Preciso escrever logo este post, antes que ele se esfume de vez na minha cabeça. É verdade que tenho aqui comigo o cd dos Thompsons, mas, como cheguei a dizer, em meu be(a?)st english, ao baterista da banda (olhando o dvd que, com certeza, ele tinha esperança que eu comprasse, e que aliás me arrependi de não ter comprado): "it's not the same thing!". Um show do Jarrah Thompson, como eu tive a chance de presenciar mês passado em São José do Rio Preto, na fantástica Vila Dionísio, é uma experiência única. Queria entender minimamente de música para tentar descrevê-la com mais do que palavras vagas e impróprias, mas, enfim, faça-se o que se possa.
(Um parêntese para me queixar pelo fato de nenhum professor de português ter se queixado da ausência de Jânio Quadros no post que lhes dediquei (aos "quadros", quero dizer) outro dia.)
Confesso que, quando cheguei diante do palco (eu vinha do banheiro, de onde tinha ouvido uns acordes introdutórios, acreditem (eu tentei não acreditar), de flauta) com a tão anunciada e badalada "banda australiana", tive vontade de ir embora. À esquerda (não é a foto que ilustra o post), um sujeito moreno e grandalhão, de olhos fechados e voltados pro espaço, tirava uns acordes esparsos do baixo. Ao centro, outro "viajandão", meio baixo e meio loiro, com o ar que me pareceu o mais anódino do mundo, emitia uns vocais agudos e pilotava uma guitarra com inverossímil pose de hero. À direita uma moça linda, com ar de deusa nórdica, portava, ou tocava, não me lembro, a tal flauta, mas com tal expressão de boba alegre que nem ela me comoveu. Atrás, outra beldade, loira, causava uma pequena barafúndia percussiva, em comum desacordo (assim me pareceu, à primeira e má audição) com um baterista que eu nem havia me dignado a procurar.
Mas o Jarrah Thompson é uma dessas bandas com uma frequência, ou um tônus, muito particular, que exige mais do que ser contemplado, ainda que com os ouvidos, para se dar a conhecer. É como Ramones: é preciso engrenar para que funcione. A diferença é que aqui a engrenagem é muito mais sofisticada, muito mais rica de experiências melódico-sensoriais. Mas olha o abstratão operando aí.
Indo, então, ao concreto, o que posso descrever (isto não é, lembre-se-me, uma autobiografia) é o seguinte: uma guitarra e uma flauta operando numa espécie de afinação ou, sei lá, lógica transcendental; um par, ou trio, ou sei lá o quê de vozes funcionando em perfeita (trans)afinação com as primeiras e uma maquinaria de base igualmente em perfeito entrosamente, mas, mais do que meramente lhes servindo, criando, viajando junto com elas.
Pois não só a guitarra e a flauta e a vozes de Mr. Thompson e Miss Asha Henfry solam e se costuram de formas não tão virtuosísticas quanto inteligentes e inusitadas, como também o fazem o baixo de Bruno Padoveze, repleto de meios-tons densos que introduzem simultaneamente mais peso e riqueza e estranhamento melódicos à eletrovertigem de Thompson, e a bateria de Chris Cameron, de uma precisão, um virtuosismo e, sobretudo, uma alegria igualmente regida, tem-se a impressão, por um princípio transcendental, no qual a percussão da lorinha Bianca Aviaz (ausente na foto) já atua o tempo inteiro, transcendida. Isso quando as duas, Asha e Bianca, não se lançam numa dança frenética que deveria envergonhar os paradões lá de baixo.
Por isso, de fato, tudo ali (não apenas Mr. Thompson) é Jarrah Thompson, seja lá o que for isso. Lembro de algumas sínteses que me baixaram na segunda música, assim que ela me fisgou: um AC/DC psicodélico. Um Led ultraelétrico, sem Bonham e sem pausa pra respirar. Um Jethro Tull pós-moderno e muito, muito (nada contra os barbudos, garanto!), mais lindo(a, bem entendido).
Mas é preciso, sim, prestar tributo a Mr. Thompson, ao menos se for dele a autoria das canções - digo, das músicas (até porque as letras não as entendi então e nem tento entender agora - deixo isso para meus críticos nacionalistas, goianos ou paraguaios). Pois é daí que deriva, de fato, todo o resto, ou seja, a aliança de experimentação e harmonia a toda prova, de estranhamento que, ainda à beira da dissonância, não deixa de insistir, um segundo sequer, em sua insistência rítmico-melódica. A redundância é inevitável, pois é a própria lógica da coisa: é como se se quisesse sempre mais: neverstopem, neverstopem, pedem-se mutamente as jahvozes e os jahinstrumentos; e quiçá seja mesmo assim, enquanto puder ser.
(Aliás, "australiana" vírgula (porque o Bruno é irmão do Marcelo Camelo, tenho quase certeza): brazucaustral, eu diria, se "caustral" não soasse tão, digamos, claustral (para não dizer coisa pior), sendo que o Jarrah Thompson é o contrário, ou quase, disso: é missa a céu aberto.)
Fuce algo aqui: