Em 1996, quando lançou o romance Alma, disse que «há livros que se fazem porque se quer» e «há outros que se escrevem porque não pode deixar de ser». A qual das categorias pertence este livro (O Miúdo que Pregava Pregos numa Tábua)?
À mesma categoria do "Alma", à dos que se escrevem porque não pode deixar de ser. Diria que foi um livro que se impôs. No fundo, é uma arte poética, uma explicação de como se chega à escrita e à poesia, através dos sons, dos episódios vividos, das coisas que nos marcaram.
Auto-consciente, o livro mostra-nos as suas costuras, os seus avanços e recuos, os vários caminhos, as indecisões.
O livro escreve-se para a frente e para trás, aos ziguezagues, porque a memória também funciona assim. A memória é feita de fragmentos. Fragmentos dispersos, que muitas vezes se sobrepõem e que não têm continuidade. Como a vida. Isto é uma coisa que brotou não sei de onde. É um sopro que veio lá de dentro. Ultimamente, aliás, só escrevo assim.
Quais foram os momentos fundadores da sua escrita?
Os sons da infância: sinos que tocam, um violino desafinado, o rumor das oficinas, o canto dos pássaros, as águas que passam. E certos episódios marcantes que se transformaram em metáforas, as minhas metáforas, a que volto muitas vezes. O que este livro foi buscar, o que o condiciona, o que lhe dá coerência, são esses vários sons e ritmos da vida, dirigidos para a escrita, para o poema, para as sílabas contadas pelos dedos.
O jogo literário, porém, não revela tudo. «Estou aqui a esconder-me e a mostrar-me», diz no último parágrafo.
Claro. Há sempre uma transfiguração. E é através desse fingimento, desse processo ficcional, que se consegue ir ao fundo das coisas.
Claro. Há sempre uma transfiguração. E é através desse fingimento, desse processo ficcional, que se consegue ir ao fundo das coisas.
*Trecho de entrevista do excelente escritor português Manuel Alegre a José Mário Silva, sobre o mais recente livro de Alegre, O Miúdo que Pregava Pregos numa Tábua (Editora Dom Quixote). A entrevista integral você encontra aqui.
*** Imagem: Juan Gris, Le livre ouvert
4 comentários:
Janaína! Quem sou eu pra fazer algum comentário sobre Manuel Alegre...!? Escritor e poeta consagrado, premiado várias vezes,além de um homem combatente, contestador. Muito boa a entrevista dele. E o poema é belíssimo.
Beijos
O Miúdo que Pregava Pregos numa Tábua já é um titulo e tanto.
Quem sou eu para contestar uma amiga escritor e conhecedora e um poeta maior da nossa querida língua mátria!
Beijão e obrigada por divulgares.
Concordo plenamente com Manuel Alegre, o processo de criação literária é exatamente isso. Também escrevo porque não 'pode deixar de ser. E envio-te estes versos:
por esta luz que me alumia
e que me inventa a estrada
- avançei, retroagi? -
sou o que tomou rumo de mim.
(Fernando Campanella)
Grande abraço, parabéns pela bela postagem. Gostei muito também da fotografia da menino em aniversário.
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