domingo, dezembro 31, 2006

Pela voz de um Emigrante...

Esta carta chegou-me, via correio electrónico, daquelas que chegam mesmo sem lhes conhecermos o endereço.
Confesso que me preparava para a “excluir” quando algo me chamou a atenção. Depois de a ler atentamente, resolvi partilhá-la, encurtando-a em parte , mas não lhe retirando a sua essência…


Imagem Google

ESPERO POR TI 2007.

O bacalhau estava óptimo e o vinho não era nada mau.
Escolhi caminhar junto ao mar e de estar comigo, porque espero dias difíceis. Andava sobre a areia, sentia o vento na minha face e chegavam as ondas.
Um outro ano que está a chegar ao fim e era tempo de balanço.
O ano 2007 está às portas, vai entrar, eu procuro uma inspiração.
No meio de tantos pensamentos, como distraído, uma garrafa no chão aqui à minha frente, como transportada no tempo, que até podia ter tido um conteúdo de valor e logo me vem de imaginar os primeiros pioneiros que procuravam um Novo Mundo.
É isso aí! Também eu protesto, desejo uma Nova Terra e quero um Novo Mundo.
Eles queriam ser livres, tinham um sonho para realizar. Queriam lutar e esta era a sua força. Sabiam que estava tudo para fazer. Partir do zero e não deviam pensar só na sua vitória, no seu bem-estar. Deviam estabelecer uma fundação forte para os seus filhos. Havia que poupar energias e todos juntos centrar uma boa direcção. Estavam dispostos a se sacrificarem tanto para ganharem as suas coisas. Este é o preço da liberdade.
Via o curso que fizeram e começo por lembrar, tantos emigrantes que estão no mundo e dele fazem parte. Os emigrantes quando vêm a se encontrar em uma nova situação, acabam por encontrar os seus melhores recursos e procuram melhorar.
Há que mudar o resultado: não se pode desperdiçar uma nova oportunidade. Geralmente se joga para vencer – o empate não interessa.
[...]
E para ganhares o teu lugar, precisas de tempo e dar o teu valor, a tua generosidade.
Não só acreditares em ti, mas seres constante e perseverante. Os resultados saltam fora.
Me agrada esta ideia de ser guerreiro, de fazer maratona. Deves fazer o teu curso.
Se ficares em casa, desejares um novo início, não tens ninguém que te possa dar uma mão e deves fazer contas contigo.
Tens que tirar fora os dentes e começar por fazer alguma coisa. Não deixar tudo como está.
Pior ainda, se não estás sozinho e tens mulher e filhos.
Um coração que quer amar vale sempre muito mais!
Insere-te bem em qualquer parte, porque senão os teus filhos encontrarão as mesmas dificuldades. É importante uma vitória que seja clara.
Os emigrantes estão sempre prontos a sacrificar tanto, a dar um salto de qualidade porque estão predispostos a querer vencer. Esta é a chave de sucesso e vem a prosperidade.
Sim, o emigrante luta para objectivos, quer realizar metas e fazer golos... é importante fazer golos.
E pensar para mim, uma vez que, tantas vezes, os nossos pontos de referência são outros? Estes modelos assim, longe de nós, de vida fácil, que deixam um vazio grande da preencher.
Quem tem um diploma, por certo frequentou a universidade, fala e escreve correctamente o português e pode até ter-se tornado advogado, entrar na política e hoje ser deputado na AR, tudo por um desejo de justiça, mas sem necessariamente ter espírito.
E o emigrante pode verificar que esta classe politica não é ambiciosa e nem tem a visão de futuro. Posso compreender porque os portugueses não votam e não querem participar, mas devemos mostrar a nossa força.
Gosto ainda mais de pessoas que protestam e querem ser livres como eu, que não se acomodam e parecem aceitar tudo como está.
Nada é complicado. Há sempre uma estrada nova que se pode abrir.
Estou a construir o meu destino e quero um Novo Mundo.
Este aqui é falso nos seus valores e vai cair sozinho!
[...]
Trata-se de gente com coragem, determinada e que quer arriscar. E até nem estão preocupados de como e onde morrer!
Mas quem são os deputados pela emigração? Quem está a representar-me? Ainda não deixei de votar.No mínimo que fossem um de nós e livres até dos partidos que não se renovam e começam a ficar ultrapassados.
Como um poço de tão pouca água.
Que sabe da vida, um jovem brilhante que entra na política, recomendado de pais para filhos, a fazer parte de uma qualquer cor de partido.
Que sonhos poderá guardar na sua gaveta. Que aspirações?
Tantos antepassados nossos desejariam poder viver um tempo assim e que olham quem somos nós.
Amanhã, quando chegar o dia 31, antes da meia-noite, vou fechar os olhos e procurar estar em cada um de vós.
Com todas as minhas limitações, vou procurar ser capaz de os abraçar.
Como um que está no deserto,ficarei a desejar, um a um, poder cumprimentar a todos, porque isto dá força e são sentimentos fortes.
Não esperando um ano fácil, que o Ano 2007 seja difícil, mas de chegarmos juntos com tantas vitórias!
Poderia desejar longa vida a todos, mas fico desejando, poucos anos, mas bons. Irei desejar não retirar-me para trás, mas estar lá, na linha da frente.
Eu agora vou ficar por aqui, mesmo sem bolo-rei.
Portugal está no coração de quem lhe quer bem. Portugal é nosso, de cada um de nós.
Vem 2007!
Um abraço forte.
Castrezzato, 26 dezembro 2006
Luis Filipe de F. Martins
(BS) Itália.
[... Excerto...]



Um Abraço também para ti, de Esperança e de Força...

FELIZ ANO NOVO

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Palavras fundamentais

Pintura de Rafal Olbinski


Faz com que a tua vida seja
sino que repique
ou sulco onde floresça e frutifique
a árvore luminosa da ideia.
Alça a tua voz sobre a voz sem nome
de todos os demais, e faz com que ao lado
do poeta se veja o homem.

