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Zadig ou o destino
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Zadig ou o destino
E-book104 páginas1 hora

Zadig ou o destino

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Sobre este e-book

O impacto da tradução de As mil e uma noites para o francês no início do século XVIII foi tal que desencadeou uma onda de histórias de inspiração oriental, das quais fazem parte Zadig ou o destino. Ambientada na paisagem árida e bela do deserto, passando pelo reino da Babilônia, pelos confins do Egito e da Síria, a jornada do filósofo Zadig – palavra de origem semítica que significa "justo", "verídico" – cativa desde o início pelo estilo da narração tal qual Sherazade: de coração sincero e nobre, Zadig está para se casar com Semira, o melhor partido da Babilônia, mas uma tragédia chega para acabar com seus planos. A partir desse ponto, em cada novo capítulo o desafortunado homem tenta ir contra seu destino, buscando, por meios tortuosos, alcançar a felicidade.

Publicado pela primeira vez em 1747 sob o título de Memnon e somente um ano depois com o título mais conhecido, Zadig é uma grande crítica aos costumes e às crenças da época de Luís XV e um exemplo da espirituosidade de Voltaire ao retratar um homem que é refém da própria sorte.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de fev. de 2014
ISBN9788525431110
Zadig ou o destino
Autor

Voltaire

Voltaire (1694-1778), pseudónimo de François-Marie Arouet, fue uno de los escritores y filósofos más destacados del siglo XVIII. Crítica implacable de la intolerancia, fue portavoz del progresismo ilustrado. Entre sus obras filosóficas destacan las Cartas filosóficas (1734), el Diccionario filosófico (1764) y el Tratado sobre la tolerancia (1763).

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    Zadig ou o destino - Voltaire

    Aprovação

    Eu, abaixo assinado, que me fiz passar por sábio e mesmo por homem de espírito, li este manuscrito que, contra minha vontade, achei curioso, divertido, moral, filosófico, digno de agradar aos que odeiam os romances. Assim o reprovei e assegurei ao cádi Lesquier que é um livro detestável.

    Epístola dedicatória à sultana Sheraa

    por Sadi[1]

    Em 10 do mês de Xaual, no ano 837 da Hégira

    Encanto dos olhos, tormento dos corações, luz do espírito, não beijo a poeira de vossos pés porque raramente andais, ou porque andais sobre tapetes do Irã ou sobre rosas. Ofereço-vos a tradução de um livro de um antigo sábio que, tendo a felicidade de nada ter que fazer, divertiu-se em escrever a história de Zadig, livro que diz mais do que parece dizer. Rogo-vos a lê-lo e a julgá-lo; pois, embora estejais na primavera da vida, embora todos os prazeres vos procurem, embora sejais bela e vossos talentos realcem vossa beleza, embora vos enalteçam da manhã à noite e por todos esses motivos não sejais uma pessoa comum, mesmo assim tendes o espírito instruído e o gosto muito fino, e vos ouvi argumentar melhor que velhos dervixes de barba longa e chapéu pontudo. Sois discreta e não desconfiada; sois doce sem ser fraca; sois benevolente com discernimento; amais vossos amigos e não fazeis inimigos. Vosso espírito nunca se diverte com a maledicência, não prejudicais ninguém, apesar da prodigiosa facilidade que teríeis para isso. Enfim, vossa alma sempre me pareceu pura como vossa beleza. Tendes mesmo um pendor para a filosofia que me fez acreditar que gostaríeis, mais que qualquer outra, deste livro de um sábio.

    Ele foi escrito primeiramente em caldeu antigo, que nem vós nem eu entendemos. Traduziram-no em árabe, para distrair o célebre sultão Ulug-beb. Foi no tempo em que os árabes e os persas começavam a escrever as Mil e uma noites, os Mil e um dias etc. Ulug gostava mais da leitura de Zadig; mas as sultanas preferiam as Mil e uma. Como podeis preferir, dizia-lhes o sábio Ulug, contos sem razão e que nada significam? É precisamente por isso que gostamos deles, respondiam as sultanas.

    Estou convencido de que não fareis como elas e que sereis um verdadeiro Ulug. Espero mesmo que, quando estiverdes cansada das conversas gerais, que tanto se assemelham às Mil e uma, com a diferença de serem menos divertidas, poderei encontrar um minuto para ter a honra de vos falar. Se tivésseis sido Taléstris[2] no tempo de Scander[3], filho de Filipe, se tivésseis sido a rainha de Sabá no tempo de Suleiman[4], esses reis é que vos teriam procurado.

    Rogo às virtudes celestes que vossos prazeres sejam puros, vossa beleza duradoura e vossa felicidade sem fim.

    Sadi


    [1] Voltaire se vale aqui do nome de um poeta persa do século XII. (N.T.)

