Colchas de Noivado
O bordado de Castelo Branco é como todos nós sabemos, o maior embaixador do artesanato albicastrense, e um dos mais conceituados do nosso país.
Reis, Rainhas, Presidentes e Primeiros-ministros de países estrangeiros têm hoje em suas casas, colchas ou painéis do bordado de Castelo Branco, brindados pelos nossos governantes ao longo dos tempos.
No entanto se formos ao museu Francisco Tavares Proença Júnior, ou a qualquer livraria da cidade (ou fora da cidade), à procura de uma qualquer publicação sobre os nossos bordados, não encontramos rigorosamente nada à venda.
Não sei a quem cabem as responsabilidades de tal desmazelo, sei no entanto, que os nossos bordados não merecem tal descuido, se não existe arte e engenho por parte dos responsáveis deste sector, para se publicar um livro sobre o bordado de Castelo Branco, então que se reeditem edições anteriores meus senhores.
Ainda em relação ao nosso bordado gostaria de dar a conhecer um pequeno texto de: E. De Salles Viana, publicado em 1942 para uma exposição realizada em Castelo Branco sobre;
“Colchas de noivado”, que encontrei na nova biblioteca da nossa cidade, e que adorei ler.
ALGUMAS PALAVRAS
Colchas de noivado! Bordados de Castelo Branco!O linho e a seda unidos em jubileu festejam a Vida, o Amor…a cantar!
Desferem-se toadas de cor e estrofes singelas de desenhos que são símbolos! E, na letra destes poemas, rimam cravos e lírios, heras e jasmins, romãs e gavinhas… Se cada colcha é uma parábola de Amor, se cada colcha é hino que celebra um novo Lar!
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E as colchas foram bordadas pelas noivas para o tálamo nupcial!
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Para as colchas se semeou o linho que, amadurecido, foi ripado, curtido, maçado, espadelado, assedado, fiado, ensarilhado, branqueado, urdido e tecido, no vai-vem compassado das apeanhas e canelas dos teares venerados.Para as colchas se plantaram as amoreiras, se criou o sirgo, se fiou a seda que, posta em meadas, foi lavada, branqueada e tingida.-----------------------------------
Velha é esta arte dos bordados caseiros da Beira Baixa que nasceu dos motivos de decoração persa e sofreu, pelo vagabundear dos anos, as influencias do Renascimento, do Barroco, da Índia, da China, dos damascos e dos estampados orientais.E as colchas de Castelo Branco são em tudo, apesar da fronteira que as separa, irmãs gémeas das colchas de Toledo, na matéria, na cor no desenho e… no destino! COLCHAS DE NOIVADO
“Sobrecamas de noivos” lhe chamam em Toledo; “colchas de casamento” lhe chamam em Trancoso e noutras terras do termo da Guarda.
Nas colchas de noivado, ouvem-se ainda os ecos distantes e saudosas dos cânticos de Amor que algum dia se salmodiaram à luz do Desejo, na liturgia de casamentos já longínquos, quando ainda se cumpria, como dever e como lei de Deus, a máxima da Bíblia Sagrada que ordenou a multiplicação da Raça!
Há um certo parentesco entre as colchas de noivado da Beira Baixa e os lenços de namorados do Minho e de Trás-os-Montes. Num desses lenços, entre muitos do acaso, bordados a vermelho e a ponte cruz, vêem-se pequenas albarradas ladeadas por dois pássaros, e, a par, dois corações que florescem em comum, um galo e uma galinha cobertos pela coroa real. Ao lado do galo está a letra M (Manuel).
Ao lado da galinha lê-se Min, o eu da bordadeira que afinal se chamava Gracinda Rosa, como se revela na outra margem do lenço. A certa altura uma data! 1907, o ano feliz em que o Manuel e a Gracinda abriram um ao outro seus corações em festa.
A albarrada representa a Família e os dois corações que a par florescem em comum, são duas almas num corpo só; o galo e a galinha, num único ramo, aludem aos desposados; e a coroa real, longe de ser um símbolo de heráldica, é antes a expressão plástica da autoridade familiar, a soberania do patriarca.
Ora nas colchas de noivado o pássaro bicéfalo não pode deixar de representar também as mesmas duas almas num corpo só; as albarradas e as árvores, a Família, os dois pássaros a ladear ramos ou arvores, os desposados: os encadeados, a cadeia indestrutível do matrimónio que vai ligar os nubentes. E assim, os cravos alegorizam o homem, as rosa a mulher, os lírios a virgindade, os corações o Amor, as gavinhas a amizade, e hera a afeição, os jasmins a pureza, o galo a virilidade, as romãs e as pinhas a união indissolúvel da Família, na alegria e na dor, as frangas e os galaripos a Prole Bendita, fruto do casamento.
O pássaro bicéfalo não tem pois significado heráldico.
E, embora as colchas sirvam hoje para engalanar varandas, balcões e janelas, em dias de procissões, também nenhuma se fez com intuito religioso, em nenhuma se vê qualquer alusão mística, nem sequer a Cruz, símbolo e síntese máxima do cristianismo.
Colchas de noivado, sempre diferentes! O linho e a seda unidos em jubileu festejam a Vida, o Amor… a cantar!
Maio de 1942 E. DE SALLES VIANA
O Albicastrense