Enche o teu espírito de lume;
procura as eminências do cume
e, se o esteio nodoso do teu báculo
encontrar algum obstáculo ao teu intento,
sacode a asa do atrevimento
perante o atrevimento do obstáculo.

(Poema de Nicolás Guillén, Trad.Albano Martins)


FELIZ ANO NOVO


Ouvir o poema na voz do
Luís Gaspar
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Natal à beira do rio

Óleo de John Bond


É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?


(David Mourão Ferreira
in Obra Poética, Editorial Presença,1988)



Imagem Google

terça-feira, dezembro 26, 2006

Hoje está de Parabéns...


Imagem Google

O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.



(Manuel da Fonseca in Poemas Completos)




Amita

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Entremos...É Natal...

Estrela de Natal - Autor desconhecido


"Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados..."



A voz da Mariana entoava na sala de uma forma que caía fundo no coração. Pelo menos no meu.
Conhecera-a meses antes, exactamente naquela sala e logo uma empatia nos juntou.
Não era dada a grandes conversas, nem a falar de si. Só o sorriso e o seu olhar mostravam a serenidade da sua alma.
Éramos um grupo de perto de vinte, pertencentes a um coral, alegres e barulhentos, que se juntavam à quinta-feira para ensaiar. A Mariana fazia parte dele.
Durante o mês de Dezembro os ensaios eram mais intenso com os cânticos de Natal e ainda com as recitações, que alguns gostavam e era isso que a Mariana fazia naquele momento. Lia o “Poema de Natal”, de Vinícius de Moraes com uma tal intensidade, que arrancou lágrimas de alguns olhares. E de mim.
Senti a sua falta no almoço de Natal, até porque embrulhara cuidadosamente a caixinha de música que ela olhava tão insistentemente, na montra da loja onde passávamos diariamente. Cumpríamos a tradição de todos os anos e custou-me não ter ali a Mariana.
Corri a sua casa e quando a Mãe me abriu a porta, senti de imediato um frio percorrer-me.
Nada ali, fazia lembrar que ia haver Natal…
- A Mariana está? – Perguntei um pouco timidamente.
- Sim, eu acompanho-a – e a sua voz era triste.
Só os olhos da Mariana sorriram quando entrei.
Permaneci ali calada durante breves instantes, apertando a mão que ela me estendeu.
- Trouxe-te a tua prenda, porque não me disseste que estavas doente?
- Não há nada a fazer…
e a sua voz era doce, sem qualquer rasgo de revolta.
Ficámos ali as duas, ouvindo a música que saía da caixinha… e quando, ao cair da noite nos despedimos, o Natal para mim, tinha outro significado…
Vela por todos os meninos doentes... por aqueles que têm fome e frio, que não têm onde se abrigar, que não têm um carinho, nem um sorriso…Aí nesse local onde estás... Mariana...

Entremos, apressados, friorentos,
Numa gruta, no bojo de um navio,
Num presépio, num prédio, num presídio,
No prédio que amanhã for demolido...

Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
Porque esta noite chama-se Dezembro,
Porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
Duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
A cave, a gruta, o sulco de uma nave...

Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
Talvez seja Natal e não Dezembro,
Talvez universal a consoada.

(David Mourão Ferreira in Poema “Natal e não Dezembro”)

Ouvir o poema na voz do Luís Gaspar
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)

sábado, dezembro 16, 2006

O Natal...

...na minha infância e juventude foi para mim momento de grandes alegrias.
Era a altura de rever familiares, que pelos seus afazeres profissionais, não via durante o resto do ano.
Com o tempo, muitos desses familiares foram desaparecendo: Avós, Pais e muitos dos meus Tios mais velhos, por quem tinha uma afinidade imensa.
Ao vaguear por este "mundo" imenso que é a blogosfera, o sentimento de perda que acalento, veio ao de cima ao ler este texto, que aqui quero partilhar, nesta época natalícia…


Querido Filho.


-No dia em que esteja velho e já não seja eu, tem paciência e tenta entender-me.
-Quando, todos comem e eu não conseguir; quando não puder vestir-me: tem paciência. Recorda as horas que passei a ensinar-te.
-Se, quando falar contigo, repetir as mesmas coisas mil e uma vez, não me interrompas e escuta-me.
-Quando eras pequeno, na hora de dormir, eu tinha de te explicar mil vezes o mesmo conto repetidamente até teres sono.
-Não me envergonhes quando não quiser tomar banho, nem me ralhes. Recorda quando tinha de andar atrás de ti e as mil escusas que inventavas para não tomares banho.
-Quando vires a minha ignorância diante das novas tecnologias, e te pedir que me dês todo o tempo necessário, não me irrites com o teu sorriso amarelo.
-Eu ensinei-te a fazer tantas coisas... Comer bem, vestir-te... e como enfrentar a vida.
-Muitas coisas são produto do esforço e perseverança dos dois.
-Quando em algum momento perder a memória ou o fio à nossa conversa, dá-me o tempo necessário para me recordar. E se não puder fazê-lo não te enerves, seguramente o mais importante não era a minha conversa: a única coisa que queria era estar contigo e que me ouvisses.
-Se alguma vez não quiser comer, não me obrigues. Sabes bem quando necessito e quando não.
-Quando os meus membros cansados não me deixarem caminhar...dá-me a tua mão amiga da mesma maneira que eu ta dei, quando tu começavas a dar os teus primeiros passos.
-E quando algum dia te disser que já não quero viver, que quero morrer, não te enfades. Um dia entenderás que isso não tem nada a ver contigo, nem com o teu amor, nem com o meu.
-Tenta entender que na minha idade já não é viver mas sobreviver.
-Um dia descobrirás que, apesar dos meus erros, sempre desejei o melhor para ti e sempre tentei preparar o caminho que tu havias de fazer.
-Não te deves sentir triste, enfadado ou impotente por me veres desta maneira. Fica ao meu lado, tenta entender-me e ajuda-me como eu te fiz quando tu estavas a começar a viver.
-Agora, toca-te a ti acompanhar-me no meu frouxo caminhar. Ajuda-me a acabar o meu caminho, com amor e paciência. Eu te pagarei com um sorriso e com imenso amor que sempre tive por ti.
Amo-te, filho.
O teu pai, a tua mãe, os teus avós...

