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N. 44 – 2022.2 – RODRIGO XAVIER
Alma Portugueza – “célula mater” do Integralismo Lusitano
Rodrigo Xavier1
Resumo: O presente texto tem por objetivo apresentar em linhas gerais Alma Portugueza (1913),
periódico, cuja repercussão foi irrisória no contexto de produção do que denominamos primeiro
momento do Modernismo português, mas que foi decisivo por revelar um núcleo substantivo de certa
intelectualidade portuguesa comprometida com o ideário monárquico e católico em plena florescência
da primeira República. Considerado oficialmente pelos seus colaboradores um órgão do Integralismo
Lusitano, a revista publicada em apenas dois números, pode ser considerada o primeiro suporte oficial
para divulgação das ideias integralistas em Portugal, uma espécie de protótipo de outras publicações
mais celebradas, divulgadas e investigadas no meio acadêmico: Nação Portugueza (1913-1938) e o
diário A Monarquia (1917-1925).
Palavras-chave: Integralismo Lusitano; Alma Portugueza; Periódicos modernistas; Nacionalismo.
Apresento aqui o preâmbulo de uma investigação recém iniciada, motivada pelo
momento político que vamos atravessando desde 2018 (embora gestado desde 2013). A
investigação tem por objetivo identificar os antecedentes do que os especialistas têm chamado
de “onda conservadora” e “guinada da ultradireita pelo mundo”, movimentos que têm
contribuído significativamente para o declínio da democracia e para a ascensão de governos de
verniz totalitário. Não tenho a menor pretensão de fazer uma análise de conjuntura política,
tampouco esmiuçar e dissecar a democracia brasileira, apontando os motivos pelos quais
chegamos a esse estágio de desencanto e desesperança. Há muitos trabalhos de sociólogos,
antropólogos, cientistas políticos, filósofos e historiadores que enveredam por essas searas,
analisando, sobretudo, as consequências diretas no estremecimento do Estado de Direito e das
Instituições Democráticas. Meu objeto de estudo para identificação do que chamo de
antecedentes é a literatura de Portugal e Brasil, mais especificamente, a literatura modernista
publicada entre os anos 1913 e 1932 nas revistas literárias, dedicando uma atenção especial a
periódicos conectados ao Integralismo. Esse recorte é justificável na medida que esse é o
período que compreende o surgimento do Integralismo em Portugal e no Brasil, e privilegia os
1
Professor Associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Doutor em Linguística, Letras e Artes pela Universidade de Chicago. Doutor em
Linguística, Letras e Artes pela Universidade Federal Fluminense. Mestre em História Social da Cultura pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Graduado em Letras pela Universidade Católica de Petrópolis.
E-mail:
[email protected]. Orcid ID: http://orcid.org/0000-0003-3801-8962.
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textos literários ou filosófico-programáticos em detrimento de textos de natureza mais
antropológica, sociológica ou política em sentido mais restrito2.
Logo, a minha atenção está voltada a uma análise sob uma perspectiva da crítica
literária, em diálogo com a cultura e com as outras artes, buscando compreender em que medida
os textos publicados pela intelectualidade luso-brasileira, que esteve envolvida direta ou
indiretamente nos movimentos modernistas dos países falantes do português, já apresentavam
de maneira sistemática e contundente elementos que viriam a constituir a ideologia de boa parte
dos partidos e governos de exceção a partir da primeira guerra mundial, no afã de perceber o
quanto desse imaginário integralista estendeu suas garras a outros movimentos conhecidos por
nós, deslocando esse olhar para o século XXI.
Assim, escolhi para essa primeira fase da investigação o periódico Alma Portugueza a
ser oportunamente apresentado em detalhes, e que é considerado o suporte pioneiro na
divulgação das ideias preconizadas pelos membros fundadores do Integralismo Lusitano.
Desde surgimento, em 1929, da revista intitulada Annales d’Histoire Économique et
Sociale, fundada pelos franceses Lucien Febvre e Marc Bloch, funda-se uma nova corrente
historiográfica denominada Escola dos Annales. Os estudos históricos tomam um rumo
decisivamente diverso daquele que marcara esse campo do saber até o primeiro quarto do século
XX. Não apenas o método historiográfico, de cariz positivista, que colocava em evidência
exageradamente fatos e datas, fora colocado sob suspeição, mas toda uma ideia de história
fundamentada no estatuto das instituições e das elites dominantes, sob uma perspectiva de
compreensão que não se debruçava, tampouco se empenhava em realizar grandes análises de
estrutura e conjuntura, começava a ser descreditado.
A partir dessa ruptura com a visão positivista, a história passa a ser relatada como uma
crônica sucessiva e permanente dos acontecimentos, modelo que pretendia substituir as visões
breves anteriores por análises de processos de longa duração com a finalidade de permitir maior
e melhor compreensão das sociedades.
Essa nova perspectiva inaugurada pela Escola dos Annales possibilitou que os
historiadores revisitassem temas da historiografia tradicional, deslocando-os de uma certa
condição pacificada, transformando-os em termas espinhosos, controversos, eivados de
2
Para maior aprofundamento histórico sobre o Integralismo em Portugal ver: PINTO, A. C. Os camisas-azuis:
Rolão Preto e o Fascismo em Portugal. Porto Alegre: EDIPUCRS; Recife: EDUpE, 2016.
