Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $9.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Contos e Contas
Contos e Contas
Contos e Contas
E-book147 páginas1 hora

Contos e Contas

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Muitas foram as vezes em que escutei meus alunos espantarem-se quando eu declarava a beleza de um problema, de uma demonstração ou de uma argumentação. Como resposta a esses espantos, comecei a produzir textos com argumentos matemáticos, mas nos quais a preocupação estética assumisse o primeiro plano. Surgiu Contos e Contas. Um livro de contos imbricados com Matemática. São vinte e quatro contos. A maior parte deles termina com uma questão matemática, um desafio que instiga o leitor, transforma-o em alguém que vai terminar a história.
O livro não se propõe a ser lido ininterruptamente. A proposta é levar o leitor a refletir ao final de cada conto, é estender sua relação com o texto para além de cada conto.
No final do livro, há comentários e soluções das reflexões e dos problemas apresentados nos contos, tornando o livro não apenas um instrumento de prazer e reflexão, mas, também, uma possibilidade de desenvolver o conhecimento matemático de quem se propuser a ver o que olhou.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de mar. de 2022
ISBN9786589968764
Contos e Contas

Relacionado a Contos e Contas

Ebooks relacionados

Ficção Geral para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Contos e Contas

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Contos e Contas - Ledo Vaccaro Machado

    O MENINO

    Não havia saída. Teria que esperar por três horas o próximo voo para Salvador. Arquiteto por formação e profissão, tinha que apresentar um projeto na manhã seguinte numa cidade próxima à capital da Bahia. Assentei-me como pude. Teria que olhar para aquele relógio pendurado no teto por três horas. Como se não bastasse, o relógio registrava os segundos. Relógios que registram segundos demoram mais que os que não o fazem.

    Alguns apelam para palavras cruzadas, outros giram os polegares, e eu, como o vício do cachimbo entorta a boca, traço em folhas de papel as formas que se me apresentam no ambiente que é alcançado pelas retinas. Lápis e papel na mão, registrava dois lances de escada e uma escada rolante que surgiram a minha frente. Mal traçara as primeiras linhas, deparei-me com uma questão que me intrigou: quantos degraus deveria desenhar na escada rolante? Em vão, tentei contar os degraus visíveis. Se a escada parasse, poderia contá-los. Tive ímpetos de apertar o botão vermelho próximo ao corrimão, onde lia-se PARAR. Meu censurador não permitiu que o fizesse. Fiquei ali, inerte, com o cachimbo na mão e sem poder fumar.

    Um menino sentou-se ao meu lado, brincando com uma bolha de sabão. Sem tirar os olhos da bolha, ele disse em voz clara e pausada:

    — Pepino não parece inreal?

    Olhei-o ligeiramente com o canto dos olhos e, sem nada dizer, retornei ao meu cachimbo apagado. Alguns instantes depois, senti minha camisa ser puxada e escutei novamente:

    — Pepino não parece inreal?

    Dessa vez, com a bolha em uma das mãos e com a outra em minha camisa, ele me olhava firmemente.

    — Não é inreal, é irreal.

    — Pois é, não parece?

    Aquela insistência irritou-me. Eu, diante do mais intrincado problema da existência humana — quantos degraus ficam visíveis quando a escada rolante para — e aquele menino me questionando sobre a realidade de um pepino! Tentando dissuadi-lo, resolvi apresentar-lhe a complexidade do problema que me afligia.

    — Olha, menino, estou tentando desenhar aquelas escadas e não sei como acabar o desenho da escada rolante. Quantos degraus devo desenhar? Meu desenho está parado e a escada está subindo. Se a escada parasse de repente, quantos degraus ficariam visíveis?

    Sem nada dizer, colocou a bolha de sabão sobre a cadeira, subiu e desceu um dos vãos da escada. Apontando para o relógio, disse:

    — Eu desço a escada duas vezes mais rápido do que subo.

    E repetiu sua viagem ao vão da escada mostrando-me que, no mesmo tempo em que dava um passo para subir, dava dois para descer. Novamente sem nada dizer, começa a subir a escada rolante, contando os passos: um, dois, três ... um total de 20 passos. Do alto da escada, olhou-me como quem estivesse fazendo a mais óbvia das coisas e começou a descer a mesma escada rolante, contando os passos: um, dois, três ... um total de 35. Em seguida tomou o lápis e o papel de minhas mãos e completou, com traços infantis, o meu desenho.

