Não sei porque passam os dias por mim, sem se importarem com aquilo que me fazem. Podiam só passar sem magoar, sem fazer da pressa seu único objetivo. São dias cinzentos mesmo quando está sol e até consigo sorrir. Felizmente esqueço-me. Não me importa, como se a vida fosse uma conta de subtrair que vai reduzindo o valor até ao zero.
Presumo que para alguns o tempo passe feliz. Mas talvez seja uma benção da sua ignorância, que não conseguem antever o destino. Mas sim, são felizes, sem amarguras na alma. Às vezes preferia não saber nada como Sócrates e ser feliz. Mas mesmo este até saber que nada sabia, apenas lhe trazia desgosto, um amargor de a vida ser curta e a quem sonha e quer, retirar tudo no final.
O tempo corre, apesar de passar sempre igual. Talvez correr seja da sua natureza e sejamos nós que às vezes queremos congelar o instante, em volta de um acontecimento feliz ou travá-lo antes de um momento doloroso e triste. Antes da morte, antes de todas as mortes que nos subtraíram e reduziram, rumo ao zero.
“Pai, o que há depois que morremos?”
“Não interessa.” respondeu de pronto.
“Porquê?”
“Porque todos ficaremos a saber, queiramos ou não...”
Acho que estou ficando louco, agora que o pai partiu, na sua descoberta do que fica para além.
Os crentes acreditam, fazendo das suas incertezas certezas, acreditando mesmo sem haver nada em que basear a crença e chamam-lhe fé. Gostava de acreditar só pela facilidade, pela falta de exigência, de poder levar uma vida mais leve mesmo que apressada, sempre apressada.
Haverá alguma solução para a angústia existencial?
“Porque tu te preocupas se nada é permanente? Que vaidade é essa tua, de julgar que a tua existência é mais importante que todas as existências passadas? Que cegueira é essa de pensar que és a mais importante de todas as criaturas sencientes?”
“Quem fala?”
“Eu que me rio da tua patética existência! Desse narcisismo permanente de acreditar que a vida é o mais importante!”
“E não é?”
“Sim, mas só enquanto vives. E tu vives? Como podes dizer que vives se te angustia a existência? Esse medo permanente da chegada da morte. Essa paranoia de visualizares um futuro sem ti. Que te pode importar o futuro se nem aprecias o presente? Que sentido faz olhar além se não és capaz de olhar aqui, usufruir o momento? Acalmar.”
Respiro fundo e vejo o mar azul, de inverno, de um azul cinzento e de espuma que se agita. É belo. Sim, consigo ouvir a música que toca no rádio e é serena. Sorrio. Talvez baste. Talvez seja só isso. Sem nenhuma interrogação. Sem nenhuma preocupação. Mergulhar no aqui e agora. Abrir o vidro e sentir esse cheiro a maresia. Oh! Que cheiro fantástico. Que cheiros fantásticos! Cheira à areia molhada... (Esta é a minha praia).
“Vês como é simples? Tudo é demasiado simples. Aceita que não são precisos grandes pensamentos para compreender. Tu sabes tudo! Nasceste com tudo o que é preciso para usufruir a tua vida. Aquela que é só tua...”
A música era bela e tão serena, mas tão serena, que senti vontade de chorar.
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