leila diniz |
Símbolos sexuais e belezas lendárias do Cinema Novo, não eram
intérpretes de impressionantes qualidades dramáticas, mas rasgaram o coração e
trabalharam incansavelmente. Angustiadas, insatisfeitas e libertárias, forjaram
existência no livre-arbítrio, no consumo de drogas e na exuberância
erótica, em pleno Regime Militar.
Suas biografias foram contadas inúmeras vezes, nem sempre com
justiça. Fascinantes e contraditórias, LEILA DINIZ, DARLENE GLÓRIA e ODETE LARA
deixaram sua marca no cinema brasileiro, mas não suportaram o peso da fama.
Consumidas pelo êxito, terminaram por repudiar cinema e badalações, em busca de
algum júbilo.
LEILA DINIZ
(Niterói, Rio de Janeiro. 1945 - 1972)
Defensora do amor livre e do prazer sexual, a carismática
fluminense mais personalidade que propriamente atriz, é a nossa Brigitte
Bardot. Representa o espírito inquieto dos anos 1960, ousadia esta
afirmada em 1969 no jornal “O Pasquim”, numa sincera entrevista que
causou furor. Na ocasião, separada de Domingos de Oliveira, vivia com o
cineasta Ruy Guerra, pai de sua filha Janaína. Ela falava da vida
privada sem pudor, sendo perseguida pela censura.
Alegando razões morais, a TV Globo não renovou o contrato da
atriz. Segundo o recado malvado da dramaturga Janete Clair, não havia
papel de prostituta nas próximas telenovelas da emissora. Considerada à frente de seu tempo, chocava o país com frases como: “Transo
de manhã, de tarde e de noite” ou “Homem tem que ser durão”. Invejada e
criticada pela sociedade machista, era malvista pela direita, difamada pela
esquerda e considerada vulgar por muita gente.
Enfrentando a barra, foi à luta, colecionando êxitos no cinema,
televisão e teatro. Atuou em mais de dez telenovelas, entre elas, “O Sheik de
Agadir” (1966) e “E Nós, Aonde Vamos?” (1970). Esteve nas peças “O Preço de um
Homem” (1962), direção de Ziembinski, e “Tem Banana na Banda” (1970), uma
revista musical de sucesso. No cinema, estreou aos 21 anos, em 1967,
atuando em 15 filmes. Com “Mãos Vazias”, LEILA DINIZ ganhou o
prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cinema da Austrália.
Ao voltar da viagem australiana, seu avião explodiu na Índia, numa
tragédia que sensibilizou o Brasil. Tinha somente 27 anos. Em 1987, Louise
Cardoso encarnou a musa na cinebiografia dirigida por um amigo da estrela, Luiz Carlos Lacerda.
DARLENE GLÓRIA
(São José do Calçado, Espírito Santo. Nasceu em 1943)
Ex-cantora de rádio e ex-atriz de circo, a bela capixaba levou às
telas a vivacidade da experiência como vedete de Teatro de Revista. Sua
estreia no cinema aconteceu em 1964, em “Um Ramo para Luiza”.
Atuou nos emblemáticos “São Paulo S. A.”, de Luís Sérgio Person, e “Terra em
Transe”, de Glauber Rocha. Participou de filmes inexpressivos, como
“Os Homens Que Eu Tive” (1973), de Tereza Trautman, inspirado na vida de Leila
Diniz e proibido durante anos.
Ela teve seu grande momento como a nelsonrodriguiana prostituta
Geni de “Toda Nudez Será Castigada”, de Arnaldo Jabor, numa atuação visceral que
lhe rendeu prêmios, inclusive o de Melhor Atriz no Festival de Berlim, no
Festival de Gramado e a Coruja de Ouro. “O papel de Geni foi o primeiro que
recebi, em toda a minha vida, à altura do meu talento. Só que, quando eu fui
convidada, já estava morrendo. Estava mergulhada num mundo de drogas, vivia à
base de cocaína, LSD, maconha e álcool, para escapar a frustração dos meus
desencontros amorosos e fiz o filme com ódio, com muito ódio! Depois, quando o
filme estreou e fez sucesso no mundo inteiro, já não tinha condições de
reagir”, disse DARLENE GLÓRIA em uma entrevista reveladora em 1991.
