Benjamin E Nicolau
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Benjamin E Nicolau - Warley Matias De Souza
O CAVALEIRO
UMA NÉVOA INTENSA, em uma noite fria, esconde a cidade de Santa Joana d’Arc, como se ela fosse nada mais do que o produto da imaginação nebulosa de um louco. Naquelas ruas vazias e silenciosas, ouvem-se os cascos do cavalo imaginário que assombra a fé dos santa-joana-darquenses. Sob a luz da lua cheia, a armadura do cavaleiro brilha. Imponente, sobre o animal de cascos inquietos, o cavaleiro ergue sua espada de aço sagrado destinada ao sangue. Joana d’Arc, cavaleiro imaginário, divino, esquizofrênico, a mulher que se vestiu de homem para lutar em nome de Deus, sacrificada e santificada, contempla, de sua eterna morada divina, o florescer do desejo entre dois garotos. Contempla, em estado de sabedoria e graça.
1960
PADRE TEÓFILO, ALTO e magro, protegido por sua batina negra, sentia-se no direito de julgar e condenar. Afinal, ele era o único representante vivo de Deus naquela cidadezinha, já fazia vinte anos. Sua tarefa era árdua, tinha de manter a ordem, precisava evitar a todo custo que os pecados do resto do mundo invadissem o coração do seu povo. Lutaria até o fim, morreria pela causa. Os santa-joana-darquenses deviam andar na linha. Não admitiria uma ovelha desgarrada sequer. Ninguém impediria que ele fizesse o seu papel de fiel servo do Senhor, defensor da moral, dos bons costumes e da família.
Ele fizera questão de convocar todos os habitantes de Santa Joana d’Arc. A igreja estava cheia. Ninguém ousaria se furtar a uma convocação do homem mais temido da cidade, qualquer um preferia ver o capeta em pessoa a ter um confronto com o padre. Só não estavam presentes o coveiro, pois estava nas últimas, sua esposa, que tentava em vão diminuir sua febre, e as freiras, em sua clausura. No mais, toda a cidade estava presente, naquela triste manhã de domingo, em que Maria da Conceição Campos de Toledo, uma jovem de quinze anos, um dos melhores partidos da cidade, filha do dono do cinema Domrémy, o general Ataúfo de Toledo, e da respeitável senhora D. Maria das Graças Campos de Toledo, seria alvo de injúrias.
O padre estava calmo, sabia quando se alterar, não fora à toa que escolhera o sacerdócio, assim sempre teria um palco para atuar.
— É difícil cumprir o meu dever hoje, muito difícil. — Respirou fundo. — Mas Deus fez-me Seu servo, deu-me a dura missão de distinguir o lobo do cordeiro.
O padre calou-se. Passou os olhos pelo recinto, dominador, o olhar severo.
— O demônio veste saias, todos nós sabemos disso. O demônio pinta os lábios de vermelho, quem poderá duvidar? O demônio utiliza-se da beleza juvenil para seduzir os pais de família e destruir lares harmoniosos e felizes. Mas não permitirei! Não permitirei que o demônio viva entre nós e corrompa os meus fiéis. — Passou os olhos, desafiador, pelo recinto. — E quem irá me contestar, hein? Quem!?
Estavam todos muito confusos, não sabiam exatamente o que estava acontecendo. Um burburinho começou a ecoar no interior da igreja.
Padre Teófilo, em seu silêncio teatral, regozijava-se diante da reação de seus fiéis.
Maria da Conceição arregalou os olhos, aterrorizada, quando padre Teófilo apontou para ela um dedo acusador e bradou:
— Eu te excomungo em nome de Deus!
O general Ataúfo, alinhado em seu terno preto, cofiando os bigodes nervosamente, gritou:
— O senhor não tem o direito!
No entanto, para o povo de Santa Joana d’Arc, a palavra de padre Teófilo era lei. E, assim, sem apoio, general Ataúfo desistiu do protesto. E ouviu, resignado, a narração teatral e obscena em que padre Teófilo transformava uma jovem angelical em uma devassa sedutora e demoníaca.
Maria da Conceição chegou a formular frases em sua defesa; mas, tímida como era, ficaram só na intenção. Não suportou o peso dos olhares, fugiu. E quando estava chegando à porta da igreja, no final do corredor, ouviu a seguinte ofensa:
— Puta!
DOIS MESES DEPOIS da arbitrária excomunhão, uma vez que o ventre da jovem já denunciava uma vida, general Ataúfo, como cidadão santa-joana-darquense, em defesa da honra da família, expulsou a filha de casa.
O vento desgrenhava os cabelos castanhos que Maria da Conceição se esquecera de amarrar. Franzina, abraçada à sua pequena mala, parecia uma criança carente de afeto e proteção. As lágrimas brotavam em tal quantidade que o vento não tinha tempo de secá-las. Não via os olhares perversos e insistentes que a acompanhavam; mas podia senti-los como se fossem garras poderosas que oprimiam seu jovem coração. E, desesperada, sem poder conter-se, caiu ajoelhada e aos gritos, extravasou toda a dor, dor que apenas os injustiçados podem entender. Foi quando surgiu, diante de seus olhos cheios de lágrimas, uma imagem divina: uma jovem mulher