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11/03/2020

Suecos Hedningarna revolucionam festival Intercéltico de Sendim


CULTURA
SEXTA-FEIRA, 30 JUL 2004


Suecos Hedningarna revolucionam festival Intercéltico de Sendim

Esta é a melhor programação de sempre de um festival que vai já na quinta edição

É a melhor programação de sempre do festival Intercéltico de Sendim, evento que, ano após ano, tem vindo a crescer fruto do cuidado posto nas programações e do excelente ambiente que se vive durante um fim-de-semana. Este ano passarão pelo palco, nos dias 30 e 31 deste mês, os Hedningarna, Milladoiro, La Musgaña, Llangres, Fred Morrison & Jamie McMenemy e Marenostrum.
            Com os Hedningarna é o tudo ou nada do confronto total. Para estes suecos que irão fechar o festival, o “apocalypse” é a palavra de ordem. Só não é o fim da folk porque as raízes tradicionais continuam entrançadas na sua música, mas é folk em estado de alerta nuclear, feita de um jogo de tensões por vezes quase brutais, sustentadas, por exemplo, pela “drone” de uma sanfona eletrificada que parece querer explodir a qualquer instante. Instrumentos acústicos e elétricos combinam-se na música destes iconoclastas de forma inovadora, alargando, e de que maneira, os limites da música tradicional. Numa palavra, os Hedningarna simbolizam a revolução. Álbuns como “Kaksi” e “Tra” estabelecem a fronteira entre um “antes” e um “depois” para a folk europeia.
            No lado oposto, do classicismo, estão os galegos Milladoiro, verdadeira instituição do seu país e uma das mais representativas da música de raiz céltica da Europa. Se os Hedningarna são corte e irrupção, os Milladoiro, que fecham o primeiro dia do festival, são um bosque verde povoado por criaturas mágicas. Das raízes dos primeiros e seminais álbuns “O Berro Seco” e “Galicia de Maeloc” até aos mais recentes “As Fadas de Estraño Nome”, “Aires da Terra”, “Auga de Maio” e “Niño do Sol”, é todo um percurso de depuração e aprofundamento do folclore galego que os Milladoiro abordam de uma perspetiva por vezes quase sinfónica, na forma como arranjam a harpa céltica, as gaitas e demais instrumentos da tradição.
            De Espanha chegam outras duas formações que irão dar que falar. Os La Musgaña, de Castela, e os Llangres, das Astúrias. Dos La Musgaña espera-se o mesmo rigor e alguma excentricidade, tal qual estão patentes em álbuns como “Lubican” e “Las Seis Tentaciónes”. Os LLangres representam a nova tradição asturiana, ora efusivos nas gaitas, ora introspetivos na harpa céltica. Mais gaita-de-foles, mas desta feita a escocesa, far-se-á ouvir através do extraordinário executante que é Fred Morrison, a provar que as “Highland pipes” podem ser algo mais que lamentos ou aterradores gritos guerreiros. Fred Morrison, autor de álbuns como “Broken Chanter” e “The Sound of the Sun, será acompanhado por Jamie McMenemy, no bouzouki, com quem já gravou “Up South”. Os portugueses estão representados pelos Maré Nostrum, vencedores do I Arribas Folk, Concurso Nacional de Música Folk.
            Depois dos concertos haverá um festival paralelo, imprevisível mas necessariamente acompanhado por libações mais ou menos célticas. Na Taberna dos Celtas a música nasce espontânea, com gaiteiros a criarem o pandemónio, sejam eles anónimos ou os Los Yerbatos, das Astúrias, convidados pela organização especialmente para o efeito. Também os Pauliteiros de Valcerto, do Mogadouro, garantirão a animação do recinto, depois de terem atuado na rua de tarde do dia 31. Nas ruas de Sendim atuam ainda, no mesmo dia, atores do grupo Teatro Peripécia.
            Consumados os dois dias de concertos, o dia seguinte, 1 de Agosto, permitirá ainda assistir, na Igreja Paroquial de Sendim, a uma Missa Castelhana, a cargo do grupo Santaren Folk, oriundo de Castela-Leão. No pino do Verão, as Terras de Miranda serão, pelo quinto ano consecutivo, a capital do mundo céltico.