«In memoriam». Todos recordam os pais e os avós de toda a gente.

(Texto e imagem de
Ceolino)





FELIZ NATAL

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Lugar aos Outros

Tenho referido por variadíssimas vezes o gosto que é para mim, partilhar as palavras de outros, muito mais do que as minhas própria palavras.
Tendo estado na “clandestinidade” durante algum tempo, o
Poesia Portuguesa é um blogue que acarinho desde o início em que o projectei, como forma de divulgar a poesia em língua portuguesa, que ia lendo na blogosfera.
Encontrei uma forma poderosa de aliança no gosto pela poesia, através do
Estúdio Raposa onde o Luís Gaspar já há muito, através da sua voz ou da Truca, no seu Palavras d'Ouro partilha o gosto pela poesia, levando-me a que assumisse de uma vez por todas o meu Poesia Portuguesa.
No Lugar aos Outros nº. 31, Luís Gaspar deu-me o grato privilégio de incluir poemas da Menina Marota no seu reportório, bem como a poesia da Fanny e de Maria João Silva e ainda na rubrica Poema Vadio, António Gedeão e a sua Lágrima de Preta…
É por momentos destes que a minha alma se alegra. É assim que eu vivo a Poesia.
Pela partilha, pelo empenho, por oferecermos as nossas palavras àqueles a quem elas possam dar, um significado verdadeiramente poético.

A forma desinteressada e altruísta como
Luís Gaspar partilha com todos, o seu dom de locutor de publicidade e os meios de que dispõe no seu Estúdio, para nos oferecer magnificas interpretações, é de louvar e só posso aqui tornar pública, a minha grande admiração e todo o meu afecto por ele e dizer-lhe o quão grata lhe estou, por toda a sua imensa partilha.




OBRIGADA

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Falar de mim

Nunca falas de ti, dizia-me alguém um dia destes, a propósito de um comentário que deixara na sua página.
Sorri. Tinha lido a mesma frase, momentos antes… “nada sei de ti” e "na minha página está toda a minha biografia"...
A Rita, a minha pequenina yorkshire-terrier mas já com oito anitos, coloca-se à frente do visor e olha-me meigamente. Este é o seu local preferido; deitada na secretária, mesmo à frente do ecrã, de olhos postos em mim.
Encosto-me para trás e enquanto os meus dedos afagam a Rita (um dia contarei a sua história) penso naquilo que tenho escrito ao longo deste ano, numa página que é quase um diário íntimo. Sim, porque eu estou aqui de corpo e alma, uma mulher que cresceu, que amadureceu, mas não deixou morrer em si, a alma de menina marota que sempre teve.
Mas não se iludam.
O marota não é naquele sentido, que muitos ajuízam “per se” e que por vezes leva a que reajam negativamente e maldosamente àquilo que escrevo.
Acredito no amor. Na beleza do amor. Em todas as suas variantes. Sempre gostei em menina, de ler estórias de amor. Mas muitas delas acabavam em dor e sempre desejei que comigo fosse diferente. Nunca ninguém me avisou, que o Amor poderia magoar e desiludir imenso, mas isso não retirou de mim, a vontade de continuar a ser a menina marota, a quem o meu Avô, chamava carinhosamente de “passarinho saltitante”, porque sempre fora uma criança cheia de energia, nunca parava quieta, aos saltinhos por todo o lado; era bastante feminina, segundo diziam, mas com a dose certa de rebeldia, nunca negando um desafio que me lançassem.
Naquele dia, de férias em casa de meu Avô, enquanto os meus Pais em afazeres profissionais se tinham ausentado, sentia-me livre como um passarinho, percorrendo aqueles campos com as minhas duas melhores amigas.
Perto de casa corria um ribeiro que nos era proibido atravessar, pelo perigo que poderia ser, quando ia cheio, como naquela altura do ano.
Do outro lado, um grupo de miúdos, desafiava-nos para atravessar o local.
Alguns pedregulhos no ribeiro, tornava a travessia possível, mas só os adultos a faziam.
Perante as nossas negativas, os miúdos começaram a chamar-nos “mariquinhas” e todo aquele rol de palavras tão comum na rapaziada.
O orgulho feminino começou a crescer em mim e mesmo perante os pedidos das minhas amigas para que o não fizesse, decidi-me a atravessar o ribeiro.
Descalcei-me e em meias preparei-me para atravessar, apanhando um varapau que por lá vi caído, para apoio e não só…
Não foi fácil a travessia, até porque os pedregulhos eram escorregadios, mas por entre os gritos de pavor das minhas amigas e dos de desafio dos rapazes, lá me aguentei, não querendo que o meu orgulho fosse por água abaixo.
E não é que consegui atravessar?
Ah meus amigos e com que prazer corri atrás dos moçoilos, para os desancar pelas palavras feias e “ofensivas” que nos tinham chamado. A nossa honra foi defendida: afinal não éramos nenhumas “mariquinhas”…
Claro que os miúdos desandaram logo e eu vi-me com o problema do regresso, que foi conseguido gloriosamente.
No final, as meias estavam tão sujas e molhadas que as descalcei, acabando por ir para casa descalça, de sapatos na mão, mas de sorriso vitorioso nos lábios…

Imagem de Pierside Gallery


Hoje recordei este momento…
Os desafios da Vida… quantos já não foram ultrapassados?

