ISSN (online) 2448-1092
volume 14
número 23
2022
índice
P.05 - 08
P.09 - 10
APRESENTAÇÃO
POLÍTICA
EDITORIAL
P.11 - 22
P.23 - 48
P.49 - 76
P.77 - 102
SOBRE A JUSTIÇA
ESPACIAL
MODO DE
EXISTÊNCIA
DA CIDADE
CONTEMPORÂNEA:
LAS DINÁMICAS
CONTEMPORÁNEAS
DEL PROCESO DE
URBANIZACIÓN EN
EL PARAGUAY
LOS PROCESOS DE
URBANIZACIÓN EN
AMÉRICA LATINA:
Uma visão atual
dos circuitos da
economia urbana
GORDON H. PIRIE
MARÍA LAURA
SILVEIRA
KEVIN GOETZ
P.103 - 135
P.136 - 160
P.161 - 183
L’ÉMERGENCE
D’UNE
URBANISATION
SUPPLÉTIVE:
Le cas de la
République
Démocratique du
Congo
MOBILIDADE
COTIDIANA E
ACESSIBILIDADE
NA CIDADE
FRAGMENTADA:
MOBILITÉ
QUOTIDIENNE ET
ACCESSIBILITÉ
DANS LA VILLE
FRAGMENTÉE :
O caso de Ribeirão
Preto
Le cas de Ribeirão
Preto
FRANÇOIS
MORICONIEBRARD
ELISEU SAVÉRIO SPÓSITO; VANESSA
DE MOURA LACERDA TEIXEIRA; KÉSIA
ANASTÁCIO ALVES DA SILVA
El caso del estado
de São Paulo
CARLES
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divulgação de pesquisas e reflexões que
envolvem a compreensão da problemática
urbana a partir de um olhar preferencial,
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Fundada em 2002 sob a responsabilidade do
Grupo de Estudos Urbanos (GEU), ela está
hoje sediada na Universidade Federal da
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de um Conselho Editorial que, em 2020,
assumiu a revista sob o compromisso com a
pluralidade na produção do conhecimento
no campo dos estudos urbanos.
A revista tem como objetivo contribuir
para ampliar nossa capacidade de ler e
interpretar o processo de urbanização e
as cidades num período em que tem se
aprofundado a complexidade das relações
que orientam processos e dinâmicas e se
aceleram o ritmo das transformações.
Cidades está vinculada à linha de pesquisa
Produção do espaço urbano-regional do
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da UFFS.
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artigo
MODO DE EXISTÊNCIA
DA CIDADE
CONTEMPORÂNEA:
Uma visão atual dos circuitos da economia urbana
MARIA LAURA SILVEIRA
Conicet/Universidad de Buenos Aires
[email protected]
RESUMO
Buscamos elaborar um quadro teórico-empírico geral dos circuitos da economia urbana à luz da globalização,
entendendo os como categorias aptas para compreender e cindir analiticamente o fenômeno urbano. O
artigo está estruturado em uma introdução, cinco itens e uma conclusão. Na introdução apresentamos,
brevemente, algumas das noções mais utilizadas no estudo da economia urbana. Nos seguintes itens,
refletimos sobre a globalização vista como um período e algumas características do processo da urbanização
contemporânea; os circuitos da economia urbana como constitutivos do fenômeno urbano; o circuito
superior; a porção marginal do circuito superior; o circuito inferior e, finalmente, à guisa de conclusão,
apresentamos algumas das complementaridades entre eles. Estas reflexões encontram seus fundamentos
em pesquisas teóricas e empíricas, individuais e coletivas, assim como nas teses e dissertações orientadas.
PALAVRAS-CHAVE: fenômeno urbano, técnica, globalização, circuitos da economia urbana, categorias.
modo de existência na cidade contemporânea
25 |
ABSTRACT
RESUMEN
I seek to elaborate a general theoreticalempirical frame of the circuits of urban economy
at globalization, seeing them as categories apt
to understand and analytically split the urban
phenomenon. This article is structured in an
introduction, five items and a conclusion. In the
introduction I briefly present some of the most
widely used notions in the study of urban economy.
In the following sections I reflect about globalization
as a period and about some characteristics of the
process of contemporary urbanization; the circuits
of urban economy as constitutive of the urban
phenomenon; the upper circuit; the marginal
portion of the upper circuit; the lower circuit and
finally, by way of conclusion, I present some of
the complementarities between them. These
reflections are based and theoretical and empirical
research, individual on collective, as well as in
doctoral theses and master´s degrees carried out
under my direction.
Buscamos elaborar un marco teórico-empírico
general de los circuitos de la economía urbana a
la luz de la globalización, entendiéndolos como
categorías adecuadas para comprender y escindir
analíticamente el fenómeno urbano. El artículo
está estructurado en una introducción, cinco ítems
y una conclusión. En la introducción, presentamos
brevemente algunas de las nociones más utilizadas
en el estudio de la economía urbana. En los siguientes
ítems reflexionamos sobre la globalización vista como
un período y algunas características del proceso de
urbanización contemporáneo; los circuitos de la
economía urbana como constitutivos del fenómeno
urbano; el circuito superior; la porción marginal del
circuito superior; el circuito inferior y, finalmente,
a modo de conclusión, presentamos algunas de las
complementaridades entre ellos. Estas reflexiones
encuentran sus fundamentos en investigaciones
teóricas y empíricas, individuales y colectivas, así
como en tesis y disertaciones dirigidas.
KEYWORDS: urban phenomenon, technology,
globalization, circuits of urban economy, categories.
PALABRAS CLAVE: fenómeno urbano, tecnología,
globalización, circuitos de la economía urbana,
categorías.
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revista cidades
volume 14 | número 23 | ano 2022
1 | INTRODUÇÃO
Numa interessante reflexão
escrita no alvorecer do século
passado, Simmel (2006) explicava
que as formas do conhecimento
científico são formações históricas e,
por essa razão, nunca recolhem de
maneira completamente adequada
a totalidade dos conteúdos do
mundo. É o caso, muitas vezes, de
ideias herdadas, pré-estabelecidas
ou, inclusive, de categorias fundadas
na observação de um fragmento da
totalidade, próprio de um determinado
momento, que se tornam verdadeiras
cristalizações de uma realidade em
permanente movimento. Talvez
essa seja a explicação, no estudo
da urbanização e das cidades, da
consolidação e persistência de um
pensamento dualista, que pode ser
reconhecido em diversos dualismos
tecnológicos,
morfológicos,
sociológicos e econômicos, tantas
vezes berço e tantas outras resultado
da noção de setor informal (Silveira,
2008). Mais recentemente esta ideia
tem sido retomada na interpretação
do
proletariado
informal
de
Davis (2006, p. 178) que, para o
autor, tem atualmente um papel
macroeconômico revolucionário. Até
os dias de hoje, a perspectiva do setor
informal resulta bastante dominante
na literatura dos estudos urbanos
e, entre os trabalhos mais recentes,
podemos mencionar os de Muhanga
(2020), Mugoda et al. (2020), Huang
et al. (2020), Nurhayati (2020),
Sharma e Nath (2021), Resnick (2021),
Nguimkeu e Okou (2021).
Cunhada para discutir as atividades
não reguladas pelo poder central
na economia soviética e em outras
de caráter centralizado, a ideia de
second economy foi retomada mais
tarde para identificar uma economia
estruturalmente
desintegrada
da primeira economia (SIK,1992;
BAGACHWA e NAHO, 1995), tal como
apareceu no discurso do Presidente
Thabo Mbeki´s na África do Sul em
2003 e nos trabalhos de Reynolds
e Van Zyl (2006), Skinner (2006),
Rogerson (2007), Toit e Neves (2007)
e Arthur (2011). A emergência de
um poderoso sistema de produção
informal protegido pelo Estado na
China, que alimenta o comércio de
grande parte do planeta. põe em
tensão, segundo Pinheiro-Machado
(2011), as noções de informalidade
e de segunda economia. Por outra
parte, Davis (2006) propõe a
expressão “terceira economia” para
referir-se à busca de formas quase
mágicas de apropriação da riqueza,
tais como o jogo e as loterias.
Muito foi discutido nos âmbitos
estatais e supra estatais em torno
do papel das pequenas e médias
firmas na criação de empregos e,
particularmente, na sobrevivência
das populações pobres. A depender
da promoção ou não da tecnificação,
dos quadros normativos referidos
aos conflitos trabalhistas, tributários
e fundiários, dos novos métodos
de organização nas empresas
e dos graus de urbanização, a
capacidade dessas empresas para
ampliar a base de empregos em
ritmos mais acelerados do que
as grandes tem sido apresentada
como dado surpreendente e mesmo
positivo. Impossível não lembrar
as antigas metáforas da “esponja”
tão frequentes nos organismos
internacionais na segunda metade do
século passado.
Contudo, se esses debates tiveram
algum mérito foi o de chamar a
atenção, cada um ao seu compasso,
sobre a profunda desigualdade da
renda e a existência de múltiplas
atividades de produção e consumo nas
modo de existência na cidade contemporânea
27 |
cidades dos países periféricos. Mais
coincidentes no reconhecimento das
manifestações do que nas suas causas
e interdependências, as diversas
interpretações atingiram, também,
diferentes graus de visibilidade
e, inclusive, de participação na
formulação de políticas de Estado e
na produção de estatísticas.
Nos dias de hoje, o quadro de vida
torna-se mais complexo graças
à globalização dos processos
econômicos,
políticos,
jurídicos
e culturais. A cada momento
da história, reconhecemos uma
modernização ou, mais precisamente,
várias modernizações sucessivas e
coexistentes (SANTOS, 1972), que nos
levam a concordar com Meschonnic
(1988) quando, debruçado sobre
a modernidade, afirmava que o
plural era de rigor. É, portanto, de
modernidades que estamos falando
ao referir-nos à natureza do período
técnico-científico-informacional
(RICHTA, 1974; SANTOS, 1988, p.
27), caracterizado pela “invenção
do método da invenção”, capaz
de produzir a cada dia uma nova
modernização. No entanto, a
multiplicidade de manifestações
produtivas e consumptivas no
território nacional e na cidade pode
conduzir, hoje, a certo ceticismo sobre
sua apreensão e, por essa via, derivar
na canhestra utilização de categorias
pré-estabelecidas –e legitimadas–
levando a uma excessiva simplificação
ou a uma interpretação reducionista,
mais afeta a uma classificação do
que a uma compreensão do atual
movimento do real. Daí a necessidade
permanente de teorizar, isto é, de
preencher as categorias com os dados
do presente.
das cidades. Como as atividades
econômicas ganham novos conteúdos
técnico-científicos, informacionais e
financeiros, a cidade revela infinitas
divisões territoriais do trabalho que,
em função da sua interdependência,
da sua desigual capitalização e do seu
dinamismo, poderiam ser entendidas
como diferentes circuitos econômicos,
constitutivos de um fenômeno urbano
visto como uma totalidade. É por
essa razão que podemos continuar
falando de um espaço dividido que
é, também, compartilhado, tal como
propõe o título do já clássico L´espace
partagé, escrito por Milton Santos em
1975.
O objetivo deste artigo é, portanto,
discutir os circuitos da economia
urbana à luz da globalização,
vistos como categorias aptas para
compreender o fenômeno urbano
a partir de cisões significativas. Para
isso, buscaremos retratar suas feições
e constituição atual, fundamentados
nas nossas pesquisas teóricas e
empíricas, individuais e coletivas, e nas
teses e dissertações orientadas. Além
desta introdução, que visou mostrar
alguns traços do contexto de ideias em
que o fenômeno é abordado, o texto
compõe-se, a seguir, de uma reflexão
sobre o período da globalização e
a urbanização contemporânea, os
circuitos da economia urbana como
constitutivos do fenômeno urbano,
o circuito superior, a porção marginal
do circuito superior, o circuito inferior
e, finalmente, algumas ideias sobre as
articulações e complementaridades
entre eles.
A
partir
das
numerosas
transformações
contemporâneas,
é importante refletir sobre a atual
morfologia urbana e a dinâmica
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revista cidades
volume 14 | número 23 | ano 2022
2| O PERÍODO VISTO COMO TOTALIDADE E A
URBANIZAÇÃO
Face à complexidade do mundo atual, o exercício de apreender a totalidade
parece tornar-se mais árduo do que no passado. Em outras palavras, a aceleração
dos processos, a sofisticação dos objetos técnicos, a invisibilidade dos agentes
que comandam e certa dissociação entre estes e os que executam o trabalho
no lugar, as normatizações, o poder das finanças e da informação desenham a
atual divisão territorial do trabalho hegemônica e, tantas vezes, nos afastam da
compreensão do real total que é o período atual. Neste, um conjunto de variáveischave –tecnociência, informação e finanças– controla o movimento da totalidade
a partir de uma dada organização. Se alguma dessas variáveis conhece uma
evolução brutal, a organização falha e advém uma crise que, eventualmente, pode
acabar numa ruptura. Visto como um sistema global de eventos, o período atual
revela as possibilidades que as pessoas, as firmas, as instituições e os lugares têm
graças a sua condição de contemporaneidade. No entanto, essas possibilidades
se realizam de forma desigual, uma vez que esses agentes e lugares recebem
seletivamente o novo e o transformam num outro novo. É a possibilidade concreta
do período atual tornada existência ou a consciência da sua falta de realização
o que constrói a contemporaneidade. De modo que um olhar que ignore essa
realização diferenciada não poderá compreender a totalidade.
Quando Karel Kosik (1976, p. 35) elabora uma noção de totalidade concreta,
argumenta que “totalidade não significa todos os fatos. Totalidade significa:
realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer
(classe de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido”.
Continua dizendo o autor (KOSIK, 1976, p. 40) que, por essa via, “cada fenômeno
pode ser compreendido como momento do todo”. É um permanente movimento
de totalização, tal como definido por Sartre (1979).
Em outras palavras, não é o período da globalização –o tempo do mundo– a única
totalidade que explica a urbanização e a cidade como fenômenos históricos, ao
mesmo tempo processos e resultados temporários, evitando o atraente atalho
de descrever a cidade como um mero resultado. Esse tempo do mundo encontra,
no território usado de um país, um conjunto de existências que deformam
a sua natureza. Esse território usado é o resultado provisório da formação
socioespacial, isto é, um momento da história paralela das coisas e das ações
que pode ser observado na configuração territorial de um país e na distribuição
e organização da população, da economia, do Estado, do direito, da técnica e do
trabalho (SANTOS, 1977; SANTOS e SILVEIRA, 2001; SILVEIRA, 2014). Por isso,
o tempo da globalização ganha aí uma nova natureza e se revela parcialmente
numa pluralidade de manifestações empíricas, ensejando o risco de tomar a parte
pelo todo, isto é, o fragmento como sendo a totalidade. Daí a nossa insistência em
abordar o urbano e a economia urbana como fenômenos.
Portanto, tratar o real como um fenômeno supõe partir das coisas, elas próprias,
para entender o que acontece além delas, buscando captar os nexos invisíveis que
as relacionam entre si. Alertando sobre a importância daquilo que nos aparece,
Maffesoli (1997) explica que o trabalho do pensamento é sublinhar todas as
modo de existência na cidade contemporânea
29 |
características de tal fenômeno. É desse modo que estamos chamados a explicar
os atuais processos de urbanização e as respectivas cidades e redes urbanas,
compreendidas como totalidades ou sub-totalidades concretas num permanente
movimento de reformulação do tempo global e do território usado da Nação.
Nesse sentido, a economia política da urbanização (SANTOS, 1994) permite ver,
na formação socioespacial, a seletividade das forças da modernização nas suas
formas e nos seus efeitos, isto é, que as variáveis modernas não são acolhidas
nos lugares ao mesmo tempo nem na mesma direção, levando a uma inserção
diferencial das porções do país na divisão territorial do trabalho. De tal maneira,
esses processos desenvolvem-se sobre um espaço já organizado a partir de
profundas diferenças de renda e, portanto, de consumo, e com diferentes custos
dos fatores de produção, isto é, com desigual capacidade de produzir e de agregar
valor à produção. O resultado é uma hierarquia das atividades pré-existentes e
uma tendência à hierarquização das atividades novas. Nesse retrato o consumo
pode ser entendido como uma força de dispersão e a produção, como uma força
de concentração. Ambas as forças realizam-se de modo segmentado.