18/10/2016

Festival de Sines a roçar a perfeição

CULTURA
DOMINGO, 28 JULHO 2002

Festival de Sines a roçar a perfeição

Cristina Branco, Hedningarna e David Murray foram os primeiros trunfos do 4º Músicas do Mundo que este fim-de-semana decorreu em Sines.
World music soletrada com as letras da diferença

Fenomenal. Atingido o quarto ano de vida, o festival Músicas do Mundo (FMM) de Sines atingiu um nível qualitativo de se lhe tirar o chapéu. Dom som e das luzes à qualidade da música e ao ambiente que se respira dentro e fora do castelo onde os concertos têm lugar, tudo tem funcionado a roçar a perfeição. Cristina Branco e Hedningarna (no dia de abertura, quinta-feira), David Murray Big Band e Los de Abajo (sexta-feira) rubricaram atuações memoráveis, qualquer delas representativa de um conceito de world music que não se esgota na prática de fórmulas ortodoxas.
                Há quem se irrite ao ver entrar e sair sons politicamente incorretos pela porta de emergência da tradição. Houve quem se irritasse e comentasse rabugento que o que Cristina Branco canta não é fado mas, que raio, “a rapariga até tem voz”. Ela esteve-se nas tintas e, simplesmente, cantou, mais solta e sensual do que alguma vez a vimos e ouvimos em palco. Numa entrega à noite, à luz e às notas de guitarra que Custódio Castelo lhe ia lançando em dádiva e desafio.
                A fadista, perdão, a cantora não receou tocar na memória de Amália, navegando nos “Barcos negros” da saudade, como não hesitou em timbrar a voz na música popular ou no pós-fado-canção marcado pelo mesmo registo de nobreza melódica que João Braga introduziu na música de Lisboa. “Corpo iluminado” e “O descobridor” deram o mote, mas também já as melodias do próximo álbum, “Nu”, que será sobre poesia erótica. Custódio Castelo liderou o grupo de guitarras numa sequência instrumental que revisitou Paredes e iludiu a redundância, aglutinando, colorindo e trocando as certezas ao flamenco, à música árabe, às escalas chinesas e ao… fado. Castelo poderá ser, caso queira arriscar ainda mais nas notas que tem dentro de si, um igual de Stephan Micus.
                Cristina Branco mais do que uma grande intérprete, não do fado mas do sentimento que este encerra e que de tão português é universal, mostrou estar disposta a ir ainda mais longe. Pelo caminho, que poucos ousam da transcendência.

