O que o governo fez com o nosso dinheiro?
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Sobre este e-book
A verdadeira paixão que Rothbard sente pelo tema é transferida aos leitores por meio de sua prosa. Impossível não se empolgar com o tema. Quem lê sobre o tópico sempre quer divulgar o que aprendeu. Mais ainda, sente-se impelido a fazer alguma coisa. O ex-congressista Ron Paul confessou que se candidatou ao Congresso americano após ter lido este livro.
Por ser um meio de troca, o dinheiro está presente em grande parte da vida cotidiana de todas as pessoas. Portanto, um entendimento sobre sua natureza, alternativas e história é importante para todos. Por isso, esta é uma obra indispensável.
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O que o governo fez com o nosso dinheiro? - Murray N. Rothbard
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
Poucos temas econômicos são mais confusos e complexos do que a questão do dinheiro. Os debates sobre política monetária restritiva
versus política monetária expansionista
, sobre a real função do Banco Central e da Fazenda, sobre várias versões do padrão-ouro etc. são intermináveis. O governo deve injetar dinheiro na economia agora, deve deixar tudo como está ou deve reduzir a oferta monetária? Qual setor do governo deve fazer isso? Qual setor do governo deve ser o primeiro a receber o dinheiro recém-criado? O governo deve estimular ou restringir o crédito? Devemos voltar ao padrãoouro? Em caso positivo, a que taxa de câmbio isso deve ocorrer? Essas e inúmeras outras perguntas geram várias ramificações e vão se multiplicando de maneira aparentemente interminável.
Talvez essa verdadeira babilônia de opiniões acerca da questão monetária advenha da propensão humana em ser realista
, isto é, de estudar somente aqueles problemas políticos e econômicos tidos como mais prementes e imediatos. Afinal, sempre que ignoramos o mundo à nossa volta e nos concentramos exclusivamente em nossos problemas cotidianos, a tendência inevitável é que deixemos de fazer distinções fundamentais, correndo o risco de até mesmo deixarmos de fazer as perguntas mais básicas possíveis. Com o tempo, as questões importantes são esquecidas e a adesão aos princípios é substituída por divagações desimportantes. Em várias situações, é necessário adquirirmos alguma perspectiva, colocando nossos afazeres diários um pouco de lado para podermos compreendê-los de modo mais completo.
Isso é particularmente verdadeiro para a economia, em que as relações entre os seres humanos são tão intricadas, que temos de aprender a isolar alguns fatores importantes com o intuito de podermos analisá-los mais detidamente para, só então, delinearmos a maneira como eles funcionam no mundo complexo. Esse é o argumento da análise econômica que utiliza o modelo Robinson Crusoé
, o artifício favorito da teoria econômica clássica. A análise de Crusoé e Sexta-Feira em uma ilha deserta, tida pelos críticos como algo irrelevante para o mundo de hoje, na realidade possuía a extremamente útil função de ressaltar os axiomas mais básicos da ação humana.
De todos os problemas econômicos, a questão do dinheiro é, provavelmente, o mais confuso, e talvez aquele que mais necessite de uma visão mais panorâmica. A questão monetária, adicionalmente, é a área econômica mais bagunçada e adulterada por séculos de interferência governamental. Muitas pessoas – muitos economistas – que normalmente são defensoras do livre mercado estranhamente se recusam a abordar a questão do dinheiro. A questão monetária, insistem eles, é diferente; o dinheiro deve ser ofertado e regulado exclusivamente pelo governo. Estranhamente, eles não veem o controle estatal do dinheiro como sendo uma interferência no livre mercado; um livre mercado de moedas é algo impensável para eles. Os governos devem cunhar moedas, imprimir papel, definir leis de curso forçado
, criar bancos centrais, injetar dinheiro na economia (e retirar quando necessário), estabilizar o nível de preço
etc.
Historicamente, o dinheiro foi um dos primeiros instrumentos a ser usurpado e controlado pelo governo, e a revolução intelectual
pró-livre mercado ocorrida nos séculos XVIII e XIX não gerou praticamente nenhum efeito na esfera monetária. Portanto, está mais do que na hora de darmos a necessária e essencial atenção a este sangue vital da economia – o dinheiro.
