Espondilartropatia em Tomar
medieval/moderno
André Farinho1, Ana Curto1*, Teresa Fernandes1,2
1Laboratório
de Antropologia Biológica, Universidade de Évora
2CIAS
*
[email protected]
Resumo
O indivíduo em estudo (SMOL-388) provem da necrópole medieval/moderna
de Santa Maria do Olival (Tomar) e foi diagnosticado como sendo um adulto
do sexo masculino. As lesões neste indivíduo encontram-se na coluna
vertebral, que apresenta fusão intra-articular das apófises articulares
vertebrais e fusão costo-vertebral. Observa-se também calcificação e
ossificação nos locais tendinosos das vértebras e erosão na articulação sacroilíaca. A extensão da anquilose vertebral terá conduzido a uma movimentação
reduzida.
Palavras chave
(C)
Espondilartropatias, anquilose, ossificação, Tomar.
Introdução
As espondilartropatias são um grupo de patologias que têm em comum várias
características. A etiologia deste grupo de patologias é complexa e envolve
tanto fatores genéticos como imunológicos e ambientais, havendo um forte
envolvimento do complexo principal de histocompatibilidade humano (MHC),
nomeadamente na expressão do gene HLA-B27 (Male et al., 2006). Estas
patologias resultam num distúrbio inflamatório progressivo que pode
conduzir à calcificação do tecido conectivo que envolve a coluna vertebral e
outras articulações, principalmente a sacro-ilíaca e articulações periféricas
(Aufderheide e Rodríguez-Martín, 1998).
Material e métodos
O indivíduo em estudo (SMOL-388) provém da necrópole medieval/moderna de
Santa Maria do Olival (Tomar), da qual se exumou um número mínimo de 6792
indivíduos, numa área de aproximadamente 6500m2. O esqueleto encontravase bem preservado possibilitando não só a diagnose sexual como estimar um
intervalo etário de idade à morte.
Resultados e discussão
O indivíduo em estudo foi diagnosticado como sendo um adulto entre 30 a 46
anos de idade (Brooks e Suchey, 1990) e do sexo masculino (Bruzek, 2002). As
lesões neste indivíduo encontram-se principalmente na coluna vertebral, que
apresenta:
• fusão intra-articular das apófises articulares vertebrais da T2 à L5, não
havendo vértebras intercalares sem lesão;
• fusão costo-vertebral da T4 à T12 no lado esquerdo e da T4 à T9 do lado
direito. Neste lado, a T10, T11 e T12 apesar de não se apresentarem
fundidas, manifestam erosão nas facetas costo-vertebrais;
• calcificação e ossificação nos locais tendinosos das vértebras, que incluem
a presença de sindesmófitos na zona posterior dos corpos (L5-T12; T11-T10);
• curvatura postero-anterior e, na zona proximal abdução para o lado direito,
podendo estas alterações na coluna estar relacionadas com as anquiloses
acima referidas;
• erosão simétrica na articulação sacro-ilíaca e na margem inferior do corpo
vertebral da L5.
Embora a formação de osso novo nas vértebras estar muito relacionada com o
avançar da idade, calcificações generalizadas resultando em anquilose não são
características de simples alterações degenerativas, o que sugere a presença
de outras patologias. Este indivíduo não apresenta artrose nos restantes ossos
(os únicos não observáveis são a patela direita e o sacro) o que reforça a
hipótese de não se tratar de processos degenerativos relacionados apenas
com a idade e/ou atividade física. Também não se observou patologia
degenerativa não articular facilmente distinguível, com exceção do tendão de
Aquiles em ambos os calcâneos e na inserção da porção reto femoral do
tendão do quadríceps da patela esquerda, para os quais se registou alteração
de entese de grau 3 (Crubézy, 1988).
(A)
(D)
(B)
Figura 1. Coluna vertebral. (A) Vista dorsal. (B) Vista do lado direito. (C) Pormenor
das vértebras com anquilose costo-vertebral. (D) Pormenor das vértebras com
erosão na articulação costo-vertebral.
Apesar de não se observar o típico aspeto de “cana de bambu”, que
se poderia vir a manifestar numa fase mais tardia da doença (Rogers
et al.1987; Rogers e Waldron, 1995), as lesões descritas são
semelhantes às características de espondilite anquilosante nos
seguintes aspectos:
• envolvimento apenas do esqueleto axial;
• ausência de vértebras intercalares sem lesão;
• fusão costo-vertebral;
• presença de sindesmófitos;
• não envolvimento das enteses periféricas à afetação óssea.
Contudo não podemos excluir a possibilidade de se tratar de outra
patologia, como por exemplo a doença de Crohn ou a colite ulcerosa.
Conclusão
A extensão da anquilose vertebral terá conduzido a uma
movimentação reduzida, principalmente quando associada a uma
fusão costo-vertebral que limita os movimentos da caixa torácica.
Este trabalho pode ajudar a desvendar se as espondilartropatias
são mais comuns atualmente ou se o seriam no passado, o que
reforça a importância do estudo de necrópoles com um grande
número de indivíduos, como por exemplo a de Santa Maria do
Olival.
Referências
Aufderheide, A. C.; Rodríguez-Martín, C. 1998. The Cambridge encyclopedia of human paleopathology. Cambridge, Cambridge
University Press.
Brooks, S.; Suchey, J. M. 1990. Skeletal age determination based on the os pubis: a comparison of the Acsádi-Nemeskéri and
Suchey-Brooks methods. Human Evolution, 5:227-238.
Bruzek, J. 2002. A method for visual determination of sex, using the human hip bone. American Journal of Physical Anthropology,
117: 157-168.
Crubézy, E. 1988. Interactions entre facteurs bio-culturels, pathologie et caractéres discrets: example d’une population medieval.
Thèse de Doctorat. Montpellier, Université de Montpellier. [Monografia não publicada].
Male, D., Brostoff, J., Roth, D., Roitt, I. 2006. Immunology 7th edition, London: Mosby Elsevier
Rogers, J.; Waldron, T.; Dieppe, P.; Watt, I. 1987. Arthropathies in paleopathology: the basis of classification according to most
probable cause. Journal of Archaeological Science, 14(2):179-193
Rogers, J.; Waldron, T. 1995. A field guide to joint disease in Archaeology. Chichester, John Wiley & Sons.