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O Pentateuco: Uma introdução

Pentateuco, que quer dizer "cinco rolos", é o nome dado aos primeiros cinco livros do Antigo Testamento. Na Bíblia Hebraica é chamado a Torá, de onde nós conseguimos o título "lei" que é, às vezes, aplicado a estes livros. Uma leitura até superficial, porém, mostra que o conteúdo do Pentateuco vai muito além da designação "lei." Podemos dizer que a palavra "lei" não é totalmente adequada para identificar a natureza do conteúdo do Pentateuco. Na realidade, a melhor maneira de traduzir a palavra Torá é "instrução". A palavra "lei" que é muitas vezes empregada como tradução comunica algo estático e que não fala mais às comunidades religiosas que usam a Torá. Por isso, quando a Sociedade Publicadora Judaica dos EUA produziu sua nova tradução da Tanakh,[1] as Escrituras Sagradas, uma das palavras escolhidas para traduzir a palavra Torá foi a palavra teaching, ensinamento. A implicação é que na Torá o leitor encontrará algo dinâmico que veio do Deus Vivo. É aquilo que Deus passou para seu povo como orientação perpétua. A História do Estudo do Pentateuco A história do estudo do Pentateuco é longa e complexa e não há espaço nesta breve introdução para um tratamento mais amplo. Em termos gerais, o estudo histórico do Pentateuco gira em torno da questão da autoria e das fontes da literatura.

O Pentateuco: Uma introdução Landon Jones Pentateuco, que quer dizer “cinco rolos”,  é o nome dado aos primeiros cinco livros do Antigo Testamento. Na Bíblia Hebraica é chamado a Torá, de onde nós conseguimos o título “lei” que é, às vezes, aplicado a estes livros. Uma leitura até superficial, porém, mostra que o conteúdo do Pentateuco vai muito além da designação “lei.” Podemos dizer que a palavra “lei” não é totalmente adequada para identificar a natureza do conteúdo do Pentateuco. Na realidade, a melhor maneira de traduzir a palavra Torá é “instrução”. A palavra “lei” que é muitas vezes empregada como tradução comunica algo estático e que não fala mais às comunidades religiosas que usam a Torá. Por isso, quando a Sociedade Publicadora Judaica dos EUA produziu sua nova tradução da Tanakh,[1] as Escrituras Sagradas, uma das palavras escolhidas para traduzir a palavra Torá foi a palavra teaching, ensinamento. A implicação é que na Torá o leitor encontrará algo dinâmico que veio do Deus Vivo. É aquilo que Deus passou para seu povo como orientação perpétua. A História do Estudo do Pentateuco A história do estudo do Pentateuco é longa e complexa e não há espaço nesta breve introdução para um tratamento mais amplo. Em termos gerais, o estudo histórico do Pentateuco gira em torno da questão da autoria e das fontes da literatura. De acordo com a tradição judaica, a autoria do Pentateuco é atribuída a Moisés.[2] Esta posição se reflete no texto do NT[3] e mostra que a igreja primitiva aceitou a tradição judaica. Aos poucos, esta tradição foi questionada, tanto pelos estudiosos judaicos quanto cristãos. A partir do século 18dC, a questão da autoria foi questionada e estudada cuidadosamente, principalmente como o resultado de uma leitura critica do texto bíblico à luz das metodologias literárias que foram aplicadas a toda literatura antiga. Como ‘literatura clássica’, a Bíblia, e especialmente o Pentateuco, foi analisada pelos críticos literários da época a fim de descobrir a origem dessa literatura e a história da sua composição. Como resultado desta análise, várias teorias quanto à origem da literatura do Pentateuco foram desenvolvidas. Estas teorias principais são designadas ‘hipóteses’ ou ‘teorias’ documentárias. Talvez a teoria mais conhecida seja a teoria de “Graf-Wellhausen”, de Karl Graf e Julius Wellhausen, dois estudiosos alemães que trabalhavam no século 19. De acordo com esta teoria, os