Da folk a um Big Mac latino
Mas a noite tinha reservadas outras maravilhas. Bem mais violentas, por sinal. Os Hedningarna cumpriram o que deles se esperava, dando da folk com origem na Suécia a imagem de combustão de passado e futuro, em que diabos e anjos dançam de mãos dadas. Com o violinista, Magnus Stinnerbom, a fazer as vezes de “showman”, e os veteranos Anders Norudde e Hallbus Totte Mattsson a usarem o “harding fiddle”, a gaita-de-foles e a sanfona como armas de guerra, a surpresa maior veio das duas cantoras, a regressada Tellu Virkkala e Liisa Matveinen, esta última verdadeiramente endiabrada. Cantaram canções para expulsar demónios, apaparicaram o amor numa tijela de sarcasmo, oferecendo um romance escrito com as letras de uma “Pornopolka”, da mesma forma que autorizaram o silêncio quando as respetivas vozes se entrelaçaram na nudez sem proteção do canto “a capella”. Quer dizer: a máquina Hedningarna carburou a cem por cento. Resultado: quando o grupo se quis ir embora, ninguém deixou. Três encores souberam a pouco. Acontece que um avião – explicaram – esperava por eles dali a poucas horas para os levar para nova arena de combate.
                Na sexta-feira, a world music chamou-se jazz. E também neste caso, como no de Cristina Branco, a música desencadeou resistências. Entre quem, em tom de desdém, falasse em “jam session”, e a mais do que imerecida inexistência de pedido de encore, a “big band” de David Murray deu lições a quem quisesse aprender. Embora o contexto e os músicos fossem cubanos (“Havana Moods”, assim vinha anunciado no programa), o jazz, sem facilitismos, foi o grande triunfador. Sem recurso a etiquetas. A Cuba que esteve em Sines foi a de filial importante do jazz. E David Murray foi o mestre que se conhece. Pena, desta vez, e só desta, Sines não ter entrado “in the mood”: se, como diretor da orquestra, foi mais instigador e organizador de sensibilidades do que disciplinador, como solista chegou a ser exaltante. Do seu saxofone tenor – daqueles que têm dentro toda a história do jazz e ainda espaço para o que não vem escrito nos compêndios – saíram passes de sabedoria. Na memória ficará um solo absoluto, feito de arrojo, grito e oração (e alguma mágoa…) que deixou claro que o “free” não é, nunca foi, sinónimo de desordem mas a demanda de uma ordem nova. O espírito de Albert Ayler chegou a pairar no ar. Com a diferença de que Murray é uma alma “civilizada”…
                A fechar a noite de sexta-feira, o FMM abriu alas à tourada. Os mexicanos Los de Abajo não estiveram com meias medidas. Levaram tudo à frente com o seu Big Mac de salsa, reggae, cumbia e latinidades várias para dar ao pé. O público entrou no bailarico.

Festival Músicas do Mundo anima Sines por três dias

CULTURA
QUINTA-FEIRA, 25 JULHO 2002

Festival Músicas do Mundo anima Sines por três dias

HEDNINGARNA EXPLOSIVOS HOJE NO CASTELO

Pelo quarto ano consecutivo, o castelo de Sines abre as portas à “world music”. É o festival Músicas do Mundo. Com Cristina Branco, Hedningarna e David Murray. Com fogo e estrelas

Alentejo. Sines. O castelo. Lá dentro. Foi aí, em Sines, como diria o ilustre professor José Hermano Saraiva, abrindo muito os braços e olhando de frente para a câmara, que nasceram Vasco da Gama (o descobridor) e, há menos tempo, o festival Músicas do Mundo, dedicado à chamada "world music", versão não facciosa.
                Este ano, quarto de uma vida ainda curta mas já recheada de história (a primeira edição decorreu em 1998 e daí para a frente o certame rapidamente se institucionalizou no panorama dos festivais do género), o programa é, uma vez mais, de se lhe tirar o chapéu, destacando-se como cabeças-de-série os suecos Hedningarna e o saxofonista de jazz (mas sabe-se como o jazz é adaptável...) David Murray com a sua "big band". Mas todos os outros prometem: Cristina Branco, Los de Abajo, Popa Chubby, Yat-Kha, Mabulu.
                Os concertos decorrem ao ar livre, no interior das ameias do castelo e, atendendo a que as noites no Alentejo litoral costumam ser nesta altura aprazíveis, o cenário não poderia ser mais convidativo: Música, mar e estrelas. E, no encerramento, como de costume, a euforia dos sons misturados com fogo-de-artifício.
                Cristina Branco é a primeira a atuar no Músicas do Mundo. Ser ou não ser fadista é questão de somenos, que se apaga perante a evidência de uma voz e uma presença iluminados. Branco é fusão das sete cores do arco-íris. A música de Cristina Branco (e do seu marido e guitarrista Custódio Castelo) é esse espectro de luz em cuja ponta está deposto um tesouro.

