domingo, abril 29, 2007

Momentos...

  
Está a fazer um ano que a Rita me entrou em casa, ao colo de uma amiga que a tinha trazido directa do Azeitão para este local do litoral nortenho, assustada, carente, maltratada.

Confesso, que me apaixonei de imediato por ela. Aliás, acho que nos apaixonámos uma pela outra. A Rita saltou-me para o colo e não deixou que mais ninguém lhe tocasse. Pouco mais de um quilo pesava e desaparecia completamente nos meus braços, apesar dos seus oito anos de idade.

Fiquei estarrecida ao perceber que fizera aquela viagem e que a tinham oferecido, por não a quererem mais. E lembro-me de ter pensado, "como é possível, alguém querer livrar-se de um animal que esteve consigo durante oito anos?"

Mas a Rita tinha sido oferecida à minha amiga e foi a custo que a tirei dos meus braços, para os braços dela. Não dormi a noite toda a pensar o que estaria ela a sentir (sim, porque os animais também sentem, apesar de muita gente pensar o contrário…) fora do local e das pessoas com quem tinha convivido durante tanto tempo.

Quis o destino que a minha amiga tivesse planeado uma viagem ao Algarve, aproveitando o feriado do 1º de Maio e perguntou-me se eu podia ficar com a Rita enquanto a viagem durasse. Exultei de alegria. Nos dias que se sucederam, a Rita foi a princesa aqui de casa e ela correspondeu com uma doçura tamanha, que até o Sting não se importou de me partilhar com ela. Obediente, dócil, fazia as delicias de quem a via. Até um novo corte de “cabelo” deixou que lhe fizessem, já que o seu aspecto descuidado me mereceu um tratamento super especial.

Quando o telefone tocou, a avisarem-me de que as mini-férias tinham terminado, o meu coração apertou-se. Não a deixei ir nesse dia. Não fui capaz. Mas quando a levei à sua nova casa, foi com lágrimas nos olhos que saí de lá. Acabei por não dormir outra noite. O Sting, com uma imensa tristeza, olhava para a camita da Rita vazia e, choramingava.

Também ele sentia saudades da miniatura, como carinhosamente lhe chamávamos.

Já tarde adormeci, por isso quando o telefone tocou, manhã cedo, dei um salto da cama e corri a atender com um ligeiro pressentimento, quando do outro lado, a voz preocupada da minha amiga, dizia-me que a Rita não estava bem, não tinha comido e tinha chorado a noite toda e perguntava-me o que lhe teria acontecido.

Num ápice, estava na estrada, a galgar os quilómetros que me levaram a um encontro que, ainda hoje, me comove a recordar. A Rita mal me viu, mudou por completo. E quando me baixei para lhe pegar, "lavou-me" literalmente o rosto, aninhando-se no meu colo e não deixou que mais ninguém lhe tocasse.

Bem… a resposta estava ali. A Rita tinha-me escolhido para ser a sua nova dona e assim o entendeu a minha amiga.

Hoje a Rita, tão diferente do dia que aqui chegou pela primeira vez, é uma menina cheia de mimo e que manda no Sting sem cerimónias.

Ele por sua vez, não se importa de partilhar o açafate dos brinquedos com ela, nem os mimos que vou distribuindo a ambos, com todo o carinho que eles merecem.


Esta é a história da Rita e do amor que me une a ela…


quinta-feira, abril 26, 2007

Aqui...

Óleo de Mieke Chantrel


Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar,
Sem nada já que me atraia, nem nada que desejar,
Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida,
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.

A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz vazio;
O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é;
A glória concede e nega; não tem verdades a fé.

Por isso na orla morena da praia calada e só,
Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó;
Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.

Dêem-me, onde aqui jazo, só uma brisa que passe,
Não quero nada do acaso, senão a brisa na face;
Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei,
Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.

Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,
Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,
Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu.



Fernando Pessoa in “Obras completas”- pág. 115

quarta-feira, abril 25, 2007

Afectos...

É com alegria no coração que volto a estes caminhos.
Em parte, devendo-se à constante demonstração de afectos que recebi, de diversas formas. E de afectos se vive, quando são abraçados no mais livre prazer de manifestação.
É esse afecto que me liga a uma pessoa muito especial a
Lena Maltez que com todo o seu carinho e paciência, tudo fez para que eu voltasse a percorrer estes caminhos, fazendo-me ainda a atribuição do Award Thinking Blogger, que eu tenho toda a alegria em aceitar.

Deveria, como é prática, passar o testemunho a outros cinco blogues, mas vou quebrar essa regra, dedicando este Award a todos os que por aqui têm passado, porque são eles a verdadeira razão da existência deste Blogue, que cumprirá dois anos na próxima semana.

A TODOS o meu obrigada e o meu abraço.


Imagem de René Magritte


Todos os pássaros, todos os pássaros
Asas abriam, erguiam cantos,
De Amor cantavam.

Todos os homens, todos os homens,
De almas abertas, de olhos erguidos,
De Amor cantavam.

De Amor cantavam todos os rios,
Todas as serras, todas as flores,
Todos os bichos, todas as árvores,
Todo os pássaros, todos os pássaros,
Todos os homens, todos os homens.

De Amor cantavam...

(Sebastião da Gama in Elegia Segunda, “Campo Aberto”)

terça-feira, abril 24, 2007

Estados de alma...

Imagem daqui

Não sei se
os meus olhos
soltam as tuas palavras.

Caminho no meio delas,
acarinho-as docemente,
danço ao som da valsa
que elas me fazem ouvir.

Quero ser
menina eterna
de azul vestida,
como o mar,
de asas de condor
e aprender a voar.

Leio-te...
mas será que te entendo?

Será que vês o interior
da minha alma
que reflecte o meu coração
que te lê, mas não te vê?

