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domingo, 5 de janeiro de 2014

Entrevista ao Elenco de "A Primeira Missa"


É já no próximo mês de Março que Ana Carolina, a realizadora de "Das Tripas Coração" (1982), "Amélia" (2001) e "Gregório de Matos" (2003), dá a conhecer a sua mais recente longa-metragem, A PRIMEIRA MISSA OU TRISTES TROPEÇOS, ENGANOS E URUCUM - uma história que propõe "simultaneamente "ver e reflectir" sobre os rumos da história do Brasil e da formação da sua identidade audiovisual". Excelente motivo pois para uma pequena conversa com quatro dos seus protagonistas: Marcantonio Del Carlo, Rui Unas, Beto Coville e Pedro Barreiro.

CLOSE UP! - Como é que surgiu a possibilidade de participarem neste filme?
Marcantonio Del Carlo Fui escolhido pela Ana Carolina, não sei bem em que termos. Julgo que através de uma proposta da minha agência.
Rui Unas Eu tinha trabalhado com a directora de arte do filme num outro projecto cinematográfico no Brasil e foi ela que sugeriu à produção o meu nome. A Ana Carolina viu o meu trabalho e aprovou-me no casting.
Beto Coville - A minha agente no Brasil foi contactada porque estavam à procura de actores brasileiros que morassem em Portugal, como era o meu caso. Depois fiz o casting pelo Skype e a directora Ana Carolina escolheu-me para fazer o Frei Henrique de Coimbra.
Pedro Barreiro - Sorte. O também escalabitano Ricardo Silva, outro dos actores portugueses que participaram no filme, reuniu-se com a Ana Carolina que lhe disse que procurava mais um actor português. O Ricardo deu-lhe o meu número e a Ana Carolina foi com a minha cara para ser um dos seus marujos deslavados.


CLOSE UP! - Quais os desafios que as vossas personagens vos impuseram?
Marcantonio Del Carlo Vários. Trabalhar com a Ana Carolina é um desafio constante uma vez que ela promove desafios aos actores que vão muito para além da interpretação de uma personagem. Ela incentiva o elenco a ser co-autor do enredo, aceitando que os actores inventem e sejam criativos para além do que está escrito no guião. Muitas das cenas que eu filmei foram inventadas por mim e aceites de imediato pela Ana, pois estávamos em total sintonia. Isso é raro acontecer.
Rui Unas O principal desafio foi perceber qual era o "tom" do filme. Porque na primeira cena eu sou o "Pedro Vaz de Caminha" e depois sou o actor português que faz de "Pedro Vaz de Caminha" . E esta mudança é constante na história que a Ana Carolina quis contar. Onde começa o filme e começa a história da rodagem do filme é algo que pode suscitar alguma confusão, porque as duas narrativas são paralelas.
Beto Coville Na verdade, quando soube que iria fazer o Frei Henrique, comecei a construção da personagem baseando-me na figura histórica. Fui pesquisar a vida dele, os seus feitos, características da personalidade dele, descritas em livros e documentos históricos. Porém, depois de ler o guião e perceber o que faria um actor que estivesse no meu lugar, a concepção mudou. Porque o filme era 5 minutos sobre a primeira missa no Brasil, aí eu era o Frei, e os outros 80 minutos eram sobre os bastidores da filmagem, aí era o actor que fazia de Frei. Portanto, o desafio maior foi encontrar os dois tons para cada fase do filme, sem ficar pouco profundo em nenhum dos momentos.
Pedro Barreiro - Não costumo dar grande importância à ideia de personagem, para além daquela que nós próprios vamos representando por aí. Mas neste caso foi imediata a relação que estabeleci com a ideia que a Ana tinha para o filme, que fui entendendo e na qual me tentei inserir. O facto de ser um português a viver no Brasil, e de me ver várias vezes, até involuntariamente, no meio de quezílias culturais entre Portugal e o Brasil, fez com que me identificasse sobremaneira com aquela figura de vários tempos ao mesmo tempo, que chega a um lugar com uma função poética, sem fazer a mínima ideia do que seja a poesia.