    [2] Rainha das Amazonas. (N.T.)

    [3] Alexandre. (N.T.)

    [4] Salomão. (N.T.)

    Capítulo I

    O caolho

    No tempo do rei Moabdar, havia na Babilônia um jovem chamado Zadig, nascido com uma boa índole que a educação reforçara. Embora moço e rico, sabia moderar suas paixões; nada fingia, não queria ter sempre razão e sabia respeitar a fraqueza dos homens. Era surpreendente que, sendo tão inteligente, nunca insultasse com zombarias aos dizeres tão vagos, tão triviais, tão tumultuosos, às maledicências temerárias, às decisões ignorantes, às chacotas grosseiras, a esse vão ruído de palavras que em Babilônia se chamava conversação. Ele havia aprendido, no primeiro livro de Zoroastro, que o amor-próprio é um balão inflado de vento, do qual saem tempestades quando lhe dão uma alfinetada. Zadig não se vangloriava, sobretudo, de desprezar as mulheres e de subjugá-las. Era generoso. Não temia de modo algum prestar serviços a ingratos, seguindo este grande preceito de Zoroastro: Quando comeres, dá de comer aos cães, ainda que te mordam. Também era tão sábio quanto se pode ser, pois procurava viver com sábios. Instruído nas ciências dos antigos caldeus, não ignorava os princípios físicos da natureza, tais como eram conhecidos então, e sabia da metafísica o que dela se soube em todas as épocas, isto é, muito pouca coisa. Estava firmemente convencido de que o ano tinha 365 dias e um quarto, apesar da nova filosofia do seu tempo, e de que o sol estava no centro do mundo; e, quando os principais magos lhe diziam com arrogância que estava errado, e que era ser inimigo do Estado acreditar que o sol girasse sobre si mesmo e que o ano tivesse doze meses, ele se calava sem cólera e sem desprezo.

    Possuindo grandes riquezas, portanto com amigos, tendo saúde, um rosto agradável, um espírito justo e moderado, um coração sincero e nobre, Zadig acreditou que podia ser feliz. Devia casar com Semira, cuja beleza, o nascimento e a fortuna a faziam o melhor partido de Babilônia. Tinha por ela um afeto sólido e virtuoso, e Semira o amava com paixão. Eles chegavam ao momento afortunado que ia uni-los quando, ao passearem juntos perto de uma das portas de Babilônia, sob as palmeiras que ornavam as margens do Eufrates, viram homens armados de sabres e de flechas vindo em sua direção. Eram os capangas do jovem Orcan, sobrinho de um ministro, a quem os cortesãos do tio fizeram acreditar que tudo lhe era permitido. Ele não tinha as graças nem as virtudes de Zadig; mas, julgando valer mais, estava desesperado por não ser o preferido. Esse ciúme, que vinha apenas de sua vaidade, o fez pensar que amava perdidamente Semira. Queria raptá-la. Os capangas a pegaram e, no ímpeto de sua violência, a feriram, fazendo correr o sangue de uma pessoa cujo aspecto teria enternecido os tigres do monte Imaús. Ela lançou um grito de queixa ao céu: Meu caro esposo! Arrancam-me de quem adoro. Não estava ocupada com seu perigo, pensava apenas no seu querido Zadig. Este a defendia com toda a força que o valor e o amor conferem. Ajudado somente por dois escravos, pôs os raptores em fuga e levou para casa Semira, desmaiada e sangrando. Quando ela abriu os olhos e viu seu libertador, disse-lhe: Ó, Zadig, eu te amava como esposo; agora te amo como aquele a quem devo a honra e a vida. Nunca houve um coração mais agradecido que o de Semira. Nunca lábios encantadores se exprimiram de forma tão comovente, por palavras de fogo inspiradas no sentimento do maior dos benefícios, na exaltação do amor mais terno e mais legítimo. Seu ferimento era leve e logo sarou. Zadig fora atingido mais perigosamente; uma flechada lhe causara um corte profundo perto do olho. Semira só pedia aos deuses a cura do seu amado. Com os olhos banhados de lágrimas noite e dia, ela esperava o momento em que os de Zadig poderiam se deleitar com seu olhar. Mas um abscesso surgiu no olho ferido, trazendo grande preocupação. Mandou-se chamar em Mênfis o grande médico Hermes, que veio com numeroso cortejo. Ele visitou o doente e declarou que este perderia o olho; predisse mesmo o dia e a hora em que esse funesto acidente aconteceria. Se fosse o olho direito, disse, eu o teria curado; mas as feridas do olho esquerdo são incuráveis. Lastimando o destino de Zadig, a Babilônia inteira admirou a profundidade da ciência de Hermes. Dois dias depois, o abscesso se rompeu por si mesmo; Zadig ficou perfeitamente curado.

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