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Investigação Familiar
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E-book320 páginas4 horas

Investigação Familiar

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Sobre este e-book

O destemido detetive Sam Dyke nunca conheceu o filho, Daniel. Até o fatídico dia em que desejou ter continuado sem conhecê-lo. Daniel tem uma namorada que não é exatamente uma garota exemplar... E o pior, a menina está desaparecida. Kelly, a namorada, na verdade é prisioneira de uma rede de corrupção e violência comandada pelos Irmãos Wilder – dois marginais muito perigosos responsáveis pelas atividades criminosas em Liverpool, além de Manchester e todas as cidades entre essas duas. Sam está determinado a encontrar a garota, mesmo contra todas as expectativas e o fato de ter que se intrometer no trabalho da polícia. Como já é de seu costume, Sam acaba mais uma vez demonstrando sua melhor habilidade: confrontar pessoas, em especial, os mais cruéis criminosos. Logo ele entra para a lista negra dos gêmeos Wilder. Mas o que poderia fazer um pai ao ver seu filho ameaçado de morte? "Investigação Familiar" é mais uma história eletrizante da série “Investigação Sam Dyke”, dessa vez o detetive particular precisa lutar contra duas grandes ameaças: os Irmãos Wilder e a sua própria incapacidade de evitar situações de perigo.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de fev. de 2017
ISBN9781507173657
Investigação Familiar
Autor

Keith Dixon

Keith Dixon works as an editor for The New York Times. He lives in New York City.

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    Investigação Familiar - Keith Dixon

    CAPÍTULO 1

    Não importa quanta experiência você tenha como detetive particular, quando seu filho aponta um potente revólver Desert Eagle para sua cabeça e sem pestanejar, isso acaba chamando sua atenção.

    - Está carregada? - perguntei.

    - Não teria graça se não estivesse - ele respondeu.

    Pensei rapidamente no que ainda dava para fazer. Eu poderia atacá-lo, mas a minha mesa estava entre nós dois. Poderia tentar dissuadi-lo, mas não estava no clima e acho que ele também não.

    - Você tem um plano para se safar dessa - falei.

    - Não acho que você se ligou, mas estou tão surpreso quanto você por ter chegado até aqui.

    A voz dele estava bastante confiante e segura, o que era uma surpresa, já que vinha de um adolescente magrelo em uma situação dessas.

    - Você precisa de um plano caso esteja pensando em atirar em alguém - falei. - Não acho que tenha pensado nisso direito.

    - Se tivesse pensado direito, eu nem estaria aqui. Tive que fazer tudo isso de impulso.

    - Impulsividade não é nada bom em uma pessoa com uma arma em punho.

    - E ficar dando sermão também não é nada bom para a pessoa que está na mira dessa mesma arma.

    Ele tinha razão. Fiquei observando seus olhos e sua respiração. Não havia nenhuma hesitação, a mão não tremia e também não derramou uma gota de suor. Dois minutos atrás, eu estava folheando uma revista de bandas de rock quando ele bateu na porta e entrou sem permissão. Um jovem magro e de cabelos escuros, vestindo um moletom com capuz, calça jeans clara e um Nike surrado nos pés. Ele já tinha dado um jeito de ter certeza de que eu era Sam Dyke, detetive particular da região. Enfiou a mão no bolso do moletom e sacou o revólver, parecia um arqueólogo exibindo sua rara descoberta, segurando a arma com cuidado, mas também com bastante firmeza. No mesmo tom de voz confiante, ele se apresentou, disse que seu nome era Dan e perguntou se eu sabia quem era ele. Ficou surpreso quando respondi que sim. Então perguntou:

    - E você não quer saber por que eu estou aqui? - sacudiu a arma bem próxima ao meu rosto em uma tentativa de incentivar minha curiosidade.

    - Você vai acabar me falando. Na verdade, estou mais interessado em saber como você me achou.

    - Isso não interessa - respondeu. - O que interessa é que eu tô bem aqui e você está na minha mira.