CLOSE UP! - Como se preparam para os vossos papéis?
Marcantonio Del Carlo Foi tudo muito rápido. Eu estava em Espanha a filmar com o Imanol Uribe quando soube que na semana seguinte embarcava para São Paulo. Li a versão final do guião na viagem, cheguei a São Paulo à noite e na manhã seguinte estava a filmar. Graças a Deus não tinha nada pensado para o Álvares Cabral. Só assim foi possível criar com total carta branca ao lado da Ana.
Rui Unas Fui obviamente reler a carta que Pêro Vaz de Caminha enviou ao rei onde relata o que viu quando chegou ao Brasil.
Beto Coville Fui visitar mosteiros em Coimbra e em Setúbal, onde o Frei Henrique estudou e depois morou. Li muito sobre a história de Portugal e sobre a relação estreita que o Frei tinha com o rei e a rainha da altura. Depois, vi os filmes anteriores da cineasta para captar o humor dela, que é muito característico. Tentei perceber também a linguagem humoristica e a crítica social e política que estavam no guião.
Pedro Barreiro - Da mesma maneira que me preparo sempre que saio de casa seja para fazer o que for. Talvez mais, até pela gratidão que sentia em ir trabalhar todos os dias com todas aquelas pessoas que podia ver a trabalhar e com as quais pude aprender muito.


CLOSE UP! - Podem revelar-nos alguma história engraçada passada nos bastidores do filme?
Marcantonio Del Carlo A rodagem deste filme dava um outro filme... foi muito muito divertido!
Rui Unas Os portugueses do filme (eu, o Marcantonio Del Carlo e mais dois actores que fizeram de marinheiros) tivemos uma grande empatia e cumplicidade. Ao ponto de, aproveitando a nossa pausa num dos intervalos, termos feito uma versão do videoclip da musica "Paixão" dos Heróis do Mar (a qual podes ver clicando AQUI).
Beto Coville Muitas, mas destaco uma cena em que eu estava atrás de uma pedra e resolvi subi-la, apoiando-me numa árvore. Porém era cenário, mas tudo era tão natural que parecia uma árvore com tronco robusto, de verdade. Claro que a árvore caiu em cima do resto do cenário e quase em cima dos outros actores. Demorou umas duas horas para que tudo fosse recolocado no lugar. As piadas que o Oscar Magrini contava nos longos momentos de espera também eram de rir muito...
Pedro Barreiro - Poderia. Mas por questões de decoro não o farei. Talvez o Rui Unas a dar aulas de dicção (vídeo que podes ver clicando AQUI) seja uma imagem que vos pode elucidar do que falo, mas fico-me por aí.


CLOSE UP! Agora que 2013 chegou ao fim, podem revelar-nos quais os filmes que mais gostaram de ver no ano transacto?
Marcantonio Del Carlo - O ano passado fui pouco ao cinema. Recentemente vi "O Mordomo" que me reconciliou com aquele cinema americano épico que para mim nunca mais foi o mesmo depois de Wells, Ford e outros que tais.
Beto Coville "Don Jon", "O Mordomo", "Parkland", "Dá Tempo ao Tempo", "A Noiva Prometida", "Dentro de Casa" "Guia para um Final Feliz".
Pedro Barreiro -  Prezo demasiado o anacronismo para ver filmes no ano em que são lançados.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Entrevista a Ana Carolina, a realizadora de "A Primeira Missa"


Proveniente do cinema documental, Ana Carolina é reconhecida como uma das cineastas mais respeitadas e originais do Brasil. apesar de não realizar qualquer longa-metragem desde 2003, ano em que dirigiu "Gregório de Mattos", drama biográfico centrado na obra do polémico poeta baiano nascido em 1636.
A PRIMEIRA MISSA OU TRISTES TROPEÇOS, ENGANOS E URUCUM - uma história que propõe "simultaneamente "ver e reflectir" sobre os rumos da história do Brasil e da formação da sua identidade audiovisual" - coloca assim um ponto final no hiato de uma década da realizadora de 70 anos, que esteve à conversa connosco para nos revelar alguns dos segredos por detrás do seu mais recente projecto.