livros do Pentateuco na forma que temos hoje não foram escritos por Moisés, mas originaram-se de autores desconhecidos que compilaram estes documentos em épocas posteriores a de Moisés. Juntando os resultados de estudos feitos por outros, Graf e Wellhausen identificaram quatro ‘camadas’ literárias principais no Pentateuco, cada 'camada' sendo o resultado de um autor ou de um grupo de autores. Estas ‘camadas’ foram identificadas ou pelo nome de Deus que apareceu no texto ou o pela orientação religiosa do grupo que produziu o documento. Os documentos receberam as seguintes designações: “J”, do nome “JAVÉ”, “E”, do nome Elohim, “D”, o chamado documento deuteronomista, e “P”, do alemão Priester (sacerdote). De acordo com a teoria, os documentos foram escritos nesta ordem cronológica ou por indivíduos ou grupos que tinham uma orientação religio-teológica. Assim, cada documento se dirigiu ao povo de uma época histórica específica e demonstrou as características teológicas do indivíduo ou grupo que escreveu. As teorias documentárias sofreram várias modificações e revisões pelos críticos, principalmente durante o século vinte e não têm a aceitação que tinham antigamente. As pressuposições e conclusões das teorias foram questionadas e outras teorias propostas, mas ainda persistem em vários círculos acadêmicos dúvidas quanto a autoria, a composição, e a transmissão dos livros do Pentateuco. Podemos dizer que hoje em dia não existe consenso no meio acadêmico quanto a questão da composição do Pentateuco.[4] Apesar das críticas que podem ser levantadas contra muitos aspectos das teorias documentárias, por meio dessas é possível ver a influência de várias ‘mãos’ na compilação e transmissão do texto do Pentateuco. Reconhecemos que a forma do Pentateuco que temos hoje é o produto de uma longa história de transmissão e formulação. Mesmo reconhecendo o desenvolvimento religioso e teológico ao longo da história de Israel, é reconhecido que as informações que temos no Pentateuco preservam as tradições mais antigas de Israel e não são meramente o produto de ‘formulações’ teológicas posteriores. Podemos traçar a origem do Pentateuco à pessoa de Moisés e, ao mesmo tempo, não negar a reformulação canônica que é visível nestes documentos. A inspiração desta literatura não é o resultado da autoria humana, mas, sim, a autoria divina. O resultado é um corpo de literatura antiga que preserva as mais antigas tradições de Israel e ainda informa, orienta e inspira o povo de Deus hoje. O Pentateuco como literatura Nesta parte, vamos dar uma olhada de relance à questão do Pentateuco como literatura. Como literatura o Pentateuco é de natureza dupla. Ele é uma unidade literária que contem, ao mesmo tempo, uma variedade de estilos literários. Sua unidade procede primeiramente da tradição mosaica, Moisés sendo a figura principal associada com a preservação e transmissão do Pentateuco. Além da tradição mosaica que une o Pentateuco, existe uma unidade histórico-teológica, também. O propósito do Pentateuco é narrar a história da formação do povo de Israel do ponto de vista do plano de Deus para o povo que ele mesmo criou. Os aspectos históricos do Pentateuco são inseparavelmente entrelaçados ao seu propósito religioso de maneira que a própria história pode ser considerada uma expressão teológica do povo hebraico. No Pentateuco o Deus de Israel é o Deus que cria e destrói (Gn.1.1; 7.23), que chama e preserva (Gn. 12.2,3; 45.7), que liberta e guia (Êx. 14.30; Dt. 29.5,6). Ele fez promessas e cumpriu-as (Gn. 12.1-3; Êx. 1.6,7) e fez alianças (Gn.15.8; Êx. 19.5,6) e deu a sua lei ao povo para orientá-lo e preservá-lo como um povo santo na terra (Lv. 20.22-24; Dt. 29.29). Assim, o Pentateuco é a instrução divina para o povo de Deus e sua unidade se encontra nesta função. Dentro desta unidade