Um beijo e bom feriado…

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Abraçando as palavras

Desde que descobri o mundo da Internet há aproximadamente vinte anos (uma vida!), muita coisa aconteceu no mundo e na minha vida. Umas boas, outras más.
Descobrir o mundo ilimitado da net, deu-me perspectivas e conhecimentos que, de outra forma só obteria com o tempo.
Numa tarde posso entrar num vasto mundo de diferentes culturas.
Durante muitos anos e na minha própria adolescência vi de "longe” alguns escritores e poetas que admirava.
Lembro-me, nos meus treze catorze anos, estando de férias com os meus Pais, tive oportunidade de no Rio de Janeiro assistir pela primeira vez a uma palestra seguida de uma sessão de autógrafos de Jorge Amado. Os meus Pais eram grandes admiradores da sua obra e, por casualidade, a palestra acontecia no próprio hotel onde nos hospedávamos pelo que não perderam a oportunidade de o reencontrar e, acima de tudo, que eu começasse a sentir de perto aqueles acontecimentos.
Recordo, comovida ainda, quando Jorge Amado com aquele sorriso que o caracterizava, me perguntou o nome para o escrever no livro que lhe apresentara “Gabriela, cravo e canela”. Emudeci. Foi meu Pai que lhe respondeu porque não consegui falar, tal a comoção que se apoderou de mim.
Actualmente navegar e visitar blogues de poetas é uma coisa tão normal como ligar o próprio computador.
E aqueles nomes que até há pouco tempo só via em capa de livros numa qualquer livraria estão actualmente à distância de um clique.
Presentemente, à tal distância de que falava, posso encontrar num blogue de denominação tão simples, como por exemplo o
A a Z de Nuno Júdice que, com a maior simplicidade, partilha a sua poesia num blogue de comentários abertos.
Vem esta “conversa” a propósito de, no poema anterior, tendo como mote um poema de
João Batista do Lago deixado em comentário no Portal de Mhário Lincoln do Brasil e que resolvi partilhar no post anterior, se deslocar a esta minha “casa” dedicando-me com toda a simplicidade este poema:

Frutação
(Para Otília Martel, Menina Marota.)
Por João Batista do Lago

Sinto que a árvore plantada no meu coração,
Não flora mais em espinhos da juventude.
Hoje, frondosa, consciente e voluptuosa,
Cobre de boa safra a superfície do meu chão.
São tão doces estes frutos em nascediço,
Que não tenho direito de os ter só para eu.
É preciso distribuí-los a todos em morrediço,
Para salvar o demos da miséria e da corrupção.
..........
São frutos de amores densos de canção,
Que singram mares e se vão plantar
Nos pomares de sentimento e de paixão.

"Partilha" óleo sobre tela de Nela Vicente

Estes são momentos únicos.

Aqueles que são os nossos ídolos deixam o seu pedestal e vêm ao nosso encontro abraçando-nos!

O meu abraço para si, João Batista do Lago

quarta-feira, novembro 29, 2006

...Minh’alma resolveu

Imagem de Howard Schatz


“...Minh’alma resolveu ser mais capaz que eu..."
João Batista do Lago
A poesia está na alma
de cada um de nós e
quando ela
nos ultrapassa,
elevando-se,
fazendo das palavras
seus versos,
bailando
a cada momento
na ponta
de nossos dedos,
então Poeta...
valeu a pena
entregar
o nosso íntimo ao
labirinto
do pensamento
no calor
do alvorecer
e sugar
da alma
todo
o Universo.

segunda-feira, novembro 27, 2006

O Candeeiro...

Tudo começou por uma brincadeira…ao ler um desafio no blogue do Rui Diniz …quem quisesse, enviava uma imagem inspiradora e ele fazia um poema…
Punha-se a questão… que imagem haveria de lhe enviar, quando… o meu olhar bateu no candeeiro… corri a buscar a máquina e zás… “agora vou ver qual a inspiração dele” e um sorriso maroto bailou em mim…
Surpreendam-se… não é que o "rapaz" se inspirou mesmo no meu…

Candeeiro


É à luz do candeeiro na tua sala
que encontro o resguardo
da minha própria sombra.
Perdia-me na minha noite,
vagabundo, derrubado, derrotado,
renegado pela minha concepção de mim,
ainda que a mim imposta...
Sempre tive escolha e não escolhi.
Sempre tive na minha mão
a segurança de que o Mundo
é outro e não este;
de que o véu é um véu
e não o escuro fundo
de uma existência funesta.

É à luz do candeeiro dos teus sonhos
que descubro,
enquanto a nossa carne se fricciona,
que a Alma afinal redescobre-se
a cada orgasmo,
pelo poder das feromonas que acciona
em nós, o entusiasmo de estar vivo.

Podia continuar perdido mas encontrei-te;
e contigo nesta sala das nossas noites
descobri o dia de sol que sempre quís ver;
rebolei nas concepções de amor e Amor
e nunca me pediste que voltasse
aos teus braços, nunca!
Nunca pediste que nos soldasse num compromisso...

E é isso que faz com que permaneça
o Desejo que nos mantém quentes,
noite após noite,
sem esperança,
nem vontade,
que amanheça...

(Poema de Rui Diniz in A Corte d'El-Rei)

domingo, novembro 26, 2006

Os sinos dobram por nós

Há muito que não visitava, confesso, a página do meu querido Amigo Manel do Montado … pessoa de uma frontalidade e de uma coerência, que me apraz registar. Quando o acabei de ler, ocorreu-me o poema que vos deixo…

Imagem daqui


A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo.

Mas entre os oprimidos, muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos.

Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã
(Bertold Brecht in "Elogio da Dialéctica")

sexta-feira, novembro 24, 2006

100 anos depois

António Gedeão…Viver em Poesia…

Pensar em ti é coisa delicada.
É um diluir de tinta espessa e farta
e o passá-la em finíssima aguada
com um pincel de marta.

Um pesar grãos de nada em mínima balança,
um armar de arames cauteloso e atento,
um proteger a chama contra o vento,
pentear cabelinhos de criança.

Um desembaraçar de linhas de costura,
um correr sobre lã que ninguém saiba e oiça,
um planar de gaivota como um lábio a sorrir.

Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas com o pensar te pudesses partir.