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antinomias (não em sentido jurídico) e peculiaridades que passavam a conectar os referidos
temas às coordenadas de espaço, tempo e circunstâncias próprias de uma modernidade já
consolidada. Nesse sentido, conceitos como nacionalidade, patriotismo, identidade,
singularidade, raça, passaram a ser temas diretamente ligados a essas novas perspectivas dos
estudos históricos, que se ramificariam a ponto de possibilitar o surgimento de novas teorias
que, por sua vez, determinariam o surgimento de novos campos de estudo historiográfico. É o
caso da história cultural, e das histórias das ideias das mentalidades.
Logo, sob a égide da história das ideias, proponho, portanto, pensar o periódico Alma
Portuguesa (1913) como suporte estético que gestou o embrião do Integralismo Lusitano (IL),
movimento de cariz fascista em Portugal, iniciado por Luis de Almeida Braga, Franscisco Rolão
Preto, Alberto Monsaraz e Domingos de Gusmão Araujo, e que viria a influenciar a Ação
Integralista Brasileira (AIB), capitaneada por Plinio Salgado, um modernista de pouca
expressão à altura da Semana de 1922, mas depois tornado consagrado romancista,
concentrando esforços em oferecer ao seu leitor a redescoberta de um Brasil e de um brasileiro
“reais e verdadeiros”.
Por conta de sua reverberação em várias áreas constitutivas da sociedade – arte,
antropologia, religião, política, economia – o integralismo constituiu-se como um dos mais
complexos movimentos sociopolítico-culturais, considerado por especialistas “o maior
movimento da extrema direita na história do Brasil” (GONÇALVES; NETO, 2020, p. 91). Por
conta de sua capilaridade e atualidade, o movimento nunca esteve completamente silenciado, e
a adesão dos integralistas ao discurso ideológico do atual governo federal demonstra a
permanência do integralismo como uma realidade viva e presente. Muitos integrantes dos
movimentos neointegralistas apoiam Bolsonaro, e atuam de maneira direta no governo. O
PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro), do qual faz parte o vice-presidente Hamilton
Mourão, foi fundado pelo político mineiro, Levy Fidelix, um defensor público de Plinio
Salgado e dos ideais integralistas preconizados já na década de 1930 pelo fundador do
movimento no Brasil: Deus, pátria, família. O lema integralista, proferido ad nauseam pelos
seguidores de Jair Messias Bolsonaro, teve um quarto conceito recentemente adicionando à
tríade integralista, liberdade.
A concepção de Deus, nesse caso, continua sendo o de concepção judaico-cristã
promulgada pela cultura lusófona, mas no Brasil temos presenciado o deslocamento do
Catolicismo para o Protestantismo neopentecostal, representado de maneira assertiva pelas
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igrejas Universal do Reino de Deus e Assembleia de Deus Vitória em Cristo, mas também
seguido de perto pelos líderes da Igreja Internacional da Graça de Deus e pela Igreja Mundial
do Poder de Deus, além da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, igreja dos pastores Gilmar
Santos e Arilton Moura, ambos acusados de atuar em gabinete paralelo do MEC (Ministério da
Educação) recebendo vantagens em negociações com verba pública. Portanto, as igrejas têm se
mostrado capilarizações poderosas do bolsonarismo, e por que não, do neointegralismo.
A pátria é concebida por viés eugenista, excluindo todos aqueles e aquelas que atentam
contra o ufanismo nacionalista de feições anticomunistas e “democráticas”. A pátria é o lugar
de ordem, de progresso, de conclamação das forças armadas caso seja necessário coibir o
ímpeto revolucionário e contestador, anarquista e baderneiro daqueles que não se coadunam às
práticas exercidas pelo chefe do executivo. Uma pátria que, se preciso, jogará fora das quatro
linhas da Constituição Federal. Logo, é uma pátria que exclui, que segrega, que mata, sobretudo
pelas políticas que não se mostram eficazes para a redução das desigualdades, ao contrário,
preocupam-se em oferecer uma blindagem a tudo que possa parecer ilegal e imoral,
engendrando toda espécie de terceirização para a corrupção, para o crime e para o
aparelhamento dos aliados, o que possibilita que as atrocidades continuem a ser cometidas sem
que os demais poderes possam intervir de forma mais decisiva, afinal, quem corrompe não é
ninguém ligado diretamente ao poder público.
Por último, a concepção de família se estende como um braço desse paradigma
teocrático e excludente, já que esse modelo que se procura apresentar como sendo o ideal para
uma sociedade ordenada e próspera não admite uma configuração na qual aquela não seja
constituída por pais e mães cisgêneros e heterossexuais, geradores de filhos no casamento,
terminantemente contrárias ao aborto sob quaisquer circunstâncias, e que, de preferência, façam
também parte de uma das comunidades religiosas supracitadas, pois do contrário, estarão
sujeitas ao pecado e à perdição, em última análise, condenadas ao inferno.
