Contos de Nick Adams [Nick Adams Stories]
4.5/5
()
Sobre este e-book
Ernest Hemingway
Ernest Hemingway (1899-1961) was one of the most influential writers and larger-than-life characters of the first half of the 20th Century. A renowned outdoorsman, journalist and, for a time, European expatriate, Hemingway began life as a reporter and his just-the-facts style of writing for newspapers - unadorned and direct - became the signature style he employed in his stories and novels. Born and raised in Oak Park, Illinois, Hemingway was rejected by the Army for poor eyesight and soon happened upon a Red Cross notice enticing young men to become ambulance drivers in Europe and immediately signed up.Shipped to the Italian Front in June of 1918, Hemingway would be seriously injured by mortar fire and hospitalized in Milan, where he fell in love with a Red Cross nurse. He would later use his wartime experience as the basis for his book "A Farewell to Arms."Working as a reporter in Paris, Hemingway fell in with a group artists who had taken up residence in the city, including James Joyce, Ezra Pound, Pablo Picasso, Gertrude Stein and F. Scott Fitzgerald. Fitzgerald's publication of "The Great Gatsby" convinced Hemingway that he should move on from writing short stories and embark on a novel. His trip to Pamplona, Spain and subsequent fascination with bullfighting led to his creation of his first full book, "The Sun Also Rises." Hemingway is also known for his novels "To Have and Have Not," "For Whom the Bell Tolls" and "The Old Man and the Sea," as well as numerous short stories. In 1954, Hemingway was awarded the Nobel Prize in Literature. Hemingway's health and mental status began to rapidly deteriorate in the late 1950s and while he continued to write, his mental decline and physical challenges proved to be too much for him to bear. On July 2, 1961, Hemingway took up his favorite shotgun, put it to his head and ended his life.Ernest Hemingway was a dominant figure in American literature during his lifetime and his influence on the writers who followed him - both positive and negative - lasts to this day.
Relacionado a Contos de Nick Adams [Nick Adams Stories]
Ebooks relacionados
Ferragus: O chefe dos Devoradores Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA menina dos olhos de ouro Nota: 0 de 5 estrelas0 notasRomancistas Essenciais - José de Alencar Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Paixão do Socialismo Nota: 4 de 5 estrelas4/5Contos de Mário de Andrade: Edição acessível Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Fauno de Mármore - Hawthorne Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOS QUATRO ENCONTROS Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA PRAGA ESCARLATE Nota: 0 de 5 estrelas0 notasELAS CONTAM CONTOS: Contos de Grandes Escritoras do Mundo Nota: 1 de 5 estrelas1/5O Seminarista Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBarthes 100: ideias e reflexões Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAs Neves Do Kilimanjaro [The Snows of Kilimanjaro] Nota: 4 de 5 estrelas4/5Os sonetos completos de Anthero de Quental Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO CORONEL CHABERT Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Correspondência de Fradique Mendes Nota: 0 de 5 estrelas0 notas50 sonetos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSingularidades de uma Rapariga Loira Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAntologia de contos românticos: Machado, Álvares de Azevedo, João do Rio e cia. Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO cigano e outras histórias Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO fim do ciúme e outros contos Nota: 5 de 5 estrelas5/5Mensagem Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNa Outra Margem, Entre as Árvores [Across the River and Into the Trees] Nota: 3 de 5 estrelas3/5Retrato do artista quando jovem Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHoras italianas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasProfissão: poeta: Perfil, poemas, entrevistas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMadame Bovary de Gustave Flaubert (Análise do livro): Análise completa e resumo pormenorizado do trabalho Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPIGMALIÃO - Bernard Shaw Nota: 0 de 5 estrelas0 notasIntervenções: Álbum de crítica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBola de Sebo Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Ficção Literária para você
O vendedor de sonhos: O chamado Nota: 5 de 5 estrelas5/5Primeiro eu tive que morrer Nota: 5 de 5 estrelas5/5Livro do desassossego Nota: 4 de 5 estrelas4/5Memórias Póstumas de Brás Cubas Nota: 4 de 5 estrelas4/5O que eu tô fazendo da minha vida? Nota: 5 de 5 estrelas5/5Declínio de um homem Nota: 4 de 5 estrelas4/5O amor vem depois Nota: 4 de 5 estrelas4/5Canção para ninar menino grande Nota: 3 de 5 estrelas3/5Dom Casmurro Nota: 4 de 5 estrelas4/5Cartas ao Remetente Nota: 5 de 5 estrelas5/5Tudo o que eu sempre quis dizer, mas só consegui escrevendo Nota: 4 de 5 estrelas4/5A mulher incrível Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Velho e o Mar [The Old Man and the Sea] Nota: 4 de 5 estrelas4/5Box - Nórdicos Os melhores contos e lendas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEu, Tituba: Bruxa negra de Salem Nota: 5 de 5 estrelas5/5No fundo do poço Nota: 4 de 5 estrelas4/5
Categorias relacionadas
Avaliações de Contos de Nick Adams [Nick Adams Stories]
4 avaliações5 avaliações
- Nota: 4 de 5 estrelas4/5The Nick Adams Stories by Ernest HemingwayReally enjoyed the stories from the younger years as they remind me of Huck Finn and Tom Sawyer.Interesting how the stories parallel the author's life, good to hear them in chronical order rather than in bits and pieces as I have over the years.I received this book from National Library Service for my BARD (Braille Audio Reading Device).