(Poema de António Gedeão)

Ouvir o poema na voz do
Luís Gaspar
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)
Poema e gravaçao recolhidos na
Truca, agradecendo ao Luís Gaspar a disponibilidade na recolha.

quinta-feira, novembro 23, 2006

terça-feira, novembro 21, 2006

Cartas do Perú dos Olivais

Aproxima-se o Natal e o Perú dos Olivais escreve à sua Perua...

Imagem Google

I
Adorada perua:Há dias que, diante do patrão,
ando de rua em rua
não sei por que razão.
Como tu viste, o homem resolveu
fazermos em Lisboa a consoada,
para me divertir, suponho eu.
Porém, se adivinhasse esta estopada,
tinha-lhe dito logo que não vinha,
tanto mais, tanto mais, não vindo tu,
minha peruazinha,
por quem morre de amor o teu perú.
É para ver a terra? Não percebo,
pois mal ergo a cabeça para o ar
trabalha logo a cana do mancebo
e continuo a andar, a andar, a andar...
Às vezes lá paramos, mas estranho
também estas paragens,
porque me agarram certas personagens,
tomam-me o peso, notam-me o tamanho
e até (Deus me perdoe se ouço mal!)
discutem o valor,
como se eu fosse, amor,
uma coisa venal!

Adeus. Com isto não te enfado mais.
Havendo novidades
escrevo. Mil saudades
e beijos do

Perú dos Olivais

II
Meu anjo... Escrevo agora na cozinhaduma senhora muito delicada,
que me tem dado esplêndida papinha
assim como a criada.
Há pouco ainda (ora imagina, filha!)
deram-me até um copo de Bucelas
que me adoçou muitíssimo as goelas
e é uma verdadeira maravilha,
mas Deus queira, Deus queira
como só bebo água lá em casa,
que não me faça mal à mioleira
e que eu não fique com um grão na asa.
Amanhã te direi o que é passado.
Recebe mil bicadas cordiais
do teu apaixonado
Perú dos Olivais
III
Querida. Água a ferver... Uma panelaao pé dum alguidar... tenho receio...
Fala-se em cabidela
e em perú de recheio...
Afia-se uma faca... Ó céus! Que horror!
O monco já me cai... Nunca supus...
Que é isto meu amor?
Ai Jesus! Ai Jesus!
Já tenho as pernas presas...
Tolda-se a vista... Engasgo-me... Agonizo...
Tremem-me as miudezas...
Turva-se-me o juízo...
Adeus: Recebe o último glu-glu
e os corais
do in... fe... liz
Pe... rú... dos O... li...vais

(Poema de Acácio de Paiva
Insigne poeta Leiriense
(1ª metade do séc. passado...)

sábado, novembro 18, 2006

Lobices...

Mais um momento que me deixou imensamente feliz. Saber que já está disponível aqui o livro do querido amigo Lobices - Joaquim Nogueira

"Acabo de chegar de um lugar indeterminado; não o sei localizar; fica algures na minha memória, já um pouco esbatida pelo tempo; gastei muito do meu tempo a lembrar o que não deveria ter sido recordado. Mas o arrependimento não traz nada de novo, apenas revolve o velho e não deixámos de ser o que somos, apenas almas errantes neste mundo de contrastes e de negações. Somos apenas e tão somente os "dejectos" dum mundo imperfeito. Não nos foi dada a possibilidade de esboçar a nossa própria vida e assim temos de nos contentar com os constantes ensaios que fazem de nós, indeterminando a solução final.
Perdemo-nos na amálgama do tempo e da insanidade.
Já não somos quem queremos ser.
Somos apenas o que nos "dão" para ser.
Permitem-nos viver de memórias e de factos que de novo se transformam em lembranças.
Mas, lembrar para quê? Para sofrer? Para verificar que afinal de contas de nada serviu o esboço que de mim fizeram em constantes ensaios que a nada me levaram? Apenas à negação, só me levaram à negação.
Não sei quem sou. Talvez nem queira saber: Não foi para isso que aqui vim; vim a este mundo para ser feliz, disseram-me um dia; e eu, parvo, acreditei.
Vivi correndo nesse sentido; esbocei sorrisos e ensaiei risadas. Tropecei, caí mas de novo me levantava.
O horizonte estava sempre perto e me bastava estender a mão; a ajuda nunca me era negada; acreditei que o esboço que de mim fizeram em alguma coisa de bom se haveria de tornar, um dia, quando não sabia, mas haveria de me realizar.
Engano. Puro engano..." 
(Excerto) 

Texto do Lobices

terça-feira, novembro 14, 2006

O Funcionário Público...

… compreendam uma coisa… este é um blogue de Poesia e afins… mas quando os Funcionários Públicos são tão mal tratados, por políticos, alguma comunicação social, muito público em geral e, os bancos “engordam”com o nosso dinheiro, aplicando cada vez juros mais altos, penalizando quem tenha um saldo abaixo da média que eles querem, impingindo seguros e mais seguros e todos têm medo de reagir, a começar por certa comunicação social que diz, que isso é resultante de um “buraco na lei”… eu estou do lado do mais fraco…
Aqui vos deixo estas pérolas, que descobri...

Pintura de Rosário Andrade



Então não saiu assomadiço,
terrível, assanhado como um gato,
esse manga d´alpaca timorato,
por tradição tão manso, tão submisso?

- Ah! Vocês não me pagam? Ele é isso?
Vocês supõem que não quebro um prato?!
(Exclamou). Pois vão ver como eu os trato!
E pronto! Nunca mais foi ao serviço.

O triste resultado viu-se em breve;
o abalo em toda a parte foi profundo;
o mal que produziu não se descreve.

Imaginem agora que os secundo.
Se os sonetos suspendo e faço greve
não há que duvidar! Acabou o mundo!

(Poema de Acácio de Paiva
Insigne poeta Leiriense
(1ª metade do séc. passado...)