Dada a natureza ampla e complexa do Integralismo, deter-me-ei na apresentação das
linhas gerais do integralismo a partir da leitura de Alma Portugueza (1913), periódico pioneiro
na divulgação das ideias do IL, ideias essas que servirão de exemplo dezenove anos depois para
a escritura do Manifesto de Outubro (1932), assinado por Plínio Salgado, documento seminal
para a formação da Ação Integralista Brasileira (AIB).
Segundo os pesquisadores Leandro Gonçalves e Odilon Neto (UFJF), autores de O
fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo (2020):
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Há diversos indícios das relações entre Plínio, o integralismo brasileiro e [...]
o Integralismo Lusitano, movimento conservador inspirado na Action
Française. [...] Ambos se inspiravam no modelo de organização social
proposto pelo papa Leão XIII, por meio da encíclica de 1891, a Rerum
novarum. (GONÇALVES; NETO, 2020, p. 125).
Logo, a partir dessa perspectiva no campo da historiografia sobre o tema, levanto a
hipótese de que Alma Portugueza constituiu-se suporte essencial no processo de formação do
integralismo enquanto movimento doutrinário, portador de um projeto político que pode ser
definido segundo muitos estudiosos do tema como conservadorismo radical. Claramente neste
texto essa hipótese ficará ecoando à espera de desenvolvimento ulterior, todavia estou
convencido de que os valores, ideais e diretrizes apresentados ao longo dos textos que integram
Alma Portugueza nos oferecerão pistas para respondermos futuramente ao hiato que ora se faz
presente.
O Periódico
Antes de irmos ao periódico, convém reforçar a ideia de que o Integralismo Lusitano,
antes de se transformar num movimento que visava à transformação política em Portugal, tinha
como ponto de convergência que o individualizava a decisiva atuação no campo literário e
estético. Nomes como António Sardinha, Alberto de Monsaraz e Hipólito Raposo publicaram
ficção, poesia, crítica de teatro e eram conhecidos pela sociedade da época como o grupo dos
“Exotéricos”, em sua grande maioria estudantes de Direito da Universidade de Coimbra. O
próprio António Sardinha declarará que “Charles Maurras disse um dia [...] 'les lettres nous ont
conduit à Ia politique [...] mais notre nationalisme commence pour être esthétique'. Ao pensar
um pouco nas nossas origens literárias [...] eu reconheço que também a nós as Letras
conduziram à política [...]” (SARDINHA, 1925, p. 147).
Alma Portugueza contou com apenas dois volumes de série única, publicados em maio
e setembro de 1913, respectivamente. Impresso em Louvain (Bélgica), teve como principais
colaboradores: Domingos de Gusmão Araújo (Diretor), Ramos Ribeiro (Diretor Artístico),
Rolão Preto (Secretário de Redação), D. António Alvares Pereira (Cadaval – Administrador),
Ascenso Siqueira, Alberto de Monsaraz, Luis de Almeida Braga, Henrique de Paiva Couceiro,
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Alberto Pinheiro Torres, Ayres d’Ornellas e Alexandre Corrêa. Muitos desse intelectuais
encontravam-se exilados na Bélgica dada sua posição antirrepublicana e pró-monarquista.
Subintitulado pelos seus idealizadores “Órgão do “Integralismo Lusitano” – Revista de
philosophia, litteratura e arte, sociologia, educação, instrucção e actualidades”, é no periódico
de vida breve, todavia fundamental para a consubstanciação do Integralismo Lusitano, que
teremos a oportunidade de em primeira mão conhecer os propósitos, os fundamentos e a
inspiração ideológica do movimento sociopolítico-cultural que deu origem ao supracitado
conservadorismo radical. Fato é que os elementos que se fazem presentes em Alma Portugueza,
componentes do extrato genético das propostas seminais do Integralismo Lusitano, conhecerão
desdobramentos em outros suportes que se prestarão a disseminar a sua respectiva ideologia,
como acontecerá na revista Nação Portugueza (1913-1938) e no diário A Monarquia (19171925).
Alma Portugueza então vem a configurar-se como clave que nos auxilia a compreender
o IL, e esse germe se desenvolverá de maneira muito mais sistemática nos suportes posteriores,
mesmo porque muitos daqueles colaboradores que inauguram o movimento em Alma
Portugueza migram para a Nação Portugueza na sequência: Alberto de Monsaraz será o diretor
do periódico, Domingos de Gusmão Araújo, diretor de AP também migra para NP, assim como
acontece com Luiz d’Almeida Braga e Rolão Preto.
Os colaboradores do periódico pretendem (segundo José Manuel Cordeiro) “ser um
órgão de união de todos os patriotas na alma e consciência portuguesas, fundados no
tradicionalismo progressista e no cristianismo com “a sombra protectora de Nun’Alvares, herói
e santo, a mais pura consubstanciação da alma nacional” (CORDEIRO, 2009, p. 141). Como
na máxima proferida pelos católicos: “Um santo não nasce, um santo faz-se”, Nun’Álvares é
santo porque forjou-se cavaleiro, corajoso, estrategista militar responsável pela vitória
portuguesa em Aljubarrota, e que renuncia a toda fama, dinheiro e heroísmo para servir a Deus.
Nele encontram-se as qualidades essenciais de um português exemplar, que deve ser tomado
como exemplo, para que a pátria possa ter chance de ressurgir grandiloquente e próspera.