Após “Um Homem Célebre”, passou por uma depressão, tentou o suicídio e trocou o cinema pela religião evangélica, tornando-se a pastora Helena Brandão e se mudando para Nova Iorque, onde
fez vídeos religiosos. Voltou às telas em “Até que a Vida nos Separe” (1999),
de José Zaragosa, e nas telenovelas “Carmen” (1987) de Glória
Perez e “Araponga” (1999) de Dias Gomes, Ferreira Gullar e Lauro César Muniz.
Ela confessou que foi estuprada por vários homens quando ainda era
menor de idade.
De vida pessoal atribulada, casou-se duas vezes, uma delas com o
policial Mariel Mariscot, acusado de pertencer ao Esquadrão da Morte (sua vida
pode ser vista no filme “Eu Matei Lúcio Flávio”, de 1979) e pai do seu primeiro
filho. Em 2008 brilhou no denso longa de estreia de Selton Mello como diretor,
“Feliz Natal”, interpretando Mércia, uma mãe alcoólatra e protetora. Pela atuação venceu o prêmio de Melhor Atriz nos festivais de cinema do
Paraná, Paulínia e Goiânia. No curta-metragem “Ninguém Suporta a Glória”
(2004), de Adriano Lírio, são lembrados fragmentos da vida camaleônica.
ODETE LARA
(São Paulo, SP. 1929 - 2015)
Deusa maior do cinema nacional, sensual e enigmática, ela
incendiou a imaginação do público desde sua participação na chanchada “O Gato
de Madame” (1956), ao lado de Mazzaropi. De origem
italiana, queria ser dançarina, abraçando casualmente a carreira
cinematográfica e atuando em mais de trinta filmes. Era secretária de um
escritório, quando foi convidada para desfilar no MASP. Em pouco tempo, foi
lançada como atriz na peça “Santa Marta Fabril”, de Abílio Pereira de Almeida.
Sinônimo de talento, capaz de interpretar o tipo popular vulgar e mulheres
sofisticadas. Um dos seus primeiros filmes, “Na Garganta do
Diabo” (1959), de Walter Hugo Khouri, levou-a a muitos personagens
interessantes. Em 1962, causou sensação na versão de
Nelson Pereira dos Santos para “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues.
Repetiu com Khouri no famoso “Noite Vazia”, ao lado de Norma
Bengell, como uma dupla de prostitutas de luxo que dois amigos atraem para uma
noitada libidinosa. Esteve muito bem em “Copacabana me Engana” e “A Rainha
Diaba” (1974), ambos de Antonio Carlos Fontoura. Como a Irene do primeiro
recebeu o Air France e a Coruja de Ouro de Melhor Atriz. Bruno Barreto
transformou-a numa lésbica cantora de rádio, Dulce Veiga, amante de Betty Faria
em “A Estrela Sobe”. Fez parte do universo de Glauber Rocha em
“O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, premiado em Cannes, e “Câncer”
(1972).
Abandonou o cinema em 1974, ainda no auge. Voltaria a fazer mais adiante
três filmes e a telenovela global “O Dono do Mundo” (1991), de um dos seus
admiradores, Gilberto Braga. Como o contista Caio Fernando Abreu, o jornalista
Eduardo Logullo e tantos outros, sou da turma que reconhece ODETE LARA como a mais “fascinante estrela do cinema nacional”. Norma
Bengell chegou perto, mas o título pertence a formosa protagonista de “Os
Herdeiros” (1969). Ela atuou também no teatro, fazendo 15 peças, entre elas,
“Se Correr o Bicho Pega se Ficar o Bicho Come”, de Ferreira Gullar e Oduvaldo
Vianna Filho, em 1966. Verdadeira lenda, teve algum êxito como cantora
bossanovista, lançando dois discos e participando de shows.