- Nota: 4 de 5 estrelas4/5My attention has been elsewhere lately, mostly on NaNoWriMo and my own writing, so I wasn't sure if I would do any more than choose a star rating and move on after finishing The Nick Adams Stories. However, I want to throw some of the blame for my current state of disinterest in Hemingway's direction, or at least towards those who posthumously pieced together this volume. I understand the need and desire for a collection like this, with works both finished and unfinished, polished and trashed, all thrown together in some sort of chronological Nick Adams life-order. Still, only about half of the stories held my interest to the end. Much of this collection drives home Hemingway's good judgement -- he knew better than to publish every scrap of beautiful prose he penned.
- Nota: 5 de 5 estrelas5/5Beautiful stripped down language. Great vivid setting depiction. Great characters and dialogue Great story arcs that leave you thinking. Great control of tone and mood. Great.
- Nota: 4 de 5 estrelas4/5Aside from a few other short stories, this was my introduction to Hemingway. It's easy to see why he's so often placed at the laconic end of the writers' spectrum. I often found myself pausing to ponder what was meant by a character's remark or action. Hemingway also positions the reader in various perspectives, helping them see through a given character's eyes based on what is observed and how the other characters are referenced. The compilation of stories not originally appearing together demonstrates a cohesiveness of character development. Hemingway clearly knew these people well. Much of it is autobiographical. We get a sense that it's very personal.I especially enjoyed "On Writing," including this excerpt: "Talking about anything was bad. Writing about anything actual was bad. It always killed it. The only writing that was any good was what you made up, what you imagined. That made everything come true."
- Nota: 4 de 5 estrelas4/5A collection Nick Adams stories that covers the youth of Hemingway in Michigan.
Pré-visualização do livro
Contos de Nick Adams [Nick Adams Stories] - Ernest Hemingway
As Neves do Kilimanjaro (The Snows of Kilimanjaro)
Estão reunidas neste volume algumas das histórias mais famosas de Hemingway, como a que dá o título ao livro e A Curta e Feliz Existência de Francis Macomber
, ambas consideradas obras-primas do autor.
Em As Neves do Kilimanjaro
, o escritor Harry Street, ferido no decorrer de um safari, agoniza, com uma gangrena fulminante, enquanto, junto à sua actual mulher que o acompanha e procura animar, vai recordando os seus antigos amores e os livros que escreveu.
Ao longo de páginas arrebatadoras, já adaptadas ao cinema, o leitor assiste então a uma pungente história de paixão, vivida em plena luta pela sobrevivência.
