao fundo Do semicrculo frio do horizonte, Tnue clarim longnquo como bandeiras incertas Desfraldadas para alm de onde as cores so visveis ... Clarim trmulo, poeira parada, onde a noite cessa, Poeira de ouro parada no fundo da visibilidade ... Carro que chia limpidamente, vapor que apita, Guindaste que comea a girar no meu ouvido, Tosse seca, nova do que sai de casa, Leve arrepio matutino na alegria de viver, Gargalhada sbita velada pela bruma exterior no sei como,
Costureira fadada para pior que a manh que sente, Operrio tsico desfeito para feliz nesta hora Inevitavelmente vital, Em que o relevo das coisas suave, certo e simptico, Em que os muros so frescos ao contacto da mo, e as casas Abrem aqu; e ali os olhos cortinados a branco... Toda a madrugada uma colina que oscila, e caminha tudo Para a hora cheia de luz em que as lojas baixam as plpebras E rumor trfego carroa comboio eu sinto sol estruge Vertigem do meio-dia emoldurada a vertigens Sol dos vrtices e nos... da minha viso estriada, Do rodopio parado da minha retentiva seca,Do abrumado claro fixo da minha conscincia de viver. Rumor trfego carroa comboio carros eu sinto sol rua, Aros caixotes trolley loja rua i,itrines saia olhos Rapidamente calhas carroas caixotes rua atravessar rua Passeio lojistas "perdo" rua Rua a passear por mim a passear pela rua por mim Tudo espelhos as lojas de c dentro das lojas de l A velocidade dos carros ao contrrio nos espelhos oblquos das montras, O cho no ar o sol por baixo dos ps rua regas flores no cesto rua O meu passado rua estremece camion rua no me recordo rua Eu de cabea pra baixo no centro da minha conscincia de mim Rua sem poder encontrar uma sensao s de cada vez rua Rua pra trs e pra diante debaixo dos meus ps Rua em X em Y em Z por dentro dos meus braos Rua pelo meu monculo em crculos de cinematgrafo pequeno,
Caleidoscpio em curvas iriadas ntidas rua. Bebedeira da rua e de sentir ver ouvir tudo ao mesmo tempo. Bater das fontes de estar vindo para c ao mesmo tempo que vou para l. Comboio parte-te de encontro ao resguardo da linha de desvio! Vapor navega direito ao cais e racha-te contra ele! Automvel guiado pela loucura de todo o universo precipita-te Por todos os precipcios abaixo E choca-te, trz!, esfrangalha-te no fundo do meu corao! moi, todos os objetos projteis! moi, todos os objetos direes! moi, todos os objetos invisveis de velozes!Batam-me, trespassem-me, ultrapassem-me! Sou eu que me bato, que me trespasso, que me ultrapasso! A raiva de todos os mpetos fecha em crculo-mim! Hela-hoho comboio, automvel, aeroplano minhas nsias, Velocidade entra por todas as idias dentro, Choca de encontro a todos os sonhos e parte-os, Chamusca todos os ideais humanitrios e teis, Atropela todos os sentimentos normais, decentes, concordantes, Colhe no giro do teu volante vertiginoso e pesado Os corpos de todas as filosofias, os tropos de todos os poemas, Esfrangalha-os e fica s tu, volante abstrato nos ares, Senhor supremo da hora europia, metlico a cio. Vamos, que a cavalgada no tenha fim nem em Deus! Di-me a imaginao no sei como, mas ela que di, Declina dentro de mim o sol no alto do cu. Comea a tender a entardecer no azul e nos meus nervos.
Vamos cavalgada, quem mais me consegues tornar? Eu que, veloz, voraz, comilo da energia abstrata, Queria comer, beber, esfolar e arranhar o mundo, Eu, que s me contentaria com calcar o universo aos ps, Calcar, calcar, calcar at no sentir. Eu, sinto que ficou fora do que imaginei tudo o que quis, Que embora eu quisesse tudo, tudo me faltou. Cavalgada desmantelada por cima de todos os cimos, Cavalgada desarticulada por baixo de todos os poos, Cavalgada vo, cavalgada seta, cavalgada pensamentorelmpago,Cavalgada eu, cavalgada eu, cavalgada o universo eu. Helahoho-o-o-o-o-o-o-o ... Meu ser elstico, mola, agulha, trepidao ...