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Fig. 1 Alma Portugueza (capa e contracapa). Fonte: Biblioteca João Ameal (2022).
O projeto gráfico da revista já oferece ao leitor pistas do que o espera no miolo da
publicação. Um cavaleiro vestindo uma indumentária que mistura as simbologias militar e
religiosa, olha para o céu, compondo um figurino que muito se assemelha, numa primeira vista,
aos cavaleiros cruzados, mas que poderia remeter aos grandes heróis pátrios dos primeiros
séculos de existência portuguesa: D. Afonso Henriques e Nuno Álvares Pereira.
Usa uma casula, com uma cruz desenhada, veste botas, segura a bandeira de Portugal
que, apesar de a figura não apresentar cores, remete à versão da flâmula de 1830, com corte
vertical separando as cores azul e branca, divididas pelo escudo com presença da coroa,
portanto, não se tratando da bandeira republicana, adotada posteriormente a 1910. No chão, o
capacete de guerra no formato próximo ao barbute, retirado em sinal de respeito ao ambiente
eclesiástico, representado pelas naves de uma igreja com arcos em ogiva, o que remete ao
período da baixa idade média, onde predomina a arte gótica. A fonte usada nas letras também
remete ao gótico.
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Na contracapa, a simbologia religiosa é intensificada. Contrastando com a espada,
símbolo bélico e de luta, instrumento de batalha do cavaleiro, por excelência, figura um
galhardete, dividido em quadrantes por uma cruz. Em cada quadrante, uma cena relativa a
figuras bíblicas. No primeiro, o episódio da crucificação de Jesus, passagem conhecida do
evangelho de S. João, vemos provavelmente Maria mãe de Jesus, acompanhada, possivelmente,
do próprio apóstolo evangelista, em episódio conhecido de todos os cristãos: “Jesus, ao ver sua
mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: ‘Mulher, eis aí o teu filho’. Depois
disse ao discípulo: ‘Eis aí a tua mãe’. Daquela hora em diante, o discípulo a acolheu consigo”.
(JOÃO, 19: 15-27). Há ainda as inscrições Sta. Maria e S. João. No segundo, não há inscrições,
apenas a representação de Maria com o menino Jesus no colo. No terceiro, a inscrição S. Jorge
encontra-se ao lado da representação do santo militar, que foi degolado pelo imperador
Diocleciano no ano de 303 d.C., por conta de sua fé cristã. Também ajoelhado, como Maria e
S. João no primeiro quadrante, vemos ao lado de sua figura o seu capacete depositado no chão.
No último quadrante, vemos a inscrição S. Tiago, referindo-se a São Tiago Maior, irmão de
João Evangelista, único apóstolo dos doze que foi martirizado provavelmente no ano 44 d.C.,
em Jerusalém. São Tiago se tornou o patrono do exército português, porque sofreu as
perseguições pelo seu Cristianismo convicto, e não esmoreceu, ao contrário, enfrentou com
coragem os atos persecutórios.
As referências apontadas aqui mereceriam um trabalho à parte, que desse conta de
analisar as relações simbólicas entre as figuras religiosas e figuras míticas da história de
Portugal, como D. Afonso Henriques, D. João I, Nuno Álvares Pereira e D. Sebastião. Como
esse não é o objetivo central desse breve excurso sobre Alma Portugueza, concentrarei as
minhas observações sobre as referências da capa e da contracapa com os textos que figuram no
interior dos volumes.
Em carta a Luís de Almeida Braga, António Sardinha, que vai ser colaborador decisivo
em A Nação Portugueza, aponta as coordenadas ideológicas do movimento que se inicia a partir
de 1911, com o exílio na Bélgica de alguns daqueles intelectuais de Coimbra, e que vai
encontrar a sua consubstanciação com a fundação definitiva do movimento. Cito:
É o misticismo da raça que eu ali procuro corporizar, são as pesquisas inimigas
da nossa história que ali se denunciam e desbaratam, é a revisão das
possibilidades organizadoras do génio nacional, o minucioso exame de
consciência da nossa época que já levo de vencida, cosmopolitismos e
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teorizações sociais para se reconciliar de novo com essas duas grandes
verdades que são o Catolicismo e a Monarquia. [...] A pálida tendência
estética do Tronco Reverdecido desdobra-se naquelas páginas quentes, em
amplos motivos de disciplina e ressurgimento [...] A crise histórica que o
nosso país atravessa reveste de exigências imperiosas o que noutras condições
bem poderia ser apenas para a mocidade culta uma pacífica atitude
psicológica. Hoje a Acção reclama-nos. (SARDINHA, 1942 apud BRAGA,
1942, p. 423, grifo meu).
Catolicismo e Monarquia. Dois princípios fundamentais para o programa do IL, e já
presentes como gênese em Alma Portugueza. Em seu editorial, publicado no primeiro número,
é possível realizar a conexão do projeto gráfico da revista com os princípios fundacionais do
IL, propostos por Sardinha (1942).