3| FENÔMENO URBANO E CIRCUITOS DA ECONOMIA
URBANA
Nas últimas décadas, o planeta conheceu a acelerada difusão do
fenômeno urbano, caracterizada, ao mesmo tempo, pela sua extensão e pela sua
intensidade. Debruçado sobre ambas as manifestações, Lefebvre (1973) refletiu
sobre os aspectos críticos da cidade e do urbano, propondo o par explicativo
implosão-explosão. Mais recentemente e retomando as ideias do pensador
francês nas suas teses sobre a urbanização planetária, Brenner (2013) assinala
que a implosão é dada pelos processos de concentração e aglomeração e a
explosão pela extensão do tecido urbano e a intensificação da conexão entre
lugares, territórios e escalas. É a metropolização o que se descortina diante dos
nossos olhos, consolidando-se como uma tendência que decorre da revolução do
consumo, como já assinalou Santos (1994). Mas, ao mesmo tempo, crescem as
cidades médias e ganham relevância certas cidades locais e cidades de fronteira,
consequência da difusão concentrada e localizada da produção, assim como
das desigualdades macroeconômicas entre países vizinhos. Como resultado do
acirramento das divisões territoriais do trabalho, do peso da produção imaterial
na vida econômica e da expansão dos consumos sociais e mercantis, materiais e
imateriais, as redes urbanas são mais rapidamente reorganizadas. As articulações
entre cidades numa mesma rede ou em redes urbanas diferentes, assevera
Sposito (2010), decorrem tanto de relações competitivas como de relações de
complementaridade.
O corolário dessa aceleração da urbanização é o crescimento extraordinário do
meio construído urbano. As nossas cidades crescem em altura e em extensão,
amiúde envolvendo ações especulativas que estendem o tecido urbano a maior
velocidade do que a provisão dos serviços que asseguram o bem-estar da
população. Além disso, as políticas de modernização dos sistemas de transporte
implicaram um escasso desenvolvimento das ferrovias e uma opção pelos
modelos viários que, somados ao crédito para aquisição de veículos, tiveram
como desfecho a formação ou consolidação de tecidos urbanos radiais, extensos
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revista cidades
volume 14 | número 23 | ano 2022
e congestionados. Embora nos dias de hoje algumas parcelas desse tecido
estejam submetidas a importantes processos de revitalização e implantação de
transporte sobre trilhos, essa configuração territorial, vista como uma totalidade
e indissociavelmente unida a uma economia na qual o crescimento do emprego
formal é exíguo e a oferta de bens tecnológicos é profusa, criou as condições
para o desenvolvimento de atividades de transporte de pessoas e mercadorias
por meio de bicicletas, motos, triciclos e carros. São atividades que nascem nos
interstícios de divisões territoriais do trabalho mais capitalizadas.
Dir-se-ia que o gigantismo da mancha urbana –para utilizar a expressão de
Drakakis-Smith (2000)– leva à formação de regiões metropolitanas estendidas,
com novos e renovados problemas de gestão e econômicos, estudados na América
Latina por autores como Pírez (2014) e Coraggio (2000) respectivamente. Desse
modo, a mancha urbana expressa uma justaposição de divisões do trabalho que,
na sua articulação, revelam um mosaico de normas elaboradas, em diferentes
momentos, para atender geralmente interesses individuais ou corporativos.
Portanto, a cidade pode ser entendida como uma pluralidade de divisões
territoriais do trabalho superpostas. É bem verdade que não seremos capazes
de ver e inventariar todas essas existências, mas podemos perceber algumas
delas como fenômenos, cuja apreensão pode ser feita por meio das categorias
propostas pela teoria dos circuitos da economia urbana (SANTOS, 1975; 1994). Em
outras palavras, a cidade é vista como um único sistema cujo movimento é dado
por vasos comunicantes que são os circuitos; de tal modo que somente é possível
reconhecer e compreender um dos circuitos concomitantemente à identificação
e ao entendimento do outro. Longe de compor uma dualidade, o circuito superior
e o circuito inferior revelam sua existência unitária e sua oposição dialética.
A existência unitária refere-se à reciprocidade de influências entre os agentes ou,
em outras palavras, se um circuito não influísse no outro não haveria fenômeno
urbano, uma vez que os circuitos não são estanques, mas responsáveis pelo
movimento do espaço e da economia. A origem dos circuitos explica sua existência
unitária, já que estes advêm das sucessivas modernizações capitalistas, técnicas e
organizacionais, associadas às profundas desigualdades na distribuição da renda.
Os circuitos são o modo de existência da cidade submetida a tais modernizações.
Não têm origem nem existência independente e, por isso, cada circuito per se
carece de autonomia de significado.
A oposição dialética significa que um circuito não se define sem o outro. Há, nessa
existência unitária, laços de complementaridade, pois um circuito é oposto ao
outro e, desse modo, o trabalho se organiza, embora para o circuito inferior se trate
de uma relação de subordinação com o circuito superior. Isto significa dizer que o
valor dos circuitos é relacional, incluindo também a percepção dos seus limites.
Em outras palavras e como já nos alertava Tilly (2000), limites e relações desiguais
reforçam-se reciprocamente. Cabe aqui lembrar que os graus de tecnologia,
capital e organização não são alheios à especificidade técnica e econômica da
atividade nem tampouco às condições do lugar. Portanto, os circuitos poderiam
ser definidos e identificados a partir dessas duas condições.
modo de existência na cidade contemporânea
31 |
Cada circuito tem características próprias e distintivas, extraídas do real a partir
dessa visão unitária e teorizadas como elementos constitutivos que permitem
defini-lo e explicar seu arranjo. Tais características conferem a cada circuito
coerência interna e o diferenciam do seu oposto, fazendo dele um objeto de
pensamento ou uma categoria analítica, que pode ser operacionalizada a partir
do estudo do meio construído urbano, do sistema técnico, da organização, do
consumo, das migrações e dos graus de capitalização.
Contudo, entre os circuitos há nexos, também extraídos do real a partir dessa visão
unitária e teorizados como elementos relacionais que possibilitam apreender
a interdependência e a articulação de um circuito com outro. Assim, podemos
compreender ambos os objetos de pensamento ou categorias analíticas, circuito
superior e circuito inferior, como uma categoria sintética e unitária, isto é, o
fenômeno urbano.
São momentos da análise que separam o que, no início do processo histórico, é
uma coisa só. Daí a importância de que nem os conceitos nem os procedimentos
mutilem os nexos. Por isso, não se trata de utilizar categorias absolutas nem de
elaborar um esquema classificatório (SILVEIRA, 2016).
Como o fenômeno urbano é uno, as divisões do trabalho na cidade estabelecem
entre si uma relação de necessidade. No entanto é evidente que para os agentes
que trabalham com baixos graus de capital, tecnologia e organização essa
necessidade tem o nome de subordinação. De tal maneira, entendemos que as
modernizações fazem da cidade um espaço dividido, constituído por distintos
circuitos de produção e consumo.
A cada modernização renova-se a composição do capital e, em consequência, o
emprego e o desemprego transformam-se quantitativa e qualitativamente. Por
exemplo, graças à automação, Facebook e Google demandam 10% dos empregos
que necessita uma agência de publicidade para a mesma tarefa (MAGNANI, 2019).
Desse novo desemprego deriva uma nova feição e uma reorganização da porção
marginal do circuito superior e do circuito inferior. Em outras palavras, o circuito
superior transforma-se graças à nova composição do capital, cujas manifestações
mais visíveis são os automatismos e a ubiquidade do dinheiro em estado puro
e cuja consequência é o desemprego, sendo este último o principal fator que
provoca a elasticidade do circuito inferior. Nessa dinâmica autopropulsiva e
oligopolizada da economia superior, o circuito inferior é, portanto, um resultado
indireto. Daí a necessidade de ver o real como fenômeno.
