As coisas
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Ficção Literária para você
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Pré-visualização do livro
As coisas - Tobias Carvalho
1ª edição
2018
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Carvalho, Tobias
C329c
As coisas [recurso eletrônico] / Tobias Carvalho. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Record, 2018.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-85-01-40373-5 (recurso eletrônico)
1. Contos brasileiros. 2. Livros eletrônicos. I. Título.
18-51971
CDD: 869.3
CDU: 82-34(81)
Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644
Copyright © Tobias Carvalho, 2018
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Direitos exclusivos desta edição reservados pela
EDITORA RECORD LTDA.
Rua Argentina, 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel.: (21) 2585-2000.
Produzido no Brasil
ISBN 978-85-01-40373-5
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Atendimento e venda direta ao leitor:
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"Eu não sei dizer
nada por dizer
então eu escuto."
Fala, Secos & Molhados
coi·sa
s.f. (latim causa, -ae, causa, razão)
1. Objeto ou ser inanimado.
2. O que existe ou pode existir.
3. Negócio, fato.
4. Acontecimento.
5. Mistério.
6. Causa.
7. Espécie.
8. Qualquer objeto que não se quer ou não se consegue nomear.
9. Órgão sexual masculino.
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
Sumário
Como bons amigos
Arrebol
24
Alguma coisa tem que clicar
Se me coubesse ficaria
Rodrigo no terraço
Maldito
O pai
Cantiga de roda
As coisas que a gente faz pra gozar
Fogo
Unfucktheworld
Água
Um não esquece o outro
Sauna nº3
Jung
99
Cassino Royale
O breu
Guion
Elza
The Biggest Lie
A razão pela qual eu nasci
Como bons amigos
Perguntei se ele queria uma bermuda emprestada e, quando fui buscar, ele já tinha se atirado na piscina pelado.
Me senti estranho, mas pulei na piscina mesmo assim, usando um calção. Enquanto ele flutuava no mesmo lugar e falava sobre algo que não conseguia prender minha atenção, eu via seu corpo balançar dentro d’água.
Estávamos tremendo de frio mergulhados no calor da noite de verão.
Logo que me acostumei à água, ele propôs que buscássemos mais cerveja. Foi andando nu pela casa. Eu estava de toalha. Quis sentar-se na sala com as luzes apagadas, mas achei melhor deixar ao menos um abajur aceso.
Ele disse que se sentia bem de estar assim, pelado e com alguém em quem confiava, e eu disse que o pudor era uma mentira inventada, que eu já havia corrido sem roupa com amigos na praia, que pra mim não tinha problema.
E comecei a imaginar.
Porque sim, ele era meu amigo, e um dos melhores desde sempre. Mas já havia muito namorava, não ia querer nada comigo. Amigos, amigos mesmo.
Eu não desejava desejar o corpo dele.
Éramos só nós dois em casa tomando cerveja, meus pais viajando, Arnaldo Baptista tocando.
Ele sugeriu um banho quente.
Fomos ao meu quarto, ele pelado e eu com vergonha. Levei ele pro banheiro e liguei o chuveiro. Saí do banheiro, sentei na minha cama e esperei. Vi meu amigo me olhando pelo vidro do box. Pouco tempo depois, me chamou. Disse Vem, tem que ser juntos, e fui.
Ele tinha pelos por todo o peito.
Nos ensaboamos, cada um em um canto do box, até que ele me abraçou, dizendo que era em nome da nossa amizade. Senti nossos corpos colados, o mais caloroso dos verões.
Saí do abraço e perguntei se ele queria xampu.
Ele perguntou se aquilo ficava entre nós.
Eu disse que sim. Era um banho, afinal.
Ele me abraçou de novo.
Dessa vez esfregou o corpo no meu. O sexo no meu.
Ele disse Vamos transar que nem bons amigos?, e eu pedi pra ele repetir e pedi de novo.
Perguntei se ele estava louco.
Ele disse Não tem problema, eu já traí antes.
Mas e nós dois?, eu disse. Imaginava que numa situação dessas eu prezaria pela amizade.
A amizade.
Beijei ele e vi indecisão no seu rosto. Deixei a água escorrer.
Ele, cada vez mais excitado, passou a língua pelo meu corpo. Eu, já não mais fingindo que me importava, lambi de volta. Ficamos nisso por algum tempo, até que ele pediu pra parar.
Não sei se quero fazer isso, ele disse. Não me sinto bem fazendo isso.
E paramos.
Arrebol
Não havia tanta louça. Tinha sujado duas panelas pra fazer massa com molho branco, mais os pratos, talheres e copos. O molho havia endurecido de um dia pro outro, um pouco estava grudado no fogão. Resolveu passar os dedos no fundo da panela debaixo da torneira pra não sujar a esponja. Odiava que a esponja ficasse gosmenta na hora de lavar os pratos quase limpos; odiava também o resto de massa que ficava presa no protetor do ralo, mole, aguada. Seu desgosto era acentuado pela dor de cabeça, que diminuía sua vontade de lavar a louça, de ouvir a água correndo e os pratos batendo dentro da pia.
Estava sozinho em casa. O outro menino havia ido embora pelo meio-dia, e ele só se levantou às duas. Durante boa parte da manhã, se revirou na cama, com frio, tentando reunir partes do lençol pra se tapar mais. O controle do ar-condicionado não estava à vista. Suspeitava que estivesse programado pra chegar a dezessete graus. Não viu quando o guri foi embora, e portanto não pôde pedir que ele desligasse o ar. Se revirou na cama e sentiu as amígdalas incharem aos poucos, mas só teve forças pra levantar duas horas depois.
Abriu as persianas, tomou uma Neosaldina com água, lavou toda a louça, e se deitou de novo. Tentou ouvir música, mas ficou tonto. Viu na mesa de cabeceira o calhamaço que há semanas tentava ler, mas não conseguia vencer mais que quinze páginas por vez. Sua pilha de livros só aumentava, e ele nunca conseguia achar o tempo. Seria mais um ano assim.
Tomou um banho frio. O chuveiro estava queimado.
Dentro de casa, não sabia pra onde ir. Havia só o quarto, a cama, os armários e uma escrivaninha; a cozinha e o banheiro. Mal chegava em casa, tinha vontade de sair. A vista o havia seduzido na hora de alugar o apartamento; era uma parte da Tomaz Flores densamente arborizada, e, do segundo andar, as árvores cobriam a vista, batendo no vidro gentilmente quando ventava. Depois de tanto tempo morando naquele lugar, tinha saudade da iluminação do sol. Não parecia importante, frente à calma que aquelas árvores traziam. Mas valorizava já outras coisas que não a calma.
De não querer ficar sozinho, poucas horas depois de estar com alguém, ligou pra avó.
"Pode vir sim, querido. Só não vou ter o que te dar de comer. Não tive tempo de ir à feira hoje.