Funk iconoclasta
Já as cores dos Hedningarna tendem para o vermelho vivo da iconoclastia. Quando, já vai fazer uma década, editaram o álbum "Kaksi", o mundo da música folk entrou em paroxismo e nunca mais voltou a ser o mesmo. De então para cá estes suecos que se auto-intitulam "pagãos" têm vindo a suavizar a sua fúria e a reconciliarem-se com as raízes que ajudaram a arrancar, mas a originalidade do projeto permanece intacta e são sempre de esperar surpresas vindas do casamento contranatura, mas neles tão eficaz, entre a eletricidade, sanfonas e gaitas-de-foles possessas e o gelo que queima das tradições escandinavas.
                David Murray em contexto cubano abre a porta do castelo na noite de amanhã. Murray é um notável (ou um dos "notáveis") saxofonista tenor, absolutamente esplendoroso no registo da balada, mas cuja imperiosa necessidade de gravar o faz dispersar-se entre as cinco estrelas que premeiam os marcos do jazz ("The Hill", "Deep River", "Ballads", "Special Quartet", "Body and Soul") e "blowin' sessions" tão tecnicamente irrepreensíveis quanto inconsequentes. Traz a Sines, onde já esteve o ano passado, a sua "big band" e o projeto "Havana Moods". Esperam-se mambos e boleros. O que não admira – se nos lembramos que já se rendera no passado ao ritmo do samba – nem amedronta, se nos confortarmos na certeza de que o seu saxofone tenor fala sempre mais alto.

Moçambique em Sines
A fechar sexta-feira, Los de Abajo. Mas vão acima, não abaixo. São mexicanos e não levam as convenções musicais muito a sério, como o Porto já pôde verificar num dos seus "Ritmos do Mundo". Hip-hop, rock, punk, merengues, rebeldia e cowboiada fazem o cocktail. Como na cidade do México, cabe lá tudo. Nada de subtil, mas o pé bate e a boca sorri. Gravaram um álbum para a Luaka Bop, de David Byrne. Bom sinal.
                Sábado, último dia do Músicas do Mundo, começa com Popa Chubby. A fórmula é, como a dos mexicanos, permissiva, neste nativo do Bronx com má pinta mas um amor sem limites pelos blues, o punk, o rock e o hip-hop. Já disse: "O meu objetivo final é escrever a perfeita canção de três minutos como se fosse o último encontro de Hendrix, Coltrane e Bird, com as líricas de Tom Waits." Coisa despretensiosa. Falta cumprir.
                Os Yat-Kha tocarão, mas sobretudo cantarão, como se canta em Tuva, e em mais parte nenhuma do globo – com a garganta aberta para as profundezas da alma e a capacidade de emitir dois sons em simultâneo. A terminar, vindos de Moçambique, atuam os Mabulu, nomeados para os "BBC Awards for World Music" do ano passado, finalistas do "Kora, All Africa Music Awards" e autores dos álbuns "Karimbo" e "Soul Marrabenta". A tradicional marrabenta encontra o hip-hop. Moçambique encontra Sines. Encontram-se todos com o fogo. O de artifício e o outro.

PROGRAMA
CASTELO DE SINES, ENTRADA LIVRE

HOJE
Cristina Branco 21h30
Hedningarna 23h

AMANHÃ
David Murray Big Band 21h30
Los De Abajo 23h

SÁBADO
Popa Chubby 21h15
Yat-Kha 22h45
Mabulu 24h

29/08/2016

Hedningarna - Tra [Álbuns do ano em World]