A pandemia de Covid 19 veio agravar, ainda mais, os quadros de pobreza nos
países periféricos. Embora, durante o ano de 2020, perderam-se mais de 140
milhões de empregos a escala mundial, também a riqueza aumentou 7,4% graças
ao crescimento das bolsas, à valorização dos bens imobiliários, às baixas taxas de
juros, à redução de diversos custos para algumas grandes empresas e aos lucros
da indústria de alta tecnologia (CEPAL, 2021). É evidente que esse aumento da
riqueza não foi heterogêneo apenas socialmente mas também territorialmente,
já que a América Latina e o Caribe tiveram a pior queda do PIB desde o início do
século XX e, entre 2019 e 2020, perderam-se 25 milhões de empregos (CEPAL,
2021). Ambas as formas de heterogeneidade autorizam a reforçar um olhar da
cidade a partir dos circuitos da economia urbana. Nesse contexto, é possível que
se intensifique o crescimento por autopropulsão do circuito superior e, por isso,
| 32
revista cidades
volume 14 | número 23 | ano 2022
a velocidade de transformação das suas porções marginais seja mais alta, o que
significará uma vida mais efêmera das pequenas e médias empresas. Pelas duas
vias, isto é, pelas novas dinâmicas do circuito superior e da sua porção marginal,
mais população poderá engrossar o circuito inferior, renovando o significado do
que McGee (1971) reconheceu como sua capacidade autoinflacionária
4| CIRCUITO SUPERIOR, MACRO-ORGANIZAÇÃO
TERRITÓRIO, METRÓPOLE CORPORATIVA
DO
Resultado direto da modernização tecnológica e organizacional, a atual
divisão territorial do trabalho hegemônica é construída por grandes empresas que,
exercendo situações de monopólio e oligopólio, tecem relações fora da cidade e
da região (SANTOS, 1975). Com efeito, a escala de ação do circuito superior revela
sua abrangência crescentemente planetária e multissetorial, demandante de
numerosas funções de coordenação (CORIAT, 1976) que os seus agentes reservam
para si, desprezando boa parte das funções de execução. Em outras palavras,
esse circuito é superior porque as ações que presidem o comportamento dos
seus agentes ultrapassam a mancha urbana e desenvolvem, no território como
um todo e inclusive no planeta, o que Giddens (1987, p. 63) denomina “uma
bateria de capacidades causais, incluindo a de influenciar as capacidades causais
desdobradas pelos demais agentes”. Tal bateria de capacidades fica evidente
tanto na política de uma empresa global como Fiat na Argentina e no MERCOSUL
(DONATO LABORDE e ASTEGIANO, 2018), como na relação, no circuito superior de
alimentos, entre firmas desse porte e as que Busch (2019) denomina “empresas
de ancoragem na formação socioespacial”. Em consequência, não se trata de uma
interpretação meramente urbana que busca explicar a cidade per se, mas de uma
teoria que considera o território como variável explicativa central, conduzindonos, mais uma vez, para uma economia política da urbanização.
Mas a difusão de uma modernização seletiva, encarnada na expansão do circuito
superior sobre um espaço hierarquizado, provoca o crescimento do circuito
inferior nas metrópoles e, cada dia mais, em cidades de outros tamanhos, as quais
passam a articular-se de modo diverso na rede urbana. Na medida em que as
grandes empresas instalam novos pontos e áreas de produção e comercialização,
tais como a exploração de petróleo e minérios, a agricultura moderna, os bancos,
as instituições financeiras ou redes de comércio atacadista e varejista vinculados
a consumos banais, muda a vida de relações da cidade e as firmas agropecuárias,
industriais e comerciais do lugar devem subordinar-se às demandas das grandes
empresas ou inclusive podem desaparecer (BERNARDES, 2015). Gabriela
Maldonado (2021) explica o espraiamento das topologias de empresas globais
vinculadas à modernização agrícola na cidade de Río Cuarto, na província argentina
de Córdoba, a partir da implantação de filiais e unidades de negócios, além dos
bancos e comércios e serviços especializados. Numa reorganização dessa natureza
tende a mudar a equação do emprego e a crescer o circuito inferior, dando um ar
de família às paisagens ao longo da rede urbana.
Na economia superior, o dinheiro e os instrumentos financeiros são profusos e
capilarizados, uma vez que seus agentes são bancos e instituições financeiras ou
têm participação nestes, com as respectivas interferências nas demais atividades.
Além disso, essas firmas trabalham com grandes volumes de mercadorias,
modo de existência na cidade contemporânea
33 |
exceto as lojas especializadas de preços muito altos ou mesmo as atividades sob
encomenda e, portanto, dominam a massa, mas hoje, sobretudo, os fluxos graças
à logística, ao just-in-time e às tecnologias da informação. Na circulação de pessoas
e objetos, a produção do movimento material –o transporte– acaba sendo,
muitas vezes, menos interessante porque menos rentável para as grandes firmas
do que a produção do movimento imaterial –a logística. Daí o poder econômico
das empresas de logística, trading companies, consultoria que, perseguindo o que
Arroyo (2015) denomina porosidade territorial, não podem prescindir do Estado.
O circuito superior conta, outrossim, com possibilidades técnicas e normativas
para demitir mão-de-obra ou impor novas relações como as contratações
temporárias e, em definitivo, para comandar as variáveis determinantes da época.
Entretanto, hoje não são apenas grandes indústrias e bancos que fazem parte do
circuito superior, mas também corporações globais e multissetoriais, empresas
de consultoria e informação, de produção e serviço de alta tecnologia, firmas do
entertainment, fundos de investimento e fundos de pensão. Salientam, ainda mais
a partir da pandemia de Covid-19, as firmas tecnológicas globais como Alphabet,
Amazon, Apple, Microsoft, Netflix, Meta e as chinesas Baidu e Tencent, produtoras
e usuárias da digitalização, da inteligência artificial e da robótica que produzem
e comandam o big data e cujas repercussões na vida urbana demandarão ainda
muita pesquisa e reflexão.
Paralelamente observamos uma nova divisão territorial do trabalho no mundo
financeiro, cujo papel na urbanização é inegável por meio dos ATM (CONTEL,
2011) onipresentes nos estabelecimentos de comércios e serviços, das instituições
financeiras que oferecem crédito desburocratizado, das bandeiras dos cartões
de crédito, das grandes redes comerciais, das fintech (PARSERISAS, 2020; 2021)
e dos aplicativos nos celulares, manifestações mais visíveis de um processo de
concentração de capital e ubiquidade de produtos e investimentos. Caracterizada
ademais por bancos que terceirizam funções (CREUZ, 2018) e por firmas que operam
e asseguram, através da engenharia de dados, os processos de envio, captação e
transmissão de informações com o papel central dos gateways, essa “economia
monetária digital” (CREUZ, 2019, p. 432) encontra no endividamento um novo
traço de união entre os circuitos. No momento em que o risco é transformado em
mercadoria a partir dos derivados, que Appadurai (2017, p. 14) entende como “a
principal inovação técnica que caracteriza as finanças contemporâneas”, todos os
atores podem ser alcançados pelo crédito. Montenegro (2014, p. 231) explica que
o aumento da oferta de crédito vem acompanhado, nas metrópoles brasileiras,
“do avanço do endividamento e da inadimplência, implicando, por conseguinte,
a reprodução da pobreza em novos termos”. Um autor como Lazzarato (2013,
p. 24) assevera que “pelo simples mecanismo dos juros, quantias colossais são
transferidas da população, das empresas e do Estado benfeitor aos credores”.
Por outra parte, como o capital comercial tornou-se financeiro, certas firmas
ganham novo poder. É o caso das redes de atacado, de eletrodomésticos, de
materiais de construção e dos hipermercados, detentores de cartões fidelidade
e de crédito, tantas vezes instalados em bairros pobres, nas novas centralidades
metropolitanas e ao longo da rede urbana (DI NUCCI, 2015). Se os cartões de
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volume 14 | número 23 | ano 2022
crédito podem ser vistos como mediação visível da monetarização da vida social, os
agentes com capacidade de emiti-los podem revelar que nos encontramos perante
novas formas de capital financeiro (SILVEIRA, 2020). Mais uma manifestação da
expansão do sistema financeiro para além do sistema bancário.