CLOSE UP! - Como surgiu a ideia para fazer este filme?
ANA CAROLINA - Tenho, desde sempre, um encanto absoluto pela descrição cristalina de Pêro Vaz de Caminha ao chegar no Monte Pascoal em 1500. Sempre quis, de alguma maneira, reproduzir o sentimento daquela chegada. Em 2010 iniciei o projecto que era para ser um filme histórico, com grande produção, com muitas caravelas, filmado na Costa da Bahia em pleno mês de Abril com muitos personagens e o equivalente a duas tribos de Pataxós que significava, no mínimo, 150 índios. Sem contar a logística que essa produção exigiria.


CLOSE UP! - O que a levou então a insistir na realização deste projecto mesmo após todos os avanços e recuos que este teve?
ANA CAROLINA - Eu sou uma pessoa insistente e persistente. Confio nos meus desejos. Portanto, inspiro confiança.


CLOSE UP! - Tendo em conta a redução drástica no orçamento que este filme sofreu, foi certamente necessária muita imaginação para suplantar alguns problemas que foram surgindo ao longo do caminho. Tem alguma história de bastidores curiosa relacionada com esta condicionante que nos possa revelar?
ANA CAROLINA A história mais curiosa é que em toda a minha vida profissional jamais havia filmado com 20 actores e 18 índios de figuração no meio da Mata Atlântica, em somente três semanas.


CLOSE UP! - Ter actores portugueses no elenco foi uma “exigência” sua?
ANA CAROLINA - Sim, sempre foi condição primeira e absoluta que os personagens portugueses fossem interpretados por actores legitimamente portugueses porque se o melhor actor brasileiro se pusesse a fazer um personagem português tudo se transformaria em total impedimento dramático.


CLOSE UP! - Por volta dos anos '70 a presença de uma mulher atrás das câmaras, no Brasil, era ainda uma excepção. No entanto, em 1974 a Ana Carolina realizou a sua primeira película, o conceituado documentário "Getúlio Vargas". Será que este início de carreira em que teve que lutar e se afirmar, influenciou a sua formação como realizadora e a visão que hoje tem do cinema? 
ANA CAROLINA - Quando eu fiz o "Getúlio Vargas" já vinha lutando na carreira de cineasta há 9 anos, fazendo documentários, médias e curtas-metragens. Penso que a luta dá-te ferocidade, rapidez, astúcia, frieza e prática. Essa astúcia, frieza e prática ensinam-te a filmar.


CLOSE UP! - E pensando no futuro, que projectos tem em mente?
ANA CAROLINA - O meu próximo filme será um tratado sobre o “Mal Entendido”.


CLOSE UP! - Agora que 2013 chegou ao fim, pode revelar-nos quais os filmes que mais gostou de ver no ano transacto?
ANA CAROLINA - Em 2013 não tive um momento de trégua. Só consegui assistir ao filme "Blue Jasmine", do Woody Allen, que tem um elenco excepcionalmente bom mas uma linguagem um pouco televisiva demais.

sábado, 2 de novembro de 2013

Entrevista a Alexandra Rocha, a protagonista de "O Frágil Som do Meu Motor"


Já se encontra disponível no ZON Videoclube O FRÁGIL SOM DO MEU MOTOR, longa-metragem de estreia de Leonardo António que segue a história de Gabriela, uma enfermeira que se envolve numa intensa relação extraconjugal com o possível suspeito num misterioso caso de assassínios em série. 
Na sequência deste lançamento tivemos a oportunidade de entrevistar a simpática protagonista deste thriller, a bracarense Alexandra Rocha, que partilhou connosco diversas curiosidades em relação ao filme e atraveu-se mesmo, qual Tarantino, a revelar o seu Top 10 de filmes favoritos do ano corrente.

CLOSE UP! O que a atraiu no papel de Gabriela?
ALEXANDRA ROCHA Gostei muito do guião, da equipa que estava ligada ao projecto e fiquei logo com vontade de aceitar e mergulhar na vida da Gabriela, mas o que realmente me “seduziu” foi o facto de ser um thriller. A história em si podia ser apresentada como mais uma aventura banal, mas o Leonardo preferiu dar-lhe um twist e criar algo diferente, que nos prende e nos deixa em alerta, sentados na pontinha da cadeira sempre à espera do que vai acontecer a seguir.


