O Alienista
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Sobre este e-book
Machado De Assis
Joaquim Maria Machado de Assis (1839–1908) is widely considered one of the most innovative Latin American authors and is best known for his two masterpiece novels, Memórias Póstumas de Bras Cubas and Dom Casmurro. He was also the founding president of the Brazilian Academy of Letters (1896), a position he held throughout the rest of his life.
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O Alienista - Machado De Assis
Sinopse
Em O Alienista
de Machado de Assis, o Dr. Simão Bacamarte inaugura um asilo para estudar a loucura na cidade de Itaguaí. Determinado a compreender a mente humana, ele interna diversos cidadãos, gerando controvérsias e revoltas. A história satiriza a ciência, a sociedade e os limites entre sanidade e loucura, culminando em uma surpreendente reviravolta.
Palavras-chave
Loucura, ciência, sociedade.
AVISO
Este texto é uma obra de domínio público e reflete as normas, os valores e as perspectivas de sua época. Alguns leitores podem considerar partes deste conteúdo ofensivas ou perturbadoras, dada a evolução das normas sociais e de nossa compreensão coletiva das questões de igualdade, direitos humanos e respeito mútuo. Pedimos aos leitores que abordem esse material com uma compreensão da era histórica em que foi escrito, reconhecendo que ele pode conter linguagem, ideias ou descrições incompatíveis com os padrões éticos e morais atuais.
Os nomes de idiomas estrangeiros serão preservados em sua forma original, sem tradução.
CAPÍTULO I - DE COMO ITAGUAÍ GANHOU UMA CASA DE ORATES
As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a universidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.
— A ciência — disse ele a Sua Majestade — é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo.
Dito isso, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curas com as leituras, e demonstrando os teoremas com cataplasmas. Aos quarenta anos casou com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva de um juiz de fora, e não bonita nem simpática. Um dos tios dele, caçador de pacas perante o Eterno, e não menos franco, admirou-se de semelhante escolha e disse-lhe. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas, — únicas dignas da preocupação de um sábio, D. Evarista era mal composta de feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte.
D. Evarista mentiu às esperanças do Dr. Bacamarte, não lhe deu filhos robustos nem mofinos. A índole natural da ciência é a longanimidade; o nosso médico esperou três anos, depois quatro, depois cinco. Ao cabo desse tempo fez um estudo profundo da matéria, releu todos os escritores árabes e outros, que trouxera para Itaguaí, enviou consultas às universidades italianas e alemãs, e acabou por aconselhar à mulher um regímen alimentício especial. A ilustre dama, nutrida exclusivamente com a bela carne de porco de Itaguaí, não atendeu às admoestações do esposo; e à sua resistência, — explicável, mas inqualificável, — devemos a total extinção da dinastia dos Bacamartes.
Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas; o nosso médico mergulhou inteiramente no estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção, — o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não havia na colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal explorada, ou quase inexplorada. Simão Bacamarte compreendeu que a ciência lusitana, e particularmente a brasileira, podia cobrir-se de louros imarcescíveis
, — expressão usada por ele mesmo, mas em um arroubo de intimidade doméstica; exteriormente era modesto, segundo convém aos sabedores.
— À saúde da alma — bradou ele — e à ocupação mais digna do médico.
— Do verdadeiro médico — emendou Crispim Soares, boticário da vila e um dos seus amigos e comensais.
A vereança de Itaguaí, entre outros pecados de que é arguida pelos cronistas, tinha o de não fazer caso dos dementes. Assim é que cada louco furioso era trancado em uma alcova, na própria casa, e, não curado, mas descurado, até que a morte o vinha defraudar do benefício da vida; os mansos andavam à solta pela rua. Simão Bacamarte entendeu desde logo reformar tão ruim costume; pediu licença à Câmara para agasalhar e tratar no edifício que ia construir todos os loucos de Itaguaí e das demais vilas e cidades, mediante um estipêndio, que a Câmara lhe daria quando a família do enfermo o não pudesse fazer. A proposta excitou a curiosidade de toda a vila, e encontrou grande resistência, tão certo é que dificilmente se desarraigam hábitos absurdos, ou ainda maus. A ideia de meter os loucos na mesma casa, vivendo em comum, pareceu em si mesma sintoma de demência, e não faltou quem o insinuasse à própria mulher do médico.
— Olhe, D. Evarista — disse-lhe o Padre Lopes, vigário do lugar —, veja se seu marido dá um passeio ao Rio de Janeiro. Isso de estudar sempre, sempre, não é bom, vira o juízo.
D. Evarista