Uma topologia de pontos de produção, distribuição e consumo desenha-se na
cidade e no território nacional ao sabor de dinâmicas de escala global, levando à
modernização do meio construído urbano. Assim como na escala nacional, é mister
criar no espaço urbano as condições de realização da produção dos agentes mais
poderosos, o que resulta num condicionamento ao poder público, sobretudo face
ao déficit de equipamentos coletivos, particularmente nas metrópoles. Na década
de 1970, Topalov (1979) propôs a noção socialização capitalista para denominar
as modernizações financiadas com o dinheiro do conjunto da sociedade e cujos
benefícios eram usufruídos por um punhado de agentes. Mais tarde, Santos (1990,
p. 95) alertava sobre a formação de cidades e metrópoles corporativas nas quais
“o essencial do esforço de equipamento é primordialmente feito para o serviço
das empresas hegemônicas” e “o que porventura interessa às demais empresas e
ao grosso da população é praticamente o residual na elaboração dos orçamentos
públicos”.
Contudo, ir além do fenomênico significa captar a filigrana de divisões territoriais
do trabalho de diferente capitalização que permitem compreender como cada
agente encontra um lugar na cidade para realizar sua produção. Eis a economia
política da cidade (SANTOS, 1994), vista como um método para apreender o
espaço geográfico, sinônimo de território usado.
Perante a atual constituição e divisibilidade do fenômeno técnico, as divisões
sociais e territoriais do trabalho tornam-se ainda mais complexas porque um
número maior de agentes pode ter acesso aos objetos ou às formas de fazer
tecnificadas. Aqui ganha novo significado a noção de general intellect (MARX,
1972, p. 230), isto é, a “força objetivada do conhecimento”, o conhecimento social
tornado força produtiva, a capacidade científica objetivada que complementa o
sistema de máquinas. Tratar-se-ia de um patamar superior do modo pelo qual se
perfaz a cooperação e se produz a riqueza.
Na opinião de Virno (2008) o general intellect não está presente apenas no capital
fixo, mas também no trabalho vivo, sobretudo na interação comunicativa. Para
esse autor trata-se da ação concreta e concertada entre indivíduos na forma de
paradigmas epistêmicos, linguagens artificiais e constelações conceituais que
governam a comunicação social e as formas de vida. Hoje essa seria a principal
força produtiva (VIRNO, 2008). Não está longe da ideia de tecnificação da ação
contemporânea, proposta por Milton Santos (1996). Esse parece um aspecto
fundamental para pensarmos o funcionamento atual da economia urbana e,
particularmente, a constituição atual do circuito superior e os nexos com sua
porção marginal. Mas nada disso pode ser explicado sem atentar para a crescente
normatização e para o domínio e ubiquidade das finanças.
modo de existência na cidade contemporânea
35 |
5| PENSANDO AS NOVAS PORÇÕES MARGINAIS DO
CIRCUITO SUPERIOR
Na complexidade da atual divisão territorial do trabalho, que buscamos
explicar nos parágrafos precedentes, a feitura de numerosas tarefas necessárias
aos processos modernizadores amiúde não interessa aos agentes mais poderosos
e, por isso, é derivada a um conjunto de pequenas e médias empresas que
conformam a porção marginal do circuito superior. Esta é responsável também
pela difusão das variáveis determinantes que, inclusive, marcam o ritmo do seu
trabalho, embora sua condição de efemeridade e vulnerabilidade a assemelhe
ao circuito inferior. Entretanto, não é um circuito intermediário, mas um circuito
moderno capaz de completar a unicidade técnica (SANTOS, 1996), e o preço
de não acompanhar o passo é a inevitável perda da sua complementaridade
horizontal com o circuito superior propriamente dito, que define sua condição de
emergente. Embora possa consolidar-se, transformando-se num circuito superior
puro, frequentemente não consegue tal façanha, tornando-se uma rugosidade
ou uma porção residual, tanto mais quanto mais acelerada seja a substituição de
uma divisão territorial do trabalho por outra. A chegada de grandes capitais –um
circuito superior metropolitano– pode acelerar o processo de descapitalização
das firmas regionais, próprias de uma porção marginal. Josefina Di Nucci (2019)
relaciona esse processo com o enfraquecimento do comando, por parte de
atores regionais, das redes urbanas da província de Buenos Aires, ao analisar
as situações dos Supermercados Toledo e CLC. Originárias de Mar del Plata e
Saladillo, respectivamente e com marcada presença no interior da província de
Buenos Aires, ambas as redes acabaram por fechar ou vender boa parcela das
suas lojas para grandes redes internacionais, circunscrevendo seus mercados às
cidades de origem.
É possível observar o surgimento e a multiplicação das porções marginais do
circuito superior na esteira das novas técnicas e da permanente revolução dos
consumos de uma população em crescimento. É o caso da elaboração de alimentos
orgânicos, fabricação de insumos para alimentação e indústria cosmética,
design, desenvolvimento de aplicativos, entre outros. Tantas vezes, há tentativas
efêmeras, que mostram concomitantemente a perda de pequenos capitais e
de dinheiro público na forma de créditos ou isenções de alguma natureza. Ao
contrário, quando se trata de firmas bem-sucedidas, não raro, são adquiridas por
agentes mais capitalizados.
A porção marginal também se expande nos interstícios mais largos da divisão
do trabalho nas cidades médias, ora por imitação, ora como consequência da
saturação dos mercados metropolitanos. Contudo, algumas empresas cujo grau
de capital não é alto conseguem manter-se como uma porção marginal em cidades
médias graças ao exercício de uma situação de oligopólio circunscrita localmente
e, por essa via, podem vir a tornar-se um circuito superior propriamente dito.
Dentre os fatores que possibilitam essa situação. podemos mencionar a posse
de técnicas ou de um know-how ou ramo específico, a modernização seletiva do
território, o deterioro da rede rodoviária e ferroviária, o escasso desenvolvimento
das telecomunicações, o papel da distância ou, inclusive, o próprio desinteresse
das grandes firmas pela área. Bicudo Jr. (2006) mostrou como a chegada de
medicamentos nas áreas de mais difícil acesso no território brasileiro resultava
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de uma complexa arena de pequenas firmas distribuidoras regionais. Todavia,
alguns desses mesmos fatores podem provocar a decadência de outras firmas,
cuja inserção na divisão territorial do trabalho depende mais da fluidez e do
intercâmbio.
Graças ao atual sistema técnico, a incessante produção de informação e a
aceleração da sua circulação amplia a oferta de insumos, bens e serviços em
ambos os circuitos e, assim, alargam-se também as formas de produção e
consumo. Hoje, numerosas atividades do tradicional setor terciário nascem
integradas ao processo de produção e circulação, como os serviços pós-compra,
as manutenções, as atualizações, as garantias e os seguros. É também o caso das
assistências técnicas, nas quais um novo sistema de normas acaba criando um
interstício para a formação de uma porção marginal (DAVID, 2016).
Nessas condições, a informação torna-se um fator de produção de rápida
obsolescência e, por isso, cria permanentemente uma demanda por serviços
técnicos, como nas firmas da alimentação analisadas por Busch (2018). Aqui
as afirmações de Virno (2008, p. 91) ganham novo sentido quando explica que
“profissionalismo” deriva de “oportunismo”, fazendo alusão ao valor técnico, à
reação cognitiva e comportamental face à indeterminação e ao fato de transitar
com habilidade entre oportunidades abstratas e intercambiáveis. Hoje, assistimos
o descortinar de talentos genericamente sociais, advindos da socialização atual
e do hábito de não ter hábitos duradouros (VIRNO, 2008). Pensamos que, num
período no qual o general intellect ganha grande relevância, esse é um traço que
ajuda a entender a tendência dos jovens profissionais a criarem suas próprias
empresas, conformando uma porção marginal bastante técnica e elástica. Ao
mesmo tempo, cresce o número de profissionais qualificados que trabalham
como freelancer para empresas ou clientes no exterior, revelando tanto uma
nova forma de internacionalização dos territórios nacionais como os nós de
redes imateriais. É o caso da plataforma Workana, a mais importante da América
Latina, que vincula três milhões de trabalhadores freelance com mais de 600 mil
empresas no mundo. Esse tipo de trabalho também está provocando migrações de
nova natureza, os denominados nômades digitais. Não podemos esquecer, como
alerta Berardi (2021), que a acumulação de conhecimentos e o aprimoramento da
tecnologia levou ao aumento da produtividade do general intellect e, com isso, ao
automatismo e ao esgotamento dos trabalhadores cognitivos.