Façamos inicialmente a seguinte pergunta: pode o dinheiro ser organizado de acordo com o princípio da liberdade? Podemos ter um livre mercado na esfera monetária assim como o há um livre mercado para outros bens e serviços? Qual seria o formato de tal mercado? E quais são os efeitos dos vários controles governamentais sobre o dinheiro? Dado que defendemos o livre mercado em outras áreas, e dado que o nosso desejo é eliminar a intromissão estatal na nossa vida pessoal e na nossa propriedade, então não há tarefa mais premente do que a de explorar os caminhos e meios para a adoção de um livre mercado na esfera monetária.
CAPÍTULO II
O DINHEIRO EM UMA SOCIEDADE LIVRE
1. O VALOR DA TROCA
Como surgiu o dinheiro? É claro que Robinson Crusoé, sozinho em sua ilha, não necessitava de nenhum dinheiro. Ele não poderia comer moedas de ouro. Tampouco Crusoé e Sexta-feira, ao trocarem entre si peixe por madeira, tinham de se preocupar com dinheiro. Porém, quando a sociedade se expande e passa a ser formada por várias famílias, o cenário se torna propício para o surgimento do dinheiro.
Para explicar a função do dinheiro, temos de retroceder no tempo e perguntar: por que, afinal, os homens fazem transações econômicas? Por que eles trocam bens entre si? A troca é a base essencial de nossa vida econômica. Sem trocas, não haveria uma economia real e, praticamente, não haveria sociedade. Quando uma troca é voluntária, ela claramente ocorre porque ambas as partes esperam se beneficiar dessa transação. Uma troca é um acordo entre A e B no qual A transfere seus bens ou seus serviços para B, e B por sua vez transfere seus bens ou seus serviços para A. Obviamente, ambos, por definição, esperam se beneficiar dessa troca, pois cada um valoriza mais aquilo que está recebendo do que aquilo do qual abriu mão. Não fosse assim, não haveria uma troca voluntária.
Quando, por exemplo, Robinson Crusoé troca um peixe por um pedaço de madeira, ele dá mais valor à madeira que está comprando
do que ao peixe que está vendendo
, ao passo que para Sexta-Feira, ao contrário, dá mais valor ao peixe do que à madeira. De Aristóteles a Marx, o homem erroneamente tem acreditado que uma troca denota algum tipo de igualdade de valor – que se um barril de peixes é trocado por dez toras de madeira, então há uma espécie de igualdade secreta entre tais coisas. A verdade, no entanto, é que a troca só ocorreu porque cada uma das partes valorou os dois produtos de maneira distinta.
Por que a propensão a transacionar é algo tão universal na humanidade? Fundamentalmente, por causa da grande variedade existente na natureza: a variedade que há nos homens e a variedade e a diversidade da localização dos recursos naturais. Cada homem possui um conjunto diferente de habilidades e aptidões específicas, e cada pedaço de terra possui suas características próprias, suas riquezas únicas. É desta variedade – um fato externo e natural – que surge a troca: o trigo produzido em uma localidade geográfica é trocado pelo ferro produzido em outra localidade geográfica; um indivíduo fornece seus serviços médicos em troca do prazer de ouvir uma música tocada em um violino por outro indivíduo.
A especialização permite que cada indivíduo aprimore suas melhores habilidades, e permite que cada região geográfica desenvolva seus próprios recursos particulares. Se ninguém pudesse transacionar, se cada indivíduo fosse forçado a ser totalmente autossuficiente, a maioria de nós obviamente morreria de fome, e o restante mal conseguiria se manter vivo. A troca é a força vital não só da economia, mas da própria civilização.
2. ESCAMBO
No entanto, esse processo de troca direta de bens e serviços úteis dificilmente seria capaz de manter uma economia acima de seu nível mais primitivo. Tal troca direta – ou escambo – dificilmente é melhor do que a pura e simples autossuficiência. Por quê? Em primeiro lugar, está claro que tal arranjo permite somente uma quantidade muito pequena de produção. Se João contrata alguns trabalhadores para construir uma casa, com o que ele lhes pagará? Com partes da casa? Com os materiais de construção que não forem utilizados?