CONTOS DE
NICK ADAMS
~
Titulo da edição original: THE NICK ADAMS STORIES
Autor: ERNEST HEMINGWAY
www.SimonandSchuster.com
Traduções: FERNANDA PINTO RODRIGUES e ALEXANDRE P. TORRES
Capa: Daniel Barradas
Revisão: Mónica Brito
Composição e paginação: Luís Correia
Copyrigth © Hemingway Foreign Rights Trust
Reservados todos os direitos pela legislação em vigor
1a Edição. Lisboa, Abril de 2006
ISBN: 972-38-2786-7
eISBN-13: 978-1-45166-088-3
Dep. Legal n° 241 353 - 06
Impressão e acabamento: Rolo & Filhos II, S.A. - Indústrias Gráficas - Mafra
EDITORA LIVROS DO BRASIL
Carnaxide:
Estrada da Outurela, 121
2794-051
Tel: 21 346 26 21
Fax: 21 342 84 87
PORTO:
Rua de Ceuta, 80
4050-189
Tel.: 22 205 25 41
Fax.: 22 208 60 20
Email: geral @ livrosdobrasil.com
Site: www.livrosdobrasil.com
This Scribner’s eBook edition
published by arrangement with Livros do Brasil S.A.R.L
INDICE
Prefácio
AS FLORESTAS SETENTRIONAIS
Três Tiros
Acampamento Índio
O Médico e a Mulher do Médico
Dez Índios
Os Índios Partiram
SOZINHO
O Brigão
Os Assassinos
A Ultima Região Boa
Atravessando o Mississipi
GUERRA
A Noite Antes do Desembarque
«Nick Estava Encostado à Parede»
Enquanto Estou Deitado
Como Nunca Serás
Noutro País
UM SOLDADO NA SUA TERRA
O Grande Rio de Dois Corações173
O Fim de Qualquer Coisa
Vento de Três Dias
Veraneantes
COMPANHIA DE DOIS
Dia de Casamento
A Respeito de Escrever
Um Idílio Alpino
Corta-Mato na Neve
Pais e Filhos
~ PREFÁCIO
«Escrevera bem do lugar onde fora rapaz. Tão bem quanto então sabia.» Assim pensava um escritor moribundo numa versão primitiva de As Neves de Kilimanjaro. O escritor era, evidentemente, Hemingway, e o lugar o Michigan dos verões da sua infância e mocidade, onde a si próprio se recordava como Nick Adams. O tão bem quanto então sabia escrever era, na verdade, muito bem.
Até agora, porém, as histórias relacionadas com Nick têm sempre sido publicadas umas tantas por livro, numa sequência desordenada. Daí resultou ter-se tornado obscura a coerência das suas aventuras e fragmentado o seu impacto. Em Homens sem Mulheres, segunda colectânea de contos de Heningway, Nick aparece primeiro como soldado, em Itália; depois como adolescente, em Summit, no Ilinóis, e em seguida, sucessivamente, como pré-adolescente em Michigan, homem casado na Áustria e de novo como soldado, em Itália. Vejamos o exemplo de O Grande Rio de Dois Corações, uma das histórias mais conhecidas de Hemingway. Localizado no fim de No Nosso Tempo — a primeira colectânea —, intrigou muitos leitores; situado no seu lugar cronológico, a seguir aos contos da Primeira Guerra Mundial e das suas tensões ocultas — a impressão de que Nick pretende exorcisar qualquer inominável angústia —, torna-se perfeitamente compreensível. Mas Como Nunca Serás, que precede no tempo, e o explica, O Grande Rio de Dois Corações, foi publicado oito anos e alguns livros de-pois.
Dispostos numa sequência cronológica, os acontecimentos da vida de Nick formam uma narrativa cheia de significado, em que uma personagem notável evolui de criança a adolescente, a soldado, a veterano, a escritor e a pai — sequência estreitamente paralela aos acontecimentos da própria vida de Hemingway. Nesta disposição, Nick Adams, que durante muito tempo não foi inteiramente considerado uma personagem coerente, emerge com toda a clareza como o primeiro de uma longa série de «eus» fictícios de Hemingway. Versões posteriores, de Jake Barnes e Frederic Henry a Richard Cantwell e Thomas Hudson, viriam a ter atrás de si parte da história de Nick e, consequentemente, de Hemingway.