    Cruzei os braços e ele se afastou um pouco.

    - Não se mexa - mandou.

    Meu escritório é um quadrado, tem uma porta e uma janela com vista para o centro de Crewe, também tem uma mesa, uma cadeira de couro para mim e duas cadeiras mais simples para os clientes. 

    Nunca recebi mais que dois clientes de uma vez. Nunca achei que conseguiria lidar com essa agitação toda.

    - Então, deixa ver se eu entendi - falei. - Acho que você descobriu que sou seu pai e acha que sou responsável pela morte da sua mãe. Você não conheceu nenhum de nós dois e depois de descobrir rapidinho onde eu estava, já quer me matar.

    Pela primeira vez, consegui ver uma sombra de hesitação em seu rosto.

    - Quem foi que falou em te matar? - ele perguntou.

    Fiz um gesto com a cabeça apontando a arma.

    - A não ser que eu esteja enganado, isso aí não é um novo modelo de celular, ou é?

    Ele olhou para o revólver e ficou pensativo por um instante. Então disse:

    - Você é exatamente do jeito que eu imaginava.

    - E como que é isso?

    - Um desses caras metidos a besta de Yorkshire. Se exibindo por aí, mostrando que é forte. Nem um pouco interessado em mim e no que eu vim fazer aqui. Prazer te conhecer, papai.

    - Puxa uma cadeira e vamos conversar. Aceita um café?

    - Não vem dar uma de engraçadinho para cima de mim.

    - Então, o que acha de me contar o que você quer aqui antes que seu braço fique cansado e você acabe atirando em mim por acidente? Você parece meio sonolento.

    Dessa vez ele não falou nada, puxou uma das cadeiras e se sentou, na verdade, praticamente se jogou no assento como se seu corpo não fosse nada mais do que um saco de ossos. Olhou a sua volta observando o escritório rapidamente.

    - Então isso aqui é o seu ganha-pão? - falou. - E qual é a função de um detetive particular hoje em dia? Burocracia? Ficar tirando fotos de pessoas que estão traindo alguém?

    - Ah, mas aí você tá falando dos trabalhos mais refinados.

    - Pesquisei sobre você na internet. Você nem existe, não é mesmo? Nem uma sombra de vida virtual.  Mas isso até que me pareceu bem realista. Os sites que olhei eram uma piada, várias fotos de uns velhotes de terno e gravata tentando parecer sérios e confiáveis.

    - Normalmente a gente se encontra no clube de golfe para contar umas histórias bizarras dos nossos clientes mais malucos.

    De repente uma pancada de chuva de abril acertou a janela e nós dois olhamos para ela.

    - Mas onde estávamos mesmo? - perguntei.

    - Tô aqui pensando - falou -, se você estaria disposto.

    - Disposto a quê?

    - Quero que você me ajude - falou.  - Tem essa garota, Kelly. A gente já tava junto há um tempo, então há mais ou menos uns dois meses, ela me dispensou.

    - E isso também é culpa minha?

    - Cala a boca e escuta. A gente morava em um muquifo invadido e aí, do nada, ela saiu fora. A gente tava junto, tipo, há uns seis meses e ela meteu o pé e não deixou nenhum bilhete. Aí tô achando que tem alguma coisa errada. Não falou para ninguém onde ela tava indo. Nem sinal dela em lugar nenhum. Então um camarada meu disse que ela tá em Manchester e falou que não vai voltar.

    - E quem é esse camarada?

    - Você já vai saber.

    - Ok. Ela trabalha?

    Ele riu. 

    - Não é exatamente trabalho o nome do que ela faz. Nada que dê para seguir carreira. Basicamente, fazia qualquer coisa para ganhar dinheiro.

    - Ela é viciada?

    - Fuma muito. E é bem baladeira. Danadinha.

    Sorri meio sem graça:

    - Essa é para casar! Não poderia existir uma menina melhor para o meu próprio filho.