histórico-teológica existe uma diversidade literária. Os grandes atos de Deus em favor do seu povo são registrados em estilos literários diferentes. Esta diversidade forma um tecido literário de várias ‘cores’ e ‘texturas’ que atrai o leitor tanto pela sua beleza quanto o seu conteúdo. Vamos considerar os três tipos principais de literatura no Pentateuco. As Narrativas do Pentateuco Apesar da designação popular do Pentateuco como 'lei', a maioria do material do Pentateuco é narrativa. Dos 187 capítulos do Pentateuco na Bíblia cristã mais do que a metade são narrativas ou contêm principalmente narrativas. Em termos gerais uma narrativa é uma história prosaica que normalmente relata eventos em ordem cronológica, tem personagens que se relacionam entre si, e tem um propósito específico.[5] No texto bíblico as narrativas têm uma função específica. De acordo com Deuteronômio 4.9, as narrativas do povo de Israel funcionavam como ‘arquivos’  que contêm a história e as  tradições do povo: Tão somente guarda-te a ti mesmo, e guarda bem a tua alma, que não te esqueças daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e não se apartem do teu coração todos os dias da tua vida; e as farás saber a teus filhos, e aos filhos de teus filhos. Como arquivos, essas histórias podiam ser ‘reabertas’ à cada nova geração de leitores para trazer de volta as memórias históricas significativas do passado. A capacidade de ‘reviver’ o passado por meio de narrativas históricas é devido à natureza da revelação de Deus aos filhos de Israel. Em termos gerais, Deus se revelou ao povo de Israel por meio da história, isto é, por meio de eventos históricos específicos. Esses eventos foram registrados, transmitidos, e interpretados à luz dos propósitos de Deus para cada nova geração de israelitas. Assim toda nova geração participava nos eventos do passado como se fossem sua própria história. A recitação desses eventos fazia parte das confissões de fé e das renovações da aliança ao longo da história de Israel  (Dt. 26.1-11; Js. 24.1-27; Sl. 105).[6] As narrativas do Pentateuco são variadas em sua função e não há consenso entre críticos quanto a sua classificação.[7] Temos exemplos de relatórios históricos em série, como as narrativas de Abraão e Sara. Essas narrativas não somente preservam acontecimentos importantes na vida do povo, mas mostram como Deus agiu na história do povo para cumprir os seus desígnios. Alguns dos relatórios funcionam como etiologias ou narrativas que relatam a origem de costumes, lugares ou nomes, como Gênesis 16. Alguns identificam narrativas épicas e trágicas no Pentateuco, por exemplo, Êx. 12-18 e Gn. 3.[8] Uma outra forma de narrativa é a biografia que preserva episódios da vida de uma pessoa e interpreta o significado da vida da pessoa para os leitores de outras gerações. Um exemplo de uma biografia deste tipo é a narrativa de José. As narrativas litúrgicas são as narrativas que procederam da vida cultual do povo e que exerciam uma função dentro do culto de Israel. Gênesis 1 tem as características de uma narrativa litúrgica. As Poesias no Pentateuco Um segundo estilo literário que se encontra no Pentateuco é a poesia. A poesia hebraica é caracterizada pela sua estrutura e ritmo e não pela sua rima. A característica mais comum é o paralelismo, isto é, o equilíbrio de pensamentos em duas ou mais linhas de texto. Infelizmente, muitas Bíblias, especialmente as mais antigas, não fazem uma distinção entre trechos prosaicos e trechos poéticos. Assim, muitas vezes a poesia bíblica não é reconhecida pelo leitor porque não é impressa em forma de versos. Esta deficiência está sendo corrigida nas versões da Bíblia mais recentes. As poesias no Pentateuco não são tão comuns como as narrativas e são geralmente espalhadas entre as narrativas. Como é o caso das narrativas, as formas e funções das poesias são variadas e incluem cânticos (Êx. 15. 