Palavras...
que fazem sonhar
ou magoam
como pregos
espetados na
minha forma de amar.

Eis-me,
sensível,
tremente,
solitária
no meio
de tanta gente...

Eis-me,
de olhos abertos,
vendo,
lendo,
querendo...

Eis-me num Mundo
que não criei,
mas onde possuo
aquilo que mais amei.
Eis-me...no teu planeta azul.

in, "Menina Marota Um Desnudar de Alma", 
pá,s  18/19, Papiro Editora

terça-feira, abril 17, 2007

segunda-feira, abril 16, 2007

Os Olhos do Poeta...

O Eternamente Menina é um outro meu "refúgio" com uma característica muito pessoal e pelo qual nutro um especial carinho.

Foi com surpresa que recebi a notícia de que o Eternamente Menina tinha recebido um simbólico prémio do blogue do
Ruvasa que me deixou muito feliz e por isso quero aqui partilhar essa alegria, agradecendo desde já ao Ruvasa tal distinção.

Tem um outro pormenor mas que só mesmo no
Eternamente Menina saberão…




O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.


Manuel da Fonseca in "Os olhos do Poeta"

É com alegria no coração que menciono o Poesia Portuguesa que também mereceu a atribuição do Award Thinking Blogger

sexta-feira, abril 13, 2007

Até Amanhã...

Pintura de Berthe Morisot



Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.


Eugénio de Andrade in "Até Amanhã"

segunda-feira, abril 09, 2007

...

Uma das mensagens que recebi via email nesta quadra da Páscoa, cativou-me de tal forma, que resolvi partilhá-la aqui…

Goivos dobrados- foto de J. Andrade

"A vida é aquilo que acontece
enquanto fazemos planos para o futuro”
(John Lennon)

O moinho de café
Mói grãos e faz deles pó.
O pó que a minh'alma é
Moeu quem me deixa só.

Dizem que não és aquela
Que te julgavam aqui.
Mas se és alguém e és bela
Que mais quererão de ti?

(Excertos de Quadras Populares de Fernando Pessoa)

sábado, abril 07, 2007

Em tempo de Primavera...

É um dos blogues onde perco o meu olhar…
Imperdoavelmente, não o tenho visitado e deixei passar o seu terceiro aniversário. Falo do Outsider o blogue da
Annie Hall um verdadeiro hino à Natureza…
Aqui deixo uma das suas espantosas imagens…


Imagem de Annie Hall



Não sei se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.
Estou um pouco ébria e estou crescendo na pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha ebriedade é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo não sei. Amo. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.



(Poema de António Ramos Rosa
 in, "Facilidade do Ar", "Antologia Poética" 1990 )

sexta-feira, abril 06, 2007

Primavera

Fotografia caseira da Menina Marota


O teu amor, querida,
fez um dia de Primavera
neste começo de Outono
que é a minha vida.
E do ramo, de onde as primeiras folhas se soltavam
pálidas, sem cor,
surgiu uma flor imprevista:
o teu amor...
Teu amor chegou assim, como uma coisa que no fundo
se deseja
mas não se espera,
emocionando o coração, neste começo de Outono
como um dia de Primavera!

(Poema de J. G. de Araújo Jorge)


Ouvir o poema na voz do Luís Gaspar
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)



quarta-feira, abril 04, 2007

Um Poema em forma de tango...

... porque me apeteceu
Imagem Dionísio Leitão



Dou-te a minha mão
Prendes os meus dedos nos teus
E nesse entrelaçar que nos liberta
Uma dança fazemos.

Sentes este tango, que te percorre os dedos?
Entrego-te a minha boca
Nos teus lábios amordaças os meus
E nesse beijo que nos incendeia
Uma sombra abatemos.

Porque sinto o Sol a percorrer-me o corpo, sem medos?
A ti me dou, em forma de palavras
Para que nos teus sentires, despertes os meus
E nessa paixão que nos enlaça
Um poema satisfazemos.

Um poema...
Este poema mágico, que sentimos dentro de nós
As tuas palavras, com que saboreias a minha alma...

domingo, abril 01, 2007

... em Domingo de Primavera

Gosto do sossego dos domingos de Primavera.
Do amanhecer calmo. De olhar o sol nascer, para lá das altas frondes das árvores que avisto, da janela do terraço. 

Ao longe, o sino da Igreja Matriz bate as oito horas. 
A sinfonia que me chega aos ouvidos, faz-me sorrir agradecida. 
Os pássaros, como que adivinhando o meu pensamento, entoam uma melodia única aos meus ouvidos. 
É esta, a hora de todos os despertares…
Pego no Livro e releio as palavras do autor…

Pintura de Vassily Kandinsky

"Quanto mais contemplo o espectáculo do mundo, e o fluxo e refluxo da mutação das coisas, mais profundamente me compenetro da ficção ingénita de tudo, do prestígio falso da pompa de todas as realidade. E nesta contemplação, que a todos, que reflectem, uma ou outra vez terá sucedido, a marcha multicolor dos costumes e das modas, o caminho complexo dos progressos e das civilizações, a confusão grandiosa dos impérios e das culturas – tudo isso me aparece como um mito e uma ficção, sonhado entre sombras e esquecimentos. Mas não sei se a definição suprema de todos esses propósitos mortos, até quando conseguidos, deve estar na abdicação extática do Buda, que, ao compreender a vacuidade das coisas, se ergueu do seu êxtase dizendo “Já sei tudo”, ou na indiferença demasiado experiente do imperador Severo: “omnia fui, nihil expedit – fui tudo, nada vale a pena”."

(Trecho 132, pág. 152 do Livro do Desassossego, composto por Bernardo Soares – Obras de Fernando Pessoa, Assírio & Alvim)