    Ele olhou para fora como se de repente a chuva tivesse ficado mais interessante. Dava para ver a mágoa nos olhos dele. Percebi que tinha os cílios bem compridos, iguaizinhos aos da mãe. De sua falecida mãe. Senti uma pontada de culpa, mas não demonstrei e continuei sorrindo. Pelo menos acho que estava sorrindo.

    - Enfim, é isso - acabou falando. - Seu trabalho é me ajudar a encontrar a Kelly.

    - Acho que não.

    - Você me deve isso - disse, senti a frieza em sua voz. - Você deu um pé na bunda da minha mãe, deu um pé na minha bunda, me largou com gente que não tava nem aí para mim, só queriam me explorar. Acho que uma ajudinha agora não é pedir muita coisa.

    - Se você se informou direito, deve saber que eu nem sabia que você existia. Sua mãe não me contou. Seus pais adotivos também não me contaram. Meu grilinho falante de estimação também não me contou nada. Agora que você está aqui, fico feliz em te conhecer e poder falar com você, mas não venha me culpar por não ter feito nada quando, na verdade, eu nem sabia que devia ter feito alguma coisa.

    - Tipo tentar me encontrar ou descobrir que eu existia? - começou a ficar agitado. - Minha mãe morreu há quatro meses e você não deu nem sinal de vida. E não vem com essa história que você não sabia que eu existia porque eu bem sei que não é verdade.

    Falou tudo isso de uma vez só, quase ficando sem fôlego. Então eu soube quem tinha falado sobre mim para ele: uma mulher que conheci enquanto investigava um caso alguns meses atrás. Ela era casada com o homem que matou Tara, a mãe do Dan. Acontece que mais tarde eu acabei matando o marido dela.

    Foi um caso muito complicado.

    - Acho que você não entendeu como isso realmente funciona - falei. - Isso aqui é meu trabalho. As pessoas me pagam para fazer isso. Eu presto um serviço. Não tenho condição de fazer caridade, principalmente porque sei que a polícia seria a sua melhor opção em uma situação como essa.

    Ele apontou a arma para mim de novo. Encostou a ponta do cano na minha testa. Encarar o tambor de um revólver carregado é sempre uma experiência meio espiritual, seja lá qual for sua religião, você acaba apelando para a fé.

    - Eu acho que VOCÊ não entendeu - falou. - Você não tem escolha.

    - Ah, é? E o que você vai fazer? Ficar me seguindo por aí com uma arma apontada para minha cabeça? Vai ficar difícil tomar banho com você na minha cola o tempo todo.

    - Se você não concordar em fazer isso, não vou precisar te seguir por aí.

    - Você andou lendo alguma tragédia grega?

    - Quê?

    - Esquece. Eu li. Acabo tendo muito tempo livre quando estou de tocaia em algum caso. Veja bem, mesmo que eu te ajude a encontrar essa menina...

    - Kelly.

    - E se ela não quiser voltar? E se ela estiver fugindo de você?

    - Já pensei nisso. Não acredito que seja isso, mas se ela me falar que é isso mesmo, então beleza. Mas ela vai ter que falar isso na minha cara. Preciso saber que ela está a salvo.

    Olhei para ele de novo e, mais uma vez, senti pena dele. Os olhos transpareciam uma necessidade de autoafirmação, como uma lembrança que ele não conseguia esquecer.

    - Estou ocupado com um caso agora - menti. - Não posso simplesmente largar tudo só porque você tá com uma arma na minha cara.

    - Quer motivo melhor que esse?

    - Existem pessoas esperando que eu termine o que comecei. Isso pode não significar nada para você, mas tenho uma reputação a zelar.

    - Imagina como vai ficar sua reputação quando descobrirem que você se recusou a ajudar seu próprio filho. E pode ter certeza que vão descobrir.

    Encaramo-nos por um instante, a chuva ainda batendo contra o vidro da janela. Admirei a persistência dele, talvez tenha até reconhecido de onde vinha aquela persistência.

