sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Melhores Trabalhos do Congresso Americano de Hematologia 2011 parte 1 (transplante, plaquetas, linfoma ocular, linfoma T periférico, esclerose múltipla, Linfoma de Hodgkin, radioterapia e PET )
Prezados,
O Congresso Americano de Hematologia acontece anualmente em dezembro. É o maior evento mundial na área de hematologia e é nele que tomamos ciência dos avanços que emergirão no futuro próximo em nossa área.
Dei uma conferida nos trabalhos da área de linfoma e da área de transplante e, modestamente, escolhi os melhores. Como bônus, comento dois trabalhos reservados para a sessão plenária.
Os resumos podem ser conferidos na internet gratuitamente em www.hematology.org .
Vamos a relação seguida de comentários meus:
1 Increased Incidence of Chronic Graft-Versus-Host Disease (GVHD) and No Survival Advantage with Filgrastim-Mobilized Peripheral Blood Stem Cells (PBSC) Compared to Bone Marrow (BM) Transplants From Unrelated Donors: Results of Blood and Marrow Transplant Clinical Trials Network (BMT CTN) Protocol 0201, a Phase III, Prospective, Randomized Trial
Este foi o trabalho número 1 e não foi a toa. Existem duas fontes de célula-tronco para o transplante alogênico, isto é, quando o doador e o receptor não são a mesma pessoa: a medula óssea que exige, para ser coletada, de anestesia geral do doador e que é um transplante mais demorado para o receptor e o sangue periférico. Este último ganhou terreno em detrimento do anterior porque é tecnicamente mais fácil de ser coletado já que não é necessário centro cirúrgico, anestesia geral e uma equipe de quatro hematologistas para a coleta, apresenta uma maior quantidade de células progenitoras e por isto o tempo de internação do paciente é mais curto e, finalmente, é mais rico em linfócitos T do que a medula e estudos em animais mostraram que as células T são importantes no processo de cura do linfoma ou da leucemia.
Neste estudo, os pacientes foram divididos em um grupo que recebeu células-tronco da medula óssea e outro que recebeu-as do sangue periférico. O resultado foi surpeendente porque não houve diferença no resultado dos dois tipos de células-tronco e houve maiores efeitos colaterais e longo prazo no grupo de pacientes que recebeu as células-tronco obtidas do sangue periférico. Assim, os Centros de Transplante voltarão ao passado e aos centros cirúrgicos...para obter células-tronco para transplante.
2 Platelet Production System Using An Immortalized Megakaryocyte Cell Line Derived From Human Pluripotent Stem Cells
Seria um sonho a possibilidade de obter plaquetas em laboratório. Atualmente, as plaquetas são obtidas por doação de sangue e, muitas vezes, um paciente pode precisar de plaquetas obtidas de oito ou mais doadores.
Neste estudo inicial, os pesquisadores conseguiram estabelecer uma cultura de células produtoras de plaquetas que foram imortalizadas. É uma esperança para os pacientes que necessitam destas transfusões.
267 Final Results of a Multicenter Phase II Trial with Translational Elements to Investigate the Possible Infective Causes of Ocular Adnexal Marginal Zone B-Cell Lymphoma (OAMZL) with Particular Reference to Chlamydia Species and the Efficacy of Doxycycline As First-Line Lymphoma Treatment
Os linfomas de zona marginal têm estreita relação com agentes infecciosos. O maior exemplo é o linfoma do estômago associado à bactéria Helicobacter pilory. No caso dos linfomas de zona marginal oculares, encontrou-se associação com outro tipo de bactéria, as Chlamydias. Neste estudo, foram apresenatdos os resultados do impacto do tratamento desta bactéria na evolução do linfoma. Para isto, usou-se um antibiótico, a doxiciclina. Os resultados foram muito bons: a Chlamydophila psittaci foi encontrada em 86% dos pacientes com linfoma de zona marginal e ataxa de erradicação desta bactéria com o uso do antibiótico foi de 50% em um ano. O tratamento antibiótico gerou a regressão completa do linfoma ocular wem 18% dos pacientes, regressão de mais de 50% do linfoma em 47% dos casos. A taxa de progressão do linfoma em 2 anos foi de 45% apenas.
A conclusão é que o tratamento antibiótico foi eficaz em mais da metade dos casos, o que gera uma nova forma de tratamento do linfoma de zona margunal ocular.
331 High-Dose Chemotherapy and Autologuos Stem Cell Transplantation in Previously Untreated Peripheral T-Cell Lymphoma - Final Analysis of a Large Prospective Multicenter Study (NLG-T-01)
Os linfomas T periféricos são difíceis de tratar. A quimioterapia de altas doses e o transplante autólogo de medula podem oferecer melhor prognóstico. Infelizmente, dada a sua raridade, estudos comparando tratamentos com e sem o transplante ainda não foram feitos. Apesar disto, no estudo acima reportou-se a maior série de pacientes com linfoma T periférico tratados com transplante autólogo até o momento, 166 pacientes. Cerca de 70% dos pacientes responderam ao tratamento quimioterápico inicial e foram submetidos ao transplante e 51% dos pacientes estavam vivos em 5 anos e 44% não apresentavam doença e portanto poderiam estar curados. A impressão geral é de um tratamento bastante eficaz, dada a gravidade desta doença porém os estudos ideais devem comparar os tratamentos para tirar-se uma melhor conclusão.