CLOSE UP! - Quais os desafios que a personagem lhe impôs?
ALEXANDRA ROCHA Tantos! Desafios físicos, emocionais… foi mais complexo do que tinha imaginado. A Gabriela não é só aquilo que vê à primeira vista e não me foi fácil conseguir percebê-la: “porque é que ela se entregava assim ao perigo e ao desconhecido?”.
Mas principalmente, compreender uma mulher normal e dedicada que trai um marido paraplégico com um homem que não conhece e que a obriga a estar vendada e que pode ser um assassino... Este foi o meu grande desafio. De um lado tinha uma mulher sensível, com uma profissão dura, preocupada com um marido que atravessa uma fase muito difícil. Marido que ela tenta compreender e ajudar. Por outro lado, uma mulher solitária, mal-amada, que luta por tudo para não se deixar envolver sentimentalmente. Mas também uma mulher que a certa altura desiste de tudo isso e se deixa ir num envolvimento tão fora do vulgar e ao mesmo tempo investe no “amigo” de longa data... Tive muita dificuldade em compreendê-la. Cheguei a achar a Gabriela uma tontinha que brinca com o fogo... Depois percebi (senti) que todos nós temos fases da vida em que nos contradizemos constantemente e que somos capazes de qualquer coisa para que a vida faça sentido. E, já diz o povo, “de louco todos temos um pouco”... Penso que nalgum ponto se virmos com atenção todas as “Gabrielas”, “Marias”, “Franciscos” e “Bernardos” vamos ver que em algum ponto, mesmo que ligeiro, nos podemos identificar. Quando li o guião senti logo que ia ser complicado para mim. Talvez porque temos sempre aquela ideia de nos catalogarmos como se fôssemos A, B, C... percebi logo que não a ia conseguir catalogar facilmente. E tudo isto foi complementado pela parte física: três meses com aulas intensivas de tango, as cenas violentas, o lidar com o frio de rachar (pois muitas cenas foram gravadas na neve) e o ter de esperar o inesperado: por mais que as coisas estejam planeadas e controladas há sempre algo que acontece e que foge das nossas mãos. Mas às vezes são estes inesperados que nos deixam as histórias mais engraçadas de recordar.


CLOSE UP! - E de que outras formas se preparou para o papel?
ALEXANDRA ROCHA De diversas formas. Pesquisei muito sobre a profissão da Gabriela, lidar com o dia-a-dia de uma enfermeira especialista numa unidade de queimados… É um ambiente de trabalho muito pesado! Ficou-me uma admiração enorme pelas pessoas que realmente têm este trabalho, que todos os dias são fortalezas pelas pessoas que estão a passar por um momento horrível, com dores insuportáveis... Só de me lembrar, fico arrepiada! Claramente, eu não teria estofo…!
“Estudei” muito esta questão da motivação dela para ceder assim ao perigo e ao desconhecido, que era o maior enigma para mim. Falei com muitas mulheres casadas, solteiras, divorciadas de várias idades, quis perceber o que é que para cada uma delas seria uma razão para trair, para perder a cabeça. E isso ajudou-me muito, porque percebi que cada um de nós tem “gatilhos” diferentes. No caso da Gabriela era a necessidade urgente de se sentir mais que uma máquina, mais que um ser amorfo que só serve para cuidar dos outros, de se sentir viva e se sentir mulher outra vez.


CLOSE UP! - Existiram muitas alterações entre o primeiro esboço que leu e o resultado final?
ALEXANDRA ROCHA Quase nenhumas. O Leonardo António [realizador e argumentista] manteve-se muito fiel ao que tinha traçado. Claro que me refiro à versão original do filme que foi para fora do país e que foi catalogada pelo The Guardian como “HOT!”, não à versão comercializada pela ZON Audiovisuais. Pois, tal como acontece em muitos filmes estrangeiros, há uma versão mais comercial ou reduzida, no fundo, adaptada ao meio que a vai exibir e, depois, nos DVD podemos ver as cenas cortadas ou até mesmo as versões “Director’s cut”.