    Levantei uma mão:

    - Ok, vou te ajudar a encontrar a Kelly - falei. - Mas precisamos ter uma conversa séria. Acho que nesses dezoito anos teve um monte de gente falando merda para você. Isso não me agrada nenhum pouco.

    - Se você tivesse sido mais presente...

    - Se eu tivesse sido astronauta, teria voado até a lua. Não dá para saber o que teria acontecido. Agora pelo amor de Deus, abaixa essa porcaria de arma de plástico e vamos almoçar.

    Ele virou o revólver em sua própria direção e deu uma olhada no tambor. Olhou rapidamente para mim, e então puxou o gatilho devagar até que o brinquedinho fez um estalo.

    - Como você descobriu? - perguntou.

    - Talvez seja por isso que sou detetive e você não.

    Não contei que sabia que se aquele fosse mesmo um revólver Desert Eagle carregado, ele não teria sido capaz de ficar apontando contra mim por tanto tempo sem tremer. Esse modelo de revólver é muito pesado.

    Mas não dá para sair por aí contando todos os truques dos detetives, caso contrário, qualquer um poderia tirar uma licença e não teria muito trabalho sobrando.

    CAPÍTULO 2

    Estávamos sentados no meu velho Cavalier do lado de fora da estação de trem de Crewe, evitando olhar para os taxistas que nos encaravam, estávamos ocupando algumas vagas que pertenciam a eles. O motor continuava ligado para manter o interior do carro aquecido. Os viajantes olhavam rapidamente para nós enquanto atravessavam as portas de vidro da estação. Esta sempre foi uma estação muito movimentada da linha ferroviária e estava sendo cada vez mais modernizada, o que para mim significa menos pessoas trabalhando e mais máquinas tomando seus lugares.

    Observei Dan no banco do passageiro. De vez quando, dava para perceber a semelhança dele com a mãe em alguma expressão que ele fazia, certa amargura no olhar, própria das pessoas que costumam fazer julgamentos instantâneos das coisas.

    - Quando ele disse que chegaria? - perguntei.

    - Ele vai chegar em um minuto.

    Já estávamos esperando há vinte minutos.

    - Por que ele vai chegar pela estação de trem se ele mora aqui em Crewe?

    - Você é sempre impaciente desse jeito? Você disse que fica de tocaia direto, seguindo pessoas e vigiando de longe por dias e dias.

    - Isso acontece quando estou sendo pago. O nome disso é trabalho.

    - Ele teve que resolver uns lances de família em Yorkshire - respondeu. - Ah, é! Lembrei que você não entende direito esses lances de família, né?

    Ele me encarou como se estivesse esperando uma resposta, depois virou para a janela e ficou olhando para as portas da estação. Outro táxi passou por nós e buzinou impaciente.

    - Você ainda não me contou nada sobre você - falei. - Deve ter sido difícil sua vida de órfão. Te mudaram muito de casa?

    Ele deu de ombros.

    - Já é meio tarde para isso, papai. Você teve sua chance, agora não interessa mais.

    - Você prestou atenção quando te contei que sua mãe mentiu para mim sobre você? - perguntei.

    - Acho que você desistiu muito fácil. Ela fugiu para Londres e você nem para ir atrás dela? Você não ficou nenhum pouco curioso? Ou com raiva?

    - As coisas eram diferentes naquele tempo - respondi. - Eu não tinha nem vinte anos e era um duro. Não era tão fácil assim.

    - Ah, claro. Isso tudo aconteceu antes de inventarem os carros e os trens. Tinha me esquecido.

    - Sua mãe deixou bem claro que não queria que eu fosse atrás dela. Até onde eu sabia, nosso casamento tinha acabado. Ela mentiu sobre ter perdido o bebê e acho que acabou se sentindo culpada. Ou com raiva. Ela nunca mais falou comigo nesses dezoito anos, como é que eu podia saber?

    - Ah, as famílias perfeitas - Dan respondeu.