1-18), falas proféticas (Gn. 12.2,3), e bênçãos (Nm. 6.24-26).[9] Essas poesias refletem a vida comunitária do povo de Israel e preservam as mais antigas expressões literárias artísticas dos hebreus. Algumas poesias do Pentateuco têm como seu contexto histórico vitórias militares. Uma das mais antigas é a canção de vitória de Miriã em Êx. 15.21. Uma forma mais completa dessa canção se encontra no mesmo capítulo, a partir do primeiro versículo. Essas canções expressam de maneira lírica a resposta dos filhos de Israel aos eventos que aconteceram na praia do mar durante a saída do povo do Egito. O ponto focal dos cânticos é a vitoria do SENHOR sobre os egípcios: Cantarei ao SENHOR, porque gloriosamente triunfou; lançou no mar o cavalo e o seu cavaleiro!(Êx.15.1) A linguagem é de guerra e o próprio Deus é retratado como um poderoso guerreiro que conquista os  seus inimigos (v. 3, 4-7). Um elemento de várias poesias do Pentateuco é a bênção. A promessa de abençoar Abrão e todas as famílias da terra por meio dele que se encontra em Gn. 12.2,3 é repetida em várias formas ao longo do Pentateuco. Foi confirmada na bênção que Isaque passou para Jacó em Gn. 27.27-29. Mais tarde, durante a passagem pelo deserto, Balaão, chamado para amaldiçoar Israel, abençoou a nação quatro vezes como uma demonstração da fidelidade de Deus às promessa dadas a Abrão (Nm. 24-26). Outra forma de bênção entre as poesias do Pentateuco são as bênçãos de Jacó aos seus filhos em Gn. 49. As Leias no Pentateuco Uma das funções principais do Pentateuco é a preservação e transmissão da lei de Deus. É a presença da lei no Pentateuco que dá destaque a esta parte da Bíblia. Apesar das demais formas literárias que se encontram no Pentateuco, é o seu aspecto 'legal' que recebe a atenção do leitor. As narrativas do Pentateuco explicam como o povo recebeu a lei diretamente de Deus por intermediário de Moisés. Essa lei formou a base da aliança que Deus forjou com o povo e o povo aceitou a lei como a condição divina para participar na aliança. O propósito da lei foi orientar a vida da comunidade israelita. Assim, pode ser chamada a vontade de Deus para o povo de Israel. Como o salmista escreveu:  “Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu; sim, a tua lei está dentro do meu coração (Sl. 40.8). Em termos gerais, a forma literária da lei hebraica reflete a forma genérica das leis dos povos do Oriente Médio antigo. Duas formas genéricas podem ser identificadas das leis do Oriente Médio antigo:  as leis categóricas (apodíticas) e as leis condicionais (casuísticas). As leis categóricas ou apodíticas são mandamentos absolutos e proibições diretas. Exemplos claros de leis categóricas podem ser encontradas nos Dez Mandamentos, por exemplo, “não matarás”. As  leis condicionais ou casuísticas tratam de casos específicos na vida cotidiana do povo. Exemplos de leis condicionais se encontram em Êx. 21-23. O Pentateuco preserva a lei em várias coleções ou códigos. O código mais conhecido é certamente o Decálogo, os Dez Mandamentos. O Decálogo ocupou uma posição central na aliança feita com Israel no Sinai e formou a base legislativa das demais leis. É geralmente reconhecido que o Decálogo se divide em duas “dimensões”:  a dimensão vertical e a dimensão horizontal.