CLOSE UP! - Pode revelar-nos alguma história engraçada que decorreu nos bastidores do filme?
ALEXANDRA ROCHA Ui, tantas situações assim! Recordo-me, por exemplo, do dia em que fomos para a Régua filmar e estava muito mau tempo pelo país todo. Havia uma série de estradas cortadas e parte da equipa não conseguiu ir, nomeadamente a que levava as alianças da Gabi e do Pedro. Já íamos a meio da viagem quando soubemos. Pouco tempo depois estávamos parados numa povoação pequena, toda inundada e a única loja que encontrámos aberta foi uma “Loja dos 300” quase a fechar. Então estava eu, acompanhada por quatro homens (produtor, realizador, director de arte e o Gustavo Vargas, actor que fazia de meu marido) a experimentar sob pressão uma aliança. Não sei se foi do stress da situação, o certo é que a certa altura o senhor da loja diz-me aparte: “A menina só casa se quiser!”
Por causa do mau tempo as rodagens na Régua foram ricas nestes episódios. Uma das pessoas que não conseguiu chegar lá foi a maquilhadora. Não tínhamos quase nada para além daquelas coisas que as meninas normalmente têm na carteira...mas há o racord, certo? Nunca me vou esquecer de, nesse dia, foi o João Cavaleiro [diretor de arte] que me deu o toque final na maquilhagem quando fez o traço nos olhos (tipo eyeliner) com caneta de feltro preta (daquelas boas, dos artistas)... quase seca!! Mas tudo se fez! E é disto que eu falo quando digo que trabalhei com uma equipa fantástica. Nada foi impossível!
Há também aquela cena em que a Gabi entra no carro, cheia de pressa para arrancar. Por questões de posicionamento da câmara conjugado com o facto de eu não ser muito alta, os meus pés não chegavam para carregar na embraiagem até ao fim. “Na boa Alexandra, é só ligares o carro e cortamos, não precisas de arrancar, o carro fica em ponto morto”. A minha cara quando ligo o carro e afinal estava engatado... Lindo!
Uma das mais giras, passou-se com o actor João Villas-Boas. Era o plano dele, a cena em que o Vitor deixa a Gabi no hospital. É o momento do primeiro beijo. Há o beijo, há aquele momento apaixonado, romance no ar, mas quando saí do carro fiquei com o pé preso e caí! Mas caí de uma forma que fiquei com a cara e as mãos no chão e o rabo para o ar! E tive que me aguentar assim até ao final da cena. Quase impagável é a cara do coitado do João que, como tinha a câmara “em cima dele”, teve de ficar a olhar para mim naqueles propósitos sem rir e como se estivesse a olhar para o amor da vida dele. 

Bloopers gentilmente cedidos pelo realizador Leonardo António

CLOSE UP! - Revê-se em alguma personagem que já tenha interpretado? Qual?
ALEXANDRA ROCHA Posso dizer que me revejo em alguns momentos da vida das minhas personagens, mas prefiro colocar a coisa ao contrário: perguntar a cada uma das “minhas” personagens se se revê na Alexandra Rocha ou em que parte da Alexandra se alimentou para poder existir (para além do corpo que já lhe empresto).
Nesse sentido todas elas, sem excepção, me deram algo (às vezes tiram também). Passo a rever-me nelas a partir do momento em que alcanço uma construção, por assim dizer. Por exemplo, a Telma do "Flatspin" [peça com encenação de Rui Luís Brás, produção do Teatro Tivoli e Pequeno Palco de Lisboa, que esteve em cena no Teatro Tivoli no ano de 2010] alimentou-se do meu lado masculino (ou menos feminino) e agressivo (selvagem quase).
A Gabriela mostrou-me, por exemplo, que não se deve julgar uma pessoa por aquilo que aparenta, porque a solidão dói e essa é uma dor que nos muda. Mostrou-me o que a necessidade de nos sentirmos vivos nos leva a fazer e que, tal como ela, todos nós podemos um dia ser levados ao nosso limite e fazer coisas que nos pareciam inconcebíveis, como enganar, ferir ou trair alguém… Mas que a pior traição é a que cometemos connosco.
Tenho que confessar que gosto mais de trabalhar nos meus antípodas, sinto-me mais confortável quando consigo definir uma linha de fronteira (caso da Telma).