    Dei uma olhada nos registros dele. Reconheci nele o meu nariz arrebitado e o mesmo corpo magrelo e desajeitado que tive naquela idade. O meu corpo mudou com a corrida e a musculação, mas houve um tempo em que eu também tinha as costelas saltadas, a barriga curvada para dentro e os pulsos muito finos.

    Esperei um pouco, mas ele não perguntou nada sobre a mãe. Até agora, não parecia estar nenhum pouco interessado nela.

    - Então, me fale sobre essa Kelly - falei. - Você mal falou dela. Como vocês se conheceram? Quanto tempo vocês ficaram juntos? Sabe como é, o tipo de coisa que normalmente você conta para o seu pai.

    - E por que eu contaria isso para você? Tudo o que você precisa saber é como ela é e eu já te dei uma foto dela.

    - Ah, coopera um pouco comigo.

    Ele olhou para fora:

    - Vamos ver – falou. - Ela muda muito de ideia, o tempo todo e sobre tudo. Normalmente, ela quer o que não pode ter e vice-versa. Nosso relacionamento é bem divertido.

    - Mas você gosta dela?

    - Quem disse?

    - Você veio de bem longe para encontrá-la. Me ameaçou com um revólver de plástico. Isso deve significar alguma coisa.

    - Você sempre faz piada o tempo todo?

    - É o meu jeito de lidar com a dor existencial da raça humana. Como você a conheceu?

    Ele olhou para mim agitado.

    - Em uma biqueira de crack. Onde mais você acha que a galera de hoje em dia se encontra?

    - Você estava vendendo ou comprando?

    - Ah, pelo amor de Deus! - falou.

    Olhou para fora de novo e resmungou quase que imediatamente:

    - Ele chegou - e saltou para fora do carro.

    A porta de trás abriu e em poucos segundos um cheiro azedo de suor invadiu o carro. Escutei um estalo do plástico dos CDs no banco de trás do carro sendo jogados para o lado e quando olhei pelo retrovisor, vi um duende me olhando, um sorriso largo ocupando quase que seu rosto triangular inteiro.

    - Tarde, papai - falou. - Meu nome é João. Todo mundo me chama de João Muambeiro, e por mim tudo bem - então se recostou e abriu os braços no encosto do banco rasgado e desbotado do meu carro. - Que confortável! - falou, aparentemente sem nenhum tom de ironia.

    Dan bateu a porta de trás e entrou no carro.

    - Vamos - falou.

    João Muambeiro era o oposto de Dan. Enquanto meu filho tinha um jeito taciturno, João era curioso e falava alto. Dan era frio, João era astuto e ingênuo. Parecia ter uma vontade incontrolável de contar tudo sobre sua vida. Não parou de falar enquanto íamos em direção ao Norte. O cheiro dentro do carro melhorou um pouco depois que desliguei o ar condicionado e liguei o circulador de ar. Notei que ao contrário de João Muambeiro, Dan tinha um cheiro normal e o cabelo dele parecia limpo.

    Sam Dyke, o esteticista.

    Quando João Muambeiro parou de falar um pouco, perguntei:

    - De onde vem esse apelido?

    Ele ficou satisfeito, acho que ninguém nunca se interessava nele o suficiente a ponto de perguntar alguma coisa.

    - Eu tenho um esquema - falou. - Quando o bicho pega, cato uma sacolona bem grande, vou até Poundstretcher e compro uns produtos de limpeza e outras tralhas, então saio batendo de porta em porta. Descolo uma credencial falsa de vendedor que mostro tão rápido para a pessoa que ela nem percebe que é falsa, então vendo essas paradas pelo dobro do preço que eu paguei.

    Percebeu que eu estava olhando para ele pelo retrovisor.

    - Viuvinhas desamparadas - piscou para mim. - Tá ligado?

    Dan riu. Prestei atenção na estrada.

    João Muambeiro começou a fuçar os CDs.

    - E aí, pai, você tem uma porrada de CDs, mas não conheço nenhuma dessas bandas. Quem são os Whiskeytown? E Richmond Fontaine? Esse bagulho é velho ou o quê?