Texto sem assinatura, portanto, atribuível a qualquer um dos colaboradores, traz título
homônimo à publicação, e explicita em linhas gerais os motivos pelos quais Portugal enfrenta
crise jamais vista, “a mais grave crise de sua história” (ALMA PORTUGUEZA, 1913a, p. 1)
propondo caminhos para que o país ressurja de uma decadência de caráter público e particular,
ocupando lugar que lhe é de direito, com as bençãos de Deus. Esse lugar de “direto
incontestável” (ALMA PORTUGUEZA, 1913a, p. 3), deveria ser assegurado à pátria
portuguesa “pelas suas tradições, pela sua fé, pela sua história, pelo seu gênio literário e pelas
virtudes de seus filhos” (ALMA PORTUGUEZA, 1913a, p. 3), pois segundo os integralistas
essas virtudes tipicamente lusitanas têm sido desprezadas, ou “orientadas em sentido
defeituoso” (ALMA PORTUGUEZA, 1913a, p. 4), pelos defensores do Liberalismo e da
República.
Mais do que apontar o direito incontestável de Portugal de reassumir o seu protagonismo
entre as nações europeias, o texto-prólogo aponta categoricamente as causas da crise pela qual
passa o país: 1. Desorganização da sociedade; 2. Falta de espírito nacional; 3. Indisciplina
intelectual e moral; 4. Ausência de correntes de opinião. Segundo o texto, escrito pelos exilados
idealizadores de Alma Portugueza, ainda que houvesse uma alma portuguesa (dormitante)
resultante dos milagres do heroísmo e da fé, faltava aos portugueses uma consciência nacional,
que se constituiria como caráter coletivo dessa alma. Para eles, o novo regime político
centralizou as decisões e afastou as forças vivas nacionais, que deveriam emanar dos recônditos
da terra, dos municípios, do atavismo, dos que vivem da e para a terra mãe, e que não foram
corrompidos pelos valores cosmopolitas, internacionalizantes, e globalizantes, que difundiram
a falácia de que a civilização e o progresso são antagônicos à fé católica. O espírito
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revolucionário da República recém fundada – e que já oferece mostras de decadência – se
caracteriza pela sedução, pela imperfeição e pela precipitação.
Fig. 2 Alma Portugueza (sumário - detalhe). Fonte: Biblioteca João Ameal (2022).
Um outro inimigo à vista. Era preciso frear um movimento neopagão em curso, e
assegurar-se de que as leis e as instituições não prevaleçam se não estiverem em “consonância
com a tradição, os costumes, a história e o desenvolvimento intelectual de seu povo” (ALMA
PORTUGUEZA, 1913a, p. 2). Ora, estar em consonância com esses quatro pontos me parece
convergir com o combate das quatro causas apontadas para a crise, mas sobretudo, estar
alinhado aos valores do Catolicismo e da Monarquia, que retornam com força natural a partir
de uma revalorização de um passado que foi re-construído historiograficamente desde o século
XV, a partir de uma perspectiva que supervalorizou um extrato mítico-místico, no qual as
coordenadas principais sempre estiveram pautadas por esses valores de gênese medieval.
Parece haver natural justificação para essa reivindicação, já que o povo português é
“marcado” desde a sua fundação como um povo “escolhido” por Deus, um novo reino de Israel,
reafirmada essa escolha na sua refundação, ambas (a fundação e a refundação) atravessadas,
portanto, pelo messianismo monárquico, uma vez que não é um profeta vindo do povo que
anunciará a boa nova para que Portugal surja, e sim uma figura aristocrática, como é o caso de
D. Afonso Henriques. Por outro lado, é o rei aclamado pelo povo que vai garantir a soberania
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nacional frente à ameaça castelhana, sendo este rei, D. João I, o mestre de Avis, denominado
posteriormente nas crônicas de Fernão Lopes o “mexias de Lisboa”, denominação associada à
vitória de um rei popularmente “escolhido”, cujo lugar provavelmente não teria alcançado não
fosse a estratégia militar, e a devoção religiosa de seu mais fiel compatriota, Nuno Álvares
Pereira, escolhido pelos colaboradores de Alma Portugueza, como já mencionado, o patrono
português por excelência. “É preciso que a maravilhosa terra de Nun’Álvares ressurja; que volte
a ocupar o logar a que tem direito; que viva livre. Prospera, honrada, e feliz sob a bençâo de
Deus” (ALMA PORTUGUEZA, 1913a, p. 9).
Pode-se levantar a questão Sebastianista, episódio definitivo na construção do caráter
mítico-místico do espírito pátrio. Curiosamente, D. Sebastião não é mencionado no primeiro
número da revista. Talvez porque o primeiro número esteja mais preocupado em definir em
linhas gerais a proposta da revista e os seus valores mais essenciais, mas também pode dizer
respeito ao caráter saudosista que poderia emanar de uma revisitação ao mito sebastianista, o
que de certa forma seria questionado em princípio pelos atores de Alma Portugueza, uma vez
que se colocavam reativos ao Saudosismo de Teixeira de Pascoaes (O Espírito Lusitano ou o
Saudosismo, 1912). Consideravam-se os integralistas de primeira hora saudosistas numa
perspectiva diferente dos integralistas de segunda hora, que estavam mais conectados ao mito
Sebastianista:
Se à primeira visão —de saudade— pertencia uma imagem idilicamente
medieval de Portugal, alicerçando-se aí a doutrina política integralista, de
tradicionalismo, nacionalismo isolacionista, descentralização e antiimperialismo, à segunda — sebastianista — correspondia uma imagem
gloriosamente épica, que praticamente invertia aqueles valores anteriores,
optando agora pelo intervencionismo, pelo peninsularismo, pelo imperialismo
e, necessariamente, pela centralização. (CARDOSO, 1982, p. 1.403).