Os dois problemas básicos deste arranjo são a indivisibilidade
e a ausência daquilo que chamamos de coincidência de desejos
. Assim, se o senhor Silva tem um arado que ele gostaria de trocar por várias coisas diferentes – por exemplo, ovos, pães e uma muda de roupas –, como ela faria isso? Como ele dividiria seu arado e daria uma parte para um agricultor e a outra parte para um alfaiate? Mesmo para os casos em que os bens são divisíveis, é geralmente impossível que dois indivíduos dispostos a transacionar se encontrem no momento exato. Se A possui um suprimento de ovos para vender e B possui um par de sapatos, como ambos podem transacionar se A quer um terno? Imaginem, então, a penosa situação de um professor de economia: ele terá de encontrar um produtor de ovos que queira comprar algumas aulas de economia em troca de seus ovos!
Obviamente, é impossível haver qualquer tipo de economia civilizada sob um arranjo formado exclusivamente por trocas diretas.
3. TROCAS INDIRETAS
Felizmente, o homem descobriu, em seu infindável processo de tentativa e erro, um arranjo que permitiu que a economia crescesse de forma contínua: a troca indireta. Em uma troca indireta, você vende seu produto não em troca daquele bem que você realmente deseja, mas sim em troca de um outro bem que você, futuramente, poderá trocar pelo bem que você realmente deseja. À primeira vista parece uma operação canhestra e circular. Mas a realidade é que foi exatamente este maravilhoso arranjo o que permitiu – e que segue permitindo – o desenvolvimento da civilização.
Considere o caso de A, o agricultor, que quer comprar os sapatos feitos por B. Dado que B não quer ovos, A terá de descobrir o que B realmente quer – digamos que seja manteiga. O indivíduo A, então, troca seus ovos pela manteiga de C, e então vende a manteiga para B em troca dos sapatos. O indivíduo A irá comprar a manteiga não porque a deseja diretamente, mas sim porque isso o permitirá adquirir os sapatos. Similarmente, o senhor Silva, o dono do arado, venderá seu arado por uma mercadoria que ele possa com mais facilidade dividir e vender – por exemplo, manteiga. Ato contínuo, ele trocará partes de manteiga por ovos, pães, roupas etc.
Em ambos os casos, a superioridade da manteiga – razão pela qual existe uma demanda extra por ela, que vai além do seu mero consumo – está em sua maior comerciabilidade, ou seja, em sua maior facilidade de ser trocada, de ser vendida, de ser comercializada.
Se um bem é mais comerciável do que outro – se todos os indivíduos estão confiantes de que tal bem será vendido com mais facilidade –, então ele terá uma grande demanda, pois ele será usado como um meio de troca. Ele será o meio pelo qual um especialista poderá trocar seu produto pelos bens de outros especialistas.
Assim como há uma grande variedade de habilidades e recursos na natureza, também há uma grande variedade na comerciabilidade dos bens existentes. Alguns bens são mais demandados que outros, alguns são plenamente divisíveis em unidades menores sem que haja perda de valor, alguns são mais duráveis, e outros são mais transportáveis por longas distâncias. Todas essas vantagens aumentam a comerciabilidade de um bem. Sendo assim, em cada sociedade, os bens mais comerciáveis serão, com o tempo, escolhidos para representar a função de meio de troca. À medida que sua utilização como meio de troca vai se tornando mais ampla, a demanda por eles aumenta, e, consequentemente, eles se tornam cada vez mais comerciáveis. O resultado é uma espiral que se auto-reforça: mais comerciabilidade amplia o uso do bem como meio de troca, o que por sua vez aumenta ainda mais sua comerciabilidade, reiniciando o ciclo. No final, apenas uma ou duas mercadorias serão utilizadas como meios gerais de troca – em praticamente todas as trocas. Tais mercadorias são chamadas de dinheiro.
Ao longo da história, diferentes bens foram utilizados como meios de troca: tabaco, na Virgínia colonial; açúcar, nas Índias Ocidentais; sal, na Etiópia (na época, Abissínia); gado, na Grécia antiga; pregos, na Escócia; cobre, no Antigo Egito; além de grãos, rosários, chá, conchas e anzóis. Ao longo dos séculos, duas mercadorias, o ouro e a prata, foram espontaneamente escolhidas como dinheiro na livre concorrência do mercado, desalojando todas as outras mercadorias desta função. Tanto o ouro quanto a prata são altamente comerciáveis, são muito demandados como