Como sucede a muitos ficcionistas, a relação entre a obra de Hemingway e os acontecimentos da sua própria vida é imediata e complexa. Nalgumas histórias, parece narrar pormenores de experiência autêntica tão fielmente como se os registasse num diário; noutras, a sua imaginação transformou a experiência, numa realidade nova e diferente. O aprofundamento das conexões entre realidade e ficção, em Hemingway, pode ser uma actividade absorvente, e aos leitores que a ela desejem dedicar-se aconselham-se estudos biográficos mencionados no fim deste prefácio. Mas, naturalmente, Hemingway pretendia que as suas histórias fossem compreendidas e apreciadas sem olhar a tais considerações» — e assim aconteceu durante muito tempo.
A primeira história acerca de Nick Adams foi publicada há mais de meio século e a última em 1933, e ao longo dos anos muito se tem escrito a respeito de tal personagem. No entanto, entre os manuscritos não publicados que Hemingway deixou encontraram-se oito novos contributos para a narrativa global. Apresentados pela primeira vez nesta colectânea e inseridos no lugar a que os acontecimentos se reportam, no tempo, são variados na extensão e no objectivo aparente. Três narrativas — como os índios abandonaram a região da infância de Nick, a primeira vez que viu o Mississipi e o que aconteceu pouco antes e pouco depois do seu casamento — são muito pequenas. Desconhece-se se o autor planeava desenvolver alguma delas e devem ler-se simplesmente como esboços no livro de apontamentos de um artista. Em dois outros casos, os planos do autor são evidentes, pois trata-se do começo de obras que nunca foram concluídas. Nick a bordo do Chicago, a caminho de França, na Primeira Guerra Mundial, é o princípio de um romance chamado Com a Juventude, abandonado há muito tempo. Similarmente, embora muito mais tarde, a intriga de A Última Região Boa ficou em meio e seriam necessárias muitas páginas para a completar. Sabe-se que dois outros trabalhos tiveram origem em histórias de Nick já publicadas. Três Tiros conta o susto apanhado pelo rapazinho, numa excursão de campismo, e em tempos precedeu o conto Acampamento Índio. E as reflexões de Nick acerca da sua carreira literária concluíram uma vez (anacronicamente) O Grande Rio de Dois Corações. Destas novas obras, apenas Veraneantes, muito provavelmente o primeiro conto de Hemingway acerca de Nick Adams, se pode considerar uma história completa.
A fim de o distinguir de obras anteriormente publicadas, o novo material apresentado neste livro é composto em itálico. A decisão de o publicar poderá ser contestada, mas não faltam motivos que a justifiquem. Por um lado, o plano de reordenar os contos de Nick Adams coerentemente aproveita material que preenche lacunas substanciais na narrativa; por outro, toda esta nova ficção se relaciona, de uma maneira ou de outra, com acontecimentos da vida do autor, na qual os seus leitores continuam interessados. Finalmente, e mais importante do que tudo o mais, estes trabalhos lançam uma luz nova sobre a obra e a personalidade de um dos maiores escritores americanos e aumentam verdadeiramente a nossa compreensão a seu respeito. O arranjo tipográfico poderá sugerir, pela inclinação da letra, uma apresentação «oblíqua», indirecta, mas espera-se uma aceitação franca.
PHILIP YOUNG
ESTUDOS BIOGRÁFICOS
BAKER, Carlos, Ernest Hmingway: A Life Story, Nova Iorque, Charles Scribner’s Sons, 1969.
HEMINGWAY, Leicester, My Brother, Ernest Hemingway, Nova Iorque, Worid Publishing Company, 1962.
MONTGOMERY, Constance Cappel, Hemingway in Michigan, Nova Iorque, Fleet Press Corporation, 1966.
SANFORD, Marcelline Hemingway, At the Hemingway’s: A Family portrait, Boston, Litle, Brown and Company, 1962.
AS FLORESTAS
SETENTRIONAIS
~
~ TRÊS TIROS
Nick estava a despir-se na tenda. Via as sombras do pai e do tio George reflectidas pelas chamas da fogueira na parede de lona. Muito constrangido e envergonhado, despiu-se o mais depressa que pôde e colocou a roupa uma em cima da outra, com cuidado. Estava envergonhado porque despir-se recordava-lhe a noite anterior. Todo o dia a afastara do pensamento.