Mas como veremos mais adiante, Luís de Almeida Braga, que de fato escreve um texto
programático sobre o Integralismo Lusitano (o protótipo do que seria exaustivamente
desenvolvido no ano seguinte em A Nação Portuguesa, não pode deixar de fora da galeria de
heróis mítico nacionais D. Sebastião.
Voltando ao texto-prólogo, esse encerra a ideia de que o problema da crise precisa ser
resolvido a partir de uma mudança estrutural, a começar pela educação. As escolas “precisam
robustecer a iniciativa individual, preparar homens armados para a luta da vida” (ALMA
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PORTUGUEZA, 1913a, p. 3), e ainda que essa premissa nos pareça uma convocação às armas,
a ideia defendida no periódico é “modificar sem violência, embora com firmeza [...] sem
sectarismos que ofendem todo espírito esclarecido e honesto.” (ALMA PORTUGUEZA,
1913a, p. 4). Para isso é preciso educar as almas ao contato com os grandes poetas, glórias
passadas, soldados, navegadores. Defende o autor do prólogo “Pensemos em portuguez;
escrevamos em portuguez; trabalhemos como portugueses [...] despertemos a adormecida alma
nacional e tudo sera salvo!” (ALMA PORTUGUEZA, 1913a, p. 5).
Com relação à defesa de uma liberdade, que esta esteja diretamente condicionada à
difusão dos princípios cristãos, já que a “salvação da República está na recuperação do
Catolicismo e do Nacionalismo [...] e é da Igreja que deve sair a palavra salvadora” já os
membros colaboradores defendem não querer a “tyrannia; prezamos pela liberdade e
igualdade.” (ALMA PORTUGUEZA, 1913a, p. 6). Como foi o evangelho que trouxe liberdade
à Terra, e a Santa Igreja vive e renasce, apesar dos sectários em minoria quererem sua
destruição, devem todos os portugueses entender que é através dos valores cristãos que
reencontrarão a verdade, e sairão vitoriosos do período de crise imposto à nação pelos ímpios.
É a visão sagrada da pátria redimida pela fé.
Na sequência ao texto-prólogo, deparamo-nos com um poema de Alberto de Monsaraz,
“Terra Mater”, um poema em preparação, apresentado então como fragmento daquilo que
futuramente seria a sua versão completa. Embora não tenha sido encontrada nos documentos
investigados para a escrita deste texto a versão completa do poema, os fragmentos dão conta de
um aperitivo da produção literária dos integralistas de primeira hora.
Trata-se de poema laudatório, que invoca o espírito Camões, a errar pelas arcarias do
Mosteiro dos Jerónimos, e o coloca a lamentar sobre o destino que tiveram os portugueses em
consequência dos atos de seus “filhos”, que viraram as costas ao país, e se afastaram dos
princípios cristãos, perdendo também a força e a coragem dos antepassados.
Ao que chegaste, ninho meu paterno!
A uma noite perpetua de desgraça,
Num aflitivo e tempestuoso inverso.
Ó raça egrégia, raça ilustre, raça
Cheia de força e cheia de ousadia,
Que flagelo mortífero te ameaça?
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Terra materna quem te repudia?
Patria os teus filhos? Dize-me onde estão?
Nem te amparam na hora da agonia! [...] (MONSARAZ, [19-?] apud ALMA
PORTUGUEZA, 1913a, p. 10).
À fórmula “consonância com a tradição, os costumes, a história e o desenvolvimento
intelectual de seu povo” (ALMA PORTUGUEZA, 1913a, p. 3), citada anteriormente nesse
texto como uma resposta aos problemas que se somam para eclodir na maior crise da história
do país, converge o poema de Monsaraz. Ao evocar Camões como símbolo pátrio (e claro, não
é a primeira vez que isso acontece na historiografia literária portuguesa), Monsaraz colocará
em evidência a raça cantada por Camões n’Os Lusíadas, a “raça egrégia, raça ilustre, [...] cheia
de força e [...] ousadia.” (MONSARAZ, [19-?] apud ALMA PORTUGUEZA, 1913a, p. 10),
raça que, confrontada com o momento histórico da primeira república, não se reconhece nos
filhos herdeiros, que para além de não incorporarem os seus valores, abandonaram a pátria, que
agora agoniza. A perdida raça, então, seria revigorada pela divina clemência, representada por
S. Thiago, personagem central da simbologia católica para os colaboradores da revista.
Por nós S. Thiago, assista-nos o Céu,
Se ainda ha peitos anciosos de combate
Mostrem de novo o ardor que Deus lhes deu! (MONSARAZ, [19-?] apud
ALMA PORTUGUEZA, 1913a, p. 11).
