São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008 (Folha de São Paulo)
"Minha gatinha era silenciosa, discreta, não miava, mas sem ela a casa
está deserta, e minha vida também
MINHA JUJUBA MORREU . Vivemos juntas durante três anos e eu nunca
imaginei que gostasse tanto dela quanto gostava. Jujuba era uma
gatinha branca tão arisca que nunca consegui botá-la no colo para
fazer carinhos, como tantas vezes tentei. Ela não dava intimidades,
mas gostava de mim. Me seguia pela casa onde eu fosse, deitava do meu
lado, bem encostadinha na minha perna, mas não gostava que eu a
tocasse. No máximo, eu podia pôr a mão em cima dela, sem mexer um dedo
que fosse. Mas na hora em que eu ia dormir, o lugar dela era sempre no
travesseiro ao lado do meu.
Jujuba começou a emagrecer, e quando chamei a veterinária, foi feito
um exame de sangue e constatada uma doença no fígado. Ela foi
internada, e como não comia, começou a ser alimentada por soro. Fui
vê-la na clínica e me cortou o coração ver aquela coisinha tão
pequena, com uma patinha raspada para colocar o cateter, e me olhando
com seus grandes olhos amarelos, como se perguntasse "por que estão
fazendo isso comigo?". Foi muito, muito triste vê-la assim. Eu ligava
três vezes por dia para ter notícias, mas a resposta era sempre a
mesma: o quadro era estável, isto é, nada havia mudado.
Até que um dia a veterinária me disse que, se nos próximos dois dias
ela não tivesse uma grande melhora, não haveria mais esperanças. No
dia combinado, liguei às 11h da manhã, e ela me disse que minha Jujuba
já estava em coma e que era uma questão de horas. Perguntei se ela
deixaria a natureza agir e ela disse que sim; ela não estava sofrendo,
não era o caso de sacrificá-la.
No primeiro momento senti até um certo alívio; pensar em Jujuba no
soro, se alimentando através de uma seringa, era triste demais. Mas
esse alivio durou muito pouco: quando pensei que nunca mais ia vê-la
nem tê-la deitadinha perto de mim, fiquei com o coração apertado.
Estava sozinha em casa, não tinha com quem falar, fiquei tonta, sem
saber o que fazer. E resolvi, apesar da minha covardia nessas horas,
ir me despedir dela. Não queria, não podia deixá-la morrer sozinha.
Fui para a clínica e telefonei do carro, mas ela havia morrido há 20
minutos. Não tive coragem de vê-la morta. Eu achava que não seria mais
capaz de chorar, que já havia chorado todas as lágrimas que tinha, mas
que nada. Passei dois dias só lembrando dela passeando pela casa com
aquela elegância, andando pelas costas do sofá, deitada em cima dos
jornais que eu ainda não havia lido, e sobretudo da hora em que me
deitava, com ela no travesseiro ao lado; e estou com uma saudade tão
grande que não dá nem para contar. Ela era silenciosa, discreta, não
miava, mas sem ela a casa está deserta, e minha vida também.
Nunca pensei que pudesse ficar tão triste com a morte de uma gatinha;
nunca havia passado por isso, e nunca mais quero passar. Mas não vou
me esquecer dela; do jeito que se encostava na minha perna e fazia
dela travesseiro, do jeito que me olhava pedindo que eu lhe desse um
petisco -ela adorava atum de lata-, e lamento muito, muito mesmo, por
não ter chegado na clínica mais cedo, para estar fazendo um carinho na
sua cabecinha, nos seus últimos momentos, ou só botar a mão em cima
dela, sem mexer um dedo, como ela deixava. Deve ser triste morrer tão
sozinha. E a morte continua sendo incompreensível e inaceitável, mesmo
a de uma gatinha."
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