Embora a tecnificação do trabalho possibilite o crescimento e diversificação
da porção marginal, aumenta, ao mesmo tempo, sua subordinação ao circuito
superior propriamente dito e sua capacidade de tornar-se mais um braço deste na
apropriação das rendas dos mais pobres. Em outras palavras, também por meio das
suas porções marginais o circuito superior estabelece uma complementaridade
hierárquica com o circuito inferior. Os fenômenos conhecidos como sharing
economy e gig economy, que assinalam respectivamente a possibilidade de
compartilhar certos meios de produção e o caráter temporário dos trabalhos,
podem ser vistos como manifestações do que estamos buscando explicar. É o que
parece acontecer com a produção e utilização de numerosos aplicativos no que
Srnicek (2018) denomina “capitalismo de plataformas”, isto é, um momento do
capitalismo no qual desponta uma economia digital face à queda da rentabilidade
do setor industrial. Tratar-se-ia, segundo esse autor, de novas infraestruturas
digitais que se erigem como intermediárias de outras atividades. No entanto, é
modo de existência na cidade contemporânea
37 |
importante sublinhar a enorme diferença de poder técnico e econômico entre,
de um lado, as tecnológicas globais como Amazon e as demais já mencionadas e,
de outro, as companhias de plataformas, sejam estas as que realizam o trabalho
de maneira digital para um mercado global, como Upwork, sejam as que sendo
globais trabalham localmente como Uber, entre tantas outras (ILO, 2021). É
evidente que transformações de tal natureza e proporção, no seio do que Milton
Santos (1999) denominou modo de produção técnico-científico, provocam a
indissociável mutação do circuito superior marginal.
Em novas complementaridades, o circuito superior puro, sua porção marginal
e o circuito inferior utilizam esses aplicativos que permitem organizar a força
de trabalho, antes contratada individualmente, em sistemas centralizados
que alargam e adensam o tecido da oferta e da demanda, uma vez que dão
visibilidade ao prestador do serviço via internet e celulares e viabilizam e
aceleram a contratação por meio de cartões, terminais de pagamento e carteiras
digitais. Trata-se de um verdadeiro alargamento dos contextos (SANTOS, 1996),
definido pelo crescimento do número de atores envolvidos nos processos graças
à multiplicação das interdependências.
Sistemas técnicos que reúnem dispositivos materiais e general intellect, os
aplicativos resultam numa mediação significativa, ora exercida por grandes
empresas do circuito superior, ora por uma porção marginal. Multiplicam-se as
firmas especializadas em funções de um terciário banal: reformas e consertos,
limpeza de casas, entrega de refeições prontas e outros bens, transportes, hotéis
e restaurantes, entre outras. Nessa nova complementaridade hierárquica entre o
agente que elabora um bem ou presta um serviço, o motoboy que eventualmente
transporta o produto e os pagamentos virtuais, instaura-se uma nova forma de
intermediação, já que uma parcela do valor do serviço fica nas mãos da empresa
que gerencia a distribuição do trabalho por meio do aplicativo. Embora essa
intermediação amplie a escala da sua oferta, não deixa de ser uma redução do
excedente para os agentes da porção marginal e do circuito inferior. Os softwares
que estão na base desses novos sistemas de trabalho têm como traços comuns o
georreferenciamento, as bases de dados de trabalhadores e clientes, a tecnologia
de comunicação, o rastreamento do trabalhador e o controle do tempo do serviço,
o pagamento virtual e a avaliação do serviço. Desse modo, aumenta o grau de
organização e alteram-se as condições gerais de emprego nos serviços banais. Há
também uma tendência à unificação dos preços dos bens e serviços que passam a
fazer parte de plataformas online e, desse modo, parecem tornar-se commodities.
Por outra parte, as agtech multiplicam-se, sobretudo ao ritmo das rodadas de
investimentos em startups, revelando novas complementaridades verticais
dessas porções emergentes do circuito superior com agentes capitalizados e
financeiros. Schiaffino (2020) mostra a dinâmica de inserção nos mercados
nacionais e internacionais de firmas como Sismagro e SIMA, com sede nas cidades
argentinas de Buenos Aires e Rosario respectivamente, dedicadas à elaboração
de plataformas digitais para uso de informação agrícola e desenvolvimento de
aplicativos para smartphones, orientados ao trabalho no campo modernizado.
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6| FEIÇÕES E DINÂMICAS CONTEMPORÂNEAS DO CIRCUITO
INFERIOR
A dinâmica urbana completa-se com o circuito inferior, definido pela
fabricação, comércio e serviços de pequena escala, realizados a partir de capitais
reduzidos e de um trabalho intensivo. A criação e a imitação convivem e utilizamse da justaposição de técnicas, ao tempo que as situações de emprego são
diversas e envolvem acordos pessoais entre empregador e empregado, trabalho
autônomo e familiar, entre outras. Trata-se do pequeno comércio varejista,
vendedores ambulantes, diversos artesanatos, consertos, alguns transportes e
serviços banais, mas também algumas formas de fabricação. Variável intrínseca
do circuito inferior, a migração não qualificada alimenta tal circuito pela base e
contribui a manter baixas as rendas.
Não se trata de um circuito tradicional, já que é um produto indireto da
modernização e está em permanente transformação e adaptação. Na sua
longa pesquisa sobre os circuitos da economia urbana na área concentrada da
Argentina, Di Nucci (2010) encontrou, nas cidades de Mar del Plata e Tandil,
pequenas empresas como Spring-up e Tandil Jugos que fabricavam refrigerantes,
com técnicas artesanais, organização familiar e trabalho intensivo. Estudando a
produção automotriz na região metropolitana de Buenos Aires, Donato Laborde
(2017) constatou a importância das pequenas oficinas mecânicas, indispensáveis
para a manutenção da frota de veículos mais envelhecida, porém com significativas
complementaridades com o circuito superior na busca da atualização técnica
e normativa, da aquisição de ferramentas e maquinário e, quando possível, do
crédito. De tal modo, nos diversos ramos, uma parte do abastecimento do circuito
inferior provém dos atores modernos, dos quais depende e de cuja propaganda
beneficia-se indiretamente. No entanto, alguns desses agentes pouco capitalizados
também fazem publicidade por meio de banners, cartões, boca a boca, rádios,
redes sociais, jornais locais e comunitários e qualquer outro veículo de baixo
ou nenhum custo. Embora continue a existir particularmente nas periferias, o
agiota foi substituído hoje pelos bancos e instituições financeiras, embrenhados
como estão na desburocratização do crédito (SILVEIRA, 2009; 2017). A presença
do circuito inferior é mais significativa nos centros e periferias metropolitanas,
onde a densidade demográfica e a contiguidade ensejam –apesar das inovações
digitais ascendentes ou coexistindo com estas– o que Marina Montenegro (2014)
denomina “economia dos centavos”, uma vez que há um conjunto de transações
que gira em torno das pequenas quantias de dinheiro vivo.
Como vimos, a expansão das manchas urbanas é uma característica constitutiva
do atual processo de urbanização, que se acompanha de dois processos
entrelaçados: de um lado, o déficit de habitação, equipamentos, transportes e
serviços e, de outro, a produção de soluções individuais face à escassez desses
mesmos bens e serviços, como os motoboys e moto-taxis (Oliveira, 2011) e a
miríade de plataformas já mencionadas. Boa parte dessas soluções supõe graus
mais altos de financeirização e endividamento.
