segunda-feira, 29 de maio de 2023

POETAS DE PARABÉNS

JÚLIO DANTAS 




A LUPA

Quatro meses depois dessa hora dolorida
voltei, já resignado e quase sem rancor,
ao ninho onde viveu aquele imenso amor
que foi o grande amor de toda a minha vida.

Compreendi, então - quanta imagem querida!-
que pode haver encanto e doçura na dor:
um perfume - era o teu - palpitava em redor;
dormia num sofá uma luva esquecida.

Uma luva e um perfume: é o que resta de ti,
dos beijos que te dei, do inferno que sofri,
do teu mentido amor de juras desleais.

Que fui eu, afinal, na tua vida intensa?
O perfume que voa e em que ninguém mais pensa,
a luva que se deixa e não se calça mais…

Júlio Dantas





        Júlio Dantas, algarvio natural de Lagos, nasceu a 19 de maio de 1876 e faleceu em Lísboa,
em 25 de maio de 1962. 
        Formou-se em Medicina e foi político e escritor. Nas letras espraiou o seu talento pela prosa, dramaturgia e poesia, área em que aqui é evocado.


sexta-feira, 19 de maio de 2023

 VOZ DA NATUREZA





Voz da Natureza

Primavera, tempo puro
Purifica o ambiente,
Tempo de maio maduro
No cenário mais virente.

Tempo de renovação,
Em que o cerrado arvoredo
Ajuda na criação
Do ninho feito em segredo.

Nos montes surgem clareiras
Onde florescem papoulas,
São como belas floreiras
Das mais rubras lantejoulas.

A natureza derrama,
Nas espécies vegetais,
Tintas de cor cuja chama
Pinta quadros naturais.

As aves com o seu canto
Desenvolvem harmonias,
Desdobrando o seu manto
Das mais belas melodias.

Por todo o espaço perpassa
O odor mais perfumado
Com que a brisa nos enlaça
Nesse aroma sublimado.

Mundo de cor e perfume
Da mais bela singeleza
Só no verno se faz gala,
Nas aves há o costume
Do canto na natureza,
Da sua voz que nos fala.

Juvenal Nunes





sexta-feira, 12 de maio de 2023

 POEMAS POR TEMAS

AFEIÇÃO




                                                                         Tema: Afeição

Amiga


Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho…
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…

Beija-mas bem!... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos
Os beijos que sonhei prà minha boca!...

        Florbela Espanca







 
        Florbela Espanca é uma poeta portuguesa consagrada pela superior
qualidade dos seus sonetos.
        O seu talento espraiou-se também, na prosa, como contista.
        Viveu uma vida infeliz e teve uma morte trágica.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

 A NOVA ARCÁDIA

NICOLAU TOLENTINO



Sátira aos Penteados Altos

Chaves na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé na casa, a mãe ordena
Que o furtado colchão, fofo e de pena,
A filha o ponha ali ou a criada.


A filha, moça esbelta e aperaltada,
Lhe diz coa doce voz que o ar serena:
- «Sumiu-se-lhe um colchão? É forte pena;
Olhe não fique a casa arruinada...»

- «Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que, por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos?» E, dizendo isto,

Arremete-lhe à cara e ao penteado.
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado!...

Nicolau Tolentino





        De seu nome completo Nicolau Tolentino de Almeida, nasceu em Lisboa, em 10 de setembro de
1740 e faleceu, na mesma cidade, em 23 de junho de 1811.

        Foi uma figura de relevo da Nova Arcádia e, enquanto poeta, os seus textos imbuíram--se de uma vertente fortemente satírica, de cariz faceto, como se faz prova pelo soneto apresentado.