    Nenhum censurador poderia me conter. Levantei-me bruscamente e apertei o botão vermelho. Ansioso, comecei a contar os degraus. Para meu espanto, correspondia ao desenho do menino. Com a maior seriedade que já tive em minha vida, voltei-me ao menino e perguntei-lhe:

    — Por que pepino parece inreal?

    Quantos degraus o menino desenhou?

    O DUELO DE GALOIS

    O Sol apareceu curioso naquela manhã. Seus raios perpassavam as folhas do bosque e iluminavam em feixes a área onde se daria a contenda. Pierre, o desafiante, já aguardava com as testemunhas, todos homens distintos, a presença de Galois.

    Não era a primeira vez que Pierre se apresentava no campo da honra. Habilidoso com as armas, detinha um cabedal de nomes que tombaram na ponta de seu orgulho. E Galois, homem de livros que nunca empunhara a mais inofensiva das ferramentas para malefício alheio, era, por certo, um candidato a aumentar tal macabro cabedal.

    Na noite anterior, durante o intervalo de uma apresentação teatral, Galois ofereceu uma rosa à noiva de Pierre, menina que conhecia desde a infância. Mais por vaidade que por ofensa, Pierre ruborizou a face de Galois com pelica e marcou o duelo para a manhã seguinte.

    Era direito do desafiado a escolha das armas que deveriam ser oferecidas pelo desafiante.

    Galois chega ao bosque.

    — Acreditei que não viesses por temor de tua sorte – disse Pierre.

    — Como poderia um homem fugir de seu destino?

    Vendo que Pierre trazia um jogo de floretes e outro de pistolas, Galois assentou:

    — Ofereces-me à escolha floretes ou pistolas. Todos bem sabemos que não há quem o supere nos floretes e não menor é tua habilidade com as pistolas. Sei, então, que não escolherei a arma com a qual duelaremos, mas sim aquela com a qual tombarei. Sinto-me incapaz de escolher minha morte. Se, por outro lado, permitisse que escolhesses as armas, quebraríamos as regras de um duelo e poderia alguém dizer que tivestes vantagens extras nessa contenda. Permita-me, pois, que faça a escolha de modo indireto. Assim, não abrirei mão do direito à escolha e, ao mesmo tempo, terei a sensação de ter sido o destino que determinou a forma de minha morte.

    — Não me enfastie com teu conformismo. Terminemos logo com isso. Faze a escolha da forma que bem te aprouver.

    — Não consegui entender qual tão grande ofensa te fiz que me trouxe a esse campo. Não sei se quero entender. Mas não quero morrer com uma dúvida que desde ontem me consome. Assim, te farei uma pergunta direta. Se a resposta for afirmativa, matar-me-ás com o florete e, se a resposta for negativa, matar-me-ás com a pistola. Dás tua palavra de honra que assim procederás?

    — Todos sabem que em muito prezo minha palavra. Perante as testemunhas aqui presentes a empenho: assim procederei. Vamos. Qual pergunta selará tua sorte?

    E Galois, com um sorriso vitorioso, perguntou:

    — Morrerei pela pistola?

    Todos ficaram atônitos. Com o mesmo sorriso, Galois virou-se e foi-se embora.

    No campo, a empáfia da força jazia, tombada pela astúcia.

    A LUZ

    O Homem vivia num mundo onde não havia Luz. Cansado da Escuridão, resolveu trazer a Luz para o seu mundo e foi falar com a grande aranha para que ela lhe explicasse onde encontraria a Luz. Subiu no pé de jatobá e lá no alto encontrou a grande aranha tecendo sua teia interminável. Sem parar o seu trabalho, a aranha dirigiu-se ao Homem:

    — Por que tiveste o trabalho de vir ao alto do jatobá? O que desejas?

    — Procuro a Luz e espero que possas me ajudar?

    — A Luz cobra seu preço para ser vista. Se não tiveres preparado, ela te cegará e tu nunca mais sairás da Escuridão. Trocarás a Escuridão externa que te permite, tateando, caminhar, pela interna, que não pode ser tateada.

    — E o que devo fazer para preparar-me?

    — Primeiro, deves ir ao centro da Floresta da Ética. Lá encontrarás duas árvores: uma, do fruto do conhecimento do Bem e outra,

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1