Depois do jantar, o pai e o tio tinham atravessado o lago para pescar ao candeio. Antes de empurrarem o barco para a água o pai disse-lhe que, se acontecesse alguma coisa durante a sua ausência, disparasse a espingarda três vezes e eles regressariam imediatamente. Nick afastou-se da margem e voltou ao acampamento através da floresta. Ouvia o bater dos remos, na escuridão. O pai remava e o tio ia sentado à popa a soltar a linha. Instalara-se, com a cana preparada, quando o pai empurrara o barco. Nick ficou a escutá-los no lago, até deixar de ouvir os remos.
Ao regressar pela floresta começou a sentir-se assustado. Tinha sempre um pouco de medo na floresta, à noite. Abriu a aba da tenda, despiu-se e deitou-se muito quieto entre os cobertores, às escuras. Lá fora, a fogueira transformara-se num brasido. Nick ficou imóvel e tentou adormecer. Não se ouvia barulho nenhum. Nick pensou que se ouvisse uma raposa, um mocho ou qualquer outra coisa se sentiria bem. Por enquanto, ainda não temia nada definido. Mas começava a sentir muito medo. De súbito, receou morrer. Algumas semanas antes, quando estava em casa, na igreja tinham cantado um hino chamado «Um dia a corda de prata quebrar-se-á». Enquanto cantavam o hino Nick compreendeu que qualquer dia morreria. Isso fê-lo sentir-se muito indisposto. Era a primeira vez que tinha consciência de que teria de morrer. Um dia.
Nessa noite sentou-se no corredor, debaixo da luz que ficava acesa até de manhã, a tentar ler Robinson Crusoé para não pensar que um dia a corda de prata se quebraria. A enfermeira encontrou-o a ler e ameaçou fazer queixa ao pai se não fosse para a cama. Nick foi para a cama, mas assim que ela se meteu no quarto saiu de novo e leu debaixo da luz do corredor até nascer o dia.
Na noite anterior, na tenda, sentira o mesmo medo. Era só de noite que o sentia. Ao princípio tratava-se mais de imaginação do que de medo. Mas depois de começar depressa se transformava em medo. Assim que começou a sentir-se realmente assustado pegou na espingarda, enfiou o cano pela frente da tenda e disparou três vezes. O coice dos disparos foi muito forte. Ouviu os tiros ecoar através das árvores. Mal disparou os três tiros sentiu-se bem.
Deitou-se à espera que o pai regressasse e adormeceu antes de o pai e o tio apagarem o candeio, do outro lado do lago.
— Raios partam aquele miúdo — praguejou o tio George, enquanto remavam, no regresso. — Para que lhe disseste que nos chamasse? Provavelmente assustou-se com qualquer coisa.
O tio George era um fanático da pesca e o irmão mais novo do pai de Nick.
— Bem, ainda é muito pequeno.
— Isso não é motivo para o trazermos connosco para a floresta.
— Sei que ele é um grandíssimo cobarde, mas naquela idade todos nós somos medricas — observou o pai.
— Não tenho paciência para o aturar. É tão mentiroso!
— Não penses mais nisso. Mesmo assim apanharás muito peixe.
Entraram na tenda e o tio George apontou a luz da lanterna eléctrica para os olhos de Nick.
— Que foi, Nickie? — perguntou o pai, e ele sentou-se na cama.
— Parecia um cruzamento de raposa e lobo e andava a rondar a tenda — respondeu Nick. — Era um bocadinho como uma raposa, mas mais como um lobo. — Aprendera a expressão «cruzamento de» nesse mesmo dia, ouvida da boca do tio.
— Se calhar ouviu um mocho — comentou o tio George,
De manhã o pai encontrou duas grandes tílias americanas tão inclinadas uma para a outra que os seus ramos se tocavam, com o vento.
— Achas que terá sido isto, Nick!
— Talvez. — Não queria pensar no assunto.
— Nunca deves ter medo na floresta, Nick. Não há nela dada que te possa fazer mal.
— Nem as faíscas?
— Não, nem as faíscas. Se houver uma trovoada, vai para terreno descampado ou abriga-te debaixo de uma faia. Os raios nunca atingem as faias.
— Nunca?
— Nunca soube de nenhuma.
— Gosto de saber isso acerca das faias! — afirmou Nick. Agora estava de novo a despir-se na tenda. Tinha consciência das duas sombras na parede, embora não olhasse para elas. Depois ouviu um barco a ser puxado para a margem e as duas sombras desapareceram. Ouviu o pai falar com alguém e, em seguida, gritar:
— Veste-te, Nick!
Vestiu-se o mais depressa que pôde. O pai entrou na tenda e remexeu nas mochilas.
—Veste o casaco, Nick — disse-lhe.
~ ACAMPAMENTO ÍNDIO
Na margem do lago estava outro barco a remos puxado para terra. Os dois índios esperavam de pé.
Nick e o pai instalaram-se à popa e os índios empurraram o barco para a água e um deles empunhou os remos. O tio George sentou-se à popa do barco do acampamento. O jovem índio empurrou-o para a água e pegou nos remos.
Os dois barcos partiram, às escuras. Nick ouvia os toletes do outro bote, um bom bocado à frente deles, na neblina. Os índios remavam com movimentos rápidos e irregulares. Nick recostou-se, com o braço do pai pelos ombros. Estava frio na água. O índio remava com grande esforço, mas o outro barco distânciava-se cada vez mais na neblina.
— Aonde vamos, pai?
— Ao acampamento índio. Está lá uma senhora índia muito doente.
— Ah!
Quando chegaram à margem encontraram o outro barco já em terra. O tio George fumava charuto, às escuras. O índio jovem puxou o barco deles para a praia e o tio George deu charutos aos dois índios.
Afastaram-se da praia por um prado ensopado de orvalho, atrás do índio jovem, que levava uma lanterna. Depois mete-ram pela floresta e seguiram por um carreiro que levava à estrada de corte de árvores, que se perdia nos montes. Na estrada estava muito mais claro, em virtude de se terem derrubado árvores de ambos os lados. O índio jovem parou e apagou a lanterna e continuaram a andar.
Ao contornarem uma curva surgiu um cão, a ladrar. Em frente brilhavam as luzes das cabanas onde moravam os corticeiros índios. Surgiram mais cães e os dois índios enxotaram-nos para as cabanas. Brilhava uma luz na janela da cabana mais próxima da estrada e à porta encontrava-se uma velha de lanterna na mão.
No interior estava uma índia nova, deitada num beliche de madeira. Havia dois dias que tentava dar à luz, ajudada por todas as velhas do acampamento. Os homens tinham-se reunido mais acima, na estrada, e fumavam, sentados às escuras, fora do alcance do barulho que ela fazia. A mulher gritou precisamente no instante em que Nick e os dois índios entraram na cabana, atrás do pai e do tio George. Estava deitada no beliche inferior, enorme debaixo de uma manta, e tinha a cabeça virada para o lado. O marido encontrava-se no beliche de cima. Três dias antes cortara gravemente um pé, com um machado. Estava a fumar cachimbo. O quarto cheirava muito mal.
O pai de Nick mandou aquecer água e, enquanto ela aquecia, disse ao filho:
— Esta senhora vai ter um bebé, Nick.
— Eu sei.
— Não sabes nada. Escuta-me. Aquilo por que ela está a passar chama-se trabalho de parto. O bebé quer nascer e ela quer que ele nasça. Todos os seus músculos trabalham para que o bebé nasça. É isso que acontece quando ela grita.
— Compreendo.
A mulher gritou, nesse momento, e Nick perguntou:
— Não lhe pode dar qualquer coisa para ela deixar de gritar, paizinho?
— Não. Não trouxe nenhum anestésico. Mas os gritos dela não são importantes; não os ouço porque não são importantes. O marido, no beliche de cima, virou-se para a parede. A mulher que estava na cozinha fez sinal ao médico a dizer que tinha a água quente. O pai de Nick foi à cozinha e despejou numa bacia cerca de metade da água, da grande cafeteira. Na que sobrou meteu algumas coisas que trazia enroladas num lenço.
— Isto tem de ferver — disse à mulher, e começou a lavar bem as mãos, com a água quente da bacia e um bocado de sabão que trouxera do acampamento.