A partir da difusão atual de um sistema técnico com tendência à unicidade,
poderíamos diferenciar tecnologias pretensamente inclusivas, que aumentam
a capilaridade do dinheiro eletrônico e do crédito e, assim, criam novas
determinações e dependências, e tecnologias excludentes, fundamentalmente
modo de existência na cidade contemporânea
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a automação da indústria, do comércio e dos serviços que reduz o número de
empregos nos respectivos setores. No entanto, pouco se fala sobre as tecnologias
deliberadamente ocultadas, isto é, as inovações eclipsadas a que se referia Gaudin
(1978), as quais teriam permitido resolver problemas simples da vida e, quiçá,
ampliar a base de empregos. Quando a técnica é pensada per se, desconsiderando
sua diversidade e a possibilidade política de combinação de instrumentos,
aparece como absoluta e inquestionável e impõe formas de organização. Olhada
com mais vagar, a técnica contemporânea revela a coexistência entre, de um lado,
macrossistemas técnicos, variável intrínseca do circuito superior que aumenta
a fluidez potencial e, por isso, pode levar a um uso seletivo do território e, de
outro, um leque de técnicas divisíveis, doces e flexíveis (Gaudin, 1978; Santos,
1996), variável intrínseca do circuito inferior. No entanto, haveria um leque de
combinações possíveis, com ênfase nos microssistemas técnicos, que demandam
informação para sua produção e funcionamento e não obrigatoriamente precisam
de alta capitalização.
Se a velocidade e seletividade na escolha de localizações e a respectiva produção
de amplas topologias são dados do comportamento do circuito superior, o
enraizamento continua a caracterizar o inferior, revelando a persistência do
circuito inferior central (SANTOS, 1975) nos centros metropolitanos, naquilo que
Pacheco (2020, p. 273), estudando a cidade do Rio de Janeiro, denomina “coração
terciário do centro”. Mesmo quando a venda de produtos importados da China
tornou-se muito frequente nos estabelecimentos comerciais, nas grandes feiras e
nos camelôs do centro de São Paulo, tal como mostrou a pesquisa de Montenegro
(2014), o circuito inferior não se transforma por isso numa atividade footloose,
a não ser quando o indivíduo emigra levando o pequeno capital na sua mão.
Alertando sobre a necessidade de entender o camelô como categoria sociológica
e não como tipo social, Ana Clara Torres Ribeiro (2014, p. 200) afirma que “é
dessa maneira que de fato a sociedade se constitui na maior parte do tempo:
é a estratégia do camelô, as pessoas se viram, a enorme ‘viração brasileira’”.
Entretanto, os excedentes das atividades do circuito inferior são captados, a cada
dia mais, pelo sumidouro das empresas do circuito superior em cada pedaço do
território.
Possíveis graças aos atuais semoventes técnicos, os pagamentos virtuais modificam
o exercício das atividades fixas e móveis, criando novas possibilidades nos lugares
e atingindo também os pobres. Os pagamentos por meio das “maquininhas”
de cartões e, cada vez mais, dos smart POS e do QR Codes possibilitam a
ampliação dos mercados dos serviços banais e, ao mesmo tempo, aumentam
sua dependência financeira por meio das taxas cobradas e dos prazos impostos
pelos bancos e pelas bandeiras dos cartões. Na Argentina, surgiram aplicativos
e plataformas que incluem carteiras virtuais como Todo Pago da rede de bancos
privados Banelco, Vale da rede de bancos públicos Link, Rapipago, PIM do Banco
Nación e fundamentalmente Mercado Pago, pertencente ao Mercado Livre e que,
no ano de 2016, tinha realizado 140 milhões de transações (SILVEIRA, 2020).
De tal maneira o circuito inferior também passa a depender da tecnologia, pois
de modo geral há uma requalificação da demanda, uma vez que, atravessando
todas as camadas sociais, o consumo encontra diversas formas de realização,
ainda que com diferentes custos do dinheiro. O produtor ou vendedor do circuito
inferior encontra-se hoje com um cliente que, embora carente de liquidez, possui
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um cartão de débito ou crédito e ganha, portanto, uma capacidade de consumir
relativamente desassociada do seu poder aquisitivo, aquilo que Bauman (2007,
p. 136) assinalava como homo consumens. Este autor (2007, p. 72) reconhecia a
vida a crédito, que implica a incorporação do hábito de viver com dívida e sem
poupança, participando da “economia do engano”. Dir-se-ia que, em décadas
passadas, a liquidez permitia uma negociação “orgânica”, isto é, uma relação direta
entre cliente e vendedor no lugar sem mais mediações. Impõe-se, agora, uma
redução dessa organicidade e a implantação de um princípio organizacional na
negociação, que é alheio ao lugar. Na negociação orgânica, os prazos de pagamento
eram dados pelas possibilidades e limites do vendedor –sua subsistência, o
custo das mercadorias compradas e a necessidade de comprar novos produtos,
sua demanda de liquidez– e pelos prazos do comprador –quantias de dinheiro
vivo, data do pagamento do salário e outras despesas a serem pagas no mesmo
momento. Na negociação “organizacional” o prazo determinante é o do banco
ou da financeira –dia de vencimento da fatura do cartão ou do empréstimo– e
as possibilidades de consumir e voltar a consumir advêm do refinanciamento da
dívida e da possibilidade de crédito antecipado, entre outros elementos.
7| À GUISA DE CONCLUSÃO: PENSANDO ALGUNS ELEMENTOS
RELACIONAIS DOS CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANA
Um estudo dos circuitos da economia urbana demanda não apenas uma
abordagem dos elementos constitutivos para mostrar a diversidade do fenômeno
urbano –como buscamos fazer nos itens anteriores, mas também dos nexos entre
os circuitos. A apreensão de tais elementos relacionais nos aproxima ao nosso
concreto pensado: a unidade do fenômeno urbano.
Nesse sentido, é oportuno aceitar o conselho de Bourdieu et al. (2011) quando
afirmam que a consciência da unidade do objeto de pesquisa leva a uma vigilância
epistemológica para não separar o indissociável e para pôr de relevo as relações
que ontologicamente unem o que provisória e metodologicamente foi cindido.
O Estado é um dos mais importantes traços de união entre os circuitos,
desempenhando tantas vezes o papel de árbitro, fundamentalmente quando se
trata da relação entre o circuito superior e sua porção marginal. Como resultado
dessa mediação, não é incomum que se consolide a existência de um mercado
oligopolizado. É o caso das compras públicas e das contratações de serviços que,
amiúde, beneficiam os agentes mais capitalizados, dotados de capacidade técnica
suficiente para enfrentar a construção de grandes obras de infraestrutura, a
fabricação em grande escala de produtos especializados ou a prestação de serviços
complexos, assim como de poder econômico para influenciar as políticas públicas.
Na sua análise dos circuitos da economia urbana dos equipamentos médicos no
estado de São Paulo, David (2016, p. 194) constatou que os distribuidores menos
capitalizados orientavam-se às demandas locais privadas, “já que a compra por
parte dos estabelecimentos públicos exige escala de produção”. Essas situações
acabam excluindo firmas de menores graus de capital, tecnologia e organização,
cuja existência é decisiva para limitar a oligopolização da economia e do território
e, certamente, para a criação de empregos.
modo de existência na cidade contemporânea
41 |
Cabe também lembrar o papel do Estado na denominada economia do acesso,
significativamente dominada pelo circuito superior mas que, a partir da nova
revolução tecnológica, vê também surgir porções marginais. A telefonia celular,
a Internet e as diversas formas de televisão por assinatura, cujo consumo se
difunde aceleradamente em todas as camadas sociais, constituindo tantas vezes
verdadeiros fatores de produção, não se desenvolvem sem a regulação pública.
De fato, a política pública está chamada a atingir um complexo equilíbrio entre
a modernização permanente das infraestruturas, que envolve investimentos
públicos e privados e rigorosos controles ao cumprimento dos contratos das
empresas, a distribuição territorial dos serviços e as políticas tarifárias. Como
resultado de uma desordem nessa equação, existem áreas mal servidas, onde
a população acaba pagando mais caro acesso aos mesmos serviços. É o que
acontece com a telefonia celular, com as modalidades de serviço pré-pago e,
inclusive, com o uso da internet através do celular. Em função das tarifas mais
altas, o peso desses serviços nos orçamentos familiares dos pobres e, inclusive, de
certas classes médias é significativo. Desse modo, como as famílias veem majorar
suas despesas fixas nesses serviços, aumenta sua necessidade de consumir de
modo fracionado e segundo sua liquidez os demais bens e serviços. Eis uma das
razões da elasticidade dos mercados do circuito inferior.