CLOSE UP! - Sendo uma actriz que começou nos palcos, socorre-se dessa experiência acumulada no teatro para as suas performances tanto no pequeno como no grande ecrã?
ALEXANDRA ROCHA - Tecnicamente há muitas diferenças entre pisar um palco e trabalhar em frente às câmaras. Mas não é só isso: o ritmo de trabalho, o desenrolar da personagem e das suas emoções (que no palco é um trabalho contínuo, no espaço de uma hora a personagem nasce e morre), a energia com que o público nos alimenta dia após dia… É algo mais imediato e não é estanque, vai evoluindo com o espectáculo.
As câmaras exigem de nós uma naturalidade diferente, outra postura, outro tipo de trabalho... Mas vejo semelhanças no cinema e teatro, sobretudo no que toca à criação das personagens: a disciplina, a concentração, o processo de construção da personagem. Sim, penso que seja fundamentalmente isso que trago da formação no palco: a disciplina e concentração.


CLOSE UP! - Tal como Tarantino há algumas semanas atrás, pode revelar-nos quais os seus 10 filmes preferidos de 2013 até ao momento?
ALEXANDRA ROCHA Por fair play, não vou incluir o "Django Libertado" nem O FRÁGIL SOM DO MEU MOTOR [risos]. Aqui vai:
- “Hitchcock”, porque sempre gostei dele enquanto encenador e mestre de suspense e porque foca também a ideia de que atrás de um génio pode estar um outro... Além disso, o Anthony Hopkins está muito bem no papel!;
- “Paixões Proibidas”, de Anne Fontaine, uma história diferente, mas que pode ser tão real;
- “Os Amantes Passageiros”, de Pedro Almodóvar, porque... é o Almodóvar!;
- “La Vie d'Adèle”, de Abdellatif Kechiche, uma história de amor tão bem contada...;
- “Blue Jasmine”, de Woody Allen, com um trabalho notável da Cate Blanchett!;
- "O Mascarilha", de Gore Verbinski;
- “We Are What We Are”, de Jim Mickle;
- “A Gaiola Dourada”, de Ruben Alves, que é, sem dúvida, um dos filmes incontornáveis do ano;
- “Elysium”, de Neill Blomkamp, porque conta uma história que se pode tornar em realidade muito mais cedo do que pensamos (se é que, em certa medida, já não é assim);
- “Le Passé”, de Ashgar Farhadi.


CLOSE UP! - Numa altura em que os filmes centrados em super-heróis estão tão em voga, gostaria de encarnar algum em particular? Se sim, qual?
ALEXANDRA ROCHA Homem-Aranha, versão feminina, claro! Não é nenhuma crítica ao super-herói mas sempre achei as aranhas como tendo uma energia mais feminina. Talvez até pela “maldade” por vezes associada às mulheres [risos].
Mas pensando numa personagem que já exista, imagino algo no género da Catwoman, poderosa, enigmática, lutadora, mas que em si, não tem grande poder especial ou sobrenatural, a sua principal arma é trabalhada por si – é a sua sensualidade que desarma heróis e vilões.


CLOSE UP! - Já tem projectos futuros? Quais?
ALEXANDRA ROCHA Sim e estou muito entusiasmada, pois são projectos em que me tenho divertido e explorado coisas novas. Na companhia Pequeno Palco de Lisboa procuramos sempre fazer textos que tenham algum significado para nós, é uma “tradição” iniciada pelo Rui (Luís Brás) que, a meu ver, acaba por marcar a diferença no produto final. Assim, com este pensamento, entregámo-nos à peça infantil “A Bela é um Monstro” de D.M. Larson. E correu tão bem que vamos agora em digressão!
Fazer a personagem Bela foi uma óptima experiência, fez-nos ver que, de uma forma divertida, podíamos passar mensagens importantes às crianças e que, possivelmente, poderão deixar plantada uma sementinha de esperança… Pode ser que esta geração, aos poucos, perceba que a verdadeira Beleza, está dentro de nós, na nossa essência e não nas coisas que temos. Geralmente até cito o "Clube de Combate": “The things you own, end up owning you”.
E a 1 de Novembro estreou “A Carta” no Teatro Rápido, em Lisboa. É uma comédia de terror, escrita por Hugo Barreiros e tem sido um desafio muito recompensador. Estou a fazer microteatro pela primeira vez e tem sido óptimo voltar a trabalhar com o Peter Michael num texto que nos diverte tanto todos os dias.