Como LEILA DINIZ e DARLENE GLÓRIA, ODETE LARA mergulhou fundo no sexo descartável e nas drogas. Terminou por abandonar tudo, inclusive o cinema,
pelo budismo e temporadas em mosteiros na Índia, Japão e Estados Unidos.
“Angústia e ansiedade na minha vida eram uma constante absoluta. Até certo
período, eu ainda tinha esperança de que, se obtivesse muito sucesso esta
angústia iria se dissolver. Achava que me sentia angustiada por não me achar
realizada, entende? Mas aí, quando tive sucesso, vi que ela não passava, e,
pelo contrário, se intensificava. Então procurei dissolvê-la de outra forma, já
que não conseguia através da profissão”, desabafou.
Casou-se com o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho
e o diretor de cinema Antonio Carlos Fontoura. Durante muitos anos recolheu-se
em um sítio em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, plantando, escrevendo, lendo e
meditando. “Eu, Nua”, o primeiro volume de sua autobiografia distribuída em
mais duas publicações, deu o que falar. Sua história chegou às telas em “Lara”
(2000), de Ana Maria Magalhães.
Atrizes sensuais, paparicadas, capa de revistas e convidadas
especiais de programas de tevê. Mulheres iluminadas, joias da melhor
qualidade. Machucadas, feridas, rotuladas e infelizes, descontrolaram-se,
perdendo a satisfação com a profissão de atriz. Este universo sem entusiasmo,
exagerado e frustrante, revelou uma complexidade de espantos, oscilando entre a afirmação artística e o sentimento opressivo de rejeição. Por fim,
reiniciaram suas vidas, com um futuro incerto e diferenciado.
LEILA DINIZ morreu jovem, DARLENE GLÓRIA e ODETE LARA trocaram a fama pelo
anonimato.
A beleza sedutora e os costumes avançados delas jamais foram
olvidados (como esquecer LEILA DINIZ de biquíni, grávida e sorridente, nas
águas de Ipanema?). São aves raras de um tempo em que o cinema brasileiro tinha
prestígio, arrebatava prêmios em festivais
internacionais e produzia atrizes de excelência cinematográfica como Luiza
Maranhão, Adriana Prieto, Isabella, Helena Ignêz, Irene Stefânia, Anecy Rocha,
Norma Bengell, Lillian Lemmertz, Isabel Ribeiro ou Jacqueline Myrna.
Recordá-las é celebrar a arte nacional que ilumina mentes e corações.
FILMOGRAFIA SELECIONADA
CINCO FILMES de LEILA DINIZ
01
TODAS as MULHERES do MUNDO (1967)
direção de Domingos de Oliveira
02
EDU, CORAÇÃO de OURO (1968)
direção de Domingos de Oliveira
03
FOME de AMOR (1968)
direção de Nelson Pereira dos Santos
04
AZYLO MUYTO LOUCO (1969)
direção de Nelson Pereira dos Santos
05
MÃOS VAZIAS (1971)
direção de Luiz Carlos Lacerda
CINCO FILMES de DARLENE GLÓRIA
01
SÃO PAULO S. A. (1965)
direção de Luís Sérgio Person
02
TERRA em TRANSE (1967)
direção de Glauber Rocha
03
TODA NUDEZ será CASTIGADA (1973)
direção de Arnaldo Jabor
04
Um HOMEM CÉLEBRE (1974)
direção de Miguel Faria Jr.
05
FELIZ NATAL (2008)
direção de Selton Melo
CINCO FILMES de ODETE LARA
01
BOCA de OURO (1962)
direção de Nelson Pereira dos Santos
02
NOITE VAZIA (1964)
direção de Walter Hugo Khouri
03
COPACABANA me ENGANA (1968)
direção de Antonio Carlos Fontoura
04
O DRAGÃO da MALDADE contra o SANTO GUERREIRO (1969)
direção de Glauber Rocha
05
A ESTRELA SOBE (1974)