São Thiago, apóstolo comprometido com a causa cristã, disposto a dar a vida pelos seus
valores, aproxima-se de Nun’Álvares, que fenecerá séculos depois por sua entrega ao
Cristianismo, dada a abdicação integral de toda a riqueza, fama, e protagonismo conquistados
pela vitória contra os castelhanos. Beatificado pela Igreja Católica em 1918, seu processo de
canonização, por razões de ordem política, foi concluído somente em 2009, quando houve a
oficialização do então novo santo português, São Nuno de Santa Maria, sacramentada pelo papa
Bento XVI a 26 de abril daquele ano.
O primeiro número ainda apresenta um texto ácido de Domingos de Gusmão Araújo no
qual ataca o Romantismo como uma “doença da alma”, um texto de João da Cruz sobre a
importância da questão educativa caminhar em consonância com religião; um poema de Luís
de Almeida Braga “Ritmos do outono sobre as folhas”, que integraria no futuro um livro
Pastorinha que fugiu da serra (aparentemente não publicado pelo autor), apresenta mais uma
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vez, agora com um investimento simbólico mais requintado, o tema da crise. A voz lírica,
marcada pela desilusão dos acontecimentos através do tempo, metaforizado pela passagem das
estações, anseia por um novo tempo, mas, curiosamente, assume o poema o lamento em tom de
saudosismo sebastianista: “Deserto d’alma, terra que não cria / areal revolto em noite
tormentosa”, ou ainda, “Meus desejos, minha esperança e alegria, / foi semente em chão d’areia
/ caravana perdida em terra lavradia” (BRAGA, [19-?] apud ALMA PORTUGUEZA, 1913a,
p. 27).
O interessante “Inquérito à vida nacional”, assinado por Henrique de Paiva Couceiro,
apresenta-nos o tom melancólico e desesperançoso do texto-prólogo, elencando outros
elementos para justificar a decadência moral na qual o país mergulha, associando a crise à
escolha pelo regime republicano, anticatólico e, portanto, condenado ao fracasso. O estado de
espírito de pessimismo e descrença é a causa da doença que acomete Portugal no início do
século XX:
E n’esse amargo viver d’esperanças desiludidas, os ambientes da Existencia
Nacional transformaram-se n’um pesado chumbo de Pessimismos, n’uma
obscuridade fúnebre de Descrenças, n’ima asfixia devoradora de Virilidades,
Energias e Efficacias. Cada qual se julga victima de um Destino inevitável, e
mau, cujas responsabilidades lhe não cabem, e perante os golpes fataes, os
esforços da sua oposição pessoal não passariam de lançadas no vácuo, ou
passos de Quixote, contra o vulto de moinhos inabaláveis. [...] Desse
amontoado d’escombros moraes e materiaes, um ensinamento se envolve,
contudo: A certeza presumível de que tomaremos o bom caminho, quando
seguirmos pelo contrario d’aquelle que a republica seguio. (COUCEIRO, [19?] apud ALMA PORTUGUEZA, 1913a, p. 29-30).
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Fig. 3 Alberto Monsaraz (acima) com António Sardinha (esq.) e Luís de Almeida Braga (dir.), no exílio, em 1920. Fonte:
Disponível em: http://www.estudosportugueses.com. Acesso em: 4 jun. 2022.
No seu segundo número, Alma Portugueza publica o texto de Luís de Almeida Braga,
uma espécie texto-programático do Integralismo Lusitano, anunciando então o os princípios
que já haviam aparecido no editorial da revista publicado no primeiro volume. Ambos os textos
convergem para as mesmas diretrizes programáticas: defesa do cristianismo católico;
aproximação da arte e da ciência com a religião; valorização do passado no sentido de retomálo para um resgate de valores. O tempo de ouro de Portugal foi a Idade Média, é lá que repousa
o Portugal genuíno; ataque aos movimentos estéticos que se pautaram em paradigmas
racionalistas, cientificistas em detrimento do paradigma religioso, delegando a este a “condição
única e necessária de saúde e de cura” (BRAGA, [19-?] apud ALMA PORTUGUEZA, 1913b, p.
55). Portugal passa por um momento de decadência do pensamento e enfraquecimento do
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caráter. Quem redimirá Portugal? A Monarquia e a Igreja Católica. A família, é uma extensão
natural das duas coisas.
Fig. 4 Texto de Luís de Almeida Braga. In. Alma Portugueza. Nº 2 (detalhe). Fonte: Biblioteca João Ameal (2022).
Segundo Almeida Braga, essa decadência e esse enfraquecimento, já apontados e
desenvolvidos no texto-prólogo do primeiro número da revista, conclama os portugueses a
voltarem seus olhos para o passado. “Voltemos nós também os nossos olhos para traz, [...]
ardendo em vivos desejos de crear. O Passado é um incitamento para o Futuro, é uma divida a
pagar (BRAGA, [19-?] apud ALMA PORTUGUEZA, 1913b, p. 56). E é nos exemplos do
passado (com letras maiúsculas?) que devemos também nos espelhar para que recobremos a
glória, o caráter, a altivez e o progresso. A cura. De olhos levantados, como o cavaleiro cristão
que estampa a capa da revista, invoquemos (como invocara Camões o Conde de Monzaraz) os
heróis cristãos de um tempo que pode ser reconstituído:
Levantemos os olhos para Nun’alvaras (sic), o heroe e o santo, que com a alma
cheia d’aventura e d’amõr de Deus é com D. Sebastião, o rei Encoberto que
vive na esperança de todos nós, o mais alto symbolo da nossa raça. Só a fé
produz grandes obras, e toda a belleza perfeita nasce d’um ideal perfeito.