Pop Rock

14 Dezembro 1994
ÁLBUNS DO ANO EM WORLD


HEDNINGARNA
Tra

Pelo segundo ano consecutivo, os Hedningarna assinam o melhor álbum do ano. Por este andar, e no caso de estes suecos lançarem anualmente um novo disco, arriscam-se a ter lugar cativo nesta secção. Para já, “Tra” está ao mesmo nível do anterior “Kaksi!”, considerado o melhor do ano transato.
A curiosidade estava desta vez em verificar de que maneira o grupo sueco conseguiria encontrar uma porta de saída que lhe permitisse continuar a ditar leis sem cair na repetição. Escolheram dar um passo em frente pelo lado da energia, levando ao absurdo as possibilidades oferecidas pela música tradicional nórdica. Ao ponto de se arriscarem a que se lhes chame um grupo de “rock’n’roll”, um rótulo que se calhar até nem os aborrecerá muito, de tal forma soltam a violência e os ritmos cerrados numa música que não se envergonha de ser totalitarista e avassaladora. Por onde passam, os Hedningarna deixam atrás de si terra queimada. O xamanismo mágico, essa técnica que visa a convulsão do corpo e do espírito para os libertar das grilhetas mentais, encontra aqui terreno fértil, mesmo que nem sempre da forma mais convencional. Para os Hedningarna vale tudo, desde a exploração quase indecente das sonoridades “proibidas” dos instrumentos tradicionais, como a gaita-de-foles e a sanfona, até caminhos que rondam áreas mais urbanas da música e passam, num dos temas, pela utilização “industrialista” de uma moto-serra. Depois, as vozes femininas de Sanna Kurki-Suonio e Tellu Paulasto também raramente têm um momento de sossego, em constante corpo a corpo com as percussões omnipresentes de Björn Tollin. Para os mais tradicionalistas, a audição de “Tra” poderá constituir uma experiência aterradora, podendo mesmo levantar-se a questão de se o que eles se propõem fazer não é afinal destruir a própria música tradicional, como a conhecíamos, para construir no seu lugar uma linguagem que Nietzsche não desdenharia perfilhar. Seja qual for a resposta futura, fica uma certeza, a de que os Hedningarna continuam a caminhar absolutamente sós num mundo novo cujo mapa só agora começamos a vislumbrar.


Não assinado

24/11/2010

Hedningarna - Karelia Visa

Sons

26 de Fevereiro 1999
DISCOS – WORLD

As raparigas finlandesas estão de volta

Hedningarna
Karelia Visa (9)
Silence, distri. MC-Mundo da Canção

O aparecimento de um novo álbum dos suecos Hedningarna já não provoca a mesma onda de admiração e estupefacção que se levantou quando “Kaksi!” irrompeu no mercado de world music em 1992. Nessa altura “Kaksi!” rebentou como uma bomba, carregada com uma mistura explosiva de sons tradicionais e electricidade que rivalizava em volume e energia com qualquer banda de “heavy metal”. Foi ainda este álbum que deu origem ao consequente “boom” de novas bandas escandinavas no resto da Europa. Mas se o choque causado por “Kaksi!” se dissipou, não esmoreceu a expectativa de acompanhar cada passo da evolução de uma das bandas mais excitantes da cena folk actual.
Depois de “Kaksi!”, os Hedningarna avançaram no sentido da electrificação, passando pelo paiol de dinamite de “Trä” (1994) antes de entrarem decididamente (e, para alguns, perigosamente) nos territórios da música de dança, em “Hippjokk” (1997), segundo um trajecto que culminaria, nesse mesmo ano, com o álbum de remisturas, “Remix Project”. A partir daí ofereciam-se ao grupo duas vias: ou deixavam, em definitivo, de poder ser considerados uma banda folk (o que, por si só, não constitui nenhum defeito) ou encetavam nova mudança de rumo. A escolha recaiu sobre a segunda destas hipóteses. “Karelia Visa” é um retorno à vertente mais tradicional que caracterizava o álbum de estreia do grupo, “Hedningarna”, de 1989. Primeira verificação importante e que a própria promoção faz questão de frisar quando anuncia que “the finnish girls are back at the microphones!” é o regresso das duas cantoras finlandesas, Sanna Kurki-Suonio e Anita Lehtola, que haviam abandonado o grupo depois de “Trä”, amputando “Hippjokk” de um dos seus órgãos vitais.
Em “Karelia Visa”, resultante da estadia dos Hedningarna, na Primavera e no Verão passados, em Carélia, região fronteiriça entre a Rússia e a Finlândia, as duas recuperam o anterior protagonismo, assinando vocalizações empolgantes e, nalguns casos, como em “Neidon laulu”, verdadeiramente mágicas. “Karelia Visa” ignora deste modo a vontade de todos aqueles que desejariam continuar a deliciar-se com a anterior postura “headbanger” do grupo, para obedecerem a uma motivação mais profunda e que os próprios músicos enunciam: “Durante anos estudámos e deparámo-nos com a tradição das canções rúnicas (‘runosongs’) de Carélia, através da audição de velhas gravações em cilindro de cera ou da leitura de livros, usando este conhecimento para uma interpretação livre e nos nossos próprios termos das mesmas. Desta vez quisemos ir mais além, em direcção ao núcleo e à fonte da tradição. Regressámos cheios de imagens [algumas delas reproduzidas no livrete do disco] e de sensações sobre a vida em geral e da Carélia em particular.” Depurados da febre que os consumia, os Hedningarna voltaram, paradoxalmente, a surpreender, ficando a “continuação” de “Hippjokk!” guardada para a futura gravação de um disco de Björn Tollin e Hällbus Totte Mattson com o grupo de música de dança Virvla. Com “Kareli Visa”, os Hedningarna recuperaram o mistério das primitivas florestas pagãs e uma aura da imprevisibilidade.