    Respirei fundo e pensei se valia a pena apresentar a música alternativa americana dos anos 1990 para um ignorante que não tinha o menor interesse. O carro estava lotado de CDs raros ou pelo menos um pouco mais difíceis de encontrar à venda, a não ser que você estivesse disposto em fazer uma caçada pela internet.

    - Ei - falou -, já ouvi falar desse cara. Ryan Adams. É tipo essas bostas de música country.

    - Tira a mão - falei. - Se não gosta, não precisa ouvir.

    - Não quis ofender. Põe um aí. Coloca esse aqui.

    Jogou o CD do Wilco's Being There no meu colo. Peguei e entreguei para Dan.

    - Coloca - falei.

    Tinha trocado o toca-fitas do Cavalier por um CD player, mas achei que aquela música tão distinta seria desperdiçada com meus passageiros. Depois de um instante, a batida pouco convencional da bateria de Misunderstood e a voz triste de Jeff Tweedy tomaram conta do interior do carro. Percebi que Dan e João Muambeiro estavam trocando um olhar, mas não consegui entender o que aquilo significava.

    Concentrei-me na direção e decidi que ser pai era muito difícil. Definitivamente, não tentaria fazer isso de novo até que estivesse bem treinado.

    CAPÍTULO 3

    O céu estava escuro e chovia quando chegamos a Manchester e estacionamos atrás do Piccadilly Gardens. Apesar de ser só 4h15 da tarde, as luzes já estavam acesas e brilhando no centro da cidade. Pedestres e trabalhadores estavam a caminho da estação de trem e passavam por nós, encolhendo o pescoço para dentro dos sobretudos, pareciam tartarugas.

    - Me fala de novo por que é mesmo que estamos aqui - falei, enquanto tirava algumas gotas de chuva da minha jaqueta de couro. É preciso conservar a boa aparência caso queira manter uma boa reputação como detetive particular.

    Dan pareceu irritado.

    - Você é meio devagar para sacar as coisas, nem parece que é detetive - respondeu.

    - Já fui ameaçado por uma arma de plástico e tive meu gosto musical questionado por um duende fedido - falei. - Desculpe se não entendi todas as nuances da nossa conversa.

    - É, pega leve - disse João Muambeiro. - Ele não sabe o que nós sabemos, ou sabe?

    Dan respirou fundo.

    - Vou contar só um resumo, acho que assim você vai conseguir lembrar. Kelly e eu fomos apresentados ao João em Londres alguns meses atrás. Ele estava visitando um amigo, o Billy, que a gente também conhece. Nós quatro saímos juntos por uma semana, então o João ficou de saco cheio e voltou para casa, aqui em Crewe. Algumas semanas depois, a Kelly saiu fora, eu não sei para onde.

    - Então recebi uma mensagem de texto - João Muambeiro continuou.

    - Isso, um dos camaradas do Billy veio até aqui para assistir o time do United na semifinal. Então ele tava dando um rolê à noite, depois do jogo, e trombou a Kelly na porta do Marks & Spencers. Ela mal falou oi e já saiu fora. Mas não sem antes dar bandeira no que ela estava metida. No dia seguinte, esse cara teve um palpite sobre o que viu e então mandou a mensagem para o João.

    - Por que ele fez isso? - perguntei. - Por que ele não falou com você?

    - Porque ele não tinha meu número, mas tinha o do João.

    - Então eu liguei para o Dan e contei para ele - disse um João Muambeiro muito orgulhoso de si mesmo.

    - E no que ela estava metida? - perguntei.

    Dan não disse nada e deu uma olhada em volta. Segui o olhar dele. De repente entendi. Estávamos em uma parte de Manchester chamada Little Soho, é para esse lugar que vão as prostitutas quando as boates e os hotéis estão trabalhando a todo vapor.

    - Ótimo - falei. - Então, ela está batendo calçada.

    Dan evitou olhar para mim. João Muambeiro percebeu,

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