(BRAGA, [19-?] apud ALMA PORTUGUEZA, 1913b, p. 57).
Não há construção sem crença, não há obra sem sonho, não há espírito nacional sem a
recuperação de valores perdidos e integradores da alma portuguesa, que a certa altura se perdeu
pela decadência do pensamento e enfraquecimento do caráter. Para se ter alma, há de se
acreditar nela. Para ser português, há de se reconhecer nos seus heróis. Não por caso, a alma
portuguesa precisa conter os traços de caráter e de pensamento de seus heróis, a começar por
Cristo, passando por S, Thiago, S. Jorge, Sta. Maria (mãe de Jesus), Afonso Henriques, D. João
I, Nuno Álvares Pereira, D. Sebastião, e até mesmo Camões, que de certa maneira
consubstancia valores de boa parte dos mitos citados por recriar, transfigurando na literatura,
essa alma portuguesa que aguarda a Hora se repetir. Curiosamente, entre a publicação do
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primeiro e do segundo número da revista, falece António de Macedo Papança, primeiro Conde
de Monsaraz e pai de Alberto de Monsaraz, recebendo no segundo número um epitáfio. Seu
filho dirigirá A Nação Portuguesa e se tornará um dos mais influentes poetas integralistas de
Portugal (fica para um próximo capítulo).
Se cabe dizer algo que possa funcionar aqui como uma conclusão, faço-o tomando a
licença de convocar a historiadora portuguesa Cecília Barreira. Ao pensar, ainda da década de
1980, sobre os desdobramentos do Integralismo no imaginário dos portugueses, afirmava que
“se quisesse caracterizar [...] o imaginário que o integralismo preenche aos nossos olhos de
leitores [...] teria de referir a perpetuidade e o messianismo: [...] há uma irresistível atribuição
de vida às sombras e mitos do passado [...] de um sonho sem antes nem depois.” (BARREIRA,
1982, p. 1426). Qualquer semelhança com os nossos tempos, não me parece mera coincidência.
Referências
ALMA PORTUGUEZA. Lovain: Vlaamsche Drukkerij, n. 1, 1913a.
ALMA PORTUGUEZA. Lovain: Vlaamsche Drukkerij, n. 2, 1913b.
BARREIRA, C. Três nótulas sobre o integralismo lusitano (evolução, descontinuidade,
ideologia, nas páginas da «Nação Portuguesa», 1914-26). Análise Social, Lisboa, v. XVIII (3.º4.º-5.º), n. 72-73-74), p. 1.421-1.429, 1982.
BÍBLIA. Novo Testamento. Os quatro Evangelhos. Tradução do grego, apresentação e notas de
Frederico Lourenço. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
BRAGA, L. de A. Sob o Pendão Real. Lisboa: Gama, 1942. Série A – Política (n. 3).
CARDOSO, M. E. C. Misticismo e ideologia no contexto cultural português: a saudade, o
sebastianismo e o integralismo lusitano. Análise Social, Lisboa, v. XVIII (3.º-4.º-5.º), n. 72-7374, p. 1.399-1.408, 1982.
CORDEIRO, J. M. Nação Portuguesa (1914-1916) – Que Integralismo Lusitano? Lisboa:
Cultura, 2009. v. 26.
ESTUDOS Portugueses. Portugal: [s. n.], [20-?]. Disponível em: http://www.estudos
portugueses.com. Acesso em: 4 jun. 2022.
GONÇALVES, L. P.; NETO, O. O fascismo em camisas verdes [recurso eletrônico]: do
integralismo ao neointegralismo. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2020. Recurso online (212 p.):
ePub, il, 2020.
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PINTO, A. C. Os camisas-azuis: Rolão Preto e o Fascismo em Portugal. Porto Alegre:
EDIPUCRS; Recife: EDUpE, 2016.
SARDINHA, A. Ao Ritmo da Ampulheta. Coimbra: Lumen, 1925.
Alma Portugueza – “mater cell” of the Lusitanian Integralism
Abstract: The present work aims to present in general terms Alma Portugueza (1913), a
Portuguese journal whose repercussions were negligible in the context of production of what
we call the first moment of Portuguese Modernism, otherwise was decisive for revealing a
substantial nucleus of a certain Portuguese members of the intellectual scene, committed to the
monarchical and catholic ideals under the full bloom of the first Republic. Officially considered
by its collaborators as an organ of Lusitanian Integralism, the magazine, that was published
restricted to two volumes, can be considered the first official support for the dissemination of
integralist ideas in Portugal, a sort of prototype of other publications more celebrated,
disseminated and investigated in the academic environment: Nação Portugueza (1913-1938)
and A Monarquia (1917-1925).
Keywords: Lusitanian Integralism; Alma Portugueza; Modernists magazines; Nationalism.
Recebido em: 1º de junho de 2022.
Aceito em: 1º de dezembro de 2022.
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