23/12/2008

Hedningarna - Hippjokk + Garmarna - Guds Spelemän

POP ROCK

12 Março 1997
world

Companheiros de escola

HEDNINGARNA
Hippjokk (8)
Silence, distri. MC – Mundo da Canção

GARMARNA
Guds Spelemän (8)
Xxource, distri. MC – Mundo da Canção

Olhem lá para a pinta de malucos dos meninos. São os suecos Hedningarna, a coqueluche da música, hã…, tradicional escandinava, no seu muito aguardado regresso discográfico, agora reduzidos a um trio. Quer dizer que neste seu novo álbum os três meninos – Anders Stake, Hällbus Totte Mattsson e Bjӧrn Tollin – ficaram sem as meninas, Sanna e Tellu, as bruxinhas boas dos anteriores e fabulosos “Kaksi” e “Trä”. Foi-se também embora a sanfona assassina (se calhar explodiu mesmo…). A loucura instrumental, essa, permanece, se bem que, agora, num registo mais normalizado e, por isso, menos escandaloso. Além disso – surpresa –, as vozes de Stake e Mattsson cumprem satisfatoriamente o registo de arrebatamento xamânico característico dos Hedningarna, tarefa que antes pertencia à falange feminina.
Fazendo o ponto da situação, temos que o grupo sedimentou um estilo que tem vindo a fazer escola, não só no seu país de origem: um tribalismo exacerbado – nalguns casos de ressonâncias quase africanas – que, paradoxalmente, levando em conta a evolução sofrida pelo grupo de “Kaksi” para “Trä”, dispensa nesta sua nova fase, quase por completo, a componente electrónica. Nesta medida, “Hippjokk” pode ser encarado como um retorno discreto às proximidades da tradição, como acontecia no álbum de estreia, “Hedningarna”. Algo que se pode verificar com nitidez em temas como “Dufwa” ou “Skåne”, o que poderá significar uma tomada de consciência quanto ao esgotamento de uma fórmula de ruptura que terá atingido em “Trä” os seus limites.
Poderoso, como seria de esperar, mais do que nunca apoiado no frenesim das percussões (estonteantes, faixas como “Bierdna” ou “Kina”), “Hippjokk” deixa de fazer da estratégia de choque uma questão de honra, ao mesmo tempo que mostra que os Hedningarna estão bem de saúde, provavelmente até libertos do peso de uma responsabilidade que os obrigava a transportar, sozinhos, o fardo da revolução.
Libertos de qualquer pressão, os Garmarna prosseguem, por seu lado, o seu caminho de renovação da música de raiz tradicional sueca, neste caso ainda com a voz de Emma Hårdelin a conferir uma força adicional às polifonias colectivas, “drones” de sanfona, samplagens e percussões etno-rock que tornam único o som dos Garmarna, inovadores dentro da tradição sueca, sem contudo a atirarem pela borda fora, como, apesar de tudo, ainda fazem os Hedningarna. Todavia, a aproximação entre estes dois grupos faz-se sentir em temas como “Min man”, “Varulven” ou “Herr Holger”, fenómeno de simbiose, não de todo desejável, provocado pelo atrás mencionado “efeito de escola” dos autores de “Kaksi”, o que não acontecia no anterior álbum dos Garmarna, “Vittrad”. Apetece dizer que os Garmarna, num altura em que os Hedningarna parecem ter chegado a uma encruzilhada, foram buscar influências a “Kaksi” e “Trä”, assumindo-se como os continuadores de um trabalho ainda com novas potencialidades por explorar.
“Hallings” da Noruega, um poema do povo “saami”, baladas medievais, histórias de lobisomens e tragédias de família desdobram-se nos tons de vermelho que se tornou a cor fundamental, tanto da embalagem como dos sons, de “Gude Spelemän”. Os Garmarna decidiram trocar a poesia pela energia.