334 Autologous Hematopotoietic Stem Cell Transplantation in Multiple Sclerosis with An Intermediate Intensity Conditioning Regimen: The Italian Multi-Centre Experience
Os pesquisadores estudaram 74 pacientes com esclerose múltipla resistentes aos tratamentos habituais que foram submetidos a um tratamento de alta intensidade, o transplante autólogo de medula óssea.
Já comentei neste Blog que acho este um dos caminhos mais promissores para o tratamento desta doença.
O acompanhamento médio foi de 4 anos. Todos os pacientes haviam apresentado piora da esclerose múltipla no ano anterior ao transplante. Dois pacientes faleceram no transplante. Em cinco anos, 66% dos pacientes ficaram estáveis ou melhoraram. Nos 18 pacientes com acompanhamento de mais de 7 anos, 44% ainda se mantinham estáveis ou melhores.
Acho que é necessário sensibilizar os neurologistas para pelo menos tomarem ciência que existe esta alternativa de tratamento que resulta em resposta duradoura em quase metade dos pacientes.
335 Positron Emission Tomography Status and Tandem High-Dose Therapy Favorably Influence Outcome of Patients with Relapsed and/or Refractory Hodgkin Lymphoma
PET (tomografia por emissão de pósitrons) já é um exame essencial em muitos casos de linfoma.
Uma das melhores indicações deste exame é na avaliação de pacientes com linfoma de Hodgkin que serão submetidos a um transplante autólogo de medula. Uma vez detectada a falha do tratamento inicial, o paciente é submetido a um segundo tipo de quimioterapia e, caso tenha boa resposta, consolida o tratamento com o transplante.
A definição de "boa resposta" é vaga. Trabalhos recentes demonstraram que uma normalização do PET significa uma "boa resposta".
A questão é o que fazer com os pacientes que mantém-se PET positivos nesta avaliação.
Neste estudo, os autores dividiram os pacientes em dois grupos de acordo com o PET pré-transplante. Quem ficou negativo fez o transplante habitual. Quem mantinha positividade era submetido a dois transplantes autólogos
Apesar do resultado indicar que pacientes PET negativo têm um melhor prognóstico, a análise do subgrupo de pacientes PET positivo indicou que o duplo transplante resultou em quase 50% de pacientes vivos e sem doença em 5 anos, um valor muito maior do que o obtido com um único transplante.
Mais estudos são necessários porém esta parece ser uma boa estratégia, ou seja, utilizar o duplo-transplante em pacientes que persistam PET positivos imediatamente antes do auto-transplante.
589 Reduced Intensity of Chemotherapy and PET-Guided Radiotherapy in Patients with Advanced Stage Hodgkin Lymphoma: The GHSG HD15 Final
Este é um dos estudos mais esperados pelos médicos de linfoma.
A pergunta era: será que o aperfeiçoamento do tratamento com quimioterapia nos pacientes com linfoma de Hodgkin e com o desenvolvimento da re-avaliação de doença após o tratamento por PET (vide resumo anterior), os pacientes poderiam ser poupados de radioterapia?
Apesar de altamente eficaz como consolidação do tratamento com quimioterapia, a radioterapia está associada a mais efeitos colaterais tardios, os quais envolvem até cânceres.
2126 pacientes com linfoma de Hodgkin muito avançado foram tratados com quimioterapia e submetidos a um PET ao final do tratamento se houvesse alguma lesão residual maior do que 2,5 cm. Aqueles que eram PET negativos não recebiam radioterapia ao contrário dos pacientes PET positivos.
Esta estratégia possibilitou a redução do uso da radioterapia de 71% dos pacientes para 11% sem nenhum comprometimento da resposta, que foi excelente (ausência de linfoma após 4 anos de tratamento em 92,1% dos pacientes).
Esta é mais uma pá de cal no uso de radioterapia para linfoma de Hodgkin. Cabe fazer a ressalva que os pacientes deste estudo foram tratados com um esquema muito intenso e pouco utilizado no Brasil (BEACCOP escalonado), o que dificulta a adoção desta estratégia por aqui.
590 Final Analysis of a Randomized Comparison of ABVD Chemotherapy with a Strategy That Includes Radiation Therapy (RT) in Patients with Limited-Stage Hodgkin Lymphoma (HL): NCIC CTG/ECOG HD.6
Este estudo já foi até publicado em sua forma completa. Trata-se de um estudo diferenciado porque o acompanhamento dos pacientes foi por gigantes 12 anos.
Ao contrário do estudo anterior, pacientes com linfoma de Hodgkin limitado foram tratados com radioterapia associada a dois ciclos de quimioterapia (ABVD, a mais utilizada em nosso meio) ou apenas com quimioterapia, quatro ciclos de ABVD.
No caso de pacientes que não apresentavam sinais de doença alguma após dois ciclos de ABVD, a retirada da radioterapia não causou nenhum mal. Pelo contrário, no longo prazo, pacientes submetidos a radioterapia tiveram mais efeitos colaterais.
Cabe ressaltar que o estudo é antigo e a técnica de radioterapia atual é bem menos tóxica. Mas assim é a pesquisa em medicina. Quando respondemos uma pergunta, muitas vezes a pergunta já é outra.
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