Gentilmente cedido por ASN in Dispersamente...

domingo, novembro 12, 2006

...uma mulher

Imagem de autor desconhecido


Totalmente Herética.
Absolutamente hermeticamente.
És a corrente eléctrica
que subverte a métrica.

Vejo uma mulher distante amante
lutando contra o tempo desviante
uma mulher de células diamante
e oráculos védicos bramante...

uma rubra submérsica corrente
entregue aos ritos áuricos da mente
que me procura e eu busco demente
entre sonoras sombras manualmente!

uma mulher de súbitos desvios
de onde nascem tumultuosos rios
e se perfilam beijos desvarios
em sexos sanguíneos delírios!...
uma mulher de hoje e de infinitos
saberes de que se fazem mitos.



Poema de Ernesto M. de Melo e Castro

quinta-feira, novembro 09, 2006

Ausência...

Imagem de Olga Sinclair


Quero dizer-te uma coisa simples:a tua ausência dói-me.
Refiro-me a essa dor que não magoa, que se limita à alma;
mas que não deixa, por isso,
de deixar alguns sinais -
um peso nos olhos, no lugar da tua imagem, e um vazio nas mãos.
Como se as tuas mãos lhes tivessem roubado o tacto.
São estas as formas do amor,
podia dizer-te; e acrescentar que as coisas simples
também podem ser complicadas,
quando nos damos conta da diferença entre
o sonho e a realidade.
Porém, é o sonho que me traz a tua memória;
e a realidade aproxima-me de ti,
agora que os dias correm mais depressa,
e as palavras ficam presas numa refracção de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de mim -
e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer que a tua ausência me dói.


Poema de Nuno Júdice

quarta-feira, novembro 08, 2006

Poema simples

Imagem de Rita Isabel


Meus devaneios sós de adolescente,
ensimesmada em vã filosofia
e audazes concepções, eu trocaria
por ermo longe...onde calmamente

Olhasse o morrer de cada dia.
Depois, o envelhecer serenamente,
sem problemas de amor, o tempo ausente,
sem ler tratados de psicologia.

Vida simples, humilde, sem canseiras,
sem amanhã, nem bruscas ambições
da janela, ao longe, a ver-se o mar.

E plácida, embalar-me a vida inteira
afagando tranquila, as ilusões
no doce aconchego do meu lar!...



Ouvir o poema na voz de Luís Gaspar 
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)


(Memórias da minha juventude...)

segunda-feira, novembro 06, 2006

Novembro

Pintura de Marc Chagall

O sabor dos derradeiros dias
Roda ainda na casa e pela rua
Folhas vermelhas gemem por morrer
Mas nós não nos lembramos

O Inverno varre o céu e enche
O mundo inteiro de um sonho de vazio
Temos de estar sós e não ter nada
Horas sem fim na casa inabitada

Parece que partimos. Cada dia
Mais profundo na noite se aprofunda
E nós queremos partir – todos os cantos
Empalidecem ao pé desta decida
Até às pedras geladas do silêncio

Olhamos à janela de olhos fitos
Longe a claridade além dos rios
Queremos ir com o vento com o perigo
Queremos a injustiça do castigo
Somos nós que a nós mesmo nos matamos
E com mais amor do que quando amamos
Sentimos sobre nós descer o frio.
Quem me roubou o tempo que era um
quem me roubou o tempo que era meu
o tempo todo inteiro que sorria
onde o meu Eu foi mais limpo e verdadeiro
e onde por si mesmo o poema se escrevia



Poema de Sophia de Mello Breyner e Andresen



Em dia de Aniversário...
deixo-vos um seu poema na voz do Luís Gaspar 
(desligar a música de fundo, p.f. para o ouvir)

domingo, novembro 05, 2006

Hoje apeteceu-me...

Imagem da Angie


Hoje apeteceu-me colar-me à cadeira
Auto-estrada, 60 70, terceira
Passa um, 90 100, quarta
Passa-os a todos, 120 130, quinta

Acelerar, tirar o cinto e Ligar o cruzeiro
Abrir os braços e do carro, voar para fora
Descolar suavemente como um veleiro
Ver a estrada toda e ir-me embora

Aumentar, crescer
Ver a cidade, passar os dedos pelas ruas
Mergulhar no mar de espuma a ferver
Olhar a um lance paisagens que são tuas

Aumentar, expandir
Segurar o planeta na mão
conhecer as plantas, os bichos, o porvir
Abraçar o sol no braço da constelação

Aumentar, consentir
Percorrer galáxias num segundo
Trespassar conglomerados, ver o Mundo
Olhar nos olhos de Deus e com ele me fundir



(Poema de P Az in O Zigurate )

quinta-feira, novembro 02, 2006

Tulipas




Conhecera-a numa reunião de amigos. Ela era como se fizesse já parte do mobiliário.

O seu sorriso afável, a voz doce, o cabelo cinzento que lhe conferia uma maturidade, que a Vida, nas suas próprias palavras, lhe tinha ofertado.


No nascimento da minha filha, foi uma das primeiras visitas que tive.


Na mão levava um grande ramo de tulipas de todas as cores e no olhar a transparência da sua alma.


Olhou bem dentro dos meus olhos e disse-me naquela entoação doce que nunca esquecerei:


- Tens uma filha linda. Sabes, os filhos são a coisa mais importante que a Vida nos pode oferecer. Por eles fazemos os maiores sacrifícios.


E tirando uma tulipa do ramo, colocou-a na minha almofada, ao mesmo tempo que dizia que era das flores que mais gostava. Porque não tinham espinhos e eram resistentes e frágeis ao mesmo tempo.

Recordo que, de todas as flores que me ofereceram naquele dia, as tulipas foram as que mais tempo duraram…


De vez em quando as nossas vidas cruzavam-se, até porque a distância entre as nossas casas era curta.


Tive ainda o privilégio de receber tulipas de suas mãos aquando do nascimento do meu segundo filho.


E, de repente, deixei de a ver. Isolara-se do mundo mortificada pelo desgosto de, mais uma vez, ter sido trocada por alguém muito mais jovem que ela.


