Arte de Modigliani
Passei a enxergar os relacionamentos com outros olhos de uns tempos para cá. A analisá-los por outra ótica só para notar diferenças e me atualizar nas questões amorosas. Que isso não seja motivo para eu ser ser chamado de volúvel ou influenciável, longe de mim. Ainda acho o amor uma das coisas mais emocionantes e importantes do mundo (e, como diria Wilde, mais misterioso que a morte). Propositalmente incompreensível, sim, mas de fácil aceitação quando você não entra em convenções superficiais.
Embora muitos afirmem que vivemos em uma época de velocidades – internet, convergência de comunicação, tempo – sexo e troca de parceiros inclusive – não gostaria de assumir como verdadeira essa teoria de que todos são inconstantes a ponto de estarem com alguém apenas pelo simples fato de terem uma companhia para os fins de semana. Ou pelo menos esperava não encontrar alguém para confirmar tal pensamento, fato esse que aconteceu para o meu espanto. Conversando com um dos meus amigos sobre seus relacionamentos, tive a impressão de que sou um cara a moda antiga, velho, preso em busca do tempo perdido.
Quase sempre gosto de uma conversa do tipo análise psicológica sobre o amor, qualquer que seja; expor minhas opiniões um tanto particulares e ouvir outras radicais que me deixam perplexo. Mas o último diálogo sobre o tema deixou-me extremamente assustado. Com ele pressenti que estamos realmente vivendo como em um Blade Runner onde não há espaço para sentimentos, frivolidades a dois, dores de cotovelo ou paixões desesperadas, apenas para a selva que nos engole enquanto nos colocamos atrás de computadores, teclando e contando sem olhar para coisas mais interessantes que a mecânica diária. Ou quem sabe meu amigo estava meio aéreo.
O diálogo foi curto em virtude do meu assombro.
— Ela é bonita e tal. Mas quero que seja mais imponente.
— Como assim?
— Antes de apresentá-la para alguém faço a vistoria. Se alguma coisa não servir, mando trocar.
— Mas e os princípios?
— Que princípios? E minha reputação? Preciso me precaver.
— Mas se você a ama, sente algo, não liga para...
— Isso é outra história, que não é bem assim. E quem falou em amor? Amor é coisa de velho.
Infelizmente, tenho que dizer isso, não afirmando por um fio de esperança que passa por mim, mas vivemos em um mundo cheio de robôs disfarçados de gente, que prometem mundos e fundos e sequer recordarão o aniversário ou as bodas. O típico homem atual (e por que não a mulher atual?) está preocupado em fazer pose na roda de amigos a ter um amor enlouquecedor como o de Manuel Bandeira pelas suas mulheres ou como o do grande Cyrano de Bergerac, que preferiu esconder sua dor pela felicidade de sua jamais alcançada dama. Preocupa-se com aparências quando deveria não estar nem aí para como ela come à mesa ou como se comporta em uma festa mais chique. Elegante não é ter que dividir sonhos ou situações embaraçosas quando um olha para outro, cúmplices, mas escapar de falhas ou gafes para que tudo continue bem no fingimento ficcional, que acaba quando, na cama, viram para a parede ou a deixam na porta de casa com um beijo seco. O conto termina e tudo volta ao que era antes. Se não houve sintonia, descartam um ao outro como se houvessem lixeiras ecológicas em cada esquina: “mulheres de plástico ”, “mulheres de vidro”, e assim segue.
Amor é coisa de velho, de quem já passou pela vida e não sabe sequer utilizar a seu favor o que a modernidade tem de melhor: o descarte instantâneo.
Amar é difícil, eu sei. Sentimos, contrariando Camões, uma dor profunda. Não queremos nos entregar a esse sofrimento homérico. Mas o mundo é muito mais triste se olhado sozinho, por um único ângulo. Quantas funções novas encontramos para uma árvore, pedra ou para o entardecer sozinhos? Não vamos além de nossa capacidade solitária. A solidão é coisa de velho?
Peço que todos revisem seus conceitos. Amar vale a pena. Não é preciso se atolar entre papeis e calculadoras tão frias e metódicas nem disfarçar o medo do novo ou comprar parceiros na liquidação do shopping. Se até mesmo o Windows tornou-se sentimental (quando apertamos algo que não o agrada ele reclama através de uma telinha com mensagens) o que dizer de nós? Continuaremos nos escondendo para não assumirmos que, sim, somos frágeis, choramos como bebês ao vermos uma novela ou quando rejeitados? Pense bem no que estamos perdendo, uma vida inteira de experiências.
Sejamos menos temerosos e mais esperançosos. Os relacionamentos ainda tem algo de orgânico. E, por favor, esqueçam os disfarces em casa. Debulhem-se quando for necessário. Só não cumpram o papel irresistível de sonharem com um príncipe encantado (ou princesa). A modernidade ainda não foi tão longe assim.