"Era uma vez um castelo no topo de uma colina, onde vivia um inventor cuja maior criação é o Eduardo. Apesar deste possuir um carisma irresistível, não é perfeito. A trágica e súbita morte do inventor deixou-o incompleto e dotado de afiadas tesouras em vez de mãos. Eduardo vivia sozinho na escuridão até o dia em que uma vendedora de Avon o adoptou, passando a viver com a familia desta. E assim começou a fantástica aventura no paraíso chamado Suburbia.
De Tim Burton, o realizador de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e Marte Ataca, chega-nos um inesquecível conto de fadas sobre o menos usual dos personagens. Com Johnny Depp, Winona Ryder, Dianne Wiest e Vincent Price como o Inventor."
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Eduardo mãos-de-tesoura é um filme que marca.
Conta a história de um ser diferente. Alguém cuja diferença é mais do que um par de tesouras no lugar de um par de mãos.
Conta a história de um par de tesouras que é mais do que um mero substituto das mãos. Dá azo a preconceitos, a discriminação, prejudica a comunicação, a inter-relação com os outros seres.
Conta a história de alguém que, apesar da diferença, tem sentimentos, ama, é ferido.
Conta a história de alguém, mais humano que muitos humanos, que se exprime fazendo esculturas de gelo, e magoa a pessoa que ama quando tenta demonstrar aquilo que sente...
Conta a história da pureza de espírito e o contraste com o cinismo, a inveja, o ponho-te-a-assar-no-espeto-só-porque-tu-estás-no-meu-caminho...
Há quem diga que o filme é, de certo modo, autobiográfico do realizador, Tim Burton, que, há quem diga, sofre de síndrome de Asperger.
Há quem diga que as mãos de tesoura de Eduardo são apenas uma metáfora da dificuldade em expressar sentimentos, em se relacionar com os outros, apesar da manutenção de um funcionamento quase normal ou normal.
O síndrome de Asperger, tal como a maior parte das perturbações do foro mental, pertence a um espectro - o espectro autista.
O autismo, na sua acepção psicopatológica, (ou seja, apenas em termos de sintomas e sinais, não de uma classificação nosológica/nosográfica) consiste na incapacidade de a pessoa se relacionar com os outros. Pode fazer, enquanto sintoma/sinal, e num sentido lato, parte de diversas perturbações, como a esquizofrenia ou alguns quadros depressivos.
Já em termos nosográficos, há várias características que distinguem o Autismo e o Síndrome de Asperger.
Assim, o autismo pressupõe um atraso global do desenvolvimento da linguagem.
Esta classificação não exclui, contudo, o facto de, no Síndrome de Asperger haver dificuldades na interpretação da linguagem além do concreto. As pessoas com Asperger podem não ser capazes de entender o humor, a ironia. Podem, igualmente, não ser capazes de identificar sentimentos noutras pessoas, ou exprimir os seus próprios sentimentos.
Por outro lado, a pessoa com autismo ou síndrome de Asperger pode, muitas vezes, sofrer de outro tipo de perturbações. (Como diria um médico que foi meu assistente de Pediatria, quem tem pulgas também pode ter piolhos...)
Podemos traçar um paralelismo com a surdez: imaginem vocês que a dada altura da vossa vida deixam de ouvir. A não ser que, tal como Beethoven, tenham a nona sinfonia na cabeça e não precisem do ouvido para nada, é possível que se sintam tristes, ansiosos ou, se a vossa personalidade tiver determinados traços, que desenvolvem comportamentos psicóticos - por exemplo, acreditem que as pessoas à vossa volta digam mal de vocês se não as conseguem ouvir.
Com as pessoas com síndrome de Asperger e autismo passa-se exactamente o mesmo. Não conseguem interpretar, não se conseguem relacionar, têm comportamentos e interesses obsessivos... Daí alguns sintomas secundários. Outros incluem as perturbações da atenção e a nível do comportamento alimentar.
O mais curioso é que, como espectro que é, há muita gente com discretos deficits funcionais da comunicação e da relação a passear por aí alegremente...
Alguns, diz-se, ocupam postos de chefia na política, na medicina, na esfera judicial e, pasme-se, até na psiquiatria, que é a especialidade da comunicação por excelência. (Já lidei com uma ou duas pessoas nestas circunstâncias...)
O autismo e o síndrome de Asperger não têm cura, de momento. Contudo, isto não significa que não se trate os sintomas: a ansiedade, a depressão, a disfunção da atenção... Não significa que não se ame, não se respeite, não se acolha, não se integre uma pessoa com síndrome de Asperger, porque, tal como Eduardo Mãos de Tesoura, esta, apesar de não o exprimir, tem sentimentos.