A voz dentro da cabeça
Lembro-me que me sentei na borda da cama; que juntei as mãos como há muito não o fazia. Naquele momento pareceu-me que seria adequado. Queria falar com Deus.
Dito assim pode parecer uma ocisa natural, que sempre o fiz, como aqueles que há noite antes de deitar, fazem a sua oração. Mas não. Há muito tempo quenão me disponha a falar com Deus. Falar mesmo. Chamam-lhe oração, mas eu não queria isso. Queria perguntar-lhe umas quantas coisas que me perturbavam e queria respostas.
Porque havia Deus de mas dar? Para provar que sou também seu filho e que Ele não é parcial.
Tentei com todas as minhas forças, mas Ele não respondeu. Presumo que seja uma pessoa ocupada. Mas estou mais convencido que pasmou de tédio, pois como pode entreter a sua mente gigantesca? A menos que esteja a criar algo novo,não tem como. Ainda por cima dizem que Ele está num Sábado, ou seja no seu descanso. Deve ser muito aborrecido o seu descanso, pois como Ele já sabe tudo, não pode entreter a mente com algum jogo, ou quebra-cabeças, como nós humanos.
Acho que Deus adormeceu e se esqueceu de nós. Embora sendo Ele auto-suficente,não deve precisar do sono para nada, o que acrescenta mais aborrecimento ao seu tédio.
Entretido nestes pensmanetos soou uma voz dentro da minha cabeça a rir-se e que dizia:
-- És muito engraçado! Então aborreço-me de tédio, não é?
-- Deus?... -- Perguntei, nem sei se em voz alta, tal foi o meu espanto!
-- Ora, quem esperavas? Mas isso nem é realmente importante...
-- Peço desculpa,não queria parecer i nsolente... -- Procurei eu amenizar a coisa...
-- Ora! Deixa lá, se me preocupasse a sério com isso, teria muitos insolentes para me entreter!
Concordei intimamente, mas não o disse e a voz continuou:
-- Sabes, é aborrecido que me estejam sempre a perguntar as mesmas coisas...
-- Presumo, que deva ser por não terem tido respostas satisfatórias...
-- Engraçadinho... Diz-me lá, por exemplo, o que gostarias tu de me perguntar...
-- Porque há sofrimento no mundo?
-- Eu não digo! E porque havia eu de responder a essa questão? Acaso se te explicar acaba o teu? É obviamente uma pergunta para me provocar! É estar a dizer: Eu acho que és o culpado, qual é o teu alibi? Ora francamente, isso é... como é que dizem agora? Ah já sei! Intelectualmente desonesto!
-- Deus... -- Interrompi -- Peço desculpa, acho que efectivamente estais certo, o que me preocupa mesmo, é porque é que vou morrer.
-- Que coisa mais mórbida...
-- Bem, morrer é uma certeza!
-- Como sabes?! Já morreste?
-- Eu presumo que não, mas quem morreu não voltou cá para nos informar, pelo que penso que...
-- Era preciso voltar alguém atrás e informar? Olha lá, quando sais de um acidente, pensas em voltar atrás? Ou queres ver-te livre dele? Para mais, se morres, quem te garante que depois de morto, pensas da mesma maneira que agora?
-- É um bom ponto...
-- Pois claro que é!
-- ...mas devo confessar que... quer dizer não ter assim uma esperança firme...
-- É assustador?
-- Sim, é isso! -- Concordei.
-- Mas olha que não é por ser assustador que fazem um mundo melhor! Suponhamos que esta vida é tudo o que há! Não achas que deviam ter mais juízo, ser mais amorosos uns para com os outros, mais preocupados em viver em harmonia com a natureza, com uma melhor qualidade de vida do que o que fazem?
-- Sim, mas...
-- Mas acham-se no direito de me pedir contas!
Percebi o ponto. De facto, se isto é tudo o que temos possibilidade de conhecer, se a vida é certamente curta e as possibilidades de sofrimento e miséria são tantas, era de esperar que como criaturas inteligentes, aproveitassemos o nosso tempo, para que este período que se nos oferece, pudesse ser o melhor possível e contudo, se já é amargo, convertemo-lo verdadeiramente em absinto.
Queria falar mais um pouco, talvez perguntar-lhe como podia participar em fazer um mundo melhor e mais fraterno, mas a voz já não me falava dentro da cabeça...
(escrito em 29/7/09)