03/06/2008

Hedningarna - Trä

Pop Rock

16 de Novembro de 1994
WORLD

NO EXCESSO ESTÁ A VIRTUDE

HEDNINGARNA

Trä (10)
Silence, distri. MC – Mundo da Canção

O novo disco dos Hednigarna! Só de pensar será para muitos o êxtase antecipado. Que poderão ter estes suecos para apresentar depois da superbomba “Kaksi!”, unanimemente clamado como um dos grandes discos de folk, ou algo do aparentado, do ano? A resposta, consumada a audição, só pode ser uma: música! Se parte do impacto causado por “Kaksi!” derivava precisamente de factores como “novidade” e “diferença”, de um som sem antecedentes próximos da música de raiz tradicional oriunda não só da Escandinávia como do resto do planeta, em “Trä” (“madeira”) esse elemento-surpresa, como é óbvio, esbateu-se ou desapareceu mesmo por completo, o que permite agora à atenção concentrar-se por inteiro na própria música, independentemente de uma atitude ou do desenho de uma estética geral que em “Kaksi!” causaram o estrondo que se sabe.
Com a entrada triunfal do som de madeira de uma gaita-de-foles, sobre as percussões majestosas de Bjӧrn Tollin (de resto com um trabalho portentoso ao longo de todo o álbum), em “Täss’ on nainen”, tem início a passagem de novo vendaval dos Hedningarna. Uma serra eléctrica introduz o tema seguinte, “Min skog”, outra vez com percussões demenciais e a sanfona de Andres Stake, como de costume, ameaçando estoirar a qualquer momento. “Varg Timmen”, com percussões electrónicas a lançarem para o espaço o violino “hardingfela”, é pop, é tradicional, é tudo o que se lhe quiser chamar, é irresistível e decerto o tema em que as rádios vão pegar. Em “Gorrlaus”, a voz de Sanna Kurki-Suonio aparece filtrada e a sanfona volta a ranger os dentes sobre percussões totalitaristas. Os Hedningarna são os Laibach da folk! “Skrau Tvål” é uma dança xamânica e “Pornopolka” (!) uma segunda hipótese a considerar do ponto de vista radiofónico.
O experimentalismo respiratório de “Räven” remete para a importância que as “drones” detêm na música dos Hedningarna, cuja dupla de vocalistas femininas (além de Sanna, Tellu Paulasto) volta a atear-se em “Såglåten”. “Tuuli” é tecno da idade do gelo e nova demonstração de que os Hedningarna não receiam pisar o risco. É necessário esperar pelo penúltimo tema, “Täppmarschen”, o mais “tradicional” na forma, de “Trä”, para se ter direito a um pouco de calma. Se ainda não adivinharam, “Trä”, mais ainda do que “Kaksi!”, tem um “speed” que ronda o frenesi e não dá um segundo de descanso a ninguém. Um fogo incontrolável parece possuir os Hedningarna, demónios à solta que, por enquanto, não se sabe se estão a destruir ou a construir uma nova música tradicional. Mas as chamas acabam por baixar por fim de intensidade, deixando ouvir, no princípio e durante largos segundos no final do último tema, “Tina Vieri”, o som de água a correr. A própria voz feminina brota de uma fonte mais fresca antes de a gaita-de-foles soltar um emocionado canto de despedida.
“Trä” trará decerto um público ainda mais vasto para os Hedningarna, “vikings” com o freio nos dentes para quem, mais do que nunca, a virtude está no excesso.