Por outra parte, as políticas orientadas ao desenvolvimento do circuito superior,
acompanhadas de fórmulas para remediar a pobreza, parecem amiúde consolidar
a ideia de que a economia informal é o leitmotiv dos problemas, atrasando o
encontro de diagnósticos mais próximos do real e as respectivas e urgentes soluções.
Assistimos, não raro, a uma esquizofrenia entre processos modernizadores e
diversos clientelismos interessados em manter a ordem existente, cujo corolário
é a ineficácia técnica e organizativa na provisão de um bom serviço à população.
Frequentemente vinculada a modelos globalizados de urbanismo, turismo e lazer,
a modernização contemporânea impede a inclusão efetiva de um maior número
de pessoas num espaço urbano revitalizado. Assim, certas porções da cidade que
eram refúgios da pobreza tornam-se objeto de renovadas políticas higienistas
que expulsam o circuito inferior. Por outra parte, convivemos com organizações
corruptas e clientelistas associadas à permanência do comércio e do transporte
clandestinos, cujo traço mais significativo é menos a informalidade e mais seu alto
grau de capitalização.
É também necessário pensar o papel do Estado na promoção da economia
imaterial a partir de projetos de smart cities, indústrias criativas, desconcentração
industrial, que parecem indissociáveis de certa automação do trabalho no circuito
superior e de um crescimento do quaternário altamente especializado. Nesse
contexto, a porção marginal presta serviços ora qualificados, ora banais, e o
circuito inferior conhece uma nova expansão no comércio e nos serviços pessoais
numa cidade que vê perder seu emprego industrial. Por outra parte, tantas vezes
levando a uma espécie de folclorização das atividades menos capitalizadas, as
políticas de inovação social e empreendedorismo decorrem de uma trama de
isenções tributárias, patrocínios, mecenas e investidores-anjos que pode acabar
numa confusão entre dinheiro público, dinheiro social e dinheiro corporativo.
Na produção de um meio construído apto para as atividades da economia
imaterial, as empresas organizam espaços de coworking, isto é, ações que criam
organizacionalmente a contiguidade e certa densidade comunicacional. Nascem os
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individualismos de base técnica num primeiro momento e, no momento seguinte,
cria-se o ambiente coletivo. Não esqueçamos que, nos pedaços deteriorados do
meio construído urbano, o circuito inferior nunca abandonou a contiguidade, o
convívio e a comunicação, já que estas são as condições da sua existência.
A globalização da técnica, da informação e da finança transforma as
complementaridades entre os circuitos ao longo da rede urbana. Na década de
1970, Milton Santos (1975) assinalava que, na pequena cidade, o circuito inferior
podia substituir os serviços modernos, ao tempo que na cidade grande esse
circuito existia para atender demandas da população pobre apesar do grande
número de serviços modernos. A conclusão era que se o volume do circuito inferior
variava em relação direta à importância dos centros, sua importância relativa para
a economia urbana variava indiretamente à hierarquia dos centros urbanos. Esse
quadro parece ter-se modificado, de um lado, pela onipresença social e territorial
do circuito superior, que chega nas cidades de menor hierarquia com a instalação
de estabelecimentos próprios ou franquias e, de outro, pela importância do
circuito inferior metropolitano na venda de produtos modernos que provêm de
longe e cuja oferta também acaba atraindo consumidores de outras cidades.
Em decorrência, o mercado do circuito inferior não é apenas local, mas regional
e nacional, fundamentalmente a partir dos agentes pouco capitalizados que
integram, junto ao circuito superior marginal e ao circuito superior, a formação
de áreas especializadas na metrópole (SILVEIRA, 2004) e, assim, participam das
polarizações.
Além disso, a irrupção e depois a banalização do comércio eletrônico, graças à
nova base técnica e aos sistemas de ações definidos como logística, tenderam a
tornar ubíqua a variedade. A partir de um smartphone ou de um computador é
possível o acesso a produtos e serviços para além da hierarquia urbana. De posse
de sistemas próprios de logística ou em parceria com outras empresas, Amazon,
Mercado Livre e OLX, para mencionar algumas, ampliam os contextos da oferta e
da demanda e revelam que boa parte das articulações entre os circuitos, mais do
que nunca antes, acontecem fora de cada cidade.
Na economia superior, os avanços da tecnificação, somados às formas mais
flexíveis de contratação, tendem a demandar menos empregos em certos pontos
do território. Em decorrência, expande-se o circuito inferior para absorver esse
excedente de mão de obra e, desse modo, tende a aumentar a concentração de
pessoas naqueles pontos onde a demanda já existe e por isso é possível oferecer
algum bem ou serviço. As novas formas de organização da produção contribuem
para explicar os movimentos da população, as novas localizações produtivas e as
renovadas economias de aglomeração nos pedaços das cidades.
Por outra parte, os atacadistas, dentre eles os hipermercados, avançam sobre
o varejo, isto é, envolvem os consumos ‘consumptivos’ das classes médias e o
abastecimento das pequenas quitandas do circuito inferior. Significará isso
uma redução da intermediação? Em função das situações de oligopólio que
exercem, esses grandes atacadistas não diminuem os preços e, desse modo, nos
perguntamos se estamos defronte novos horizontes de acumulação pelo fato de
prescindir de porções marginais.
modo de existência na cidade contemporânea
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Como massa ou como fluxo a população mostra, hoje, a pobreza estrutural e
sua coexistência com a multiplicação dos consumos. Esse retrato parece-nos
mais uma prova da necessidade de entender a pobreza como um fenômeno
historicamente determinado. Como já escrevera Milton Santos em 1978, a
pobreza deve ser entendida ao mesmo tempo como uma categoria econômica e
como uma categoria política. Demanda uma noção dinâmica, já que não é apenas
um estado, mas um processo; não é um elemento residual, senão um aspecto
estrutural do processo de modernização concentrada. Esse é o contexto no qual o
circuito inferior cresce aparentemente sem limites, encontrando também outros
usos para a técnica contemporânea (Santos, 1996; Martín-Barbero, 2003).
O circuito inferior contribui a criar, espontaneamente e sobretudo na metrópole,
economias de aglomeração. Estas são um verdadeiro laboratório para
compreender a imitação, mas também a criatividade da economia de baixo
fundada na docilidade das técnicas contemporâneas, na aderência ao lugar, no
abastecimento e no emprego a partir de baixos capitais e abundante trabalho.
Nesses atores, a preocupação pela sobrevivência ultrapassa a preocupação pelo
lucro como elemento funcional da atividade.
Essa economia assemelha-se a um tecido. No momento em que invade os
mercados de insumos e produtos do circuito inferior, o circuito superior substitui
o tecido –o abastecimento recíproco entre agentes pouco capitalizados– por um
fio –grandes firmas que exercem situações de oligopólio e oligopsônio. O certo
é que o circuito superior renova, sobre a base da técnica da informação, sua
capacidade de macro-organizar o território e o circuito inferior parece, ao mesmo
tempo, ampliar-se e diminuir os excedentes do seu trabalho.
Acelerada pelas consequências da pandemia de Covid-19 e das políticas exercidas
para combatê-la, a expansão do circuito inferior e da pobreza demandará, ainda
mais que antes, uma perspectiva compreensiva da cidade como um todo e não
apenas uma mera descrição de atividades modernas. Hoje, a cidade é o reino dos
paradoxos, os quais despontam como limites para um discurso taxativo. Nesse
caminho, trata-se de atentar para as relações horizontais, as interdependências e
as solidariedades que permitam entender as formas de descobrimento da escassez
e o pragmatismo existencial (Santos, 2000) como formas de construir uma nova
consciência. As novas combinações técnicas e a valorização das economias de
aglomeração como lugares de coexistência poderiam, entre outros aspectos,
apontar um conteúdo para a política.
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Recebido em: 10 de dezembro de 2021
Aceito em: 15 de março de 2022
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