Os meses foram passando e nunca mais soube dela!


Não sei o tempo que já tinha decorrido, quando inesperadamente a encontrei. O mesmo sorriso, a mesma voz doce, só o cabelo é que mudara, o cinzento tinha dado lugar a um branco de neve.
Instintivamente, passei-lhe a mão pelo cabelo…


- Que lindo… tão branquinho… – exclamei.
- Pois é… a Vida oferece-nos disto… – a sua voz era fraca.


O chá foi gradualmente arrefecendo nas chávenas, enquanto conversávamos naquela tarde. E conheci-lhe a história.


Os filhos tinham sido a sua única felicidade. Tinha mantido o casamento para não os prejudicar e preservar a imagem que o marido gostava.


Queria esperar pelo momento oportuno para conseguir a sua liberdade. Talvez um dia Deus fosse bondoso com ela.


Voltara, porque o filho mais velho lhe pedira. O pai estava doente e tinham-no deixado só. O orgulho feminino dizia-lhe para não voltar, mas o amor aos filhos e à sua estabilidade emocional foram mais fortes.


Os tempos que se seguiram tinham sido difíceis, mas o sofrimento de anos tinha terminado. Naquele dia fazia precisamente um mês que ele fora a enterrar.


O relato caiu em mim fundo. E trouxe-me memórias.


Abri-lhe o meu coração e esvaziei a minha alma.


A serenidade das suas palavras, foram um bálsamo em mim.


- Não te arrependas nunca das tuas decisões. A tua Paz interior é o que te fará sobreviver neste mundo tão complexo.


Quando nos abraçámos, o seu olhar era cheio de ternura.
Esta foi a nossa última conversa.


Guardo na memória o seu sorriso e a sua voz tão tranquila.


Hoje, finalmente, encontrou a Liberdade e ficou em Paz.


Levei-lhe flores na despedida…


Tulipas vermelhas.


segunda-feira, outubro 30, 2006

Dedicatória de Vida...


Na encosta floresce a urze,
A giesta fita-a em tufos acastanhados
Quem se lembra hoje de como em Maio
Os bosques estavam de verde banhados?

Quem sabe ainda como é o canto do melro,
Como soava a chamada do cuco?
O que antes soou tão encantador e belo
Está já esquecido e caduco.

No bosque a grande festa da noite de Verão,
A lua cheia sobre o monte além,
Quem foi que as descreveu, que as fixou?
Tudo foi disperso, tudo debandou.

Em breve também de ti e de mim
Ninguém se lembrará e terá o que contar
Vivem já outras pessoas aqui
Não haverá a quem possamos faltar.

Pela estrela da tarde e as primeiras neblinas
Iremos então aguardar,
De bom grado no imenso jardim da Deus
Iremos florescer e murchar.


(Poema de Hermann Hesse)
e, são dele ainda as palavras:
"À medida que conquistamos a maturidade tornamo-nos mais jovens. Comigo passa-se isso mesmo...pois mantive sempre o mesmo sentimento perante a vida desde os anos de rapaz; nunca deixei de encarar a minha vida adulta e o envelhecimento como uma espécie de comédia"



Imagem Rubens de Carvalho

sexta-feira, outubro 27, 2006

Aprender a viver ...

Este foi um mimo muito especial que me foi dedicado por uma pessoa, também muito especial, por altura do meu aniversário e que só mais tarde descobri no blogue dela…
Obrigada,
Maresia_Mar


Pintura de Elisabetta Rogai

O dia nasceu envergonhado
por entre denso nevoeiro.
O sol, frágil, de luz ténue no início,
começa a ganhar força
e eis que rompe e diz:
- Bom-dia!
Desperta, lava de luz o teu rosto.
Canta baixinho uma canção,
que afaste a tristeza e o medo.
Vive este dia
de uma forma única.
Que a tua alegria seja tão real
que as próprias andorinhas
te confundam com a Primavera!
Reaprende o sabor dos frutos,
as cores das flores,
o canto das aves.
Assim, logo, ao fim do dia,
poderás dizer:
- Este dia valeu a pena!
Adormecerás com um sorriso,
terás sonhos mágicos
e terás fadas a
embalar-te os sonhos
nas suas asas!

(Poema da
Maresia_Mar)

quarta-feira, outubro 25, 2006

*O TEMPO É DE MEDO!*

Muitos já conhecem a Heloisa pela forma sue generis de escrever o seu blogue ou nos carinhosos comentários que vai deixando, como flores num jardim.
É com uma ternura muito especial, que vos deixo este Poema que faz parte dum livro que publicou e que se intitula...
– O Tempo é de MEDO! -
– O Tempo é de DOR! -

O Tempo é de Medo
O Tempo é de Dor
Perdeu-se o Respeito
Perdeu-se o AMOR!

– GELARAM-SE OS CORAÇÕES
NEGARAM-SE AS EMOÇÕES!–…

Converteu-se o TEMPO
Em Tempo de Sanções!

E, crescem as Desilusões
NA ALMA
Dos que, ainda CRÊEM,
Ser possível
Recuar
Voltar ao ‘Ponto de Partida’
E…RECOMEÇAR
A Amar
A Vida!
– O BEM -!…
…O CÉU E O SOL..
As Nuvens e a Chuva
A Neve e o Frio
Os Rios e os Mares!…

– OS LEÕES
E os PEIXES! –…

– O MUNDO NATURAL –
– O MUNDO ESPIRITUAL –

Quando, ESTE, é ‘Sinónimo’ de BEM!

Mas… O TEMPO É DE MEDO!!
O Tempo ficou Escuro
- Ensombrado -
Viciado, pelo Vírus
DA TIRANIA!
E…REINA A HIPOCRISIA!!
Por isso, O TEMPO É DE MEDO!
Apagou-se A LUZ DA ESPERANÇA!!