Nick observou as mãos do pai, a esfregarem-se uma à outra com o sabão. O pai falava, enquanto as lavava cuidadosa e demoradamente:
— Sabes, Nick, os bebés devem começar a nascer pela cabeça, mas às vezes não acontece assim. Nessas alturas, causam uma quantidade de trabalhos a toda a gente. Talvez tenha de operar esta senhora. Daqui a bocadinho já saberemos.
Quando achou que tinha as mãos bem lavadas, foi para dentro e começou a trabalhar.
— George, puxa essa manta para trás, sim? — pediu. — Prefiro não lhe tocar.
Mais tarde, quando começou a operar, o tio George e três índios seguraram a mulher, para ela não se mexer. A índia mordeu o braço do tio George, que protestou: «Maldita squaw!» O índio jovem que o trouxera no barco riu-se dele. Nick segurava a bacia, para ajudar o pai. Demorou tudo muito tempo.
O pai pegou no bebé e deu-lhe uma palmada, para ele respirar, e depois entregou-o à velha.
— Olha, Nick, é um rapaz. Que dizes de ser interno?
— Acho bem — respondeu Nick, que tinha a cara voltada, para não ver o que o pai fazia.
— Pronto, acabou-se — prosseguiu o pai e pôs qualquer coisa na bacia.
Nick não olhou para ver o que era.
— Agora, tenho de dar uns pontos — continuou o médico. — Podes olhar ou não, Nick, como quiseres. Vou fechar a incisão que fiz.
Nick não olhou, perdera a curiosidade havia muito tempo.
O pai acabou o trabalho e endireitou-se e o tio George e os três índios também. Nick levou a bacia para a cozinha.
O tio George olhou para o braço e o índio jovem sorriu, ao lembrar-se do sucedido.
— Desinfecto-te isso com água oxigenada, George — disse o médico.
Inclinou-se para a índia, que estava quieta, de olhos fechados e muito pálida. Não sabia o que acontecera ao bebé nem nada.
— Voltarei de manhã — prometeu o médico. — A enfermeira deve chegar ao meio-dia de St. Ignace e trará tudo quanto for preciso.
Sentia-se entusiasmado e falador, como os jogadores de futebol nos vestiários, depois de um jogo.
— Esta foi digna do jornal médico, George — declarou. — Fazer uma cesariana com um canivete e suturar com guias de tripa, afuseladas, de 2,70 metros.
O tio George, que estava encostado à parede a olhar para o braço, comentou:
— Oh, não há dúvida de que és um grande homem!
— Acho melhor dar uma olhadela ao orgulhoso pai. Geralmente são os que mais sofrem com estas bagatelas. Devo dizer, no entanto, que ele fez muito pouco barulho.
Afastou o cobertor que tapava a cabeça do índio e ficou com a mão molhada. Empoleirou-se na borda do beliche inferior, com a lanterna numa das mãos, e espreitou. O índio estava com a cara virada para a parede e a garganta cortada de orelha a orelha. O sangue escorrera e formara uma poça no sítio onde o peso do seu corpo encovava o colchão. A cabeça repousava em cima do braço esquerdo e a navalha aberta estava abandonada nos cobertores, de gume para cima.
— Leva o Nick lá para fora, George — pediu o médico. Não foi necessário. Nick, que se encontrava à porta da cozinha, pudera ver bem o beliche superior, quando o pai, de lanterna na mão, inclinara para trás a cabeça do índio.
Começava a clarear quando percorreram a estrada de abate de árvores, a caminho do lago.
— Lamento muitíssimo ter-te trazido, Nick — disse o médico, perdida toda a exaltação pós-operatória. — Não te devia ter exposto a uma coisa tão horrível.
— As mulheres passam sempre tão mal quando têm bebés? — perguntou Nick.
— Não. Este caso foi muito, muito excepcional.
— Porque se matou ele, paizinho?
— Não sei, Nick. Suponho que não teve coragem para suportar aquilo.
— São muitos os homens que se matam, paizinho?
— Não, Nick, não são muitos.
— E as mulheres? São muitas?
— As mulhenes são raras.
— Nunca se matam?
— Matam-se, às vezes.
— Paizinho...
— Que é?
— Aonde foi o tio George?
— Não tarda a aparecer.
—