[10] A dimensão vertical se encontra nos primeiros quatro mandamentos (Êx. 20.3-11) e trata da centralidade de Deus como o único e suficiente Deus de Israel. Foi ele quem tirou o povo da escravidão no Egito com a finalidade de formar uma aliança com o povo e levar o povo para a terra prometida. Por isso, ele não tolerava nenhum outro deus no seu lugar como o Salvador de Israel. Os mandamentos cinco a dez (Êx. 20.12-17) tratam da dimensão horizontal do Decálogo e destacam o relacionamento do indivíduo para com seu próximo e preservam os direitos individuais. No Decálogo podemos ver que o ser humano tem uma obrigação tanto para com Deus quanto para com seu próximo. No Novo Testamento Jesus deu continuidade a este aspecto da lei quando ele respondeu à pergunta dos fariseus sobre o grande mandamento. Na sua resposta ele reduziu toda a lei judaica a estas duas dimensões: Amarás ao SENHOR teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento . . . e o segundo, semelhante a este, é: amarás ao teu próximo como a ti mesmo.” (Mt. 22.37, 39) Depois do Decálogo encontra-se o Livro da Aliança (Êx. 20.22-23.33). Em geral as leis do Livro da Aliança têm a forma casuística, isto é, tratam de casos específicos da vida do povo hebraico. São chamadas leis condicionais porque muitas são introduzidas pela palavra “se” (ki) que indica o elemento condicional. A organização das leis do Livro da Aliança está relacionada à organização do Decálogo. Podemos ver tanto a dimensão vertical quanto a horizontal nestas leis. O código começa e termina com leis relacionadas ao culto de Israel, a dimensão vertical (Êx. 20.22-26; 23.10-19). As leis horizontais tratam de casos relacionados ao tratamento de pessoas e propriedade e casos de imoralidade e dos direitos dos necessitados. Para a igreja essas leis parecem arcaicas, completamente fora do nosso contexto, e sem nenhuma aplicação prática para a igreja a não ser que seja histórica. O que a igreja muitas vezes não reconhece é que as leis do Livro da Aliança nos trazem uma visão de um Deus que se preocupa com as infra-estruturas sociais do seu povo. Essas leis visaram à organização da comunidade israelita de uma maneira justa. Procuraram manter a dignidade de pessoas, mesmo quando essas pessoas são servas ou escravas (Êx. 21.1-16). O direito de possuir propriedade é reconhecido, mas, junto ao direito de possuir, há a responsabilidade de administrar e usar a propriedade de um modo que não prejudique a sociedade (Êx. 21.33-22.15). Há uma notável preocupação com a condição dos estrangeiros, oprimidos e fracos da sociedade (Êx. 22.21-24). Então, essas leis dão evidência de que Deus é sensível às necessidades do seu povo e providenciou um modo de proteger a estrutura da sociedade. A lei hebraica visou à preservação da santidade da comunidade, também. A preservação da santidade foi a preocupação principal do código de santidade que se encontra no livro de Levítico, capítulos 17 a 26. A chave do código de santidade é a frase que se repita várias vezes no texto: “Sereis santos, porque eu, o SENHOR vosso Deus, sou santo.” A base da santidade no código é a santidade do próprio Deus. A implicação da santidade no que diz respeito ao povo se encontra na necessidade do povo se separar dos costumes dos povos que não adoravam ao SENHOR Deus. O propósito da lei da santidade foi proteger o povo de Israel da ameaça do paganismo. Por isso, a lei diz em Lv. 20.22,23: Guardai, pois, todos os meus estatutos, e todos os meus juízos, e cumpri-os, para que não vos vomite a terra, para a qual eu vos levo para habitar nela. E não andeis nos costumes das nações que eu expulso de diante de vós, porque fizeram todas estas coisas; portanto fui enfadado deles. As leis do Pentateuco ofereceram aos filhos de Israel um critério para fazer diferença entre costumes saudáveis e costumes abomináveis e assim, manter-se longe do perigo do paganismo. O  paganismo é sempre uma ameaça à fé verdadeira e o povo de Deus deve estar sempre alerta a esse perigo. G. E. Wright, no seu livro O Deus que age, entendeu bem o papel do Antigo Testamento para a igreja quando escreveu:  “A igreja que desconhece o Antigo Testamento torna-se presa fácil do paganismo e não pode dar resposta ou esperança ao homem em dilema desesperador.”