– OLHEMOS, O SORRISO DAS CRIANÇAS! –

- Olhemos, o Derradeiro Florir
Das ÚLTIMAS PLANTAS!

Refresquemos as Gargantas
Com as Derradeiras Gotas
DA CRISTALINA ÁGUA!…

- Olhemos, embevecidos, o Esvoaçar
DAS ÚLTIMAS AVES!
Enquanto, ELAS…’Derradeiramente’,
Volteiam nos Celestes Espaços!…
E, façamos, a nossa Derradeira Prece
Porque, O TEMPO É DE MEDO!!!

(?)Poderemos, ainda, abrir uma BRECHA
Na ‘Máquina do Tempo’
E, ver, através dela, A DERRADEIRA LUZ DA ESPERANÇA?!...

????????????????????????????????????????????????????????

– O TEMPO É DE MEDO!
– O TEMPO É DE DOR!!
– PERDEU-SE O AMOR!!!

(In *Divagando* de Heloisa )

segunda-feira, outubro 23, 2006

Depoimento

Porque há poesia inesquecível...esta foi lembrada num comentário do poema que antecedeu este…
Obrigada, NT…
 
Eis que desço
as mãos
os dedos nus
Eis que empunho
o vidro
pela face
Eis que te utilizo
e te
destruo
Eis que te construo
e te
desfaço
Eis o gume novo
desta
pedra
Eis a faca aberta
na
manhã
as árvores
ocultas
nas palavras
o couro - a violência
o trilho
a lã
Eis o linho bordado
numa cama
a linha na fímbria
da toalha
o fuso - o feltro
o fundo da memória
Eis a água
dita
como vã
depostos objectos
de batalha:
a tenda
a espada
a sela
a sede
a vela
Eis que deponho
aquilo
que me ganha
e que retomo
a seda com que visto
a faca da sede
com que rasgo
o rigor da calma
o rigor das pernas
o rigor dos seios
quando minto

(Poema de Maria Teresa Horta)




Art de Alberto Vargas

quarta-feira, outubro 18, 2006

Desperta-me de noite...


Desenho a carvão de Antonio Melenas (autorizado)

Desperta-me de noite
O teu desejo
Na vaga dos teus dedos
Com que vergas
O sono em que me deito

É rede a tua língua
Em sua teia
É vicio as palavras
Com que falas

A trégua
A entrega
O disfarce

E lembras os meus ombros
Docemente
Na dobra do lençol que desfazes

Desperta-me de noite
Com o teu corpo
Tiras-me do sono
Onde resvalo

E eu pouco a pouco
Vou repelindo a noite
E tu dentro de mim
Vais descobrindo vales.

(Poema de Maria Teresa Horta)

domingo, outubro 15, 2006

…como uma roseira brava.

"Rose Girl" de Howard Schatz

Avancei cautelosa através das dunas. Tinha deixado o carro na estrada e aventurava-me por um caminho reconhecido.

Quantas vezes naquele local, de mãos dadas e corpos suados, tínhamos corrido em direcção ao mar?

Uma música suave fazia-se ouvir, trazida pelo vento.
Fechei os olhos e, de repente, senti a sua presença.

- Não acredito que te encontrei aqui. Não esqueceste este lugar?
- Como poderia esquecer?
– pensei, ainda incrédula pela sua presença.

- Ah…Conheço todos os teus pensamentos. Sabia que um dia virias aqui.
A sua voz tinha uma entoação doce enquanto os seus lábios tocavam o meu pescoço.

- Não sejas atrevido. Olha que nos podem ver…
Mas, sem me importar com o que acabava de dizer, deixava que o seu corpo tomasse conta do meu, e cada beijo enfraquecia a minha vontade de fugir dali.

O silêncio instalou-se para dar lugar às batidas dos nossos corpos, do nosso coração. Nem as gaivotas que voavam em círculos nos quiseram perturbar.

- Foges!? - A sua voz rouca era um lamento...

Numa gargalhada solto os cabelos que caem revoltos nos meus ombros.

Num gesto rápido, retiro a fina peça que me cobria o corpo e atiro-lha, deixando-me ficar de pé aguentando o seu olhar malicioso.

Quando os nossos corpos se uniram num frémito de paixão o grito da gaivota fez-se ouvir.

Como numa roseira brava, floresciam em nós desejos infindáveis e a entrega foi mútua, numa explosão de aromas e cores.


Quanto tempo por nós passou, meu amor,
perto de ti na imensidão do mar!

As rosas mais formosas desfolharam
e levou-as o vento pelo ar.

O meu roseiral de sonho e saudade
entreguei-o à doce claridade
do teu olhar que me ilumina ainda.



Quando corri para o mar, cabelos ao vento,ia vestida de rosas.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Parece, mas não é...




Vem,
É a primeira vez que me usas.
Mete sua mão de uma vez,
Quero sentir a grossura e o comprimento
De cada um de seus dedos,
A largura da palma de suas mãos,
Quero sentir-te até o punho.

Vem força,
Ainda sou apertada.
Faça minha pele esticar toda
As suas pregas e costuras,
Para que amanhã te sintas confortável
Quando meteres de novo.

Vem
Sinta como sou suave por dentro...
Só comigo suas mãos estarão protegidas da neve lá fora.
Vem,
Sou seu Par de Luvas

Que ganhou e ainda não usou...

(Poema de Spiritus Lupus)


Imagens Google

terça-feira, outubro 10, 2006

Pela Tai

O sorriso da Tai

Dá-me lírios, lírios,
E rosas também.
Mas se não tens lírios
Nem rosas a dar-me,
Tem vontade ao menosde me dar os lírios
E também as rosas.
Basta-me a vontade,
Que tens, se a tiveres,
De me dar os lírios
E as rosas também,
E terei os lírios-
Os melhores lírios-
E as melhores rosas
Sem receber nada,
a não ser a prenda

Da tua vontade
De me dares lírios
E rosas também.



Poema de Álvaro de Campos





A Janela da tua Vida.


Pela nossa força, a tua Força...