Hoje à tarde, te enterrei os restos mortais. Você, meu único amigo. Estranhamente eu costumo classificar como amigo o cara que divide conosco umas cervejas geladas em mesas de bares depois do jogo de futebol. Tenho várias e importantes amizades. Amigo, não o tenho mais.
Mas você amigo em questão não bebia, mas era o único que me ouvia pacientemente. Eu é que perdia a paciência. Sempre era um monólogo, entretanto teus olhos estavam atentos. Entendia meus queixumes e alegrias ? Possivelmente não. Ao menos não esquivava de escutá-los. Eu bebia, nem que fosse suco, por nós dois.
Sem sobrenome, sem RG, CPF, CNH ou outro tipo qualquer que nos individualiza em números sob o eufemismo de cidadania, viveu à margem da liberdade. Os homens assim decidiram.
Mas hoje libertou-se da prisão do corpo e da sua condição de propriedade. Sua alma _ do latim animu, o que anima _ fugiu pelo último de seus suspiros. Seus olhos perderam o brilho. Já te encontrei assim sem vida, rígido pela morte.
Eu, em tua homenagem, cavei pessoalmente tua cova. Nela não finquei nenhuma cruz pois não eras cristão, eras bruto. Se tiveres espírito, espero que me entendas. Veja, os homens deste mundo também apoderaram-se deste presente cósmico.
Adeus velho companheiro, sem pai, sem mãe, sem irmãos. Ninguém chorará tua partida e nem acederão velas....Ficarás somente em minhas retinas como imagens das manhãs ensolaradas, das expressões de alegria corporal, já que não tinhas a capacidade da fala humanamente convencionada e dos teus olhos que sorriam por teus lábios, já que não é de tua espécie o natural dom do riso.
ao velho Às ( **/**/2001 a 23/01/ 2012).