[11] O último código de leis no Pentateuco é a lei deuteronomista. O livro de Deuteronômio é muitas vezes considerado um livro que meramente repete a lei anterior em outras palavras. O próprio título sugere isso, pois, Deuteronômio quer dizer “segunda lei.” Uma leitura do livro, porém, nos mostra que esse livro não é simplesmente uma repetição da lei, mas é uma releitura da lei num contexto diferente. A lei deuteronomista foi dirigida a um povo na véspera da conquista da terra de Canaã. As necessidades desse povo foram específicas e a releitura da lei visou essas necessidades. Neste novo contexto o povo precisava de uma exortação firme e forte contra os perigos de compromisso religioso com os habitantes da terra: Quando o SENHOR teu Deus te houver introduzido na terra, à qual vais para a possuir, e tiver lançado fora muitas nações de diante de ti . . .  e o SENHOR teu Deus as tiver dado diante de ti, para as ferir, totalmente as destruirás; não farás com elas aliança, nem terás piedade delas; Porque povo santo és ao SENHOR teu Deus; o SENHOR teu Deus te escolheu, para que lhe fosses o seu povo especial, de todos os povos que há sobre a terra. (Dt. 7. 2,6) As leis de Deuteronômio têm características de exortações à obediência e não são simplesmente orientações religiosas e restrições cultuais. Há no livro de Deuteronômio um dinamismo que deve levar o leitor a entender que as leis de Deus não são estáticas e paradas no tempo, mas têm um aspecto dinâmico e vivo. São leis que podem e devem ser reinterpretadas e aplicadas para cada nova geração. Conclusão A história da formação do Pentateuco e os seus aspectos literários merecem uma análise muito mais completa do que é possível nessa breve introdução. O propósito aqui foi introduzir e destacar alguns elementos literários desta literatura e despertar o interesse num estudo mais profundo e completo por parte dos estudantes do Pentateuco. A sua diversidade literária é um testemunho à complexidade da composição do Pentateuco e ao seu dinamismo, mas essa diversidade literária não pode esconder sua unidade histórico-teológica. Deus autorizou o registro da sua revelação numa forma escrita diversa e complexa que preserva fielmente os seus atos históricos, o seu caráter, e que comunica a sua vontade para o povo. [1] Tanakh: The Holy Scriptures. Filadelfia: The Jewish Publication Society, 1988. [2] Veja Js. 8.31; 23.6; 1Rs. 2.3; 2Rs. 14.6; 23.25; 2Cr. 23.18; 30.16; Es. 3.2; 76; Ne. 8.1; Dn. 9.11, 13. [3] Veja Lc. 2.22; 24.44; Jn. 7.23; At. 13.39; 15.5; 28.23; 1Co. 9.9; Hb. 10.28 [4] Um resumo recente do estado do estudo da composição do Pentateuco se encontra no artigo de Gordon J. Wenham, “Pondering the Pentateuco: The search for a new paradigm,” em The Face of Old Testament Studies: A Survey of Contemporary Approaches (Baker Academic: Grand Rapids, 1999), pp.116-144. Um tratamento da questão em português se encontra em De PURY, Albert, org., O Pentateuco em questão: as origens e a composição dos cinco primeiros livros da Bíblia à luz das pesquisas recentes, 2a ed. (Petrópolis: Vozes, 2002) [5] Veja a análise de DILLARD e LONGMAN, pp. 27-33. [6] Veja o ensaio de G. E. Wright, O Deus que age, tradução de Sumio Takatso, (São Paulo: ASTE, 1967) para entender a importância da recitação dos atos históricos à fé de Israel. [7] Eissfeldt reconheceu dois tipos gerais de narrativas—históricas e poéticas. Dentro dessas categorias gerais, ele identificou sub-categoria como , por exemplo, mitos, lendas, realtórios, histórias populares, e autobiografias. Veja Eissfeldt, pp. 27, 28. [8] Veja a classificação de HILL e WALTON, p. 56. [9] Veja uma lista de formas em HILL e WALTON, p. 57. [10] Veja, por exemplo, Gerhard von Rad, Old Testament Theology, vol. 1, tradução de D. M. G. Stalker (New York: Harper & Row, 1962), pp. 191,192. [11] Wright, p. 28.